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Epidemiologia e Serviços de Saúde
versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde v.13 n.3 Brasília set. 2004
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742004000300002
Sistema de informação de agravos de notificação em saúde (Sinan): desafios no desenvolvimento de um sistema de informação em saúde
Information system for notifiable diseases (Sinan): challenges in developing a national health information system
Josué LaguardiaI; Carla Magda Allan DominguesII; Carolina CarvalhoII; Carlos Rodrigo LauermanII; Eduardo MacárioII; Ruth GlattII
IDoutorando da Escola Nacional de Saúde Pública/Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro-RJ
IISecretaria de Vigilância em Saúde/Ministério da Saúde, Brasília-DF
RESUMO
Neste artigo, os autores apresentam um resumo histórico do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), listam os principais pontos críticos presentes na concepção do sistema em DOS e apontam as contribuições mais importantes geradas em diferentes fóruns de discussão para adequação do sistema de informações à vigilância epidemiológica. Os autores também fazem uma reflexão crítica e aportam subsídios técnicos que constituíram os pontos de sustentação para a formulação da nova versão do Sinan em ambiente Windows.
Palavras-chave: sistema de informação em saúde; Sinan; vigilância epidemiológica.
SUMMARY
In this article, the authors present a brief historical outline of the Information System for Notifiable Diseases (Sinan) describing the most relevant critical points in the formation of the system [Sinan-DOS (Disk Operating System)] as well as the more important contributions from technical meetings and fora. The authors also complete a critical review and identify technical reasons that support the development of the new Sinan using the Windows operating system.
Key words: health information system; Sinan; epidemiological surveillance.
Introdução
O Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) foi desenvolvido no início da década de 90, tendo como objetivo a coleta e processamento dos dados sobre agravos de notificação em todo o território nacional, fornecendo informações para a análise do perfil da morbidade e contribuindo, dessa forma, para a tomada de decisões nos níveis municipal, estadual e federal.1 A concepção do Sinan foi norteada pela padronização de conceitos de definição de caso, pela transmissão de dados a partir da organização hierárquica das três esferas de governo, pelo acesso à base de dados necessária à análise epidemiológica e pela possibilidade de disseminação rápida dos dados gerados na rotina do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica do Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, o sistema deveria ser utilizado como a principal fonte de informação para estudar a história natural de um agravo ou doença e estimar a sua magnitude como problema de saúde na população, detectar surtos ou epidemias, bem como elaborar hipóteses epidemiológicas a serem testadas em ensaios específicos.
A implantação do aplicativo Sinan-DOS iniciou-se em 1993, tendo sido precedida por testes-piloto realizados em Santa Catarina e Pernambuco. Os resultados e observações derivados desses testes não foram disponibilizados para todos os usuários ou registrados em documentos oficiais. Essa implantação foi realizada de forma gradual, em virtude do caráter voluntário de adesão das Secretarias de Estado e Municipais de Saúde, delineando um padrão irregular, tanto no uso dos formulários padronizados para os agravos de notificação compulsória, quanto na operação do programa informatizado do Sinan-DOS e análise dos dados coletados. Vale ressaltar que a aleatoriedade da adesão decorreu da inexistência de qualquer regulamentação oficial do Ministério da Saúde, definindo normas específicas sobre estabelecimento e manutenção de um sistema de informação a ser utilizado pelos Estados e Municípios para notificação dos casos de doenças de notificação compulsória nacional. Somente em 1998, o uso do Sinan foi regulamentado por meio de portaria ministerial,2 tornando obrigatória a alimentação regular da base de dados nacional pelos Municípios, Estados e Distrito Federal, designando a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), por meio do extinto Centro Nacional de Epidemiologia (Cenepi) – atual Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde – como a gestora nacional do sistema.
A ausência de uma normalização federal propiciou o desenvolvimento de sistemas de informação específicos para alguns agravos, cuja existência e manutenção dependiam tanto da disponibilidade de recursos provenientes de organizações internacionais ou não-governamentais estrangeiras quanto do conhecimento especifico de técnicos interessados na compilação dos dados de notificação para análise epidemiológica. Porém, a abrangência e o impacto das informações geradas nesses subsistemas estava restrito, na sua grande maioria, à localização geográfica ou nível hierárquico onde esses mesmos subsistemas haviam sido desenvolvidos, comprometendo a representatividade e confiabilidade dos dados.
