SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.8 número2Utilização de mapas no campo da Epidemiologia no Brasil: reflexões sobre trabalhos apresentados no IV Congresso Brasileiro de EpidemiologiaAnos potenciais de vida perdidos e os padrões de mortalidade por sexo em Santa Catarina, 1995 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

  • Não possue artigos citadosCitado por SciELO

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Informe Epidemiológico do Sus

versão impressa ISSN 0104-1673

Inf. Epidemiol. Sus v.8 n.2 Brasília jun. 1999

http://dx.doi.org/10.5123/S0104-16731999000200005 

Acidentes de trânsito e o novo Código de Trânsito Brasileiro em Cidade da Região Sul do Brasil*

 

 

Yara Gerber Lima Bastos; Selma Maffei de Andrade; Luiz Cordoni Junior

Universidade Estadual de Londrina

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi o de analisar a influência do novo Código de Trânsito Brasileiro (CTB) na ocorrência de acidentes de trânsito e de vítimas no Município de Londrina, Estado do Paraná, além de algumas características desses eventos. O material de estudo foi composto por acidentes e vítimas registrados pela Companhia de Trânsito de Londrina em dois períodos de três meses cada, sendo o primeiro anterior à implantação do novo Código e o segundo posterior à sua vigência. Observou-se uma redução média, no segundo período, de 12,3% e 18,5% no número de acidentes e vítimas, respectivamente. No entanto, essa redução foi mais acentuada nas primeiras semanas após a introdução do novo CTB, tendência que diminuiu ao longo do tempo, principalmente nas duas últimas semanas do período de observação. Estes resultados evidenciam a necessidade de melhorias no sistema de fiscalização e repressão de motoristas que desrespeitem a legislação, além de ações educativas, para que as reduções iniciais observadas neste estudo pudessem ser mantidas.

Palavras-Chave: Acidentes de Trânsito; Legislação; Morbidade; Código de Trânsito Brasileiro; Avaliação.


SUMMARY

The aim of this study was to analyze the number and the profile of traffic accidents and victims before and after the introduction of the new Brazilian Traffic Code in Londrina, Parana, Brazil. The study material was composed of victims and traffic accidents registered by the Traffic Company of Londrina three months before and three months after the implementation of the new code. A decrease of 12,3% in the number of accidents and of 18,5% in the number of victims was observed. However, this reduction was much greater during the first weeks of the validity of the Code, followed then by an increase in the number of accidents and victims, mainly during the two last weeks of the observation period. These results point to the need for an improvement in traffic surveillance system with the aim of punishing law-breakers, besides the provision of educational programs to maintain the average reduction observed in this study.

Key Words: Traffic Accidents; Legislation; Morbidity; Brazilian Traffic Code; Evaluation.


 

 

Introdução

Os acidentes de trânsito são uma das principais causas de óbito no Brasil, representando um grave problema de saúde pública, não só pelas perdas de vida e pelas seqüelas resultantes, mas, também, pelos seus custos diretos e indiretos, que causam um importante ônus para a sociedade.

A violência no trânsito é causada pela ação multifatorial de elementos culturais, econômicos e políticos, de difícil solução;1 por isso, o número de mortes por acidentes de trânsito vem crescendo muito no Brasil nas últimas décadas, passando de 17.795 em 1977 para 29.014 em 1994 (em números absolutos), com crescimento de 17,4% em termos de coeficiente de mortalidade.2

Em países desenvolvidos, como os Estados Unidos da América, ao contrário do que ocorre no Brasil, as taxas de mortalidade por acidente de trânsito vêm declinando substancialmente desde 1966, sendo esta queda resultante principalmente de investimentos feitos, no setor, em relação a normas legais quanto ao uso do cinto de segurança, limitação da velocidade e maior fiscalização no uso de álcool pelos motoristas, entre outros.2

Londrina é a segunda maior cidade do Estado do Paraná, com uma população de 421.343 habitantes, segundo a contagem do IBGE realizada em 1996,3 e 95% desta concentra-se na área urbana do Município.

