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Informe Epidemiológico do Sus
versão impressa ISSN 0104-1673
Inf. Epidemiol. Sus v.10 n.4 Brasília dez. 2001
http://dx.doi.org/10.5123/S0104-16732001000400002
Projeto Bambuí: um estudo epidemiológico de características sociodemográficas, suporte social e indicadores de condição de saúde dos idosos em comparação aos adultos jovens*
The Bambuí Project: an epidemiological study of socio demographic characteristics, social support and selected health status indicators of the ederly compared with young adults
Maria Fernanda F. de Lima e Costa; Henrique L. Guerra; Josélia O. A. Firmo; Elizabeth Uchôa
Núcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento - NESPE - CPqRR/FIOCRUZ
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivos: (a) descrever a distribuição de características sociodemográficas, indicadores de suporte social e indicadores da condição de saúde da população idosa e (b) comparar estas características com as da população mais jovem. Todos os habitantes da cidade de Bambuí (MG) com 60 ou mais anos (n=1,742) e uma amostra aleatória de 1.020 moradores com 18-59 anos de idade foram selecionados para o estudo. Destes, 1,606 (92,2%) e 909 (89,1%) participaram, respectivamente. As características sociodemográficas dos idosos, em comparação às dos mais jovens, foram muito semelhantes às da população brasileira, no que se refere à distribuição etária, feminização do envelhecimento, maior fecundidade, menor escolaridade, menor renda domiciliar e ao aumento com a idade da proporção de chefes de família e de viúvas. A relação entre os sexos aproximou-se mais da composição das populações urbanas do país do que das rurais. O conjunto de dados sociodemográficos estudados apontou para a maior vulnerabilidade dos idosos, em relação aos mais jovens, especialmente das mulheres. Os indicadores de suporte social investigados mostraram uma importante rede de solidariedade entre gerações, verificada através da ajuda que o idoso recebe (financeira, moradia e/ou companhia) e presta à sua família. Todos os indicadores utilizados mostraram uma piora do estado de saúde com o aumento da idade, chamando atenção a grande proporção de hospitalização entre idosos e, em especial, entre os idosos mais velhos. Nossos resultados reforçam a necessidade de aumentar o número de estudos epidemiológicos da população idosa para que o mapeamento das suas características e demandas sociais possa ser feito no país.
Palavras-Chave: Envelhecimento; Epidemiologia; Saúde do Idoso; Bambuí - Brasil.
SUMMARY
The objectives of the present study are: (a) to describe the distribution of socio demographic characteristics, indicators of social support, and indicators of health status among the elderly and (b) to compare these characteristics with those of young adults living in the municipality of Bambuí, Minas Gerais. All inhabitants aged 60 or more years (1742 individuals) and a random sample of 1020 inhabitants aged 18-59 years were selected. From these, 1606 (92.2%) and 909 (99.1%) participated in the study, respectively. The characteristics of the elderly, in comparison with young adults, were similar to the Brazilian population regarding age distribution, higher proportion of women in older ages, increasing fecundity, less education, less household income and increased proportion of widows and heads of family among the elderly. The ratio between sexes was close to those of urban areas in Brazil. The socioeconomic data pointed out the higher vulnerability of the elderly in the study population, in relation to young adults, especially among females. The social indicators revealed that the elderly are an important source of support to the family showing solidarity between generations. All indicators used showed decrease in health status with age, with a great proportion of hospitalization among elderly, especially among those oldest. Our results reinforce the need for further population based epidemiological studies of the elderly to better understand their characteristics and social demands around the country.
Key Words: Aging; Epidemiology; Aging Health; Bambuí-Brazil.