O aplicativo Sinan foi concebido, originalmente, para armazenar, a partir de instrumentos e códigos de acesso padronizados em nível nacional, as informações das doenças de notificação compulsória, com suas respectivas fichas de notificação e investigação, sendo permitido às unidades federadas incluir notificações de outros agravos, adequando o sistema ao perfil epidemiológico de populações distintas. Entretanto, ao longo dos anos, foram incluídas no Sinan fichas de investigações para agravos não constantes da lista de notificação compulsória nacional, sem que fossem estabelecidos critérios para essas inclusões ou padronização dos instrumentos de coleta desses agravos, o que acarretou uma sobrecarga de dados e, conseqüentemente, problemas de operacionalização do sistema. Em trabalho3 publicado no ano de 1997, foram apontados vários problemas relacionados ao Sinan, tais como: ausência de clareza quanto ao objetivo primário do sistema e conseqüente mau desempenho global; concomitância de fluxos de informações (e lógicas) de diferentes naturezas – doenças crônicas transmissíveis e não transmissíveis e doenças agudas transmissíveis e não transmissíveis –; gestão múltipla do sistema, ou seja, cada área técnica (ou programa) sendo responsável pela sua parcela do Sinan; limitações do programa informatizado; ausência de padronização de tabelas; e a não-utilização tanto das fichas de notificação pré-numerada quanto das rotinas de consistência e validação dos dados.
Diante dessa situação, a Funasa constituiu, por meio da publicação do boletim de serviço,4 a Comissão de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento de nova versão do Sinan, com a missão de adequar o sistema existente às demandas dos usuários, bem como desenvolver um novo sistema visando à ampliação da capacidade de execução das ações de vigilância e de análise da situação nas três esferas de governo. Para melhor delineamento da proposta, participaram da comissão as áreas técnicas usuárias do sistema em nível nacional e o Departamento de Informática do SUS (Datasus). Iniciou-se, então, o projeto Sinan-Windows, parceria envolvendo o Cenepi/Funasa e o Datasus. O Cenepi responsabilizar-se-ia pela elaboração do desenho do sistema sob a perspectiva da vigilância epidemiológica, ou seja, padronização de conceitos, definição de fluxo, instrumentos e relatórios gerenciais; e o Datasus, pela elaboração de programa computacional adequado aos vários níveis de complexidade do Sinan.
A Comissão de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento considerou que os subsídios dos técnicos incorporados à vigilância epidemiológica, em nível estadual e municipal, bem como de profissionais de referência pertencentes às instituições acadêmicas da área de Saúde Pública, muito contribuiriam com o processo de elaboração da proposta. Formou-se um grupo específico para discussão dessa temática na "Oficina de Trabalho de Reformulação do Sinan", em setembro de 1998. O relatório final dessa oficina5 norteou a padronização de conceitos, definição de fluxo e concepção de formulários para coleta de informações a partir de um diagnóstico da situação do Sinan-DOS na rede pública.
O objetivo do presente artigo é discutir os pontos críticos levantados pelos pesquisadores e usuários do aplicativo Sinan-DOS em diferentes fóruns, além das experiências pessoais dos autores como participantes da equipe de trabalho da gerência técnica do Sinan e da Comissão de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento, as principais questões que nortearam a concepção e adequação do sistema de informação para a vigilância epidemiológica em ambiente Windows (Sinan-Windows); e refletir sobre o papel de um sistema de informação informatizado na vigilância de agravos de notificação compulsória nacional. Gostaríamos de ressaltar que, ao deter-se mais especificamente sobre questões relativas ao aplicativo Sinan, os autores não estão assumindo que um sistema de informação informatizado se resume ao aplicativo (ou software) utilizado. É importante sublinhar que as críticas ao aplicativo Sinan não se limitavam aos problemas de informática, mas se aplicavam, na maioria das vezes, a questões concernentes à concepção e gerenciamento de um sistema de informação específico para a vigilância epidemiológica. Posto de outra maneira, o aplicativo Sinan-DOS atuava como um sistema sentinela, que evidenciava as "imperfeições" do sistema de informação e da própria vigilância epidemiológica.
Metodologia
O presente trabalho foi realizado com base na consulta de artigos científicos, documentos técnicos, relatórios de oficinas de trabalho, opiniões de usuários e vivências dos técnicos da Gerência Técnica do Sinan durante o processo de concepção e implantação das versões do Sinan-DOS e do Sinan-Windows. As opiniões contidas nesse artigo expressam um conhecimento construído sobre as experiências dos autores como coordenadores de discussões técnicas com profissionais da Funasa e das Secretarias de Estado e Municipais de Saúde, ou participando de reuniões e seminários sobre sistemas de informação em saúde e/ou vigilância epidemiológica. O olhar crítico dos autores sobre o seu processo do trabalho reflete-se no artigo aqui apresentado, que retrata a sua própria experiência na estruturação de um sistema de informação e descentralização das ações de vigilância epidemiológica que possa acolher as novas demandas institucionais definidas pelas normas reguladoras do SUS.
