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Informe Epidemiológico do Sus

versão impressa ISSN 0104-1673

Inf. Epidemiol. Sus v.8 n.4 Brasília dez. 1999

http://dx.doi.org/10.5123/S0104-16731999000400004 

Avaliação do programa de controle da tuberculose em Londrina-PR no ano de 1996*

 

An evaluation of tuberculosis control program in Londrina-PR during 1996

 

 

Vânia Oliveira MeloI; Darli Antônio SoaresII; Selma Maffei de AndradeII

ICentro de Estudos Superiores de Londrina
IIUniversidade Estadual de Londrina

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Em 1996, estudou-se a efetividade do Programa de Controle da Tuberculose, no Município de Londrina-PR. Foram selecionadas as fichas de notificação que se encaixaram no critério de "caso novo e residente em Londrina" (N=186). Estes pacientes tiveram seus prontuários revisados após dez meses do diagnóstico no Setor de Pneumologia Sanitária ou na fonte notificadora para aqueles que não compareceram a esse serviço. Utilizou-se ainda o Sistema de Informação da Aids para analisar a notificação da tuberculose como doença oportunista. Os resultados mostraram que a maioria dos diagnósticos de tuberculose (67,4%) foi realizada em hospitais, com internação posterior, o que indica que o paciente deva estar em estado avançado da doença. Quanto à situação do paciente no 10o mês após o diagnóstico, constatou-se que 65,1% evoluíram para cura, 17,7% abandonaram o tratamento, 11,8% não foram inscritos no Programa e 4,8% foram a óbito. O percentual de comunicantes que compareceu ao serviço para a realização de radiografia de tórax foi de apenas 53,9%. O Sistema de Informação da Aids mostrou a subnotificação de 16 casos de tuberculose. Os resultados sugerem a necessidade de adoção de medidas que visem à melhoria das ações de controle da tuberculose.

Palavras-Chave: Tuberculose; Avaliação de Serviços de Saúde; Controle; Tratamento; Aids.


SUMMARY

The effectiveness of the tuberculosis control program was studied in Londrina, Paraná State, Brazil, in 1996. Registered new cases of tuberculosis residents in Londrina (N=186) were selected. These patients had their medical records evaluated at the Sanitary Pneumology Sector or at the service that informed the case, after 10 months following diagnosis. The Aids Information System was also used to evaluate notification of tuberculosis as an opportunistic disease. Results have shown that the majority of tuberculosis diagnosis was made in hospitals (67.4%) with subsequent hospitalization, suggesting that patients may be in advanced stage of the disease. In the 10th month after diagnosis, it has been observed that 65.1% of patients were cured, 17.7% abandoned treatment, 11.8% had not been enrolled in the Program and 4.8% died. The proportion of close contacts that attended the service for chest x-ray was only 53.9%. The Aids Information System demonstrated that 16 cases of tuberculosis had not been notified. Results suggest that there is a need to take measures that aim the improvement of tuberculosis control actions.

Key Words: Tuberculosis; Health Service System Evaluation; Control; Treatment; Aids.


 

 

Introdução

A tuberculose, doença milenar, continua sendo um dos mais importantes problemas de saúde pública, principalmente nos países em desenvolvimento, pois eles apresentam as condições favoráveis à sua transmissão: precárias condições de vida, associadas a programas de controle pouco eficientes.1 A epidemia da Aids também tem contribuído para o aumento dos casos de tuberculose, atingindo até mesmo os países desenvolvidos.2,3,4 Raviglione e col.,5 analisando as notificações em 14 países do oeste da Europa, de 1974 a 1991, descreveram um aumento das notificações da doença na maioria dessas nações. Nos Estados Unidos, de 1985 a 1992, os Centers for Disease Control and Prevention (CDC) registraram um aumento de 20,1% no número de casos.6 Dolin e col.7 estimaram, para o período de 1990 a 2000, 88 milhões de casos novos de tuberculose no mundo, e a mortalidade foi estimada, para o ano 2000, em 3.509.000 mortes, o que corresponde a 39% a mais do que no ano de 1990.

