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Epidemiologia e Serviços de Saúde
versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde v.12 n.1 Brasília mar. 2003
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742003000100004
ARTIGO ORIGINAL
Poluição do ar e efeitos na saúde nas populações de duas grandes metrópoles brasileiras
Air pollution and health effects in two brazilian metropolis
Nelson GouveiaI; Gulnar Azevedo e Silva MendonçaII; Antônio Ponce de LeonII; Joya Emilie de Menezes CorreiaI; Washington Leite JungerII; Clarice Umbelino de FreitasI; Regina Paiva DaumasII; Lourdes C. MartinsI; Leonardo GiussepeII Gleice M.S. ConceiçãoI; Ademir ManerichII; Joana Cunha-CruzII
IDepartamento de Medicina Preventiva - FM/USP
IIInstituto de Medicina Social - UERJ
RESUMO
Com a crescente preocupação acerca dos efeitos nocivos da poluição do ar na saúde da população, faz-se necessário a investigação e quantificação destes efeitos em nosso meio. Realizou-se um estudo de séries temporais com esse objetivo nas duas maiores metrópoles brasileiras: São Paulo e Rio de Janeiro. Informações diárias sobre mortalidade, internações hospitalares, níveis atmosféricos dos principais poluentes do ar e de variáveis meteorológicas foram obtidos nas duas cidades, a partir de fontes de informação secundárias. Esses dados foram analisados utilizando-se técnicas de análise de séries temporais em modelos lineares por meio de Equações de Estimação Generalizada e/ ou por meio de modelos não-paramétricos, com a utilização de Modelos Aditivos Generalizados. Foram encontradas associações estatisticamente significantes entre aumentos nos níveis de poluentes atmosféricos e aumentos na mortalidade e nas hospitalizações, por causas respiratórias e cardiovasculares, em crianças e idosos, em ambos municípios, mesmo após ajuste por tendências de longo prazo, sazonalidade, dia da semana, feriados, temperatura e umidade. Conclui-se que os níveis de poluição vivenciados atualmente em São Paulo e no Rio de Janeiro são suficientes para causar agravos à saúde da população. Medidas articuladas entre os diversos setores que gerenciam a vida urbana nessas metrópoles são fundamentais para buscar a melhoria da qualidade do ar e, conseqüentemente, da saúde da população nessas cidades.
Palavras-chave: poluição do ar, efeitos na saúde; mortalidade; morbidade, séries temporais.
SUMMARY
Because of the increasing concern about the adverse effects of air pollution on the populations´ health, it has become necessary to investigate and quantify these effects. A time-series study with the objective of assessing the association between urban levels of air pollution and health effects was conducted in the two biggest Brazilian metropoli: São Paulo and Rio de Janeiro. Daily information on mortality, hospital admissions, air pollution and meteorological variables were obtained for both cities. Data were analyzed using time series techniques in linear models with generalized estimation equations and/or non-parametric models, with generalized additive models. Statistically significant associations between air pollution levels and mortality and hospital admissions for respiratory and cardiovascular causes, for children and the elderly, were found in both cities. These associations remained after adjustment for long term trends, seasonality, temperature and humidity. The current air pollution levels in São Paulo and Rio de Janeiro are capable of producing harmful effects in the health of the population. Articulated measures by those who manage urban life in the metropolis are fundamental to improve air quality in both cities and thereby improve the population´s health.
Key words: air pollution; health effects; mortality; morbidity; time series.
Introdução
É possível observar que, ao longo dos últimos anos, vem crescendo a preocupação da população acerca dos possíveis efeitos adversos à saúde causados pela exposição à poluição do ar, particularmente nos grandes centros urbanos. Esta preocupação, porém, não é um fato recente. Os efeitos nocivos da poluição do ar vêm sendo mais claramente vivenciados desde a primeira metade do século passado, durante episódios de alta concentração de poluentes como os observados no Vale Meuse, na Bélgica,1 em 1930; em Donora, na Pensilvania,2 em 1948; e em Londres, Inglaterra, no inverno de 1952-1953.3
Esses e outros episódios menos famosos foram suficientes para que se instituíssem medidas visando controlar os níveis ambientais de poluição do ar em diversos centros urbanos, principalmente em países da América do Norte e Europa. Dessa forma, por um longo período, não se observaram mais os efeitos da poluição do ar na saúde.