Resultados
Aspectos críticos do Sinan para ambiente DOS
As discussões com técnicos dos três níveis de gerência do Sinan (Secretarias de Estado e Municipais de Saúde e Cenepi), em diversos fóruns técnicos, serviram de base para apontar os principais pontos críticos na concepção do Sinan-DOS.
Instrumentos de coleta
A construção dos formulários para o preenchimento com os dados de investigação epidemiológica dos agravos de notificação do Sinan-DOS não se baseou em critérios pré-definidos. Não foram estabelecidas as orientações de seleção das variáveis a serem incluídas nos instrumentos de coleta, necessárias para a tomada de decisão acerca das medidas a serem executadas, bem como para a construção do conhecimento epidemiológico do agravo na população. Isso gerou um volume expressivo de campos nas fichas de investigação dos agravos, fazendo com que muitos desses campos – e suas respectivas variáveis nas bases de dados do Sinan-DOS – não fossem preenchidos, ou que fossem substituídos pela categoria "Sem informação".
A despeito da carência de estudos qualitativos e quantitativos de avaliação do Sinan-DOS, é possível indicar alguns fatores que teriam potencializado essa sobrecarga de variáveis nas fichas de investigação de agravos: a) inclusão de campos para coleta de dados sobre determinados agravos e sua distribuição na população, que poderiam ser obtidos de maneira mais eficiente e com maior qualidade mediante métodos alternativos à vigilância tradicional, a exemplo dos estudos epidemiológicos de base populacional ou sistemas de vigilância sentinela; b) ausência de um sistema de informação laboratorial informatizado que fornecesse os dados referentes à confirmação ou descarte de casos, bem como avaliação da oportunidade da coleta e da viabilidade das amostras; c) ausência de sistema para acompanhamento do tratamento de pacientes com tuberculose ou hanseníase, acarretando a inclusão desse módulo no Sinan-DOS; e d) falta de integração com sistemas de informação de avaliação da atenção médica dispensada.
Tal somatório de ausências imputava ao Sinan-DOS a tarefa de responder a diversas demandas de informação que transcendiam o seu propósito original, sobrecarregando o sistema e, conseqüentemente, reduzindo a sua eficiência.
Tipos de agravos incorporados ao Sinan-DOS
A inclusão pelo sistema de novos agravos transmissíveis e não-transmissíveis, agudos e crônicos, não exigia o cumprimento de requisitos, principalmente no que tange à obrigatoriedade da notificação (notificação compulsória) nacional, à periodicidade do fluxo e à universalidade da notificação.6 A simples inclusão no Sinan-DOS de alguns agravos específicos também não garantia que esses casos fossem notificados, tampouco que esses dados fossem de qualidade confiável. Por essa razão, em 1998, o Cenepi reuniu um grupo de peritos com a missão de definir os critérios que norteariam a revisão da lista de agravos para constituição da Lista Brasileira de Doenças de Notificação Compulsória (LDNC).7
Qualidade dos dados coletados no Sinan-DOS
O que havia de comum entre os usuários do Sinan-DOS era a constatação de que, em maior ou menor grau, a qualidade dos dados gerados por esse subsistema era insatisfatória quanto às exigências mínimas de confiabilidade. Entre os problemas detectados e que poderiam comprometer a qualidade dos dados, podemos citar:
a) Duplicidade de registros
Apesar da existência, no Sinan-DOS, de rotina de pesquisa de duplicidades, esse procedimento não era executado com a devida freqüência pelos usuários do sistema, nos seus diversos níveis informatizados, provocando um efeito de "bola de neve" sobre o crescimento do número de registros, que aumentava na medida em que registros duplicados não eram excluídos em um dado nível, senão enviados para os níveis superiores. Tampouco havia qualquer orientação técnica para operacionalização do sistema nas situações de notificação de um caso por um Município, quando a investigação e confirmação eram realizadas em outro Município que já notificara o mesmo caso. Essa situação, aparentemente corriqueira, podia gerar discrepâncias no consolidado estadual dos casos notificados, se ambos os Municípios considerassem como "seu" o mesmo caso.
