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Epidemiologia e Serviços de Saúde
versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde v.12 n.3 Brasília set. 2003
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742003000300005
Qual é a cobertura vacinal real?
What is the real vaccinattion coverage?
José Cássio de Moraes; Manoel Carlos Sampaio de Almeida Ribeiro; Oziris Simões; Paulo Carrara de Castro; Rita Barradas Barata
Departamento de Medicina Social da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa, São Paulo-SP
RESUMO
O Programa Nacional de Imunizações (PNI) constitui peça importante no controle das doenças transmissíveis que podem ser prevenidas mediante imunizações. Consideraremos a cobertura vacinal em menores de 1 ano; porém, os mesmos princípios aplicam-se às demais faixas etárias. A cobertura vacinal pode ser entendida como a proporção de crianças menores de um ano que receberam o esquema completo de vacinação em relação aos menores de 1 ano existentes na população, entendendo-se por esquema completo a aplicação de todas as vacinas preconizadas pelo PNI, cujas doses foram aplicadas nas idades corretas (adequação epidemiológica) e com os intervalos corretos (adequação imunológica). O objetivo deste artigo é demonstrar, por meio de dados empíricos obtidos em inquéritos domiciliares, que a cobertura obtida para cada vacina específica não corresponde à cobertura pelo esquema completo para cada criança, fornecendo, geralmente, valores superestimados; que há diferença significativa entre doses aplicadas e doses corretas; que existem divergências entre dados de produção e dados de inquéritos, problemas de acesso ou adesão ao Programa; e que diferenças intra-estaduais e intramunicipais importantes devem ser consideradas.
Palavras-chave: cobertura vacinal; inquéritos domiciliares; avaliação.
SUMMARY
The National Program of Immunizations (PNI) is an important tool in the control of transmissable diseases that can be prevented through immunizations. By means of this study only the vaccine coverage in children below 1 year of age shall be considered. However, the same principles apply to the other age groups. The vaccine coverage can be understood as the proportion of children below 1 year that received the complete vaccination schedule. Complete coverage should be understood as the application of all vaccines as recommended by PNI, with doses administered at the correct ages (epidemiological adjustment) and respecting correct intervals (immunological adjustment). The aim of this paper is to demonstrate, through empiric data obtained in surveys, that (i) the coverage obtained for each specific vaccine does not correspond to the coverage by the complete schedule for each child, and generally resulting in overestimates of coverage; (ii) there are significant differences between applied doses and correct doses; (iii) there are divergences between production data and survey data; (iv) problems of access or adhesion to the program, and (v) important intra-state and intra-municipal differences must be considered.
Key words: vaccine coverage; vaccine survey; evaluation.
Introdução
O Programa Nacional de Imunizações (PNI) constitui peça importante no controle das doenças transmissíveis que podem ser prevenidas mediante imunizações. O modelo tecnológico adotado no controle dessas doenças combina uma série de elementos: a vacinação de rotina, os dias nacionais de vacinação, as campanhas periódicas e a vigilância epidemiológica.
A vacinação de rotina consiste no estabelecimento de um calendário nacional de vacinações que deve ser aplicado a cada indivíduo a partir de seu nascimento, visando garantir, no âmbito individual, a prevenção específica das doenças imunopreveníveis; e, no âmbito coletivo, a indução da imunidade de massa, responsável pela interrupção da transmissão.
Para que o primeiro efeito se observe, basta que cada criança vacinada torne-se uma criança imunizada; isto é, que a vacina seja aplicada em condições que preservem sua eficácia e que a criança reúna as condições de saúde para desenvolver a imunidade assim induzida. Já para a obtenção do segundo efeito, será necessário que, além das condições anteriormente mencionadas, a cobertura vacinal seja alta e homogênea; isto é, que pelo menos 95% ou mais dos suscetíveis desenvolvam imunidade.
A instituição dos dias nacionais de vacinação soma-se à vacinação de rotina, visando produzir a inclusão daquelas crianças cujas mães ou responsáveis não têm condições de utilizar os serviços na rotina. Geralmente, trata-se de grupos com precária inserção social. Sendo assim, a estratégia pode ser vista como um recurso de discriminação positiva, complementar ao programa nacional de vacinações que, por seu caráter universal e gratuito, pode ser visto como uma estratégia de massa, ainda que o procedimento dependa da vacinação de cada criança em particular.
A vigilância epidemiológica constitui estratégia complementar para o controle dessas doenças, uma vez que, a partir de um caso suspeito, serão desencadeadas ações com o objetivo de impedir o aparecimento de novos casos – ou seja, interromper a cadeia de transmissão.
