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Boletim de Pneumologia Sanitária

versão impressa ISSN 0103-460X

Bol. Pneumol. Sanit. v.10 n.2 Rio de Janeiro dez. 2002

 

 

Projeto de implantação do controle da tuberculose nas instituições penais do município de Salvador/BA

 

 

Rosângela Palheta de Oliveira Menezes

Técnica da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia - SESAB, lotada na 1a Diretoria Regional de Saúde - DIRES, responsável pela Coordenação Regional do Programa de Controle da Tuberculose

 

 


RESUMO

Segundo a OMS, a tuberculose apresenta-se atualmente como uma emergência mundial. Nos últimos anos, o Brasil tem registrado um coeficiente de incidência em torno de 50/100 mil habitantes, enquanto o da Bahia, em 1999, foi de 60/100 mil habitantes. No entanto, o coeficiente de incidência de Salvador é o dobro do notificado pelo Estado - 122,7/100 mil habitantes, evidenciando a necessidade de ampliação das ações de controle da doença.
Entre os grupos com maior risco de adoecer por tuberculose está a população carcerária, que enfrenta nos presídios as condições favoráveis para a disseminação da doença, ou seja, aglomeração e precárias condições de higiene. Além disso, há o crescente número de infectados pelo vírus da imunodeficiência humana, o HIV, contribuindo para o aumento dos casos de tuberculose. Considerando a inexistência de medidas de controle da doença nessas instituições e o fato de os profissionais de saúde daquelas instituições também estarem expostos a maior risco, justifica-se a proposta de implantação do Programa de Controle da Tuberculose (PCT) nas unidades prisionais de Salvador.

Palavras-chave: controle da tuberculose; tuberculose em presídios.


SUMMARY

The World Health Organization (WHO) considers tuberculosis to represent a global emergency. During the last few years, the incidence of tuberculosis has been around 50/100,000 inhabitants in Brazil, whilst in Bahia province, it was 60/100,000 in 1999. In Salvador, it is twice this value - 122,7/100,000 - suggesting an urgent need to enhance tuberculosis control activities. Amongst those with a higher risk of developing disease are the prision population where the inmates experience conditions likely to enhance spread of disease such as overcrowding and lack of hygiene.
In addition, there is the growing number of HIV infected prisioners, what contributes to the increase in tuberculosis cases. At present there are no tuberculosis control measures in these institutions and health professionals who work there are under higher risk and it is therefore proposed to propose implementation of tuberculosis control activities in the prisions in Salvador.

Key words: Tuberculosis, control, prisons


 

 

Introdução

Nos dias atuais, entre os problemas registrados nas mais diferentes áreas do conhecimento humano, destaca-se, no campo da saúde, o da tuberculose, com tamanha expressão que passou a ser visto como emergência mundial e, consequentemente, um desafio que exige urgentes medidas de controle.

A Organização Mundial da Saúde estima que, no mundo, anualmente, surjam 8 milhões de casos novos de tuberculose e ocorram 3 milhões de mortes por essa causa. No Brasil, tem-se cerca de 100 mil casos/ano, uma incidência acima de 50/100 mil hab.; no Estado da Bahia, em 1999, registraram-se aproximadamente 8 mil casos/ ano, - 60/100.000 hab. - ocupando o terceiro lugar em número de casos entre os Estados da Federação; em Salvador, capital do Estado, onde a situação é ainda mais grave, a taxa de incidência, também em 1999, foi de 122,7/100 mil hab.

As taxas acima citadas, além de importante indicador epidemiológico, dão a noção do risco que tem a população de ser infectada ou reinfectada com o M. tuberculosis no curso de um ano - risco de infecção - indicador que permite o acompanhamento da tendência da doença. O risco do indivíduo infectar-se dependerá da intensidade e duração da exposição ao bacilo e de características como: idade, estado imunológico e nutricional, doenças intercorrentes, condições sócio-econômicas.