Segundo dados do Departamento de Trânsito do Paraná, o Município, em 1996, apresentava um índice de 335,2 veículos por mil habitantes, ou seja, um veículo motorizado para, aproximadamente, três habitantes, valor próximo ao observado em países industrializados4. Nesta cidade, a mortalidade por acidentes de trânsito apresenta tendência ascendente, com coeficientes passando de 25,9 por 100.000 habitantes no início da década de 80 para 37,2 por 100.000 habitantes em meados dos anos 90.4 Além disso, as causas externas de morte ocupam a terceira posição no Município, e os acidentes de trânsito correspondem a aproximadamente 40% do total dessas causas (primeiro lugar entre as causas externas). Em relação ao indicador Anos Potenciais de Vida Perdidos (APVP), os acidentes de trânsito aparecem como principal causa de morte, apresentando mais do que o dobro de anos em relação à segunda causa (homicídios), refletindo a importância dessa causa na mortalidade de jovens. Todos estes dados reforçam a importância dos acidentes de trânsito na mortalidade prematura em Londrina, como acontece no Brasil, e confirmam a necessidade urgente de estratégias intersetoriais e multidisciplinares que auxiliem no controle e redução destes índices.

Uma legislação mais rigorosa, com punições severas aos infratores, tem sido apontada como fator decisivo na redução do número de acidentes de trânsito e conseqüente redução da mortalidade por esta causa em vários países como o Japão e Portugal.5 Outros países, como a França, Grã-Bretanha e Canadá, também conseguiram inverter uma tendência de crescimento do número de mortes por esses acidentes por meio de atos legislativos.6 Na Hungria, a redução do número de acidentes e de vítimas, ocorrida desde 1991, é atribuída às modificações feitas nas leis de trânsito.7

No Brasil, também há exemplos de como se pode reduzir o número de mortes por acidentes de trânsito. Em Brasília, a proporção de carros que trafegava acima do limite de velocidade de 80 Km/hora baixou de 85% para 0,4%, e o comportamento dos motoristas, com relação ao respeito à faixa de pedestres, modificou-se radicalmente após campanhas educativas e aplicação rigorosa de multas entre 1996 e 1997.5

O novo Código de Trânsito Brasileiro (CTB), aprovado pela Lei no 9.503, contém 341 artigos, foi publicado em 23 de setembro de 1997, e entrou em vigor em 22 de janeiro de 1998. As novas disposições estão mais rígidas e as punições mais severas: as multas tiveram seus valores aumentados e vão desde 50 até 180 UFIR, podendo ter seus valores ainda multiplicados por cinco; os reincidentes podem ter a carteira de habilitação suspensa ou cassada, dependendo do número e gravidade das infrações que cometerem. Além disso, para as punições aos denominados crimes de trânsito (capítulo XIX do novo CTB) aplicam-se as normas gerais do Código Penal e Código do Processo Penal, com penas de prisão de seis meses a quatro anos, dependendo do crime praticado.8 Outra modificação importante aprovada no novo Código foi a redução do nível alcoólico permitido para motoristas: de 8 para 6 decigramas por litro de sangue (artigo 165, do capítulo XV do CTB).8

Segundo levantamento realizado pelo Departamento Nacional de Trânsito, os efeitos do novo CTB começaram a ser sentidos, em todo o país, já durante o primeiro Carnaval após sua vigência. Nesse período, considerado crítico para ocorrência de acidentes de trânsito, observou-se uma redução de 45% no número de acidentes em relação ao mesmo período de 1997.9

É incontestável a importância de avaliação de quaisquer estratégias adotadas visando à redução de acidentes de trânsito e vítimas. Ainda que avaliações do tipo antes/depois apresentem limitações, pela impossibilidade de controlar os diversos fatores que podem se modificar com o decorrer de tempo, em muitas circunstâncias essa forma de avaliação é a única viável. Dessa forma, este trabalho teve o objetivo de avaliar a influência do novo Código de Trânsito Brasileiro, em seus três primeiros meses de vigência, na ocorrência e no perfil de acidentes e vítimas de acidentes de trânsito que aconteceram no perímetro urbano de Londrina.