Mais recentemente, entretanto, vários estudos vêm demonstrando a existência dessa associação, mesmo quando os níveis médios de poluentes não são tão altos. Esses efeitos têm sido observados tanto na mortalidade geral4-6 quanto por causas específicas como doenças cardiovasculares7-9 e doenças respiratórias.10 Efeitos na morbidade também têm sido observados e incluem aumentos em sintomas respiratórios em crianças,11,12 diminuição na função pulmonar,13,14 aumento nos episódios de doença respiratória15,16 ou simplesmente aumento no absenteísmo escolar.17,18 Atualmente, diversos estudos vêm usando o número de internações hospitalares como um indicador dos efeitos da poluição na saúde da população. 19-21
No Brasil, alguns estudos investigatórios dos efeitos da poluição do ar na saúde encontraram associações estatisticamente significantes com mortalidade infantil,22,23 mortalidade em idosos,24,25 além de hospitalizações em crianças e adultos por causas respiratórias. 26,27
Esses estudos, em sua grande maioria realizados no Município de São Paulo, indicam que os níveis de poluição do ar em nosso meio apresentam níveis suficientes para causar efeitos adversos na saúde. Porém, ainda restam numerosas questões. Por exemplo, não está claro se existem outras causas de morte e de morbidade mais específicas associadas com a exposição à poluição. Existe, ademais, controvérsia sobre se a poluição também afeta a mortalidade de crianças. Além disso, esses resultados não foram reproduzidos em outros grandes centros urbanos do país.
Desse modo, realizou-se um estudo nas duas principais metrópoles brasileiras, que contam com competentes serviços de monitoramento da qualidade do ar, dispõem de estatísticas de mortalidade e de morbidade de qualidade adequada e, sobretudo, possuem grande contingente populacional exposto a níveis de poluição do ar potencialmente prejudiciais à saúde. O estudo, no âmbito do Projeto de Estruturação do Sistema Nacional de Vigilância em Saúde do Sistema Único de Saúde (Vigisus), buscou analisar a associação entre exposição à poluição do ar e mortalidade e internações hospitalares em indivíduos de diferentes faixas etárias nos municípios de São Paulo e do Riode Janeiro. Seu objetivo principal é fornecer subsídios para a elaboração de medidas que visem reduzir os riscos à saúde associados à poluição do ar. Além disso, seus resultados podem ser úteis para todos aqueles envolvidos em planejamento em saúde, ambiental ou urbano, e no aperfeiçoamento de políticas públicas em curso ou a serem implementadas em nosso país.
Metodologia
O estudo foi conduzido nos municípios de São Paulo (MSP) e do Rio de Janeiro (MRJ), paralelamente. A investigação da associação entre a exposição à poluição do ar e os diversos desfechos foi realizada utilizando- se um desenho ecológico de caráter temporal, a partir de dados de fontes secundárias. Para o MSP, utilizou-se o período entre 1o de maio de 1996 e 31 de abril de 2000 (quatro anos) para todas as análises. Para o MRJ, foi utilizado o período de janeiro de 1990 a dezembro de 1993 (primeiro período) para as análises de mortalidade; e o período de agosto de 2000 a novembro de 2001 (segundo período) para as análises de internações hospitalares.
Os desfechos analisados (Tabela 1) incluem a mortalidade e as internações hospitalares por doenças respiratórias em crianças menores de cinco anos e idosos maiores de 65 anos, reconhecidamente os dois grupos etários mais susceptíveis aos efeitos da poluição do ar. Além disso, mortalidade e internações por doenças cardiovasculares em idosos também foram analisadas. No MSP, subgrupos de diagnósticos como pneumonias e doença pulmonar obstrutiva crônica, entre as respiratórias; e acidente vascular cerebral e doença isquêmica do coração e os transtornos da condução e arritmias, entre as doenças cardiovasculares, também foram exploradas.
Os dados de mortalidade do MSP foram fornecidos pelo Programa de Aperfeiçoamento das Informações de Mortalidade da Prefeitura do Município de São Paulo. O Programa processa e analisa as informações contidas nos atestados de óbito emitidos no MSP. Os dados de mortalidade do MRJ foram obtidos do Departamento de Dados Vitais da Coordenadoria de Informações da Secretaria de Estado de Saúde. Esses bancos de dados continham informações como data do óbito, sexo, idade, endereço residencial e a causa básica do óbito, codificada de acordo com a 9a ou 10a Classificação Internacional das Doenças, dependendo do período a ser estudado.