Múltiplos fatores favorecem a manutenção da endemia tuberculosa, destacando-se a prevalência das fontes de infecção, o número de indivíduos infectados e a probabilidade da infeção, nessas pessoas, evoluir para o estado de doença. Muitos dos fatores determinantes residem nas condições sociais e econômicas da população, cuja modificação ocorre lentamente, justificando as altas taxas de incidência, apesar da eficácia dos meios disponíveis para o diagnóstico e o tratamento. Exemplo desse quadro é a alta ocorrência da tuberculose nos bolsões de pobreza das cidades mais populosas, que além de contribuir para a disseminação, evidencia o quanto os determinantes sociais interferem no comportamento dessa doença.

Quando pensava-se que a tuberculose estivesse sob controle devido a seus níveis estáveis de ocorrência (Rufino, 1998) a pandemia da aids veio somar-se à situação descrita, tornando o quadro mais preocupante. Segundo a OMS,em 1992, a aids contribuiu com cerca de 12% para o aumento de casos de tuberculose no mundo. A estimativa é que 5 a 10% das pessoas infectadas pelo Mycobacterium tuberculosis venham a desenvolver a doença durante toda a vida, enquanto com os indivíduos portadores do HIV esta expectativa sobe para 50%. (Rosemberg, 1999).

Hoje enfrenta-se também o problema da multirresistência às drogas disponíveis, dificultando o efetivo combate à doença, situação que decorre de falhas no tratamento como a irregularidade, o abandono precoce e a prescrição inadequada dos medicamentos. (Dalcomo, M. e Fortes, A).

Sabendo-se que o tratamento atualmente proposto para a tuberculose, baseado no esquema tríplice 2RHZ/4RH, possibilita uma eficácia acima de 97%, uma ação permanente e organizada do sistema de saúde para diagnosticar os casos precocemente e ofertar tratamento adequado, apresenta-se como principal objetivo a ser perseguido. A procura de casos, portanto, é uma atividade prioritária e deve estar voltada para grupos que apresentam maior risco de desenvolver a tuberculose, tais como: os sintomáticos respiratórios, os contatos de casos de tuberculose, os suspeitos radiológicos, as pessoas com doenças ou condições sociais predisponentes, merecendo atenção especial os residentes em comunidades fechadas como presídios, manicômios, abrigos e asilos.

No momento em que a doença no mundo e em nosso meio tem um caráter epidêmico, é necessária a priorização de ações de controle descentralizadas, com ênfase no papel da vigilância epidemiológica, a fim de reduzir a cadeia de transmissão do M. tuberculosis na população e levar seus indicadores epidemiológicos para níveis aceitáveis, cumprindo assim os propósitos do Programa Nacional de Controle da Tuberculose.

 

Justificativa

As Tabelas 1 a 5, dão o perfil da população carcerária no Brasil e no Estado da Bahia, em relação às variáveis sexo, regime da pena, condenação, taxa/100.000 hab. e déficit de vagas. Números levantados pelo governo mostram que cerca de 20% da população carcerária brasileira, aproximadamente 223 mil homens e 10.100 mulheres, é portadora do vírus da aids ou de hepatite B. Pelo menos outros 10% têm sífilis e hepatite C. Há também casos de hanseníase, tuberculose e pneumonia.

 

 

 

 

 

 

A principal razão para o alto índice de doenças contagiosas nas prisões é a superlotação e, nesse aspecto, o Brasil com uma média de três presos por vaga, tem uma das maiores taxas do mundo, perdendo apenas para China e Bulgária (Reuters, 2001). Tal situação, observada em várias partes do país, constitui-se em ambiente propício à proliferação do M. tuberculosis, significando uma incidência supostamente maior do que na sociedade livre.

A tuberculose, uma doença infecto-contagiosa de transmissão aérea, que acomete o pulmão em 90% dos casos, cuja expansão se faz através da tosse dos portadores da forma pulmonar bacilífera, é uma doença com maior força de transmissão que a aids, que requer ações eficientes de controle presentes no universo do sistema de saúde.

A intensa mobilidade da população carcerária entre uma prisão e outra, constitui-se em um fator importante a ser destacado já que interfere no processo de expansão da doença, inclusive entre os profissionais que trabalham no sistema prisional e os visitantes. As precárias condições de vida nas prisões, com padrões de higiene insatisfatórios associados à aglomeração, favorecem a ocorrência de adoecimento e morte. Além disso, algumas práticas como o consumo de drogas injetáveis e o sexo sem proteção contribuem ainda mais para a transmissão da infecção pelo HIV (Breda, J. G. et al, 1999).