No Brasil, a incidência da tuberculose vem se mantendo elevada (58,6 e 54,1 casos por 100.00 habitantes nos anos de 1995 e 1996, respectivamente).8 Estes dados devem ser analisados com reserva, pois, certamente, são maiores, já que, atualmente, no Brasil, o número de casos notificados representa de 75% a 80% da verdadeira incidência.9 Ainda assim, coloca o Brasil em 4o lugar no mundo em número de casos de tuberculose, abaixo apenas da Índia, China e Filipinas.8

Os resultados do tratamento da tuberculose, no Brasil, também são preocupantes. Nos anos de 1994 e 1995, a taxa de cura esteve em torno de 76% e o abandono foi de aproximadamente 15%.10 Estudo realizado em Pelotas - Rio Grande do Sul11 relata que, de julho de 1994 a dezembro de 1995, aproximadamente 20% dos pacientes abandonaram o tratamento. No Município de São Paulo, estudo realizado por Almeida e col.12 descreve apenas 58% dos casos de tuberculose pulmonar evoluindo para cura e uma taxa de abandono de 28,02%, de julho de 1989 a abril de 1991.

Embora o Ministério da Saúde descreva detalhadamente todos os passos para o diagnóstico, tratamento, controle de comunicantes e estrutura do Programa de Controle da Tuberculose (PCT),13 fornecendo também os medicamentos necessários ao tratamento, acreditamos que, para atingir as metas do Programa, é necessário o envolvimento dos profissionais e dos serviços de saúde.

"A cura de casos bacilíferos continua sendo a melhor prevenção da doença"10 e, para que isto ocorra, os serviços de saúde precisam estar alertas para o diagnóstico precoce e para a promoção de ações que garantam o tratamento completo da tuberculose. O presente estudo teve como objetivo, portanto, avaliar o Programa de Controle da Tuberculose em Londrina, no ano de 1996, pois este Município vem apresentando elevada incidência da doença (entre 40 e 50 casos por 100.000 habitantes nos últimos dez anos) e resultados não muito favoráveis do PCT.

 

Material e Métodos

Local de estudo: O Município de Londrina, situado na região norte do Paraná, cuja população no ano de 1996 era de 421.343 habitantes, contava com 51 Unidades Básicas de Saúde (UBS), com 35 na zona urbana e 16 na zona rural.

População de estudo: A totalidade dos casos novos de tuberculose dos residentes em Londrina, notificados ao serviço de epidemiologia da 17a Regional de Saúde no ano de 1996 (N=186).

Procedimento e coleta de dados: Os dados foram provenientes das fichas epidemiológicas e dos prontuários dos pacientes. Estes prontuários foram localizados no Setor de Pneumologia Sanitária (que é o local que atende de forma centralizada a todos os portadores de tuberculose), no caso de pacientes inscritos no Programa de Controle da Tuberculose (N=164). Os demais (22 casos) tiveram seus prontuários resgatados na fonte notificadora de origem que, neste caso, foram todos provenientes do Hospital Universitário.

Variáveis estudadas:

• Situação do paciente após dez meses do diagnóstico: a investigação dos prontuários dez meses após o diagnóstico da tuberculose levou em consideração a duração preconizada do tratamento (seis meses para os casos iniciais, exceto se estes forem portadores do HIV, situação que prolonga o tratamento para nove meses). Essa situação foi categorizada como: cura, óbito, abandono de tratamento, transferido (outro município), transferido (Hospital São Sebastião da Lapa, em Curitiba) e sem informação. Em algumas análises a situação foi dicotomizada em favorável (cura) ou desfavorável (óbito, abandono ou transferido para o Hospital São Sebastião da Lapa).

• Porta de entrada no Sistema de Saúde: definiu-se como "porta de entrada" o local que fez o atendimento ao paciente e teve como hipótese diagnóstica a tuberculose. Esse dado foi obtido do prontuário do paciente no Setor de Pneumologia Sanitária, onde constava de onde o paciente veio encaminhado. Para os casos que não compareceram ao Setor de Pneumologia Sanitária, portanto não inscritos no Programa (22), considerou-se como porta de entrada o hospital que o atendeu e notificou, que foi o Hospital Universitário.