Dados referentes às internações hospitalares foram coletados diretamente de bancos de dados informatizados, disponibilizados pelo Ministério da Saúde para os hospitais conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS). Esses bancos contêm informações de todas as internações realizadas no âmbito do SUS por intermédio das Autorizações de Internação Hospitalar (AIH). As informações contidas em cada autorização, como sexo, idade, data de internação, data de alta, diagnóstico, duração da internação, identificação do hospital, unidade da federação, entre outras, são informatizadas e disponíveis para uso.
Somente informações de mortalidade e internações de indivíduos residentes nos dois municípios foram avaliadas no presente estudo.
Dados diários de poluição do ar foram obtidos da Companhia de Engenharia e Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo, para o MSP; e da Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente, para o MRJ. Medidas diárias de dióxido de enxofre (SO2), dióxido de nitrogênio (NO2), monóxido de carbono (CO), ozônio (O3) e material particulado inalável (PM10) foram obtidas para as duas cidades. Para a análise do primeiro período no MRJ, foram utilizadas as medidas dos níveis de Partículas Totais em Suspensão (PTS) obtidos a cada seis dias por ser o único poluente cujas medições estavam disponíveis. Devido à qualidade dos dados de poluição no MRJ, foi necessário adotar procedimentos para reposição de dados ausentes nos dois períodos de análise.
Informações adicionais sobre variáveis meteorológicas foram coletadas no Instituto Astronômico e Geofísico da Universidade de São Paulo (IAG-USP), para o MSP; e nos Departamentos de Climatologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e de Meteorologia da Aeronáutica, para o MRJ. Essas informações incluíam medidas diárias de temperatura média, máxima e mínima, umidade do ar, pressão atmosférica, precipitação e ventos.
Os dados foram analisados utilizando-se técnicas de análise de séries temporais em modelos lineares por meio de Equações de Estimação Generalizada ou por meio de modelos não-paramétricos, com a adoção de Modelos Aditivos Generalizados utilizando o software S-Plus. Cada desfecho em cada cidade foi modelado utilizando-se, preferencialmente, regressão de Poisson. Inicialmente, foram modeladas as tendências temporais, as variações sazonais e cíclicas. Dias da semana, greves e feriados também foram modelados. Após esse passo, as variáveis meteorológicas (temperatura e umidade) foram incluídas no modelo. Os poluentes, um de cada vez, foram os últimos a entrar em cada modelo.
Para controlar a sazonalidade e outras tendências de longa duração, foi utilizada uma função não paramétrica de alisamento (loess)28 da variável número de dias transcorridos. O loess, ou seja, alisador móvel de regressão, é uma função não-paramétrica que permite controlar uma dependência não-linear da variável de interesse (internações ou mortes). Para variações cíclicas de curta duração, foram utilizadas variáveis indicadoras dos dias da semana. Parâmetros de alisamento também foram definidos para temperatura e umidade, com defasagens testadas de forma que minimizassem o critério de informação de Akaike.28 Essas funções não-paramétricas ou funções lineares foram utilizadas para modelar a temperatura e umidade do ar, de acordo com cada modelo. Neste estudo, assumiu-se uma relação linear entre os poluentes e os desfechos.
As manifestações biológicas dos efeitos da poluição sobre a saúde, aparentemente, apresentam um comportamento que mostra uma defasagem em relação à exposição do indivíduo aos agentes poluidores. Ou seja, eventos que ocorrem num determinado dia estão associados aos níveis de poluição daquele dia ou de dias anteriores. Desse modo, foram testados os valores diários dos poluentes, defasagens de até sete dias, bem como as médias de períodos de dois a sete dias antes do evento.
Para maior clareza, os resultados aqui apresentados trazem os Riscos Relativos (RR) para mortes ou internações correspondentes a um aumento de 10µg/ m3 nos níveis dos poluentes (exceto para o CO, em que o RR foi calculado para um aumento de 1 ppm). Como no MRJ as medidas de alguns poluentes (SO2, NO2 e O3) foram aferidas em partes por bilhão, os RR para essas medidas foram calculados de forma que eles correspondessem a um acréscimo de 10µg/m3 desses poluentes, baseando-se na Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente n.o 3, de 1990.29 Com esses RR, é possível obter o aumento percentual nas mortes ou internações associados a cada poluente, por meio da expressão: %RR = (RR-1) x 100. Adotou-se o nível de significância a = 5% em todas as análises.
