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Boletim de Pneumologia Sanitária
versão impressa ISSN 0103-460X
Bol. Pneumol. Sanit. v.10 n.2 Rio de Janeiro dez. 2002
Juntos na luta contra a tuberculose
Manifesto de técnicos brasileiros engajados na luta contra a tuberculose, apresentado às autoridades federais, por ocasião da instalação do novo Governo da República presidido por Luiz Inácio Lula da Silva
Apresentação
O Brasil possui uma forte inteligência no combate à tuberculose, resultante de uma longa história nacional. A escola brasileira de tisiologia se multiplica nas universidades, nos serviços e na administração pública, portanto é completa. Vai desde a construção de métodos de controle até os de avaliação, compreendendo o ensino, a pesquisa e a ampla experiência clínica e cirúrgica. Com o Sistema Único de Saúde, o controle da tuberculose institucionaliza-se como direito universal do cidadão, contemplando a todos, de modo integral, sem qualquer barreira de renda, em qualquer parte do território nacional.
Esse manifesto é uma expressão dessa inteligência a respeito das políticas públicas e do papel das instituições brasileiras, em tuberculose, para o próximo governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Constitui-se em alerta sincero e por tal se apresenta como luz verde para a passagem solidária desses homens e mulheres no enfrentamento de grave endemia secular. Como vozes múltiplas, fazem o discurso do consenso, da trilha preferencial com a qual o Brasil se compromete com metas precisas para o seu povo e assinala, na vontade mundial, com as diretrizes que os organismos internacionais firmaram.
Mais precisamente, ao longo de oito páginas, professores universitários, profissionais de saúde e administradores públicos, explicitam o que é e como deve ser o controle da tuberculose no país. Um precioso argumento que aborda desde a origem do problema, sua evolução social, os meios de controle, a organização estratégica dos recursos e métodos e o modo da administração pública conduzi-lo. É, portanto, um manifesto de propósitos que se quer conduzido pelo poder público, em ampla construção da sociedade e em consenso com o restante da humanidade.
Em última análise, o manifesto é propositivo e claramente posto. O que se busca é que até o ano de 2010, num período que vai além do mandato de um governo, no Brasil, ocorra a redução de 50% da prevalência e da mortalidade por tuberculose. É nesse patamar a ser atingido que a expressão dessa endemia se modificará, ocorrendo em dez anos o que levaria dezenas mais, se o ritmo do controle não se ampliar, como se explicita no manifesto.
Introdução
O Governo Brasileiro tem uma base nacional, institucional e pública que o capacita a enfrentar o problema da tuberculose. Trata-se de uma ação de saúde pública, uma estratégia de luta assumida pelo Estado e pelo esforço coletivo, no âmbito do tecido social, em todas as regiões do país, sem desconhecer suas particularidades geopolíticas.
A situação mundial da tuberculose está ligada à pobreza, à má distribuição de renda e à urbanização acelerada. Esse quadro alimenta o ciclo vicioso de doenças como a aids e a tuberculose que atingem, de preferência, o segmento da população economicamente ativa. A epidemia de aids e a emergência de focos de tuberculose multirresistente, como o detectado nos Estados Unidos da América, no início dos anos noventa, e o atual, nos países que compunham a antiga União Soviética, têm mobilizado o mundo para a questão da tuberculose e alertado as autoridades de saúde para a necessidade de revitalização de seu controle com o emprego de medidas enérgicas, eficazes e suficientes.
O Brasil deve manter-se incorporado ao esforço internacional voltado para a eliminação da tuberculose que, afinal, é um problema da humanidade; e cumpre fazê-lo como manifestação autônoma do seu povo e em parcerias com os organismos internacionais para que, juntos, desenvolvam um trabalho solidário entre as nações que buscam libertar o mundo deste flagelo.