• Atraso no comparecimento: o atraso foi definido como sendo o não comparecimento do paciente após três dias úteis da data aprazada para o seu retorno, até 29 dias consecutivos. Portanto, as ações de convocação deveriam ser realizadas neste intervalo de tempo, pois após, 29 dias, caracteriza-se o abandono do tratamento.

A avaliação dos Sistemas de Informação da AIDS e da tuberculose, deu-se através dos seguintes cruzamentos:

1o) Nome dos pacientes notificados ao Sistema de Informação da AIDS, desde o primeiro caso da doença (no ano de 1985), com os nomes dos pacientes inscritos no Programa de Tuberculose no ano de 1996, com resultado positivo do teste do HIV.

2o) Nome dos pacientes notificados no Sistema de Informação da AIDS no ano de 1996 e que apresentaram a tuberculose como doença associada, com os nomes dos pacientes inscritos no programa da tuberculose.

Análise dos dados: os dados foram apresentados em tabelas e figura, em número absolutos e percentuais. Para avaliar se houve significância estatística nas diferenças das probabilidades de desfecho favorável ou desfavorável, em dois grupos de pacientes foi utilizado o teste do qui-quadrado (χ2) na análise de tabelas 2 x 2, por meio do programa computacional de domínio público Epi Info, sendo considerada diferença significante quando o valor de p < 0,05.

 

Resultados e Discussão

Em 1996, foram notificados 186 casos novos de tuberculose no Município de Londrina, o que representou uma incidência de 44,2 casos por 100.000 habitantes. A distribuição dos casos (Tabela 1) mostra que a forma pulmonar ocorreu em 66,7% dos casos, percentual bastante inferior ao encontrado no Brasil (85,7%) e no Paraná (84,8%) para o mesmo ano.10,14

 

 

Este fato parece estar relacionado à qualidade do diagnóstico da forma extrapulmonar, já que o Município de Londrina conta com grande número de médicos e apoio diagnóstico. Corrobora esta hipótese o fato de termos verificado que, em 67,4% dos casos, o diagnóstico foi realizado em unidades hospitalares. Outro fator que poderia estar influenciando nesta distribuição seria a insuficiência do diagnóstico da forma pulmonar, pois as Unidades Básicas de Saúde não fazem a procura sistemática de sintomáticos respiratórios.

As formas graves, miliar e meningite tuberculosa, representaram apenas 1,6% e 1,1% dos casos, respectivamente. Julgamos que estes baixos percentuais se devam à boa cobertura vacinal com BCG para as crianças menores de um ano no Município, já que este manteve coberturas próximas a 100% nos últimos anos.

Ao analisarmos os casos de tuberculose pulmonar pelo resultado da baciloscopia de escarro, constatamos que o percentual de exames não realizados (9,7%) foi pequeno se compararmos com o Brasil no mesmo ano (19,8%), e que chega a 25% no Município do Rio de Janeiro.15

A elevada taxa de positividade no Município de Londrina (71%) contra 60,5% da encontrada no Brasil neste mesmo ano, parece, por um lado, ser um ponto favorável para Londrina, pois uma maior precisão no diagnóstico da tuberculose possibilita um tratamento de maior certeza para a doença; por outro, questionamos se não poderia estar ocorrendo, neste Município, maior proporção de casos positivos porque o paciente tuberculoso está sendo captado tardiamente, quando a chance de positivação do exame aumenta.

Reforça esta hipótese o fato de termos constatado que, dos 124 casos de tuberculose pulmonar em Londrina (81 com atendimento e exames realizados em hospitais e 43 em unidades não hospitalares), 74,1% dos atendidos em hospitais foram positivos à baciloscopia e, dos atendidos em unidades não hospitalares, apenas 58,1% foram positivos.