 

Metodologia

O material utilizado para a análise dos dados foi a totalidade de acidentes de trânsito e de vítimas notificados à Companhia de Trânsito de Londrina e registrados em Boletins de Ocorrência (BOs), em dois períodos de três meses cada. Esses períodos foram estabelecidos de forma a serem comparáveis em termos sazonais: de 22 de janeiro a 21 de abril de 1998 (fase imediatamente posterior à implantação do novo Código de Trânsito, neste estudo denominada como Fase 2) e de 22 de janeiro a 21 de abril de 1997 (mesmo período do ano anterior à implantação do novo Código de Trânsito, ou Fase 1).

A Companhia de Trânsito atende aos acidentes de trânsito notificados que acontecem na zona urbana da cidade, inclusive os ocorridos em vias marginais de rodovias estaduais e federais, que cruzam a cidade, e em estradas vicinais.

Todos os dados foram colhidos diretamente dos BOs, pois a Companhia de Trânsito não possui bancos de dados informatizados. Esses dados foram coletados e transcritos para uma planilha específica, utilizando códigos preestabelecidos, de forma a compor dois bancos de dados: um sobre as características dos acidentes e outro sobre as vítimas, os quais foram processados eletronicamente através do Programa Epi Info.

Por vítima, considerou-se todo indivíduo que sofreu qualquer tipo de lesão corporal ou morreu em conseqüência de um acidente de trânsito.

As variáveis estudadas, quanto aos acidentes, foram: data e dia de semana de ocorrência, tipo do acidente (classificação da Cia. de Trânsito) e realização de teste de bafômetro. Para as vítimas, foram estudados: seu papel desempenhado no momento do acidente (de acordo com a Classificação Internacional de Doenças, 10a revisão – CID-10), sexo e idade.

O número de acidentes e de vítima foi ainda analisado segundo a semana de ocorrência. Os períodos das Fase 1 (1997) e Fase 2 (1998) foram divididos em semanas completas, de domingo a sábado. Foram excluídos os períodos de 22 a 25 de janeiro de 1997 e de 22 a 24 de janeiro de 1998 (dias iniciais das primeira e segunda fases) e de 20 a 21 de abril de 1997 e de 19 a 21 de abril de 1998 (dias finais das primeira e segunda fases), por não completarem uma semana. Assim, obteve-se um total de 12 semanas completas em ambos as fases, com o mesmo número de dias úteis e finais de semana, com um total de 2.418 acidentes.

Pela dificuldade em estabelecer denominadores relativos à população e frota de veículos nos dois períodos, as medidas utilizadas restringiram-se à análise da redução do número absoluto de ocorrências e da distribuição das diversas variáveis, nas duas Fases.

 

Resultados e Discussão

Ainda que exista uma subnotificação importante de acidentes informados à Companhia de Trânsito,4 esta é, atualmente, uma das únicas fontes de dados que permite uma análise histórica desses tipos de acidentes, sendo, portanto, utilizada para o presente trabalho.

Observou-se, assim, um total de 2.568 acidentes e 944 vítimas notificados à Cia. de Trânsito nos dois períodos analisados, sendo 1.368 acidentes e 520 vítimas na Fase 1 (1997) e 1.200 acidentes e 424 vítimas na Fase 2 (1998), conforme se observa na Figura 1. Comparando as duas fases, constatou-se uma redução média de 12,3% no número de acidentes, e de 18,5% no número de vítimas. Esta redução, no entanto, foi menor do que a registrada pelo Departamento Nacional de Trânsito e Polícia Rodoviária Federal, nas cidades e estradas estaduais do Paraná (20,6% para o número de acidentes e 22,2% para o número de vítimas) no primeiro trimestre de 1998, em relação ao mesmo período de 1997.10

 

 

O tipo de acidente mais freqüente, nas duas fases, foi o abalroamento transversal, representando 35,7% do total de acidentes na Fase 1 e 32,9% na Fase 2, seguido de colisão traseira, com 30,3% na Fase 1 e 32,3% na Fase 2, conforme demonstrado na Tabela 1. A maioria das vítimas (46,3% na Fase 1 e 45,0% na Fase 2) também teve como principal tipo de acidente o abalroamento transversal.