Dinâmica e impacto social
O bacilo da tuberculose, uma bactéria agressiva com alto poder de disseminação social, infecta pessoas saudáveis e sabe-se que, de cada dez infectados um se converte em caso de tuberculose ativa. Se nada for feito, metade desses doentes morre no intervalo de dois anos e sua quarta parte passa à condição de crônico. Ou seja, esse processo causa danos irreversíveis a 75% dos doentes não tratados.
Essa agressividade e poder de transmissão transformam a tuberculose numa tragédia, sobretudo para as pessoas que integram os grupos vulneráveis: os pobres, os marginalizados da sociedade, os que são portadores de condições imuno-depressoras, os de idade avançada e, também, as crianças, estas, sujeitas às formas disseminadas, com destaque para a mais letal da doença - a meningoencefálica.
A reunião de fatores que assegura a manutenção da tuberculose entre os grandes problemas de saúde pública requer, para seu desmantelamento em nosso meio, um esforço renovado de mobilização das estruturas e do conhecimento disponíveis nesse campo, a ser executado como parte das ações de Governo dirigidas para a recuperação social da população.
A situação atual no mundo e no Brasil
As estimativas da Organização Mundial da Saúde - OMS - para a tuberculose do mundo, graças à sua difusão, são, hoje, matéria de domínio público. Todos as conhecemos e repetimos qual uma litania.
A terça parte da população já está infectada com o Mycobacterium tuberculosis. O número anual de casos novos de tuberculose chega a 8,7 milhões - a taxa de crescimento entre 1997 e 1999 foi de 6% ao ano - sendo que 80% concentrados em 22 países, entre eles o Brasil. Estima-se que, anualmente, ocorram 1,9 milhões de mortes por tuberculose, 98% delas em países em desenvolvimento e cerca de 350.000 em casos de associação da tuberculose com a aids.
Caso a gravidade desse quadro não se reverta, teme-se que, até 2020, um bilhão de pessoas sejam infectadas, 200 milhões adoeçam e 35 milhões possam morrer.
Do total de casos novos de tuberculose estimados pela OMS, são notificados menos da metade, situação que traduz a insuficiência das políticas de controle. Para os 22 países com maior carga de tuberculose, a estimativa é de 6.910.000 casos novos anuais. Neste grupo, a Índia ocupa a 1a posição com 1.856.000, o Brasil a 15a, com 116.000, e o Afeganistão, a última, com 70.000. Se classificados pelo coeficiente de incidência, o Zimbabwe que está em 21o lugar em número absoluto de casos, assume a liderança com 584/100.000 habitantes, e o Brasil passa para o 22o com uma estimativa de 68/100.000.
A notificação da tuberculose no Brasil, nos últimos anos, situa-se entre 80 e 90 mil casos novos/ano. Sabe-se, pela ausência de um método preciso, da dificuldade para se estimar corretamente o número de casos, o que leva a uma reflexão sobre o emprego dessas estimativas, para que não se cometam equívocos de planejamento e conseqüentes frustrações quanto ao cumprimento de metas.
De qualquer forma, os números do Brasil são extremamente preocupantes. Em 2000, foram notificados 82.249 casos novos, sendo 38.690 no Sudeste, 23.196 no Nordeste, 9.281 no Sul, 5.901 no Norte e 3.522 no Centro-Oeste. O coeficiente de incidência de tuberculose de todas as formas, para o país, foi de 48,4/100.000 habitantes; por região, os mais altos estão no Sudeste - 55,0/100.000 - e no Nordeste - 44,4/100.000. A região Norte teve coeficiente próximo ao do Brasil - 47,6/100.000 - e as regiões Sul e Centro-Oeste, valores bem abaixo - 37,7/100.000 e 29,5/100.000 - respectivamente. O maior coeficiente encontrado - 91,9/100.000 - pertence ao estado do Rio de Janeiro.
Os coeficientes relativos às grandes regiões não expressam o quadro existente em áreas críticas das unidades federadas, onde, principalmente nas regiões metropolitanas, há municípios em situação grave, com elevados coeficientes de incidência, traduzindo condições precárias de vida, programas de controle insuficientes e, em alguns lugares, associação da tuberculose com a aids.