Resultados
Os níveis de poluição do ar das duas cidades apresentam algumas diferenças marcantes. Enquanto o padrão diário para o PM10 (150µg/m3) foi ultrapassado diversas vezes no MSP, o mesmo não ocorreu para o MRJ, embora neste município o período de informações disponíveis tenha sido diferente (Figuras 1 e 2). Para o MSP, também os padrões diários do CO (9ppm) e NO2 (32µg/m3) foram ultrapassados, particularmente nos primeiros anos de estudo. Para o MRJ, os padrões diários dos demais poluentes não foram ultrapassados, exceto na análise do primeiro período de dados. Nesse período, os níveis de PTS excederam o padrão diário em 20% dos dias.
Em relação aos diversos desfechos, observou-se um marcado comportamento sazonal para doenças respiratórias tanto em idosos quanto em crianças, nos dois municípios. Por outro lado, as internações por doenças do aparelho circulatório não apresentaram variações sazonais marcantes no MSP, onde este desfecho foi analisado.
A análise do efeito da poluição do ar nos diferentes desfechos e nas diferentes cidades foi feita explorando diversas estruturas de defasagem para cada um dos poluentes. Neste artigo, apenas foram citados os resultados mais significativos ou com maior RR, exceto quando o efeito do poluente não foi significativo onde optou-se pelo RR referente à defasagem de médias móveis de sete dias.
De maneira geral, tanto as mortes quanto as internações de crianças (menor de cinco anos de idade) e idosos (maior ou igual a 65 anos) devido às doenças respiratórias e do aparelho circulatório mostraram associações com o PM10, CO e SO2, e não com o NO2 e O3 (Tabela 2). Na maioria dos casos, essas associações aconteceram para exposições médias da semana anterior ao evento (média de 0-7 dias), embora, para a mortalidade por doenças respiratórias em idosos no MSP, a exposição no dia do evento mostrou-se mais importante. No MRJ, as concentrações de PTS não mostraram associações estatisticamente significantes com a mortalidade por doenças respiratórias e do aparelho circulatório em idosos; entretanto, as medidas de efeito pontuais apontaram para um aumento de risco.
O aumento percentual de internações em crianças devido a doenças respiratórias, correspondente a incrementos de 10µg/m3 para os níveis de poluentes, foi de 1,8% para o PM10 no MRJ; e de 6,7% para o PM10 e SO2 no MSP, enquanto que, para o incremento de 1 ppm de CO, foi de 1,7% no MSP (Tabela 2).
Para os idosos, o aumento percentual de internações devido a doenças respiratórias, correspondente a incrementos nos níveis de poluentes, foi de 1,9% para 10µg/m3 de PM10, 3,2% para 1ppm de CO e 10,8% para 10µg/m3 de SO2 no MSP; e de 3,5% para 10µg/m3 de PM10 e 3,3% para o equivalente a 10µg/m3 de NO2, no MRJ (Tabela 2).
O aumento percentual na mortalidade em idosos por doenças do aparelho circulatório, correspondente a incrementos de 10µg/m3 nos níveis de poluentes e 1ppm nos níveis de CO, foi de 0,3% para o PM10, 1,7% para o CO e 4,9% para o SO2 no MSP; e de 0,4% para PTS no MRJ. O aumento percentual na mortalidade por doenças respiratórias foi de 0,9% para o PM10, 13,7% para o CO e 5,3% para o SO2 no MSP; e de 0,9% para PTS no MRJ (Tabela 2).
Examinando causas mais específicas de internação (Tabela 3) e mortalidade (Tabela 4) entre as doenças respiratórias e as do aparelho circulatório (análises realizadas apenas para o MSP), observa-se novamente que O3 e NO2 são os poluentes que apresentam associações mais fracas, ou que nem mesmo têm associação com os diversos desfechos. A magnitude das associações com os demais poluentes é semelhante à observada para os grandes grupos de causas respiratórias e do aparelho circulatório.