 

 

Os abalroamentos (transversal ou lateral) ocorrem, em quase 100% dos casos, nos cruzamentos de ruas ou avenidas. São causados pela interação de diversos fatores ligados ao meio ambiente (leis de trânsito, limites de velocidade, padrão de construção, conservação e sinalização das vias públicas e volume de tráfego); ao veículo (funcionamento mecânico e qualidade do sistema de freios e equipamentos de proteção aos ocupantes do veículo); e às características individuais dos usuários, principalmente do motorista, que determinam o seu comportamento no trânsito (desrespeito às leis e sinalização, excesso de velocidade, etc.).11,12 O grande número de vítimas resultante deste tipo de acidente pode ser atribuído à maneira como um veículo atinge o outro (transversalmente), com o impacto maior incidindo, geralmente, nas portas do veículo, o que expõe mais os seus ocupantes ao risco de ferimentos.

Houve redução do número de acidentes de todos os tipos (de 6,3 a 50,0%), exceto os "outros acidentes", embora o pequeno número de casos comprometa esta análise.

Os atropelamentos representaram apenas 5,1% dos acidentes na Fase 1 e 4,5% na Fase 2. Ainda assim, a redução observada no número de ocorrências (22,8%) pode ser considerada importante, visto que este tipo de acidente, quase que invariavelmente, causa vítimas com ferimentos graves, e estas correspondem, em muitos locais, a cerca de 70 a 85% dos óbitos por acidentes de trânsito),13,14 além de representarem cerca de 12% do total de vítimas de acidentes de trânsito em Maringá15 e em Londrina.4 Essa redução observada pode indicar uma influência positiva do novo Código, já que o menor número de atropelamentos pode ser atribuído, entre outros fatores, à redução da velocidade dos veículos que, segundo Anderson et al,16 pode reduzir a ocorrência deste tipo de acidente, pois o veículo pode parar, antes de atingir o pedestre, em aproximadamente 10% dos casos.

O novo Código tem um capítulo inteiro (Capítulo VI) a respeito dos direitos e deveres dos pedestres,8 mas, é importante lembrar que o volume e fluidez do tráfego, a maneira como o motorista dirige e fatores ambientais também podem aumentar o risco de atropelamentos, além do comportamento do pedestre ao cruzar a via.4 Portanto, para que se possa reduzir o número de vítimas deste tipo de acidente, ações intersetoriais e multidisciplinares precisam ser desenvolvidas, visando a todos estes fatores.

Melhorias na sinalização e aumento de visibilidade nos cruzamentos, bem como uma fiscalização eficiente, que possa coibir o excesso de velocidade e uso de álcool pelos motoristas, poderia reduzir o número de vítimas de todos os tipos de acidente de trânsito.

Com relação à realização de teste de bafômetro, houve um aumento na proporção de testes realizados na Fase 2 (em 5,0% dos acidentes ocorridos) contra apenas em 2,5% na Fase 1. Ainda assim, o número de testes não realizados continua elevado (97,5% na Fase 1 e 95,0% na Fase 2).

Dentre os testes realizados, o número de positivos apresentou aumento de 52,2% em relação à Fase 1 (Tabela 2), o que sugere que o aumento do número de testes realizados, conseqüentemente, conduz a uma maior detecção de motoristas alcoolizados.