A análise, como um todo, dos dados mundiais de notificação de casos mostra que a tendência da tuberculose é de estabilidade, apesar da influência exercida pela discutível qualidade da informação, pela baixa capacidade de diagnóstico e pela sub-notificação. No entanto, ela é ascendente nos países do leste europeu e nos africanos com alta prevalência de HIV. A América Latina, cuja tendência sofreu significativa queda na década de oitenta, estabilizou-se na de noventa. A situação do Brasil é idêntica e acaba influenciando toda a América Latina, pois o país contribui com a maioria dos casos da região.
Em 1998, o sistema de informação de mortalidade registrou no Brasil, 6.029 mortes por tuberculose - 3,7 por 100.000 habitantes: 3.107 no Sudeste; 1.688 no Nordeste; 653 no Sul; 313 no Norte e 268 no Centro-Oeste. A tendência da mortalidade foi declinante na década de setenta e meados da de oitenta, estabilizando-se até os dias atuais.
Quanto à ocorrência, no Brasil, de tuberculose multidrogarresistente - resistência combinada à rifampicina e à isoniazida - observou-se em pesquisa de 1995/97, da FNS/MS, resistência primária de 1,1%, resistência adquirida de 8,2% e resistência combinada de 2,2%, números considerados baixos.
Segundo a OMS, a tuberculose e a aids juntas constituem uma calamidade sem precedentes na história. Em 1999, cerca de 1/3 dos infectados pelo HIV o era também pelo bacilo de Koch. O impacto dessa inter-relação é alarmante, sendo o HIV o maior fator de risco para o desenvolvimento da tuberculose em pessoas previamente infectadas. A estimativa mundial da OMS de adultos infectados pelo HIV, para o ano de 2000, foi de 13 milhões, com maior concentração na África - 9,3 milhões - e na Ásia - 2,3 milhões. Na América Latina seriam 450.000 infectados. No Brasil, houve expansão da epidemia de aids, fenômeno que refletiu na epidemiologia da tuberculose. Entre os casos de aids, no momento da notificação, tem-se observado que cerca de 30% apresenta associação com tuberculose de todas as formas.
Em conclusão, na ausência de ações suficientes e efetivas de controle da tuberculose e, diante da falta de inovações terapêuticas e profiláticas, seremos obrigados a conviver com as estimativas do Banco Mundial - em 2020 a tuberculose contribuirá com 55% das mortes observadas em adultos nos países em desenvolvimento.
Muito há por fazer em tuberculose. E não é demasiado repetir: os órgãos responsáveis pela saúde pública do país deverão, em caráter prioritário e imediato, intensificar especificamente a busca de casos, o tratamento, a prevenção e a promoção da saúde, ações que, aliadas às políticas públicas destinadas a melhorar a qualidade de vida da população e que têm efeitos diretos no comportamento dessa doença, colocarão o Brasil no caminho da eliminação da tuberculose.
Marcos da história da luta contra a tuberculose no Brasil
Em nosso meio, o conhecimento da tuberculose, em seus aspectos clínicos e profiláticos, desponta na segunda metade do século XIX, seguindo a trilha dos avanços registrados nos centros europeus. A historiografia nacional, neste campo, revela instituições e personalidades que estabeleceram os fundamentos e o progresso da luta contra a tuberculose no Brasil.