O município de Salvador, foi incluído pelo Ministério da Saúde, entre os municípios prioritários para o controle da tuberculose devido à elevada incidência associada a problemas como o do abandono e o da coinfecção tuberculose/aids.

A oferta municipal de serviços de saúde que possuem o Programa de Controle da Tuberculose tem sido ampliada de modo que todos os distritos sanitários tenham pelo menos uma unidade de saúde como referência para atender à demanda da população. Além disso, também já se inicia a implantação de equipes do Programa de Saúde da Família dando maior cobertura ao controle da doença. Ainda assim, tais ações não são suficientes para o controle efetivo da tuberculose pois persistem taxas elevadas de incidência e mortalidade, que são superiores ao dobro das registradas no país. Portanto, considera-se necessário também expandir a procura de casos entre outros grupos. Vale ressaltar que a população carcerária do município também se relaciona com a população externa aos presídios.

A parceria com outros setores, tais como a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, Secretaria de Saúde do Estado da Bahia e Secretaria de Saúde do Município de Salvador, poderá favorecer ações que viabilizem o controle da doença nesses espaços.

A população carcerária de Salvador está distribuída em seis unidades:

-Penitenciária Lemos de Brito: presos condena dos, regime fechado e segurança máxima.

-Presídio de Salvador: presos provisórios, regime fechado e segurança máxima.

-Penitenciária Feminina: presas provisórias e con denadas, regime fechado e segurança máxima.

-Colônia Lafaiete Coutinho: presos condenados, regime semi-aberto.

-Hospital de Custódia e Tratamento: indiciados, processados e sentenciados, suspeitos ou comprovadamente portadores de doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardo, em regime fechado e com segurança máxima.

-Casa do Albergado e Egressos: condenados ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime aberto e da pena de limitação de fim de semana.

Considerando-se que:

- a grande maioria de presidiários possui baixo nível sócio-econômico e ingressa nas prisões já infectados pelo bacilo de Koch;

- o adoecimento na prisão decorre das condições ambientais favoráveis à proliferação do bacilo; há elevada taxa de portadores do HIV entre pre sidiários e crescente associação HIV/TB;

- não existe busca ativa de sintomáticos respiratórios entre presidiários;

- observa-se deficiência na detecção de doentes bacilíferos e no controle de tratamento dos casos entre detentos (fato observado pela baixa notificação procedente dos presídios e falta de informações sobre o encerramento de casos ).

Justifica-se a elaboração do projeto de uma ação intersetorial visando o controle da tuberculose nas instituições penais de Salvador.

 

Objetivos

Objetivo geral

• Ampliar o controle da tuberculose em Salvador através da implantação do Programa de Controle da Tuberculose nas instituições penais situadas em seu território.

Objetivos específicos

1) Contribuir para a redução da morbimortalidade por tuberculose na população carcerária.

Atividades:

1- Propor parceria entre as Secretarias de Justiça e Direitos Humanos e a de Saúde do Estado da Bahia e Secretaria de Saúde do Município de Salvador, para o controle da tuberculose.

2- Apresentar o Projeto de Implantação do Programa de Controle da Tuberculose às instituições envolvidas.

3- Promover reuniões para definição de papéis das várias instituições.

4- Definir as unidades prisionais de regime fechado para execução do projeto.

5- Realizar seminários de sensibilização dos profissionais do sistema prisional.

6- Identificar os profissionais de saúde do sistema prisional que atuarão no PCT para participarem de treinamento específico em ações de controle da tuberculose.

7- Implantar o PCT a partir da garantia dos meios diagnósticos necessários à descoberta dos casos.

8- Garantir fornecimento de tuberculostáticos para o tratamento dos casos identificados.

9- Estabelecer fluxo regular de informação quanto à descoberta, tratamento e encerramento dos casos entre as instituições envolvidas.

2) Reduzir o risco de adoecimento entre os trabalhadores do sistema prisional.

Atividades:

1- Treinar funcionários das unidades prisionais para identificação e encaminhamento adequado do sintomático respiratório (indivíduo que apresenta tosse com expectoração por três semanas ou mais).