 

 

É possível, ainda, que esta diferença de positividade dos testes de bafômetro, entre as fases, deva-se parcialmente à redução do limite de 8 para 6 decigramas de álcool por litro de sangue.8 Contudo, esses resultados indicam que, no período de três meses imediatamente posterior à implantação do novo Código, houve maior fiscalização policial quanto à possibilidade de direção sob efeito de álcool.

Não houve diferenças significativas na distribuição dos acidentes e vítimas, quanto aos dias da semana, entre as fases. Em números absolutos, para os acidentes, a Fase 2 apresentou reduções para todos os dias, quando comparada com a Fase 1. As maiores reduções ocorreram na quinta-feira (18,7%), no sábado (18,3%) e na sexta-feira (15,7%). Com relação ao número de vítimas, na Fase 2, as maiores reduções observadas foram na sexta-feira (56,7%) e no domingo (36,0%).

Essas reduções no número de acidentes e vítimas, principalmente nos finais de semana, podem estar relacionadas com o novo limite de álcool permitido pelo atual Código, pois o número de acidentes associados à ingestão de bebidas alcoólicas é maior em finais de semana17,18,4,19 ou, ainda, a um receio de uma maior fiscalização policial, com possibilidade de aplicação de multas com valores mais altos.

Quanto às vítimas, mais de 70% foram adolescentes e adultos jovens, do sexo masculino, o que coincide com a literatura.20,1,15,4 Esta predominância do sexo masculino é, possivelmente, devida à maior exposição do homem na condução de veículos e, também, ao maior consumo de álcool entre homens.18

Com relação à faixa etária, houve predominância do grupo de 20 a 29 anos em ambas as Fases (38,2% na Fase 1 e 36,8% na Fase 2). É possível que este fato esteja relacionado à dificuldade dos jovens em detectar e prever a possibilidade de conflitos no trânsito e pelo excesso de autoconfiança que os fazem correr mais riscos na direção de veículos e, em algumas situações, pela velocidade com que dirigem.12 Para os motoristas mais jovens e inexperientes, Moreno21 recomenda que até mesmo doses mínimas de álcool sejam proibidas.

Os motociclistas (condutores e passageiros) constituíram-se no principal tipo de vítima (42,9% na Fase 1 e 42,0% na Fase 2), seguidos de ocupantes de carro/caminhonete (33,7% na Fase 1 e 35,0% na Fase 2), de pedestres (15,6% nas duas fases) e ciclistas (6,7% na Fase 1 e 5,9% na Fase 2).

Andrade4 e Soares15 também encontraram os motociclistas em primeiro lugar, com relação ao número de vítimas, em Londrina e Maringá, respectivamente. O grande número de vítimas motociclistas decorre, além da frota crescente desse tipo de veículo em nosso meio, da maior vulnerabilidade dos usuários de motocicletas, que apresentam risco de lesões mais graves que os usuários de outros tipos de veículos.20 Além disso, motociclistas necessitam de maior coordenação e equilíbrio para dirigir, comparados aos motoristas de veículos de quatro rodas; e motos são, relativamente, mais potentes, em termos de velocidade.22

Um fator importante para a redução de lesões, entre motociclistas, é o uso do capacete.20 O novo Código de Trânsito pode ser decisivo no aumento do uso do capacete, pois a multa para a sua não utilização é de quase 1,5 salário mínimo, e o infrator ainda pode ter suspensão do direito de dirigir.8 Esse dado, no entanto, não pôde ser avaliado, pois, apesar de constar no Boletim de Ocorrência, não foi preenchido em 100,0% dos acidentes.

Comparando as duas fases, observou-se que, apesar de não haver diferenças importantes na distribuição das vítimas segundo o papel que desempenhava no momento do acidente, houve redução, em números absolutos, para, praticamente, todos os tipos de vítimas na Fase 2 (Tabela 3). Este fato pode ser um reflexo tanto da diminuição do número de acidentes, como também da redução da sua gravidade.