Sem ignorar tudo que se vinha fazendo, desde a época da colônia, no atendimento hospitalar ao tuberculoso, com destaque para as Santas Casas de Misericórdia, chega-se a um marco importante com a criação das ligas contra a tuberculose, uma iniciativa privada que, começando em 1899 com a Liga Paulista Contra a Tuberculose e a Liga Brasileira Contra a Tuberculose sediada no Rio de Janeiro, logo se estende a outros estados como Bahia, Pernambuco e Espírito Santo, e a alguns países da América Latina. Já começara o século XX quando surgem, em 1907, as primeiras manifestações do setor público, com a proposta de Oswaldo Cruz, diretor geral de Saúde Pública, para o estabelecimento de uma ação administrativa de combate à tuberculose. No entanto, nas primeiras décadas deste século, as ações e os serviços anti-tuberculose eram não-governamentais. Desenvolve-se, a partir daí, um grande número de instituições públicas e privadas - dispensários, sanatórios, fundações, institutos de pesquisa, estruturas do setor público como o Serviço Nacional de Tuberculose, a Campanha Nacional contra à Tuberculose e tantas outras - que colocaram o Brasil na luta mundial contra a tuberculose.
Foram muitos os personagens que, em nosso meio, contribuíram para o progresso científico e tecnológico da tuberculose. Alguns são aqui referidos sem subestimar o importante papel de tantos outros. Um pouco antes da descoberta do bacilo, em 1880, Clemente Ferreira que, mais tarde, fundaria a Liga Paulista, publica seu livro "Phthisica Pulmonar". Em 1907, Plácido Barbosa apresenta o primeiro plano de combate à tuberculose para o Rio de Janeiro. O prof. Arlindo de Assis, em 1927, apenas após dois anos do emprego da BCG na França, dá início à vacinação BCG no Brasil, empregando uma vacina por ele preparada no Instituto Viscondessa de Morais da Fundação Ataúlfo de Paiva. Ao começar a década de trinta, o prof. Clementino Fraga inaugura o ensino formal da tuberculose com o primeiro Curso de Tuberculose na Faculdade Nacional de Medicina. A partir daí, o ensino da Tisiologia se faz em institutos, clínicas, organismos de saúde pública, até chegar às Faculdades de Medicina como matéria objeto de cátedra onde despontaram nomes como Antônio Ibiapina, Aloysio de Paula, Rafael de Paula Sousa, José Silveira, José Rosemberg, Fernando Carneiro, Newton Bethlem, Jayme Santos Neves, José Feldman, Hélio Fraga, Gilberto Arantes e outros. A contribuição brasileira para o conhecimento da tuberculose prossegue em áreas de atuação como: diagnóstico, com o prof. Manoel de Abreu que, em 1936, apresenta ao mundo a radiofotografia miniaturizada do tórax, posteriormente denominada abreugrafia; imunização, com os trabalhos de Arlindo de Assis, José Rosemberg, José Silveira; bacteriologia, com as pesquisas de Antônio Cardoso Fontes e Milton Fontes Magarão; quimioterapia, destacando-se a participação brasileira nas experiências controladas internacionais com Hélio Fraga, Flávio Poppe de Figueiredo, Germano Gerhardt Filho; cirurgia da tuberculose, com Jesus Zerbini, Eduardo Etzel, Jesse Teixeira, Joaquim Cavalcanti; saúde pública, com Rafael de Paula Sousa, Aldo Villas Bôas, Almir Gabriel, Gilmário M. Teixeira, Germano Gerhardt Filho, á frente dos organismos governamentais de controle; epidemiologia, com a contribuição de Antônio Francisco Rodrigues de Albuquerque; estudo e atendimento às populações indígenas, com Noel Nutels e José Antônio Nunes de Miranda; investigações sobre infecção, com Aristides Paes de Almeida. Esses e muitos outros personagens contribuíram para o progresso do conhecimento da tuberculose no Brasil e, entre eles, não faltou a figura do memorialista Lourival Ribeiro que, de dentro das próprias estruturas de luta e como seu partícipe, escreveu "A Luta Contra a Tuberculose no Brasil".