Introdução
Os idosos, particularmente os mais velhos, constituem o segmento que mais cresce da população brasileira. Entre 1991 e 1996, o número de habitantes com 60 a 69, 70 a 79 e 80 e mais anos de idade aumentou respectivamente, cerca de duas (28%), três (42%) e quatro vezes mais (62%), do que a população brasileira mais jovem (14%).1,2 Esse crescimento não tem sido acompanhado na mesma proporção por estudos epidemiológicos sobre a população idosa. De fato, até muito recentemente, os bons inquéritos de saúde brasileiros excluíam a população idosa ou tratavam todos aqueles com 60 a 65 ou mais anos de idade como se fossem um grupo homogêneo.3,4
Informações sobre condições sociais da população idosa são fundamentais para que se possa mapear suas necessidades e orientar políticas sociais.5 Informações sobre as condições de saúde, padrões de uso e demandas por serviços são fundamentais para orientar políticas de saúde voltadas para essa população. Estudos epidemiológicos com base populacional (ou seja, aqueles que estudam idosos residentes na comunidade) fornecem esse tipo de informação, mas esses estudos são ainda raros no Brasil. Pelo nosso conhecimento, estudos com base populacional da saúde do idoso foram desenvolvidos somente em São Paulo,6-8 Rio de Janeiro,9 Fortaleza,10 Veranópolis11 e no Estado do Rio Grande do Sul.12
O sistema público de saúde brasileiro (Sistema Único de Saúde) é descentralizado. Isso significa que a política da atenção à saúde do idoso é preponderantemente de responsabilidade do município. Cerca de dois terços dos municípios brasileiros possuem vinte mil habitantes ou menos.2 As condições sociais e, em particular, as condições de saúde da população idosa nesses municípios são praticamente desconhecidas.
Visando preencher essa lacuna, está sendo desenvolvido um estudo epidemiológico com base populacional da saúde do idoso na cidade de Bambuí (Minas Gerais), que tem cerca de 15 mil habitantes. O Projeto Bambuí tem dois componentes: (a) um estudo de coorte da população idosa e (b) um inquérito de saúde da população mais jovem. Para o estudo de coorte foram selecionados todos os idosos (60 ou mais anos) residentes na comunidade. A linha de base do estudo foi constituída em 1997 e os participantes vêm sendo seguidos anualmente desde então. Para o inquérito de saúde, foi selecionada, em 1996, uma amostra representativa de indivíduos com 18 a 59 anos de idade. O inquérito de saúde foi desenvolvido para permitir comparações das características dos idosos observadas na linha de base do estudo de coorte com as da população mais jovem.13
O presente trabalho é parte do Projeto Bambuí e tem por objetivos: (1) descrever a distribuição de características sociodemográficas, de indicadores de suporte social e de indicadores da condição de saúde da população idosa e (2) comparar essas características com as da população mais jovem.
Material e métodos
Área
O município de Bambuí (oeste do Estado de Minas Gerais) possuía 20.573 habitantes em 1991, 73% dos quais viviam na sede (cidade de Bambuí). O índice de desenvolvimento humano no município era 0,70, a esperança de vida ao nascer era igual a 70,2 anos e 75% dos óbitos eram entre pessoas com 50 ou mais anos de idade. As doenças cardiovasculares eram as mais freqüentes causas de mortalidade (34% do total de óbitos) e constituíam a segunda causa (18,5%), após parto, que constituía a primeira causa de internações hospitalares. A cidade de Bambuí possui um hospital geral com 62 leitos e um médico para mil habitantes. As atividades econômicas mais importantes são agricultura, pecuária leiteira e comércio. Maiores detalhes podem ser vistos em outra publicação.13
População
Um censo completo da cidade de Bambuí foi conduzido pela nossa equipe, entre novembro e dezembro de 1996, para identificação dos idosos participantes da linha de base do estudo de coorte. Todos os residentes com 60 ou mais anos de idade (1.742 pessoas) foram selecionados para entrevista, medidas físicas (medidas antropométricas e de pressão arterial), exames laboratoriais (exames hematológicos e bioquímicos) e eletrocardiograma. Alíquotas de soro, plasma e camada de leucócitos foram armazenadas para futuras investigações.