Portanto, o modelo tecnológico utilizado para o manejo das doenças imunopreveníveis, em âmbito coletivo, conjuga, em suas diferentes estratégias, atuações individuais e atuações coletivas. A cobertura vacinal alcançada dessa forma, tanto pelas atividades de rotina quanto pelos dias nacionais de vacinação, constitui um dos principais elementos para garantir o impacto populacional dessas estratégias.
Para efeito dessas reflexões, consideraremos a cobertura vacinal em menores de 1 ano; porém, os mesmos princípios se aplicam às demais faixas etárias. A cobertura vacinal pode ser entendida como a proporção de crianças menores de um ano que receberam o esquema completo de vacinação em relação aos menores de um ano existentes na população, entendendo-se por esquema completo a aplicação de todas as vacinas preconizadas pelo PNI, cujas doses foram aplicadas nas idades corretas (adequação epidemiológica) e com os intervalos corretos (adequação imunológica).1
Novamente, imbricam-se no conceito os aspectos individuais – a capacidade de produzir reações imunológicas protetoras – e os aspectos coletivos, refletidos na capacidade de reduzir ou eliminar os suscetíveis na população, antes que eles atinjam as idades de maior risco ou de maior exposição.
Para responder à seguinte pergunta, – Qual é a cobertura vacinal real para uma dada população?, será necessário considerar alguns aspectos: a diferença entre cobertura calculada por criança e cobertura por vacina; a relação entre doses aplicadas e doses corretas; a relação entre dados de produção e doses aplicadas; a adesão ao Programa; e as diferenças intra-estaduais e intramunicipais relevantes para a questão.
Qual a diferença entre a cobertura por criança e a cobertura por vacina?
Habitualmente, a cobertura vacinal tem sido expressa pela relação entre o número de doses aplicadas para uma determinada vacina e o número registrado ou estimado de menores de 1 ano existentes na área de abrangência do Programa, normalmente, um município ou um Estado.
Aparentemente, essa informação é suficiente para dar uma idéia de quantas são as crianças protegidas em relação a cada uma das doenças imunopreveníveis. Entretanto, é possível demonstrar, com dados empíricos obtidos em inquéritos domiciliares, que a cobertura obtida para cada vacina específica não corresponde à cobertura pelo esquema completo para cada criança, geralmente fornecendo valores superestimados.
Essa diferença entre cobertura por criança e cobertura por vacina decorre dos desenhos de investigação em cada um dos casos. Para obter a cobertura por criança, o procedimento é aquele dos estudos de coorte, ou seja, avalia-se se cada uma das crianças completou o esquema de vacinação preconizado (seguimento temporal). Na cobertura por vacina, o procedimento é o mesmo adotado nos estudos de corte transversal, onde se relaciona o número de doses aplicadas ao número de crianças existentes em um determinado momento (Tabela1).
Os dados da Tabela 1 permitem demonstrar que, em quatro municípios paulistas – São Paulo, Osasco, Guarulhos e Francisco Morato –, as coberturas para cada uma das vacinas foram sempre maiores do que a cobertura para o esquema completo. Como esses dados foram obtidos por inquérito domiciliar e consulta direta às cadernetas de vacinação, referindo-se às mesmas crianças, as diferenças não podem ser atribuídas a problemas de numerador ou denominador no cálculo das taxas, permitindo, assim, demonstrar que as diferenças são decorrentes do fato de estarem sendo medidas coisas distintas em cada uma das abordagens.2
Do ponto de vista epidemiológico, essa diferença indica que parcela significativa das crianças menores de 1 ano não estava recebendo todas as vacinas preconizadas, nas idades adequadas e com os intervalos corretos.
Para que se obtivesse a cobertura por criança, seria necessário que o profissional responsável pelo registro de informações do PNI, em cada serviço de saúde, avaliasse a situação vacinal de cada criança a partir da cópia de sua carteira de vacinação, arquivada pelo serviço. As carteiras poderiam ser classificadas em três grupos: crianças que, no momento da avaliação, estão cumprindo corretamente o esquema vacinal preconizado; crianças que receberam, até o momento, as vacinas preconizadas, não observando as idades ou os intervalos corretos; e crianças que não receberam todas as vacinas.
Assim, ao invés de registrar a cobertura para cada vacina, seria registrada a cobertura por criança, obtendo-se um numerador mais correto para o cálculo.
Qual a diferença entre doses aplicadas e doses corretas?