Políticas de controle contemporâneas
A gravidade da situação mundial e a permanência da epidemia de tuberculose em nosso meio levaram o país a estabelecer medidas governamentais para combater a doença. Desde 1965, o Ministério da Saúde padronizou e passou a distribuir, gratuitamente, em nível nacional, as drogas que integravam os esquemas terapêuticos de 12 meses, considerados de maior eficácia naquela época. No final dos anos setenta, com os avanços da quimioterapia da tuberculose, o Brasil substituiu os antigos esquemas prolongados pelos novos de curta duração que incluíam rifampicina, isoniazida e pirazinamida, os quais, como os anteriores, são, até os dias de hoje, distribuídos gratuita e universalmente. Esse esquema - 2RHZ/4RH - é administrado por via oral, sendo que a rifampicina e a isoniazida são apresentadas em uma só cápsula. A esse produto de apresentação única, desenvolvido a pedido do programa brasileiro de tuberculose, tem-se atribuído os baixos níveis de resistência primária encontrados no país. Na época, organismos internacionais não recomendavam o uso deste esquema, em programas nacionais, por considerá-lo caro, mas, poucos anos atrás, a OMS passou a indicá-lo para todos os países. A manutenção, ao longo dos anos, dessa política de quimioterapia, representa uma vitória de gerações de sanitaristas brasileiros que, para alcançá-la, caminharam muitas vezes na contra- mão das políticas vigentes.
No Brasil, o emprego do esquema de curta duração foi a motivação para que se reorganizasse paralelamente a política nacional de controle, unificando o nível central do país e descentralizando as ações do Programa para os estados, o que levou à redução do número de leitos hospitalares e à ampliação do tratamento ambulatorial sob normas simplificadas. O resultado dessas medidas foi o impacto epidemiológico verificado na incidência e, principalmente, na mortalidade. A velocidade de queda só diminui no final da década de oitenta, para, a partir dos anos noventa, começar a registrar-se a tendência ascendente dos indicadores. Houve também a redução, à metade, da taxa de abandono em relação aos esquemas de 12 meses.
Os passos seguintes, como a criação do Centro de Referência Professor Hélio Fraga, das Coordenadorias Macro-Regionais e do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica, deram instrumentos para que, de modo inteligente e protegido, o problema fosse incorporado ao processo de municipalização decorrente da criação do Sistema Único de Saúde
O processo de municipalização, acompanhado da reestruturação da atenção básica e dos sistemas hierarquizados de referência, tinha pleno desenvolvimento no escopo dos três instrumentos citados. A essência do processo seguro seria: a manutenção de uma inteligência nacional em contínuo e permanente contato; a formação de quadros aptos para a gestão do problema; o incentivo aos cursos de graduação para a formação de profissionais habilitados; o planejamento estratégico dos recursos essenciais, especialmente vacinas e medicamentos; a supervisão e as avaliações contínuas; a criação de redes de serviços ambulatoriais especializados, de leitos e de laboratórios, de modo a atender ao problema em qualquer estágio.
Desde que a OMS, em 1993, declarou a tuberculose em estado de emergência mundial, o Brasil sinalizou, com marcos pontuais, sua posição frente às novas perspectivas do problema. Destacaram-se: o lançamento do Plano Emergencial, em 1994, que priorizou 230 municípios onde se concentra a maioria dos casos; a proposta de desenvolvimento de Centros de Excelência de Combate à Tuberculose, em 1999; e recentemente, em 2001, o Plano Nacional de Mobilização para eliminação da hanseníase e controle da tuberculose.
Em 1994, na tentativa de ainda manter-se um processo inteligente, em que prevalecesse a vontade política do Estado brasileiro, foi lançado o Plano Emergencial para controle da tuberculose, quando a Fundação Nacional de Saúde celebrou convênios com municípios prioritários, segundo critérios epidemiológicos, estabelecendo metas e uma dinâmica sistêmica. Em 1998, o planejamento estratégico para o controle da tuberculose no país, elaborado pelo Centro de Referência Prof. Hélio Fraga em conjunto com o Núcleo de Centros de Excelência da COPPE/ UFRJ, foi incorporado pela Coordenação Nacional de Pneumologia Sanitária, então no CENEPI/FNS.