Entre os pacientes notificados com tuberculose ou hanseníase, por exemplo, a ausência de definição de normas para o manejo desses pacientes que entravam mais de uma vez no sistema – seja pelo retorno após abandono de tratamento, recidiva ou transferência de unidade de saúde –, bem como a inexistência de rotinas informatizadas para operacionalização desses registros, gerou um volume significativo de registros listados como duplicidades. Esses registros foram definidos como duplos registros, de forma a diferenciá-los das duplicidades (paciente notificado mais de uma vez, pela mesma unidade de saúde, ao longo do mesmo tratamento).8
A definição e elaboração das rotinas para vinculação dos duplos registros, decorrentes da transferência de pacientes entre as unidades de saúde, nas versões mais atuais do Sinan-DOS, não resultaram, necessariamente, na redução do número desses casos no sistema. O fato deveu-se tanto ao baixo grau de automatismo na execução da rotina de vinculação quanto à exigência de familiaridade com conceitos específicos dos programas de controle da tuberculose e hanseníase, implicando a atuação conjunta dos técnicos de cada programa na gerência de informação. Trata-se de uma situação ilustrativa do que se observava nos diversos níveis hierárquicos do sistema de informação em saúde, onde uma atuação quase independente do setor responsável pela gestão dos sistemas de informação das áreas técnicas dos agravos específicos, com respeito aos dados e informações geradas pelo Sinan-DOS, fomentava uma indefinição das atribuições de cada área e a execução de ações limitadas e pouco eficientes de avaliação e correção das inconsistências das bases de dados.
b) Padronização
Ausência de padronização das tabelas do sistema informatizado, o que levava a situações como a de uma mesma unidade de saúde ser cadastrada com códigos distintos; ou Municípios serem cadastrados com códigos diferentes daqueles definidos pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além disso, a falta de padronização das variáveis de identificação da fonte notificante e de tratamento, dos códigos de ocupação, grau de instrução e raça/cor, bem como a heterogeneidade nas categorias utilizadas em diversos campos da ficha e na definição dos critérios de confirmação de caso, implicavam a perda de comparabilidade entre os diversos subsistemas. Ao mesmo tempo, essa ausência de padronização limitava a interoperabilidade entre o Sinan-DOS e os demais sistemas de informação de interesse para a Saúde.
c) Críticas de consistência
A inexistência de rotinas informatizadas que realizassem a crítica de validação dos dados entre campos essenciais dos diversos agravos, do preenchimento automático de determinados campos – desde que atendidas determinadas condições –, ou que alertassem o digitador no momento da entrada de dados, dificultavam a detecção de inconsistências nas bases de dados e comprometiam, conseqüentemente, as análises epidemiológicas.
d) Capacitação técnica dos profissionais da vigilância epidemiológica
A possibilidade de avaliar criticamente a qualidade e os problemas presentes nas bases de dados do Sinan-DOS estava comprometida pela ausência de uma política de capacitação técnica dos profissionais de saúde, dos diversos níveis de gestão, para gerenciamento e análise de dados epidemiológicos oriundos dos subsistemas de informação informatizados do Ministério da Saúde. Acrescente-se a isso uma indefinição quanto às atribuições das áreas técnicas e um número reduzido de profissionais disponíveis para o desempenho de todas as atividades relativas à vigilância e gerência dos programas de controle dos agravos, além das conseqüências de uma restrição de alcance das medidas destinadas ao aprimoramento da qualidade da informação da vigilância. Torna-se mais difícil intervir em um sistema de informação se não são conhecidos, por exemplo, os erros de preenchimento mais freqüentes ou as unidades que apresentam dificuldades para notificar/ investigar casos ou enviar as informações para o nível imediatamente superior.
Programa informatizado
A manutenção de um sistema de informação informatizado impõe a geração periódica de versões para correção de erros detectados (os chamados bugs) ou alteração/inclusão de campos que atendam a uma mudança na definição de caso. Entretanto, para que se tenha um menor número de erros de programação, é necessário que se realizem testes de campo utilizando uma rede de avaliadores nos diversos níveis de gerência do sistema, garantindo, dessa forma, ajustes prévios à disseminação dessas novas versões. A ausência dessa prática com relação a algumas versões do Sinan-DOS acarretou, em certas ocasiões, um comprometimento da base de dados existente ou problemas na inclusão de novos casos, além da desconfiança e receio dos usuários com respeito às novas versões. Problemas com a disseminação de novas versões entre os usuários do Sinan-DOS levaram a situações em que sistemas de informação operavam, simultaneamente, com versões desatualizadas, por vezes tornando impossível o recebimento dos dados para atualização da base de dados nacional. Além disso, como cada nova versão tinha a finalidade de corrigir problemas detectados na versão anterior, na medida em que o Município seguia utilizando uma versão desatualizada, os problemas detectados não eram corrigidos, gerando bancos com dados defasados ou incorretos.