O censo para a identificação de participantes mais jovens foi realizado entre outubro e novembro de 1994. Uma amostra probabilística simples sem reposição de 1.664 moradores com cinco ou mais anos de idade foi selecionada. Os indivíduos selecionados para o presente trabalho (1.020 pessoas) são aqueles pertencentes a esta amostra com idade entre 18 e 59 anos (Bambuí possuía 8.899 habitantes nessa faixa etária).13 O tamanho da amostra é suficiente para estimar uma prevalência das características estudadas de 0,50, com intervalo de confiança igual a 0,95, para 0,20 de perdas e 0,03 de precisão.13
Variáveis
Todas as informações para este trabalho foram obtidas por meio do questionário Bambui Health and Aging Study (BHAS).13 As entrevistas foram realizadas no domicílio do participante. Os entrevistadores foram selecionados entre membros da comunidade com pelo menos 11 anos de escolaridade completa e foram exaustivamente treinados por um dos autores. Quando o idoso não estava em condições de responder à entrevista devido a déficit cognitivo ou outro problema de saúde, um respondente próximo foi entrevistado, mas as perguntas que requeriam julgamento pessoal não eram respondidas. No presente trabalho foram consideradas variáveis sociodemográficas, indicadores selecionados de suporte social e de condição de saúde.
As variáveis sociodemográficas consideradas foram as seguintes: grupo etário (18-39, 40-49, 50-59, 60-69, 70-79 e 80 ou mais anos); gênero; número de filhos (variável contínua); estado civil (casados/vivendo juntos, solteiros, divorciados/separados e viúvos); número de anos de escolaridade completa (variável contínua e discreta: 0, 1-3, 4-7, 8 ou mais anos); inserção na família (chefe ou não); religião (católica e outras) e renda domiciliar (< 2, 2,0-3,9 e 4 ou mais salários mínimos); principal fonte de renda (trabalho atual, aposentadoria/pensão e outra).
Os indicadores de suporte social considerados foram: residir só (sim e não); ser filiado a associações comunitárias (sim e não); freqüência a cultos religiosos (pelo menos uma vez por semana e menor freqüência); receber ajuda financeira da família (sim e não); receber ajuda da família através de moradia (sim e não); ter a companhia da família (sim e não); prestar ajuda financeira à família (sim e não); prestar ajuda à família oferecendo moradia (sim e não); prestar ajuda à família fazendo companhia (sim e não).
Com relação às condições de saúde, os seguintes indicadores foram considerados: capacidade para caminhar 1.500 metros sem se cansar; diagnóstico médico anterior de doenças crônicas selecionadas (algum médico já disse que o/a senhor/a já teve: artrite, hipertensão, diabetes, angina ou infarto do coração? sim e não); ter deixado de realizar alguma das atividades habituais nas duas últimas semanas por problemas de saúde (sim e não); ter estado acamado nas duas últimas semanas (sim e não); ter estado internado por pelo menos uma noite em um hospital nos últimos 12 meses (sim e não).
O Projeto Bambuí foi aprovado pelo Comitê de Ética da Fundação Oswaldo Cruz. Maiores detalhes sobre aspectos éticos e metodologia do trabalho podem ser vistos em trabalho anterior.13
Análise dos dados
A análise dos dados foi baseada no teste qui-quadrado de Pearson (para proporções) e nas razões em Odds ratios e seus intervalos de confiança (método de Woolf).14 As razões de chance foram ajustadas por sexo, usando-se o método de regressão logística múltipla.15 A análise foi feita, utilizando-se o software Stata.16
Resultados
Entre os 1.742 habitantes com 60 ou mais anos de idade, 1.606 (92,2%) participaram do presente trabalho. Entre os 1.020 indivíduos com 18-59 anos de idade selecionados para o estudo, 909 (89,1%) participaram. Respondentes próximos foram necessários somente para entrevistas com os idosos (5,6%).