No ano seguinte, esse planejamento, observando as diretrizes técnicas do Plano Emergencial, acopladas à metodologia de construção de Centros de Excelência - conceito de trabalho em rede de múltiplos componentes para um mesmo objetivo bem formulado - foi lançado como Plano Nacional de Combate à Tuberculose. A seguir, a Coordenação Nacional de Pneumologia Sanitária foi transferida para a Secretaria de Políticas de Saúde, do Ministério da Saúde. A partir daí e, com cerca de dois anos da tentativa, o processo deteriorou-se e houve uma dicotomização na definição das diretrizes e processos de decisão.
Indicativo da gravidade da situação é que Unidades Federadas importantes têm um sistema de informação deficiente, incapaz de exercer a Vigilância Epidemiológica ou acompanhar o uso dos recursos sob a forma de bônus.
A Fundação Nacional de Saúde, por meio do Centro de Referência Professor Hélio Fraga, detém as atribuições de: sediar o Laboratório Nacional de Referência, coordenando a rede pública de laboratórios para diagnóstico da tuberculose; fazer a vigilância epidemiológica da tuberculose multirresistente; realizar treinamento, pesquisas epidemiológicas e operacionais, avaliação e prestar apoio técnico ao SINAN. A Secretaria de Políticas de Saúde, localizada na estrutura central do Ministério da Saúde, tem o gerenciamento das ações do Programa.
Chama a atenção que ações de vigilância epidemiológica, de avaliação de impacto, de pesquisa e de treinamento fiquem alocadas em uma instância e as de gerenciamento das atividades do Programa em outra. A conseqüência foi uma duplicidade de comando, a perda da unicidade dos propósitos e a desagregação de processos que garantiam a integralidade das ações de controle da tuberculose.
Nesse cenário, o universo excessivamente programático, encaixota os temas prioritários e não permite, numa dinâmica realmente descentralizada, o enfrentamento inteligente de questões como a associação TB/AIDS, o aumento da multirresistência, o abandono de tratamento, dentre outras. Até porque, parece ter havido um erro ao atribuir, ao Programa de Reformulação da Atenção Básica, através das Equipes de Saúde da Família, as mesmas características solitárias dos clássicos programas de atenção a determinados problemas de saúde pública, levando, no nosso caso, a versões simplistas e incompletas das ações de controle da tuberculose.
Frente a esse panorama que sugere a reordenação do Programa de Controle da Tuberculose e, na perspectiva de câmbio das ações governamentais na área social, de sabido impacto nessa doença, propõem-se as diretrizes e ações seguintes, como avenidas de orientação para a reformulação da política de controle da tuberculose no Brasil.
Diretrizes para a gestão do controle da tuberculose no próximo Governo
Colaboração entre governo e sociedade.
Parcerias com os organismos internacionais e organizações não-governamentais.
Estratégias testadas cientificamente.
Ação global, visando evitar a tuberculose multidrogarresistente.
Atividades de controle da tuberculose como parte das ações básicas de saúde.
Fortalecimento da rede laboratorial.
Programas de treinamento e capacitação com qualidade.
DOTS com eficiência e sustentabilidade.
Financiamento assegurado.
Inovação - redes de excelência.
Valorização da inteligência nacional.
Perspectivas capazes de causar impacto e mudança na situação epidemiológica
Gerais
Novo quadro sócio-econômico.
Novas drogas.
Novas vacinas.
Novos meios diagnósticos.
Nacionais
Políticas públicas que melhorem a qualidade de vida.
Valorização da promoção da saúde e da prevenção de doenças.
Controle da tuberculose como essencial à saúde da família brasileira.
Melhoria da qualidade e funcionamento do SUS.
Prioridade para as doenças endêmicas garantindo atenção integral através de sistema hierarquizado (Atenção Básica, Programa de Saúde da Família, Centros de Referência).
Efetivo Sistema Nacional de Vigilância à Saúde no âmbito do SUS.
Ações
Fortalecer a integração das atividades de controle da tuberculose àquelas de promoção da saúde, entendidas como indissociáveis do combate à pobreza, à desigualdade social e à fome.