Além disso, observa-se também que as estruturas de defasagem são maiores para as doenças respiratórias (pneumonia e Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica [DPOC]) do que para as doenças do aparelho circulatório, tanto para hospitalizações quanto para mortalidade. De maneira geral, tanto as hospitalizações quanto a mortalidade por pneumonias e por DPOC em idosos apresentam RR maiores do que aquelas para doenças cardiovasculares ou doenças isquêmicas do coração. O SO2 mostrou ser o poluente com maior RR associado a esses desfechos.
Discussão
Este estudo empregou técnicas de análises de séries temporais para avaliar a associação entre exposição à poluição do ar e efeitos na saúde das populações residentes nos municípios de São Paulo e do Rio de Janeiro. Foram encontradas associações estatisticamente significantes entre aumentos nos níveis de poluentes atmosféricos e aumentos na mortalidade e nas hospitalizações, por diversas causas e em diversos grupos etários em ambos municípios, mesmo após ajuste por tendências de longo prazo, sazonalidade, dia da semana, feriados, temperatura e umidade. Os poluentes atmosféricos mais associados aos vários desfechos e a magnitude dos efeitos encontrados estão de acordo com a literatura nacional e internacional acerca dos efeitos na saúde relacionados aos níveis urbanos de poluição do ar.
É importante salientar que as estimativas de risco encontradas no município do Rio de Janeiro baseiam-se em um reduzido período de tempo, inferior ao habitual em estudos desse gênero, em que as séries contemplam, geralmente, três ou mais anos de dados diários. A escassez de dados de poluição necessários para compor uma série histórica deu-se, no caso das análises do primeiro período referentes à mortalidade por doenças respiratórias e do aparelho circulatório, pela sistemática de realização das medições apenas a cada seis dias; e pela falha em realizar essas medições nas datas previstas.
Este último aspecto também ocorreu nas análises do segundo período, referentes às internações por doenças respiratórias em idosos e crianças. Essas lacunas observadas nesse período do estudo foram devidas ao fato de que a rede de monitoramento da qualidade do ar no Rio de Janeiro encontrava-se em fase de implantação. No município de São Paulo foi encontrado que aumentos de 10µg/m3 nos níveis dos poluentes atmosféricos (1 ppm para o CO) estão associados a aumentos nas internações infantis por doenças respiratórias da ordem de 7% para o PM10 e SO2, e de 1.7% para CO. Hospitalizações por pneumonia nessa faixa etária também se encontraram associadas a estes poluentes, porém com menor magnitude.
Em idosos, associações com internações por doenças respiratórias também foram encontradas: cerca de 2% de aumento nas internações associadas com aumentos no PM10, 10% para o SO2, 3% para o CO. Quando analisadas causas específicas de doenças respiratórias em idosos, como DPOC, os RR foram ligeiramente maiores. Todavia, hospitalizações por pneumonias em idosos apresentaram associações menos robustas com os poluentes.
A mortalidade por doenças respiratórias em crianças mostrou-se, de maneira geral, pouco associada aos aumentos nos níveis de poluentes. O SO2 foi o poluente que mostrou mais associações, cerca de 16% de aumento nas mortes por pneumonia e 13% para todas as respiratórias em menores de cinco anos. Do mesmo modo, as mortes por doenças respiratórias em idosos também apresentaram associações mais significativas com o SO2. Cerca de 8% de aumento nas mortes por DPOC – e de 13% por pneumonia – foram observadas para esta faixa etária. Além disso, o CO mostrou-se associado às mortes em idosos por pneumonias, com um incremento de até 30% nas mortes por esta causa específica.
As doenças cardiovasculares, mais importantes causas de morbimortalidade nos dias atuais, principalmente entre aqueles maiores de 65 anos, também apresentaram associações estatisticamente significantes com os poluentes, tanto nas hospitalizações quanto para a mortalidade. As doenças isquêmicas do coração, entre as quais se destaca o infarto do miocárdio, apresentaram aumentos de até 7% nas internações associadas a incrementos no PM10, mas a mortalidade por esta mesma causa não mostrou associação estatisticamente significante com nenhum dos poluentes estudados. Do mesmo modo, a mortalidade por acidente vascular cerebral ou transtornos da condução e arritmias em idosos não mostrou associações consistentes com os níveis de poluição do ar em São Paulo.