Na Tabela 1, está apresentada a distribuição de características sociodemográficas selecionadas, segundo a faixa etária. As mulheres predominaram em todas as faixas etárias, sendo a sua proporção mais alta entre as idosas (59,6, 60,3 e 61,5% nas faixas etárias de 60-69, 70-79 e 80 ou mais anos de idade, respectivamente). A mediana do número de filhos aumentou com a idade (1, 2 e 3 filhos, respectivamente, nas faixas de 18-39, 40-49 e 50-59 anos e 4 filhos nas faixas etárias superiores). A proporção de chefes de família aumentou com a idade, sobretudo entre as mulheres. A religião católica predominou em todas as faixas etárias, girando em torno de 90%, e esse resultado não diferiu significativamente com a idade.
A proporção de viúvos, em detrimento dos demais estados conjugais, aumentou com a idade (p<0,001). A proporção de viúvos foi menor em todas as faixas etárias em comparação à de viúvas (Figura 1).
As proporções daqueles com menor escolaridade foi mais alta nos grupos mais velhos (p<0,001). A diminuição da escolaridade com a idade foi observada tanto entre os homens quanto entre as mulheres (Figura 2).
A renda domiciliar diminuiu acentuadamente com a idade (p<0,001). A proporção de mulheres que possuíam renda domiciliar mais baixa (menor de dois salários mínimos) foi maior do que a dos homens em todas as faixas etárias (Figura 3).
Como era de se esperar, a proporção daqueles cujas fontes de renda eram originárias do trabalho diminuiu com a idade, em detrimento daqueles cuja principal fonte de renda era a aposentadoria ou outra fonte (p<0,001). A proporção de aposentados/pensionistas foi maior entre as mulheres a partir dos 40 anos de idade em comparação aos homens (Figura 4).
Na Tabela 2, está apresentada a distribuição de indicadores selecionados de suporte social, segundo a faixa etária. A proporção de pessoas que residiam sós aumentou com a idade, tanto entre os homens como entre as mulheres. A filiação a associações comunitárias também aumentou com a idade, especialmente entre as mulheres. A freqüência a cultos religiosos aumentou com a idade e foi maior entre as mulheres, exceto entre as idosas mais velhas (80 ou mais anos). A ajuda financeira da família foi maior nas faixas etárias extremas (18-39 e 80 ou mais anos); em todas as faixas etárias, as mulheres recebiam mais ajuda financeira da família do que os homens. O oferecimento de moradia também foi maior para as mulheres do que para os homens de todas as faixas etárias; esse tipo de ajuda foi significativamente menor em todas as faixas etárias quando comparadas à faixa etária mais jovem. O oferecimento de companhia foi menor em todas as faixas etárias em comparação à faixa etária mais jovem.
Na Tabela 3, está apresentada a distribuição de pessoas que relataram ajudar a família financeiramente, com moradia ou com companhia. A ajuda financeira à família reduziu-se com a idade; a ajuda financeira foi mais freqüente entre os homens do que entre as mulheres de todas as faixas etárias. A ajuda com moradia à família foi maior em todas as faixas etárias após os 40 anos de idade; esse tipo de ajuda foi mais freqüente entre os homens do que entre as mulheres. A proporção dos que relataram ajudar a família fazendo companhia foi alta entre homens e mulheres e diminuiu com a idade.
Os seguintes indicadores da condição de saúde pioraram com a idade: incapacidade para caminhar 1.500 metros sem se cansar, diagnóstico médico de pelo menos uma entre cinco doenças/condições crônicas, ter deixado de realizar alguma das atividades rotineiras por problemas de saúde nas duas últimas semanas, ter estado acamado nesse período e ter estado internado em um hospital nos últimos 12 meses (Tabela 4).