Doses aplicadas são aquelas contabilizadas, independentemente da idade em que foram aplicadas e dos intervalos entre as aplicações. Ao ignorar a idade correta para a aplicação, a cobertura calculada a partir de doses aplicadas desconhece a permanência de suscetíveis por mais tempo, inclusive naquelas idades em que o risco de exposição é maior. Ao não considerar os intervalos apropriados entre as doses, a cobertura calculada pode superestimar a proteção real, incluindo, entre os vacinados, crianças que, ao receberem as doses com intervalos mais curtos, podem não ter desenvolvido imunidade. Intervalos mais longos teriam efeito semelhante ao da aplicação em idades incorretas, uma vez que manteriam as crianças suscetíveis por um período maior de tempo.
Os dados da Tabela 2 mostram que, apenas para a vacina BCG (Bacillus Calmette Guerin), houve concordância entre a cobertura para dose aplicada e a cobertura para dose correta. Isso decorre do fato de a vacina BCG ser aplicada em dose única, não havendo erros quanto ao intervalo entre as doses; e também por ser considerada correta sua aplicação em qualquer época do primeiro ano de vida, ampliando a possibilidade da idade correta. Para as demais vacinas, a cobertura para dose aplicada sempre significou superestimação da cobertura. Entretanto, os dados observados apresentam maior divergência em relação à vacina Sabin; uma possível explicação estaria no adiamento de doses agendadas ou no encurtamento do intervalo entre as doses, em função dos dias nacionais de vacinação.2
Qual a diferença entre dados de produção e dados de inquérito domiciliar?
Para os dados de produção, isto é, aqueles derivados do registro rotineiro de informações, os problemas referem-se ao cálculo do numerador e ao cálculo do denominador; enquanto nos inquéritos domiciliares, os dados necessários para o cálculo – numerador e denominador – são ambos provenientes da mesma fonte.
O cálculo do número de crianças vacinadas está sujeito a vários tipos de erros, entre os quais os mais comuns são a contabilização do número de frascos de vacina utilizados, tomados como estimativas das doses aplicadas, e a incorreção na identificação das doses realmente aplicadas aos menores de 1 ano.3
Quanto ao denominador, o problema mais freqüente diz respeito às estimativas populacionais. O ideal seria utilizar o número de nascidos vivos registrados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), desde que esse sistema apresentasse alta cobertura populacional e fosse atualizado sem demasiado atraso na digitação. As estimativas demográficas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sofrem do problema de basearem-se em dados dos dois últimos censos. Em algumas regiões, as mudanças no crescimento populacional, seja por redução acentuada na taxa de mortalidade, seja por transformações abruptas nos perfis migratórios, são muito rápidas, não sendo adequadamente captadas pelos métodos de estimação empregados.
Ainda com relação ao denominador, outro desafio está em determinar que parcela da população utiliza os serviços públicos de vacinação, sempre que os dados do numerador se refiram às vacinas aplicadas pelos serviços públicos. Havendo o acréscimo das informações de todos os serviços privados, esse problema desapareceria.
Outra dificuldade adicional é relacionar o numerador obtido em um determinado serviço para a população, visto que não há circunscrição territorial de população para os programas de vacinação. Como definir a população de referência nas áreas intramunicipais?
No inquérito domiciliar, como as informações são obtidas por meio das cadernetas de vacinação das crianças sorteadas na amostra, a mesma fonte de informações é utilizada para definir o numerador e o denominador, eliminando o problema das estimativas. Desde que o procedimento amostral seja conduzido corretamente, garantindo a representatividade e a seleção eqüiprobabilística das crianças, os resultados serão legítimos e precisos. Outro aspecto relevante para o cálculo da cobertura real é o fato de que, no inquérito, são obtidas informações relativas aos serviços públicos e privados de vacinação.
Os dados da Tabela 3 mostram discrepância significante entre os dados de produção e os dados obtidos por inquérito em todas as cidades e para todas as vacinas. Em todas as situações, os dados de produção estão superestimados, induzindo a avaliações incorretas. Para algumas situações, os valores, embora quantitativamente errados, não levariam a conclusões equivocadas quanto ao nível suficiente ou insuficiente de cobertura, como é o caso da vacina BCG. Entretanto, nas demais situações, para a maioria dos casos estudados, a cobertura derivada dos dados de produção levaria a considerar como adequadas, coberturas que, na realidade, são insuficientes para obter imunidade de massa e garantir a interrupção da circulação dos agentes etiológicos.2
A qualidade dos dados de produção parece ser afetada tanto pelo tipo de vacina considerado quanto por características próprias do município, tais como tamanho populacional e nível socioeconômico – aferido mediante indicador de condições de vida desenvolvido pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) e pelo Instituto João Pinheiro.4
Inquéritos domiciliares realizados em municípios do Estado de São Paulo, com diferentes tamanhos populacionais e diversos níveis socioeconômicos, para os nascidos vivos em 1998, mostraram padrões específicos de distribuição das diferenças entre dados de produção e dados do inquérito, para cada uma das vacinas analisadas.5 Com poucas exceções, os dados de produção indicam coberturas mais altas do que os dados de inquérito. Nos municípios com até 50 mil habitantes, as diferenças aumentam conforme piora o nível socioeconômico, não ultrapassando, para nenhuma vacina, os 35%.