 

 

Apesar da redução média de 18,5%, encontrada na Fase 2, em relação ao número de vítimas, o número de óbitos no local do acidente (6) foi o mesmo para as duas fases. Este tipo de óbito está diretamente relacionado ao tipo e gravidade do acidente, sendo mais comum nos atropelamentos e acidentes com ciclistas ou motociclistas. Klein13 verificou, em seu trabalho no Rio de Janeiro, que a maioria das vítimas que morre por acidentes de trânsito está fora dos veículos; portanto, maiores condições de proteção deveriam ser oferecidas a este tipo de vítimas (pedestres, ciclistas e motociclistas).

Quando são analisadas as fases por semanas completas (de domingo a sábado), percebe-se que as maiores reduções, na Fase 2, tanto no número de acidentes como de vítimas, ocorreram nas primeiras semanas do estudo, ou seja, logo após a implantação do novo Código (Figura 2), e que, nas semanas finais do período de três meses de observação, os números tenderam a se igualar com os da Fase 1, ou até superá-los.

 

 

Estes resultados permitem inferir que houve um impacto inicial positivo do novo Código de Trânsito. É possível que a redução acentuada do número de acidentes e vítimas encontrada nas primeiras semanas da Fase 2 seja decorrente da ampla divulgação feita pela mídia sobre as mudanças do novo código, nas semanas que antecederam sua implantação, principalmente em relação à severidade das punições que seriam aplicadas aos infratores. O receio dessas penalidades pode ter sido responsável por uma mudança positiva no comportamento dos motoristas, reduzindo o número de ocorrências, logo após a implantação do novo Código.

Essa redução, entretanto, não se manteve com o passar do tempo, provavelmente pela falta de uma fiscalização efetiva, com aplicação severa das punições previstas em lei e, também, pelo atraso no recebimento das multas, que trouxe de volta a sensação de impunidade, fazendo com que os motoristas e pedestres voltassem a se comportar de maneira inadequada no trânsito. Conseqüentemente, o número de acidentes e vítimas, nas últimas semanas analisadas da Fase 2, superaram os valores do mesmo período no ano anterior.

É importante considerar que a prevenção dos acidentes de trânsito necessita de ações multidisciplinares e intersetoriais, que dependem de vontade política e atuação coordenada.14,17 Além das modificações ocorridas na legislação, melhorias no meio ambiente (sinalização, radares de controle de velocidade, instalação de semáforos para pedestres e iluminação adequada das vias, entre outras), melhoria do sistema de fiscalização e repressão de condutores que apresentem comportamentos que aumentam o risco de acidentes, e ações educativas, são necessárias.

Este estudo demonstrou que, possivelmente, o receio de punições que envolvam o pagamento de multas com altos valores, coíbe comportamentos inadequados no trânsito, refletindo uma redução acentuada no número de acidentes e vítimas nas primeiras semanas de vigência do Novo Código. Todavia, a sensação de não ser flagrado e, conseqüentemente, punido, pode ser responsável pelo recrudescimento desses eventos.

Dessa forma, ações que priorizem uma ampla fiscalização (inclusive com o apoio de equipamentos eletrônicos), de comportamentos no trânsito, precisam ser implementadas o mais urgentemente possível pelos órgãos competentes, para que a tendência de aumento no número de vítimas e acidentes de trânsito, observada nas últimas semanas do presente estudo, seja revertida.

Finalmente, faz-se necessário salientar a importância de novos estudos, com períodos mais longos de observação, que possibilitem cálculos de indicadores para avaliar a influência do novo Código de Trânsito Brasileiro, a médio e longo prazos, no perfil epidemiológico dos acidentes e vítimas de trânsito. Um sistema de vigilância epidemiológica que permitisse o acompanhamento dessas ocorrências, de forma contínua, poderia fornecer importantes subsídios à implantação de estratégias preventivas, de forma ágil, em nível local.

 

Bibliografia

1. Brito EM, Costa GR, Alves RS, Meneses EA, Duarte SC. Traumatismo crânio-encefálico em vítimas de acidentes de trânsito atendidas no Hospital de Base do Distrito Federal em 1994 e 1995. Revista de Saúde do Distrito Federal 1996; 7: 41-49.