Reinstalar a gestão das atividades de caráter nacional de controle da tuberculose, previstas no SUS, em um único órgão central, dando-lhe uma função sistêmica com base nos municípios; coordenação estadual e diretrizes nacionais sistêmicas e únicas para: a retomada do planejamento dos recursos estratégicos (medicamentos e vacinas) como política nacional; a recriação das Coordenações Estratégicas de Localização Macro-Regional (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul); a efetiva instalação do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica da Tuberculose - SINAN-Tb - com seus sub-sistemas de laboratório e de multirresistência; o estímulo às Universidades para pesquisas estratégicas; a formação de quadros gestores e de técnicos para ação direta.
Instalar, de forma definitiva, a Rede de Assistência à Tuberculose. Para tanto: considerar as realidades regionais e locais e respeitar o acesso universal e a eqüidade; implantar na rede do SUS ações integrais de atenção à tuberculose, que atendam das unidades básicas às de referência para níveis mais complexos dotados de recursos laboratoriais, cirúrgicos e terapêuticos mais tecnicamente elaborados e de medicamentos de linhas suplementares.
Ampliar, no conceito de rede, a cobertura de ações através das Equipes de Saúde da Família e do Programa de Agentes Comunitários de Saúde, mediante: a preparação de um programa de treinamento, em larga escala, para capacitar essas equipes, com qualidade, em todo o território nacional, para a assistência e controle da tuberculose em toda a sua estrutura essencial; a definição, no mesmo ato, da referência automática dos casos mais complexos, dentro da lógica da contra-referência posterior. Essa dinâmica, dá condições para o incremento da DOTS, prevista no Plano Nacional de Controle da Tuberculose e aqui entendida como estratégia de avanço para a reestruturação e ampliação dos serviços.
Retomar todas as instâncias do Controle da Tuberculose para a FUNASA, unificando novamente as decisões técnicas e políticas, restaurando as funções do Centro de Referência Hélio Fraga e das Regionais da FUNASA para a gestão das atividades de Controle da Tuberculose, na perspectiva sistêmica e de redes hierarquizadas (atenção integral). Pressupõe-se o cumprimento das seguintes tarefas: gestão dos programas de treinamento em larga escala e dos recursos humanos estratégicos; formação de alunos de graduação e pós-graduação; gestão do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica e de seus sub-sistemas; articulação nacional dos Estados e municípios; Coordenação Regional específica; Rede Nacional de Laboratórios e de Acompanhamento da locação de insumos estratégicos, com controle preciso dos esquemas em uso e dos medicamentos de multirresistência; reforçar as interfaces com outras áreas prioritárias como a de DST/AIDS.
Reforçar a colaboração entre governo, sociedade e instituições. Para isso, deve-se: estimular as amplas possibilidades de parcerias com os organismos nacionais e internacionais de tuberculose e as Organizações Não-Governamentais; ampliar as ações dos instrumentos de controle social do SUS; desenvolver a intersetorialidade com universidades, áreas sociais e políticas econômicas.
Final
Este documento é um manifesto que encerra a proposta de técnicos brasileiros engajados na luta contra a tuberculose, para a retomada do processo de declínio dos indicadores que expressam a magnitude desse problema. Não são propostas fórmulas mágicas, quer-se apenas intensificar e, às vezes, redirecionar a aplicação dos métodos de controle consagrados, para converter em realidade seus resultados potenciais.
Há um conhecimento pleno de que, apesar da tecnologia utilizada no Brasil estar entre as melhores disponíveis no consenso internacional, não se espera, no espaço de um período de governo, impor derrota a nenhum dos componentes que asseguram as interações entre o bacilo, o homem e o meio.
Se se logra desenvolver um trabalho eficiente e obter alta eficácia na aplicação das medidas de controle estabelecidas, está-se pavimentando o caminho para chegar à recente meta proposta pela Organização Mundial da Saúde, a ser alcançada em torno do ano 2010 - redução de 50% das taxas de morte e de prevalência, em relação aos níveis do ano 2000.