Para avaliar a capacidade do Serviço estar alerta ao diagnóstico precoce, verificou-se a porta de entrada do paciente com tuberculose no Sistema de Saúde. Na Figura 1 observamos que 67,4% dos casos tiveram como porta de entrada os hospitais. Considerando que esses hospitais não possuíam Programa de Controle da Tuberculose, nem atividades de biossegurança relacionadas à tuberculose, esses pacientes foram atendidos no Pronto Socorro e, depois, permaneceram internados. Este dado reforça a hipótese de que o paciente com tuberculose precisa estar em estágio avançado da doença para ter o seu diagnóstico efetuado.

 

 

Este fato é preocupante, pois, além de prolongar o sofrimento do paciente, a demora no diagnóstico da tuberculose traz questionamentos importantes: Quanto tempo este portador de tuberculose esteve transmitindo a doença? Quantas pessoas infectou?

Para responder a estes e outros questionamentos sugerem-se estudos mais detalhados da doença no Município, para investigar os reais motivos que levaram tais pacientes a terem seus diagnósticos efetuados somente na internação.

Em 14,4% dos casos, a suspeita ou diagnóstico de tuberculose foram feitos nos consultórios de especialidades, sendo aqui incluído o Hospital das Clínicas (H.C.), que é o setor ambulatorial do Hospital Universitário. Deduz-se que estes pacientes passaram por um atendimento de clínica geral, em primeira instância, já que quase a totalidade dos casos foram atendidos pelo Sistema Único de Saúde - SUS - e este exige encaminhamento de clínicas básicas para o atendimento nas especialidades. Além disso, parece também que em todos esses atendimentos de clínica geral não deve ter havido a suspeita de tuberculose, pois, caso isto tivesse ocorrido, o paciente deveria ter sido encaminhado ao Setor de Pneumologia Sanitária para a confirmação diagnóstica e não a outras clínicas especializadas.

Em estudo realizado por Oliveira e col,9 os autores relatam que, no município do Rio de Janeiro, em 1993, 85% dos casos novos de tuberculose foram atendidos/notificados pelos Centros Municipais de Saúde e 15% pelos hospitais. Em Londrina, apenas 7,2% dos casos seguem o fluxo esperado para o Sistema, que é a suspeita do caso nas UBS.

Os 14 casos (7,7%) que constam tendo como porta de entrada o Setor de Pneumologia referem-se aos comunicantes de casos cujos diagnósticos foram efetuados por esse Setor. Caso consideremos os hospitais somados aos ambulatórios/consultórios de especialidades, chegaremos a 81,8% dos casos sendo diagnosticados em serviços especializados e apenas 14,9% em UBS ou no Setor de Pneumologia Sanitária, praticamente o inverso do encontrado no Rio de Janeiro.9

O que poderia estar dificultando tanto a suspeita de tuberculose pelos profissionais de saúde da atenção primária? Seria o fato de o atendimento à tuberculose estar centralizado e, portanto, ausência de convivência com a doença na rotina de seus atendimentos, associada à ocorrência freqüente de tosses e febre em função de outras infecções das vias aéreas superiores, como as gripes? Ou o desconhecimento, pelos profissionais, da situação epidemiológica da tuberculose no Município, que os levaria a pensar que a doença seja de ocorrência rara? Estariam estes profissionais tão sobrecarregados com a elevada demanda de pessoas por atendimento que a qualidade da atenção à saúde, em geral, seria deficiente?

Quaisquer que sejam os motivos, os dados deste trabalho apontam para a necessidade urgente de mudança desse quadro, com ênfase no preparo dos profissionais e das UBS para a realização do diagnóstico precoce desta doença.

Poderíamos supor, ainda, que o fato de tantos casos de tuberculose em Londrina estarem sendo diagnosticados em hospitais estivesse relacionado às elevadas taxas de tuberculose extrapulmonar no Município, uma vez que esta é de difícil diagnóstico em ambulatórios, principalmente na rede básica de saúde. Entretanto, constatamos que 66,4% dos casos atendidos em hospitais são de tuberculose pulmonar, o que contraria esta hipótese.