Discussão
Os resultados deste trabalho mostram que, de uma maneira geral, as características sociodemográficas dos participantes do Projeto Bambuí apresentam as mesmas tendências observadas para a população idosa brasileira: acentuado predomínio de mulheres (feminização do envelhecimento), maior número de filhos (redução da fecundidade entre os mais jovens), menor escolaridade, aumento da proporção de mulheres como chefes de família, menor renda domiciliar e maior proporção de viúvas em comparação à de viúvos.5,17
A distribuição dos idosos bambuienses segundo a idade (58, 31 e 11% nas faixas etárias de 60-69, 70-79 e 80 anos e mais de idade) foi igual à da população brasileira no período correspondente (58, 31 e 12%, respectivamente).18 A razão entre os sexos masculino/feminino (ou seja, o número de homens em relação a 100 mulheres na faixa etária) diminuiu com a idade (cerca de 63-65% a partir dos 60 anos). Essa razão foi cerca de duas vezes menor que o observado em zonas rurais (122%) e cerca de vinte por cento menor que o observado em zonas urbanas brasileiras (82%).5 O excesso de mu-lheres na área estudada pode ser devido a diferencial da mortalidade entre os sexos e/ou a maior emigração masculina em busca de trabalho.
A redução da fecundidade nas coortes mais jovens em Bambuí é evidente. A mediana do número de filhos diminuiu progressivamente de quatro, entre os aqueles com 60 ou mais anos de idade, para três, dois e um nas faixas etárias mais jovens. Essa tendência é consistente com o observado para a população brasileira.5
A chefia feminina das famílias correspondeu a apenas 13% na faixa etária de 18-39 anos em comparação a 49% dos homens. À medida em que a idade aumentou as chefias femininas também aumentaram, alcançando 62% das mulheres aos 80 ou mais anos de idade. Essa tendência também é consistente com o observado para a população brasileira. O aumento das chefias femininas com a idade é conseqüência da viuvez, de separações e de maternidade sem casamento. Os domicílios chefiados por mulheres e por idosos tendem a possuir menor renda, refletindo uma situação de maior vulnerabilidade.5 As maiores discrepâncias entre os gêneros foram observadas em relação ao estado civil. O predomínio de viúvas em comparação ao de viúvos é evidente em todas as faixas etárias, especialmente nas mais velhas: 64% dos homens bambuienses com 80 ou mais anos de idade eram casados e somente 23% eram viúvos; entre as mulheres a proporção de casadas foi de somente 18% e a de viúvas de 73%. Tendências semelhantes são observadas para a população brasileira, indicando que as mulheres têm maiores chances de enfrentar o declínio da sua capacidade física e mental sem o suporte de um companheiro.5
A escolaridade diminuiu progressivamente com o aumento da idade, como também observado para a população brasileira.5 Entre as mulheres idosas, a escolaridade foi menor que a dos homens (35% das mulheres e 29% dos homens com 60 ou mais anos de idade nunca haviam estudado). É interessante observar que o oposto foi observado entre as mulheres mais jovens: nas duas faixas etárias mais jovens, 54 e 32% possuíam oito ou mais anos de escolaridade completa; entre os homens, as percentagens correspondentes foram 43 e 23%, respectivamente. Este contraste pode ser devido ao fato de as mulheres jovens estarem estudando mais e/ou a maior emigração entre os homens jovens com maior escolaridade.
Também acompanhando a tendência brasileira,17 a renda domiciliar diminuiu com a idade, especialmente entre as mulheres. Em um estudo antropológico, realizado com mulheres idosas na cidade de Bambuí, verificou-se que a renda é um dos elementos essenciais para a preservação da autonomia e para a manutenção ou recuperação da saúde. Na maioria dos casos, é a soma de recursos financeiros familiares e pessoais que permite pagar um médico particular, a mensalidade de um convênio, alguém para tirar ficha na prefeitura (para consultas médicas) ou comprar os medicamentos prescritos.19
Um outro contraste importante entre homens e mulheres na comunidade estudada foi a maior proporção de homens cuja principal fonte de renda era oriunda do trabalho. Isso foi observado tanto entre os idosos quanto entre os mais jovens.