2- Iniciar tratamento imediato após confirmação de cada caso de tuberculose.

3- Acompanhar o uso regular das drogas tuberculostáticas.

4- Realizar avaliação de saúde dos trabalhadores do sistema prisional periodicamente incluindo os meios diagnósticos para tuberculose.

5- Implantar medidas de biossegurança recomendadas para o controle da tuberculose.

3) Reduzir o tempo entre o diagnóstico e o início do tratamento das fontes bacilíferas.

Atividades:

1- Garantir acesso rápido de todo caso suspeito de tuberculose à realização dos exames baciloscópicos.

2- Garantir fornecimento regular dos tuberculostáticos a fim de impedir desabastecimento.

3- Iniciar tratamento imediatamente após a confirmação dos casos.

4) Prevenir o desenvolvimento de resistência às drogas antituberculose.

Atividades:

1- Garantir a ingestão supervisionada dos tuberculostáticos para todos os detentos em tratamento de tuberculose.

2- Acompanhar os casos de tuberculose em tratamento realizando baciloscopias de controle (conforme Manual de Normas do PCT), identificando precocemente os casos de falência do tratamento.

3- Garantir o acompanhamento dos casos suspeitos de multirresistência, pelo Hospital Estadual de Referência para Tuberculose.

4- Executar as medidas de biossegurança indicadas para as diferentes fases do processo de controle da tuberculose.

 

Acompanhamento e avaliação

O Projeto será avaliado desde a fase de negociação institucional, implantação e efetiva execução, à medida que as instituições envolvidas assumirem seus respectivos papéis.

Além disso, ao se estabelecer o fluxo de informação referente ao desenvolvimento das ações preconizadas pelo PCT, torna-se possível realizar análises periódicas dos dados epidemiológicos do sistema prisional utilizando indicadores como:

- coeficiente de incidência de tuberculose pulmonar na população carcerária;

- coeficiente de incidência de tuberculose pulmonar entre profissionais do sistema prisional;

- efetividade do tratamento através do percentual de casos encerrados por cura e por abandono.

 

Considerações finais

O controle da tuberculose no âmbito das instituições penais do município de Salvador poderá ser visto por alguns como uma ação menor, posto que, a população-alvo corresponde exatamente à parcela de indivíduos com desajustes sociais e variados níveis de periculosidade. Além disso, tem-se ainda a complexa rede de relações entre detentos, trabalhadores do sistema penal e a comunidade. Entretanto, proteger a saúde dos que estão nos presídios pressupõe também a proteção dos que lá não estão, já que, cedo ou tarde, este encontro acontece. Por último, não é demais registrar que a saúde é um direito universal cabendo ao poder público assegurar os meios para que, a ela, todos tenham acesso.

 

Bibliografia

Barreto ML, et al. Emergência e permanência das doenças infecciosas. Implicações para a saúde pública e para a pesquisa. Médicos 1998; 1(3).

Breda JG. Recomendações para o controle da tuberculose em prisões. São Paulo: 1999.

Dalcolmo MP; Fortes A. A tuberculose resistente a múltiplas drogas. Texto de apoio do Curso de Complementação de Pneumologia Sanitária. Rio de Janeiro: CRPHF; 2001.

Gerhardt Filho G; Hijjar MA. Aspectos epidemiológcos da tuberculose no Brasil. J. Pneumol Sanit 1993; 19(1):4-10.

Michael A. Ameaça de epidemia. Rev Época 1999; edição 59 de 05/07/99.

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Ministério da Saúde. Plano nacional de controle da tuberculose. Brasília: Fundação Nacional de Saúde. 1999.

Reuters. Seminário discutirá atendimento médico nos presídios. Globo News. Novembro/2001.

Rosemberg J. Tuberculose panorama global. Óbices para o seu controle. 1999.

Ruffino Netto A. A tuberculose, MDR. Médicos 1998: 39-42. Santos LAR. Recomendações para a redução da transmissão da tuberculose em serviços de saúde. Centro de Vigilância Epidemiológica, SES. São Paulo: 1998.

 

 

Artigo recebido em 16/09/02. Aprovado em 23/10/02.