Para os municípios com população entre 51 e 100 mil habitantes, as diferenças atingiram valores máximos nos municípios com nível socioeconômico intermediário; e os municípios classificados nos estratos C, D e E apresentaram diferenças maiores do que aqueles classificados nos estratos A e B. Nesse grupo de municípios, as diferenças chegam a alcançar valores de 55%.
Os municípios com população entre 101 e 200 mil habitantes tendem a apresentar maiores diferenças, à medida que pioram os níveis socioeconômicos, tal como observado para aqueles com até 50 mil habitantes. Nesse grupo, as diferenças ficaram em torno de 20%.
Finalmente, nos municípios com mais de 200 mil habitantes, observou-se um fato paradoxal: as diferenças tendem a diminuir conforme pioram as condições socioeconômicas. Para esses municípios, as variações também se mantiveram abaixo de 20%.
O fato de municípios menores apresentarem maior variação entre os dados de produção e os dados de inquérito reforça a hipótese de problemas na estimativa populacional, uma vez que, para populações menores, os erros no denominador terão maior impacto no cálculo das taxas.
Assim, parece desejável que, periodicamente, sejam realizados inquéritos populacionais, particularmente nos anos mais distantes da realização do último censo ou contagem populacional, a fim de que os serviços possam dispor de informações mais confiáveis e precisas acerca da cobertura vacinal real.
Qual é o acesso e a adesão ao Programa Nacional de Imunizações (PNI)?
Outro aspecto importante na avaliação da cobertura vacinal diz respeito ao acesso e à adesão da população aos serviços. Todos os recém-nascidos tiveram ao menos um contato com o PNI ou receberam alguma das vacinas preconizadas? Tendo sido incluída, a criança permanece no Programa até completar o esquema?
Para efeitos práticos, considerando-se que a vacina mais amplamente utilizada parece ser o BCG, pode-se tomar a diferença entre a cobertura para o BCG e a cobertura para as outras vacinas como um indicativo do acesso e da adesão ao PNI.
Tendo em vista que, na maioria das situações, o BCG tem sido aplicado ainda nas maternidades e que os partos são hospitalares na sua quase totalidade, é de se esperar que a cobertura dessa vacina seja bastante alta, coincidindo com a taxa de internações para o parto. Entretanto, em determinadas regiões, principalmente entre as populações rurais da Região Norte, tais valores não estão disponíveis ou são inferiores aos divulgados para a população urbana. Por outro lado, a disponibilidade de unidades básicas ou de equipes do Programa Saúde da Família (PSF) também é bastante desigual, tornando variável o acesso e a adesão para as demais vacinas.
De maneira geral, quanto melhor estruturada estiver a rede de atenção básica, maiores serão o acesso e a adesão ao Programa Nacional de Imunizações. Outras características que interferem nesse indicador são a proporção de população vivendo em zona rural, a dispersão da população no território e o nível de desenvolvimento socioeconômico.
A cobertura vacinal é a mesma em todos os grupos populacionais?
Apesar de o Programa Nacional de Imunizações, uma política pública de caráter universal, ser oferecido a todas as crianças brasileiras pelos serviços existentes em todas as áreas geográficas do país e em número aparentemente suficiente para a maioria dos municípios, independentemente do poder aquisitivo das famílias, observam-se diferentes coberturas vacinais entre os Estados e entre os municípios; e dentro de cada município, entre as diferentes classes da população.
Do ponto de vista nacional, interessa saber se as coberturas vacinais são homogêneas nos diferentes Estados. Se não o são, a taxa nacional deve ser obtida por meio de ponderação das taxas estaduais, segundo o tamanho populacional.
Para a gerência do Programa em cada Estado, interessa conhecer as diferenças entre os municípios segundo o tamanho populacional, o nível socioeconômico e a organização dos serviços de saúde.
Os inquéritos conduzidos nos municípios do Estado de São Paulo5 mostraram que, para os municípios com o melhor nível de desenvolvimento socioeconômico, classificados no estrato A, a cobertura vacinal para o esquema completo foi mais alta (acima de 90%) entre os municípios menores, com até 100 mil habitantes, quando comparados aos municípios maiores (65 a 70%).