A maior vulnerabilidade da população idosa bambuiense, especialmente a feminina, pode ser verificada também na proporção daqueles que vivem sós. Essa proporção aumentou de 1% na faixa etária mais jovem para 20% na mais velha. Esse aumento foi mais acentuado entre as mulheres a partir dos 60 anos de idade. Por outro lado, a filiação a associações comunitárias aumentou significativamente entre as mulheres mais velhas, assim como a freqüência a cultos religiosos.
A grande proporção de jovens e idosos que relataram receber ajuda financeira da família, receber ajuda da família com a moradia e ter a companhia da família reflete a solidariedade da comunidade bambuiense. A ajuda financeira da família foi relatada por cerca de um terço dos homens idosos e por cerca da metade das mulheres idosas. De uma maneira geral, o recebimento de ajuda financeira foi maior nos extremos da vida.
A ajuda da família com moradia foi significativamente maior na faixa etária mais jovem do que nas mais velhas. Em todas as faixas etárias, essa ajuda da família com a moradia foi maior para as mulheres.
A companhia da família foi relatada pela maioria dos participantes deste trabalho. A proporção dos que afirmaram ter a companhia de familiares diminuiu com a idade. Em geral, as mulheres de todas as faixas etárias (exceto aos 60-69 anos) afirmaram com maior freqüência ter a companhia de familiares.
Se, por um lado, uma parcela importante da comunidade relatou receber ajuda da família, por outro, um número expressivo de jovens e idosos relataram ajudar a família financeiramente, oferecendo moradia ou companhia. A ajuda financeira à família foi relatada com mais freqüência pelos homens e diminuiu progressivamente a partir dos 40 anos de idade.
O oferecimento de moradia para a família foi mais freqüente entre os homens. Esse tipo de ajuda aumentou entre os 18-39 anos e 40-49 anos de idade e diminuiu progressivamente a partir desta idade.
O oferecimento de companhia para a família foi muito freqüente, tanto entre homens quanto entre mulheres. Esse tipo de ajuda diminuiu após os 60 anos de idade, mas mesmo assim manteve-se em patamares altos.
Nossos resultados confirmam aqueles do estudo antropológico citado anteriormente, no qual se verificou que a rede de solidariedade da comunidade bambuinese está primordialmente centrada na família. Esta aparece como a principal fonte de suporte social. Nos casos de doença, a família, e em particular os filhos, têm papel fundamental: cuidam, tomam decisões, marcam consultas e pagam as contas. Em raros casos, sempre na ausência dos filhos, parentes mais distantes, vizinhos, amigos ou associações comunitárias podem adquirir papel preponderante.19
Uma das conseqüências do envelhecimento é o aumento da demanda por serviços médicos e sociais devido à piora da condição de saúde. No presente trabalho, todos os indicadores utilizados mostraram uma piora do estado de saúde com o aumento da idade. A capacidade de caminhar 1.500 metros sem se cansar diminuiu significativamente com a idade e os homens de todas as faixas etárias apresentaram maior capacidade para caminhar em comparação às mulheres. A história de diagnóstico médico de pelo menos uma entre cinco doenças/condições crônicas foi mais freqüente entre as mulheres. Esse relato aumentou até os 70-79 anos e diminuiu após essa idade. Essa redução pode ser conseqüência de viés de sobrevivência: aqueles com doenças/condições crônicas teriam maior probabilidade de morte precoce.
O prejuízo das atividades habituais por problemas de saúde nas duas últimas semanas foi menor na faixa etária mais jovem e maior nas faixas etárias superiores, assim como o relato de ter estado acamado nesse período. A proporção dos que relataram ter tido suas atividades habituais prejudicadas por problemas de saúde ou ter estado acamado foi maior entre as mulheres.