Lista de Assinaturas
Alexandra Sanchez - RJ / Álvaro Augusto S. da Cruz Filho - BA / Ana Lourdes da Costa Rocha - RJ / Ana Ma Campos Marques - MS / Ana Margarida Rosemberg - CE / Angela Ma Dias de Queiroz - MS / Angela Ma Werneck Barreto - RJ / Anilda Ma de Brito Cysne - CE / Antonio Anselmo Bentes Oliveira - PA / Antonio Carlos Moreira Lemos - BA / Artur C. Moreira de Souza - DF/ Bernardino Claudio Albuquerque - AM / Carlos Eduardo Dias Campos - RJ / César Augusto Avelaneda Espina - RS / Cid Gomes - SC / Clemax Couto Sant'Anna - RJ / Domênico Capone - RJ / Elisa Vianna Sá - PA / Elizete Antonieta Tell - SC / Evandi Ferreira da Silva - PE / Fátima Moreira Martins - RJ / Fausto Cestari Filho - SP / Fernando Augusto Fiúza de Melo - SP / Germano Gerhardt Filho - RJ / Gilberto Arantes - SP / Gilmário M. Teixeira - RJ / Hisbello S. Campos - RJ / Ilana Bejgel - RJ / Jaime Mattos Ferreira - SC / Jorge Alexandre Milagres - RJ / Jorge de Barros Afiune - SP / Jorge Ide Neto - SP / Jorge Meireles Amarante - DF/ José do Vale Pinheiro Feitosa - RJ / José Fantine - RJ / José Maximiano de Melo Júnior - RJ / José Rosemberg - SP / José Uéleres Braga - RJ /Joseney Raimundo Pires dos Santos- PA / Luiz Carlos Côrrea Alves- RJ / Luiz Roberto Tenório - RJ /Margarida Mª Mattos B. de Almeida-SP / Maria Rosalha Teixeira Mota - CE / Maria José Procopio - RJ / Maria Lúcia Penna - RJ / Maria Socorro Martins - CE / Maria Therezinha L. de Miranda - RJ / Margareth Pretti Dalcolmo - RJ / Miguel Aiub Hijjar - RJ / Moema Wotzasek Costa - DF / Neusa Ma Dias Moreira - PA / Ninarosa Calzavara Cardoso - PA / Paulo César de Souza Caldas- RJ / Rosa Ma Sant' Anna Gayva - RJ / Sérgio Luiz Magarão - RJ / Sonia Regina Pinto de Abreu - RJ / Sonia Natal - RJ / Thelma Battaglia Rezende - RJ / Waldyr Teixeira do Prado - MG / Wilson Alecrim - AM / Zulmira Maria de Araújo Hartz - RJ.
Documento enviado para:
Presidente da República / ministro da Saúde / secretário Executivo-MS / Secretaria de Atenção à Saúde-MS / Secretaria de Gestão do Trabalho em Saúde-MS / Secretaria de Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos / Secretaria de Gestão Participativa / ministro da Educação / ministro da Justiça / ministro da Assistência e Promoção Social / ministro da Segurança Alimentar e Combate à Fome / ministro do Trabalho e Emprego / ministro da Previdência / ministro da Ciência e Tecnologia / Presidência do Senado / Presidência da Câmara / líderes dos Partidos / Conselho Nacional de Secretários de Saúde / Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde / Conselho Nacional de Saúde / governadores / secretários de Saúde das UF / Conselho Federal de Enfermagem / Conselho Federal de Farmácia / Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia / Sociedade Brasileira de Medicina Tropical / Associação Médica Brasileira / Associação Brasileira de Saúde Coletiva / Pastoral da Criança / Conselho Nacional de Bispos do Brasil / Federação Nacional de Médicos / professores titulares da cadeira de Pneumologia das Universidades.