Para os municípios maiores, com mais de 200 mil habitantes, as coberturas foram todas baixas (menos de 80%) apresentando os menores valores para os municípios desta escala classificados nos estratos de níveis socioeconômicos C e E. A relação inversa entre nível socioeconômico e cobertura vacinal, nesse caso, parece ter sofrido a interferência dos dados observados no Município de Diadema, que apresentou desempenho acima do esperado para o seu nível de desenvolvimento e tamanho populacional, sugerindo maior preocupação com o Programa por parte das autoridades de saúde municipais.
No âmbito local, interessa avaliar as diferenças intramunicipais, isto é, as diferenças na cobertura para diferentes grupos populacionais ou espaços socialmente ocupados.
Por exemplo, tomando-se a cobertura vacinal para o esquema completo nos quatro municípios paulistas – São Paulo, Osasco, Guarulhos e Francisco Morato –, observa-se que a maior cobertura e o menor intervalo de confiança para a estimação foram observados para São Paulo, seguindo-se Guarulhos, Osasco e Francisco Morato, acompanhando o nível de desenvolvimento e o tamanho da população. Ou seja, quanto maior e mais desenvolvido o município, melhor a cobertura obtida.
Entretanto, ao analisar os diferentes estratos de população da Cidade de São Paulo, por residência em distritos administrativos classificados segundo oito indicadores socioeconômicos, as coberturas obtidas variaram acentuadamente. Para os estratos B, C e D, a cobertura média para o esquema completo ficou acima de 95%, com pequena variação na amplitude do Intervalo de Confiança (IC). Os valores para os estratos A e E ficaram entre 85 e 90%, com maior amplitude dos IC.2
Assim, embora a cobertura total reflita a experiência da maioria da população que reside nos estratos B, C e D, somando aproximadamente 85 a 88%, há uma quantidade considerável de crianças residindo nos distritos dos estratos A e E que não estão sendo adequadamente cobertas pelo Programa. Em situações endêmicas, essa desigualdade traduz-se em maior risco para as crianças na população mais carente, acarretando altas taxas de incidência nesse grupo. As crianças residentes no estrato A ficam relativamente protegidas, seja pela imunidade de massa, seja pelas melhores condições de vida de que desfrutam, tornando menos provável sua exposição. Entretanto, nas situações epidêmicas, como a vivida em 1997 durante a epidemia de sarampo, esses grupos mostram-se bastante vulneráveis, além de fornecerem o estoque de suscetíveis necessário à circulação do agente etiológico.
Qual é a cobertura vacinal real?
A cobertura vacinal real é a resultante de um conjunto amplo de aspectos, dentre os quais alguns foram destacados nesta reflexão, a saber:
• o cálculo deve estar baseado no número de crianças que receberam o esquema completo;
• as doses aplicadas devem estar corretas em relação à idade e aos intervalos;
• a adesão ao Programa deve ter ocorrido sem abandono entre a primeira e as demais doses, ou entre as diferentes vacinas;
• além do valor médio referente ao conjunto da população, a adesão deve ser calculada para os diferentes estratos populacionais, uma vez que as condições de vida parecem influenciar a cobertura; e
• as informações para o cálculo da adesão devem ser obtidas mediante análise das cópias das cadernetas de vacinação existentes nos serviços de saúde, ou por meio de inquéritos domiciliares.
Referências bibliográficas
1. Fundação Nacional de Saúde. Manual de normas de vacinação. Brasília: Funasa; 2001 [online] Disponível em http://www.funasa.gov.br
2. Moraes JC, Barata RB, Ribeiro MCSA, Castro PC. Cobertura vacinal no primeiro ano de vida em quatro cidades do Estado de São Paulo, Brasil. Revista Panamericana de Saúde Pública 2000;8(5): 332-341.
3. Fernandes MMA, Possidente MC, Rossi MGL, Góes MAF, Araújo NVDL. Cartilha de orientações para o registro de doses de vacinas. São Paulo: Centro de Vigilância Epidemiológica Professor Alexandre Vranjac; 2002 [online] Disponível em http//www.cve.saude.sp.gov.br
4. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, Fundação João Pinheiro, Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Desenvolvimento humano e condições de vida: indicadores brasileiros. Brasília; 1998.
5. Moraes JC, Ribeiro MCSA, Simões O, Castro PC, Barata, RB. Inquérito de cobertura vacinal no primeiro ano de vida. Coorte de nascidos vivos entre setembro de 1997 e agosto de 1998, residentes no Estado de São Paulo, 2000. Relatório de Pesquisa [online] [Capturado em chmedsoc@santacasasp.org.br]
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