A ocorrência de internações hospitalares aumentou significativamente a partir dos 60 anos de idade (21, 22 e 33% daqueles com 60-69, 70-79 e 80 anos e mais de idade relataram ter tido pelo menos uma internação hospitalar durante o período considerado, em comparação a 11-14% dos mais jovens), tendo sido mais freqüentes entre idosas do que entre idosos. Esses resultados são consistentes com o observado para a população brasileira.20
Com relação a aspectos metodológicos, todos os esforços foram feitos para evitar vieses nos resultados do Projeto Bambuí, encorajando a participação daqueles selecionados para o estudo, coletando-se informações de forma duplo-cega, estabelecendo a confiabilidade dos dados coletados, utilizando-se instrumentos e equipamentos padronizados e treinando-se exaustivamente as equipes de campo e do laboratório. A validade interna do estudo foi garantida porque a proporção de participantes em relação aos indivíduos selecionados foi alta e esses eram semelhantes à população da cidade em relação ao gênero, idade, estado civil, renda mensal familiar e escolaridade.13 Por outro lado, estudos seccionais com base populacional estão sujeitos a duas principais limitações: (1) os participantes mais velhos são sobreviventes (ou seja, aqueles expostos a fatores de risco têm maior probabilidade de morrer prematuramente); (2) os participantes são idosos não institucionalizados (ou seja, aqueles que vivem na comunidade tendem a ser mais saudáveis). Em Bambuí, não há instituições para idosos, mas nós não podemos descartar a possibilidade de viés de sobrevivência. Um viés de sobrevivência reduziria a magnitude das associações, favorecendo as associações encontradas no presente trabalho.
Em resumo, os resultados deste trabalho levam às seguintes conclusões: a) as características sociodemográficas dos habitantes idosos de Bambuí, em comparação aos mais jovens, são muito semelhantes às da população brasileira, no que se refere à distribuição etária, feminização do envelhecimento, aumento da fecundidade, menor escolaridade, menor renda domiciliar e aumento da proporção de mulheres como chefes de família e de viúvas; b) a relação entre os sexos aproxima-se mais da composição das populações urbanas do país do que das rurais; c) o conjunto dos dados sócio-demográficos estudados aponta para a maior vulnerabilidade dos idosos, em relação aos adultos jovens, especialmente as mulheres; d) os indicadores de suporte social investigados mostram uma importante rede de solidariedade entre gerações verificada na ajuda que os idosos recebem (financeira, moradia e/ou companhia) ou que prestam à sua família; e e) todos os indicadores utilizados mostraram uma piora do estado de saúde com o aumento da idade, chamando atenção a grande proporção de hospitalização entre os idosos e, em especial, entre os idosos mais velhos.
Um dos grandes desafios contemporâneos é a construção de políticas sociais adequadas, incluindo a atenção à saúde, para a população idosa. Informações sobre a população idosa são importantes para subsidiar essas políticas, mapeando suas necessidades e buscando corrigir distorções, entre outras, por classe social, gênero e geração.5 Estudos epidemiológicos com base populacional da população idosa devem ser incentivados para que o mapeamento das suas características e demandas seja feito no país.
Agradecimentos
Este trabalho não teria sido possível sem a colaboração da população de Bambuí. Os autores gostariam também de agradecer à associação "Mocinhas de Ontem" pelo apoio incansável ao Projeto Bambuí. Este projeto foi financiado pela Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), mediante a concessão de bolsas de pesquisa para alguns dos autores (Lima-Costa, MF e Uchôa, E).
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Endereço para correspondência:
Av. Augusto de Lima, 1715
Belo Horizonte/MG.
CEP: 30.190-002.
E-mail: lima-costa@cpqrr.fiocruz.br
*O corpo editorial desculpa-se e informa que o artigo será republicado no volume 11 número 2 de 2002.