Este fato evidencia, ainda mais, que a porta de entrada do paciente com tuberculose no Sistema de Saúde de Londrina está realmente invertida, o que dificulta o adequado controle desta doença, que se baseia, principalmente, em diagnóstico precoce e tratamento adequado.13,16

Após dez meses da notificação dos casos de tuberculose, pudemos constatar que a taxa de cura da tuberculose pulmonar com baciloscopia positiva, do total de casos notificados, foi de 73,9%. Com este índice, o Programa de Controle da Tuberculose de Londrina não se mostra eficiente, pois a Organização Mundial da Saúde considera, para o controle mundial desta doença, que, no mínimo, 85% desses casos sejam curados e, pelo menos, 70% dos casos existentes sejam detectados.17 Ao considerarmos todos os tipos de tuberculose notificados, a taxa de cura foi ainda menor (65,1%). Quanto ao abandono de tratamento, este apresentou alto percentual (17,7%), lembrando que o Ministério da Saúde espera no máximo 10%.

Destacamos, ainda, que 11,8% dos casos de tuberculose não foram inscritos no Programa. Portanto, quando o serviço avalia suas ações, estes casos não são computados, o que pode gerar algumas distorções nas análises. Gerhart & Ribeiro18 denominam de "sem informação" o grupo de doentes que são diagnosticados como caso de tuberculose e que não constam de nenhum dos critérios de encerramento. No presente estudo, esses casos são os "não inscritos". Os autores discutem que na avaliação do PCT os "sem informação" não são incluídos. Portanto, os resultados favoráveis estariam falsamente aumentados, prejudicando a avaliação do quadro epidemiológico da doença e da real efetividade do PCT. A Tabela 2 apresenta a comparação entre a evolução dos pacientes com tuberculose, todas as formas, considerando-se os inscritos e os não inscritos no Programa.

 

 

Estes dados mostram que, se analisarmos a situação dos casos de tuberculose, todas as formas, de Londrina apenas pelos resultados obtidos dos pacientes inscritos no Programa, estaremos excluindo uma parcela importante, que representa justamente os casos mais graves e, conseqüentemente, de pior evolução. Enquanto nos casos inscritos a maioria evolui para cura (73,8%) e o óbito representa apenas 5,5%, nos pacientes não inscritos, esta situação é inversa, em que nenhum evolui para cura e os óbitos representam 36,4% dos casos.

Encontramos ainda 22,7% dos casos (cinco pacientes) sendo transferidos para o Hospital São Sebastião da Lapa, de Curitiba, que é o local destinado a pacientes com problemas sociais graves e/ou de difícil tratamento. Destes, apenas um retornou para Londrina e concluiu o tratamento, recebendo alta por cura; um foi a óbito no próprio Hospital da Lapa e três, que se tratavam de pacientes sem residência fixa, receberam alta antes do término do tratamento e não compareceram no Município de origem para dar continuidade ao tratamento.

Do grupo de não inscritos, encontramos também 22,7% dos casos sem informação, pois, após a alta hospitalar, não compareceram ao Setor de Pneumologia e nem retornaram ao hospital que fez o diagnóstico. Se considerarmos estes casos como abandono, o total de abandono passa de 18,3% para 21,0%, o que representaria mais do que o dobro do que é considerado aceitável pelo Ministério da Saúde.

Comparando a ocorrência de cura versus evolução desfavorável (óbito, abandono, sem informação e transferidos para o Hospital São Sebastião da Lapa) entre o grupo de inscritos e não inscritos, observamos uma probabilidade significativamente maior (quase quatro vezes) do grupo de não inscritos apresentar evolução desfavorável (p < 0,05).

Foram avaliadas também as ações desenvolvidas para os pacientes que apresentaram atraso no comparecimento. Ao longo do tratamento, cada paciente pode apresentar mais de um atraso e, neste estudo, 42 casos tiveram um atraso; oito casos, dois atrasos; e apenas um caso, três atrasos. Cada atraso pode gerar, ainda, mais de uma convocação e somente nove casos tiveram mais de uma convocação.