2. Mello Jorge MHP, Grawyszewski VP, Latorre MRDO. Análise dos dados de mortalidade. Revista de Saúde Pública 1997; 31: 5-25.

3. PREFEITURA MUNICIPAL DE LONDRINA. Autarquia do Serviço Municipal de saúde. Rumos da Saúde para Londrina. Plano Municipal de Saúde para o biênio 1996-1997. Londrina: 1996.

4. Andrade SM. Acidentes de transporte terrestre em Londrina - Paraná: análise das vítimas, dos acidentes e das fontes de informação [Tese de doutorado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública/USP; 1998.

5. Varella F & Mezarobba G. A força da lei contra a selvageria. Revista Veja 1998; 1530:64-69.

6. Camargo EF, Peixoto ER, Rocha JS, Amaral IS, Nogueira MARJ, Velloso GR. Acidentes de trânsito em Brasília: caracterização dos acidentes e das vítimas atendidas no Hospital de Base do Distrito Federal. Revista Saúde do Distrito Federal 1997; 8:22-23.

7. Holló P. Changes in the legislation on the use of daytime running lights by motor vehicles and their effect on road safety in Hungary. Accident Analysis and Prevention 1998; 30:183-199.

8. Caldas G. Novo Código de Trânsito Brasileiro Anotado. São Paulo: Ediprax Jurídica; 1998.

9. Traumann T. Paz na estrada. Revista Veja 1998; 1536:68-69.

10.Horta L. Trânsito atropela código em Londrina. Folha de Londrina 9 de agosto de 1998; Caderno: Folha Reportagem, 2-3.

11.Johnston I. Action to reduce road casualties. World Health Forum 1992; 13:154-62.

12.Murray A. The home and school background of young drivers involved in traffic accidents. Accident Analysis and Prevention 1998; 29:169-182.

13.Klein CH. Acidentes de trânsito no Rio de Janeiro. Cadernos de Saúde Pública 1994; 10:168-176.

14.Mello Jorge MHP, Latorre MRDO. Acidentes de trânsito no Brasil: dados e tendências. Cadernos de Saúde Pública 1994; 10:19-44.

15.Soares DFPP. Vítimas de acidentes de trânsito ocorridos no perímetro urbano de Maringá/PR, em 1995 [Dissertação de mestrado]. Londrina: Universidade Estadual de Londrina;1997.

16.Anderson RWG,Mclean AJ, Farmer MJB, Lee BH, Brooks CG. Vehicle travel speeds and the incidence of fatal pedestrian crashes. Accident Analysis and Prevention 1997; 29:667-674.

17. Minayo MCS. A violência social sob a perspectiva da saúde pública. Cadernos de Saúde Pública 1994; 10:7-18.

18.Koelega HS. Alcohol and vigilance performance: a review. Psychopharmacology 1995; 118:233-249.

19.Voas RB, Wells J, Lestina D, Willians A, Greene M. Drinking and driving in the United States: The 1996 National Road Side Survey. Accident Analysis and Prevention 1998; 30:267-275.

20.Koizumi MS. Acidentes de motocicleta no município de São Paulo, SP, Brasil. 1. Caracterização do acidente e da vítima. Revista de Saúde Pública 1985; 19:475-489.

21.Moreno DH. Psicofármacos e direção. Revista de Psiquiatria Clínica 1998; 25: 13-15.

22.Sun WS, Kahn DM, Kenneth GS. Lowering the legal blood alcohol level for motorcyclists. Accident Analysis and Prevention 1998; 30:133-136.

 

 

Endereço para correspondência:
NESCO
Avenida Robert Koch, 60,
Centro de Ciências da Saúde,
CEP: 86.038-350
Londrina/PR
E-mail:cordoni@sercomtel.com.br

 

 

*Artigo baseado em monografia de conclusão do Curso de Especialização em Saúde Coletiva, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Estadual de Londrina.