No município do Rio de Janeiro, as internações por doenças respiratórias em crianças mostraram-se, de maneira geral, pouco associadas aos aumentos nos níveis de poluentes, com exceção do PM10. Aumentos de 10µg/m3 nos níveis de PM10 estavam associados a aumentos nas internações infantis por doenças respiratórias, da ordem de 1,8%. Nos idosos, as medidas de concentrações de PM10 e NO2 associaram-se positivamente com as internações hospitalares por doenças respiratórias. O aumento dos níveis de PTS mostrou tendência de aumento – não significante estatisticamente – da mortalidade por doenças cardiovasculares e respiratórias em idosos no Rio de Janeiro.
De maneira geral, esses resultados são compatíveis com uma série de investigações realizadas principalmente em países desenvolvidos, como também em nosso meio. Tais estudos vêm evidenciando associações estatisticamente significantes de poluição do ar com admissões hospitalares,19-21,26,27 e com mortalidade por diversas causas e em diversas faixas etárias.4-10,24,25
Entretanto, a maioria desses estudos examinou apenas internações ou mortalidade por doenças respiratórias, alvo primeiro da poluição, uma vez que ela é inalada. No presente estudo, mostrou-se que as doenças circulatórias também estão associadas à poluição em São Paulo, embora, para o Rio de Janeiro, tal achado não pôde ser confirmado. De todo modo, este fato encontra respaldo no trabalho de Rumel e colaboradores,30 que, em 1993, encontraram associação entre visitas a serviços de emergência por infarto do miocárdio e níveis de CO na Cidade de São Paulo.
Além disso, este estudo tentou mostrar que os efeitos da poluição nas internações parecem ser maiores para os idosos. Com exceção do PM10, todos os outros poluentes apresentaram efeitos maiores – duas vezes ou mais – para as internações por doenças respiratórias em idosos, quando comparados aos efeitos das internações em crianças. Esse achado pode ter grandes implicações em termos de Saúde Pública.
Em todas as análises, os efeitos da poluição mostraram ser maiores quando se utilizaram defasagens de até uma semana entre a exposição à poluição e o efeito observado. Este talvez seja o tempo necessário para que a poluição do ar, uma vez inalada, possa exercer seu efeito deletério ou agravar o quadro mórbido existente, levando à necessidade de internação ou levando à morte, tanto por doenças respiratórias quanto por circulatórias. Porém, os mecanismos de tais agravos ainda permanecem pouco esclarecidos. Entre as variáveis meteorológicas, chama a atenção o papel que a temperatura exerce nas associações descritas. Na verdade, neste estudo, a temperatura e a umidade do ar foram consideradas, adequadamente, variáveis de confusão; e seu efeito foi ajustado nas análises. Todavia, a temperatura também pode exercer um papel de fator de risco para as internações, tanto por doenças respiratórias quanto por circulatórias. Estudos com este enfoque vêm sendo realizados em países da Europa. A quantificação da contribuição das variáveis meteorológicas em diversos desfechos de saúde merece atenção em estudos nacionais, principalmente para os municípios aqui estudados, que contam com dados suficientes para esta análise.
De toda forma, o problema está colocado: os níveis de poluição vivenciados em São Paulo e no Rio de Janeiro são suficientes para causar agravos respiratórios e cardio-vasculares em idosos e crianças. Apesar de muitos poluentes apresentarem níveis considerados dentro do limite aceitável, principalmente no Rio de Janeiro, tal fato chama a atenção para a necessidade de se conhecer mais precisamente a relação entre níveis de poluentes e efeitos deletérios à saúde humana.
Uma maior articulação entre os diversos setores que gerenciam a vida urbana nestas metrópoles é fundamental para que sejam implementadas medidas mais abrangentes e eficientes, que busquem a melhoria da qualidade do ar. A diminuição da frota de veículos circulantes, por intermédio do estímulo ao transporte coletivo, é apenas uma delas, talvez das mais importantes.
Somente com medidas articuladas e que levem em conta, entre outros fatores, o crescimento e a organização da cidade, os serviços essenciais, o transporte e a saúde da população, é que se poderia, efetivamente, promover uma melhor qualidade de vida para os habitantes dos municípios de São Paulo e do Rio de Janeiro.
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