Na Tabela 3, as convocações foram agrupadas segundo o tipo, independente do número de convocações realizadas em cada uma delas, considerando a evolução de cada caso. Pacientes que tiveram mais de uma convocação, sendo estas de tipos diferentes, foram agrupadas no tipo "visita domiciliar + outra", já que todas continham a visita domiciliar entre elas.

 

 

Observamos que, dos 164 pacientes inscritos no Programa de Tuberculose, 51 deles apresentaram atraso no comparecimento. Destes casos, 64,7% evoluíram para abandono, o que nos leva a inferir que o atraso no comparecimento tem grande probabilidade de evoluir para abandono. Isto reforça a necessidade de o serviço priorizar a busca desses pacientes em atraso de uma maneira mais efetiva. Constatamos também que, apesar de não significativo do ponto de vista estatístico, a visita domiciliar apresentou melhores resultados que a convocação telefônica, já que, em 35,7% dos casos, o paciente, na primeira hipótese, retornou e evoluiu para a cura e apenas 19,0% (p>0,05) o fizeram, quando convocados pelo telefone. Entretanto, a convocação telefônica foi o tipo mais realizado pelo Setor, talvez em função da dificuldade de agendamento de veículos para visita e da falta de pessoal, além da alta disponibilidade de aparelhos telefônicos em Londrina.

A maioria dos casos com atraso e subseqüente abandono envolvia problemas sociais importantes, como pôde ser verificado em um caso, assim relatado:

Paciente de 23 anos, comunicante de caso de tuberculose e apresentando a tuberculose pulmonar. Inscrita no Programa em 19/12/96. Data programada para o retorno: 06/06/97; não compareceu. Realizado visita domiciliar em 25/ 06/97 onde obteve-se a informação de que a mesma estava fora de casa, junto a um grupo de drogados. A paciente retornou espontaneamente ao serviço em 14/ 07/97. Data do próximo retorno: 13/08/97; não compareceu. Realizado visita domiciliar em 10/ 09/97, onde foram informados de que a paciente estava presa por envolvimento com drogas e ainda encontrava-se grávida. Próxima anotação: alta por abandono em 22/10/97...

Este caso reforça a necessidade de um acompanhamento do tratamento o mais próximo possível do doente, já que a tuberculose está intimamente relacionada a fatores socioeconômicos e culturais e, para o seu controle, não basta apenas qualidade no diagnóstico. É preciso que haja adesão ao tratamento. Para isso, é fundamental o papel da equipe de saúde no acompanhamento do paciente e de sua família, num trabalho educativo e integrado com outras instituições. Quando necessário, se o paciente encontra-se impossibilitado de buscar o medicamento, como no caso descrito, o medicamento deve ser levado até ele.

Diferindo do recomendado pelo Ministério da Saúde, a rotina do serviço de tuberculose de Londrina prevê que todos os comunicantes de caso de tuberculose (pulmonar e extrapulmonar) realizem a radiografia de tórax. Esta avaliação foi realizada com base em 134 casos índices pois, em 30 casos, não constava a relação dos comunicantes e este fato parece estar mais relacionado à falta de anotações no prontuário, uma vez que seria muito difícil uma pessoa não ter comunicante.

Dos comunicantes relacionados nos prontuários, o número de não comparecimento ao Setor para a realização da radiografia de tórax foi bastante elevado, representando 46,1% do total de comunicantes. Isto é preocupante, uma vez que os casos novos de tuberculose em comunicantes podem estar entre aqueles que não realizaram o exame. Esta ação de controle está bastante aquém do preconizado pelo Ministério da Saúde, que recomenda o acompanhamento de 100% dos comunicantes,19 porém apenas para a forma pulmonar.

É baixo o percentual de abreugrafias suspeitas (2,9%) e, considerando que um grande número de casos novos de tuberculose, em 1996, foram comunicantes (29,0%) e, destes, apenas 27,4% foram diagnosticados pelo Setor de Pneumologia Sanitária, questionamos se não seria prudente acompanhar os comunicantes por um tempo maior, já que estes podem estar infectados, mesmo que ainda sem lesões no pulmão, num primeiro momento. Este acompanhamento ao qual nos referimos seria através do caso índice que retorna periodicamente e pode informar a situação dessas pessoas, tendo em vista que o retorno freqüente de todos os comunicantes ao Setor seria inviável. Poderia, ainda, ser priorizado um acompanhamento mais freqüente dos comunicantes de tuberculose bacilífera.

Finalmente, o presente estudo avaliou o Sistema de Informação da tuberculose e constatou que, em Londrina, no ano de 1996, todas as notificações de tuberculose arquivadas na 17a R.S. eram provenientes apenas do Hospital Universitário e do Setor de Pneumologia Sanitária. As portas de entrada destes pacientes no Sistema de Saúde, conforme pudemos observar, foram as mais variadas, o que nos permite inferir que muitos serviços não fazem a notificação de casos. O Município de Londrina, no ano de 1996, contava com quatro hospitais gerais públicos, uma maternidade municipal, quatro hospitais filantrópicos (dois gerais, uma maternidade e um hospital especializado em oncologia) e quatro hospitais privados (dois psiquiátricos, um especializado em oftalmologia e um em ortopedia). Destes, apenas o Hospital Universitário notifica casos de tuberculose. Os demais apenas orientam o paciente, a procurar depois da alta, o Setor de Pneumologia Sanitária. Portanto, não é possível estimar o número de casos de tuberculose atendidos anualmente por eles. Se esse portador não comparecer ao serviço, não haverá continuidade do tratamento e, também, o caso não será incluído no Sistema de Informação, caracterizando a subnotificação.

Observamos também que a troca de informação entre o Setor de Epidemiologia da 17a R.S. e o Setor de Pneumologia Sanitária é deficiente, pois os casos notificados do Hospital Universitário e que não compareceram ao Setor para dar continuidade ao tratamento não foram informados ao Setor de Pneumologia para a busca dos pacientes.

Outra troca importante de informação deve ocorrer entre os Sistemas de Informação da Aids e o da Tuberculose. No Município de Londrina, a Aids também é uma doença de grande impacto, tendo apresentado um pico na sua incidência no ano de 1993 (23,1 casos por 100.000 habitantes) e, nos anos de 1994, 1995 e 1996, apresentou incidências de 15,4; 15,1 e 19,4 casos por 100.000 habitantes, respectivamente. Ao cruzarmos os dados dos dois bancos de dados, evidenciou-se subnotificação da tuberculose no banco de dados da Aids. Dos 33 casos de tuberculose com teste positivo para o HIV, detectados neste estudo, 31 constavam no banco de dados da Aids, porém somente 17 destes tinham a tuberculose relacionada como doença oportunista em sua notificação de Aids. Foram encontrados, ainda, 16 casos no banco de dados da Aids, notificados em 1996, que tinham a tuberculose notificada como doença oportunista. Entretanto, estes casos não foram notificados ao Sistema de Informação da Tuberculose, e nem compareceram ao Setor de Pneumologia para tratamento. Destes, nove tiveram óbito registrado até fevereiro de 1997. A ineficiência destes dois Sistemas prejudica a análise do real impacto destas doenças.

Os resultados obtidos neste estudo sugerem a necessidade de revisão das ações da tuberculose para que haja a procura dos sintomáticos respiratórios, controle de comunicantes, adesão ao tratamento, integração dos serviços ambulatoriais e hospitalares, supervisão nos diferentes níveis, treinamento dos profissionais e avaliações contínuas. Essas avaliações dependem, entre outros fatores, de um sistema de informação fidedigno para que o serviço de vigilância epidemiológica possa efetivamente analisar o comportamento da doença. Acreditamos que, para atingir o objetivo de reduzir o número de casos através da melhoria da assistência à saúde, faz-se necessário um acompanhamento o mais próximo possível do portador e de sua família com o envolvimento dos profissionais e dos serviços, levando-se em consideração as dificuldades geradas pelas desigualdades sociais.

 

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Endereço para correspondência:
Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva (NESCO).
Av. Robert Koch, 60, Centro de Ciências da Saúde
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*Trabalho baseado em dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Londrina, 1998, com financiamento parcial da CAPES.