A identificação de um caso no sistema informatizado Sinan-DOS era feita pelo número do Município de atendimento e pelo número da notificação. Caso o sistema fosse implantado sem o uso da ficha de notificação pré-numerada e ocorresse a digitação de dois casos com o mesmo número de notificação e o mesmo Município de atendimento, porém em computadores distintos, isso acarretaria sobreposição das fichas de notificação e aparecimento de fichas de investigação sem a ficha de notificação correspondente, após o recebimento dos dados no nível imediatamente superior.
As transferências dos arquivos para os níveis imediatamente superiores eram feitas em arquivos separados, o que exigia um controle mais estrito dos arquivos gerados por essa rotina, seja na nomeação ou na compactação e envio dos arquivos. Para que houvesse recebimento dos dados do Sinan-DOS, era necessária a detecção e exclusão dos registros danificados, que deveria ser realizada previamente à execução da transferência. Esse procedimento requeria uma habilidade no uso de aplicativos de gerenciamento de bancos de dados por parte dos profissionais responsáveis pela gerência dos sistemas de informação. Havia o risco de defasagem entre duas bases de dados, pois não era possível saber qual o registro danificado que havia sido excluído, e se ele já havia sido transferido anteriormente. Além disso, era possível que o nível imediatamente superior recebesse os lotes de transferência sem que houvesse qualquer crítica com respeito ao número seqüencial do lote recebido anteriormente. O Sinan-DOS não gerava relatórios gerenciais de transferência que permitissem o acompanhamento do número de casos enviados e recebidos por cada nível hierárquico.
Dada a obsolescência da linguagem de programação utilizada no Sinan-DOS, houve restrição à inclusão ou adequação de rotinas que possibilitassem uma melhor gestão dos sistemas e análise dos dados pelos usuários. Exemplos de problemas causados por essa limitação foram a emissão de relatórios de conferência e a listagem dos casos duplicados. O Sinan-DOS só permitia a impressão desses relatórios, impedindo que fossem salvos em formato compatível para uso em outros aplicativos.
Do Sinan-DOS para o Sinan-Windows
Partindo de um diagnóstico da situação do Sinan-DOS e ciente das etapas a serem cumpridas para o desenvolvimento da versão piloto do Sinan-Windows, iniciou-se o trabalho de reformulação do Sinan tomando como ponto de partida os processos envolvidos em um sistema de informação, remodelação e padronização dos instrumentos de coleta de dados, até a definição das saídas padronizadas e ao desenvolvimento do aplicativo. Para fortalecer a descentralização do Sinan, considerando que a formação de agentes multiplicadores aceleraria o processo para a constituição de suporte técnico nos níveis municipal, regional e estadual e capacitação dos usuários, a gerência técnica do sistema e o Datasus desenvolveram um material de treinamento dos profissionais da vigilância epidemiológica. Esse material contemplava um plano de aula e um roteiro de exercícios com as rotinas de digitação dos casos, crítica e geração de relatórios, assim como recomendações sobre o gerenciamento do sistema nos diversos níveis. Elaborou-se uma minuta de portaria ministerial específica para o Sinan, atendendo à necessidade de regulamentação dos aspectos operacionais do sistema de informação para a vigilância de agravos de notificação compulsória.
Em seguida, detalharemos algumas questões relativas ao processo de reestruturação do Sinan-Windows, seja pelo seu aspecto inovador, seja pelas implicações na qualidade e desempenho de um sistema de informação em saúde informatizado.
Instrumentos de coleta
As fichas de notificação e investigação foram modificadas para a inclusão dos campos raça/cor, número do cartão SUS, escolaridade (em anos de estudo), ocupação e ramo da atividade econômica, atendendo às recomendações da Rede Interagencial para a Saúde (Ripsa) para compatibilização de sistemas de informação em saúde de base nacional, conforme regulamentado por portaria ministerial.9
A revisão das fichas de investigação de caso ficou restrita aos agravos presentes na Lista Brasileira de Doenças de Notificação Compulsória Nacional4 e àqueles mencionados nas Listas de Doenças de Notificação Compulsória Estadual publicadas em diário oficial da unidade federada; e aos agravos aprovados pela Comissão de Desenvolvimento do Sinan, de acompanhamento de interesse nacional, apesar de estes últimos não serem de notificação compulsória.
As fichas de investigação foram padronizadas a partir de discussões com os técnicos de cada área técnica do Cenepi e do Ministério da Saúde, responsáveis pela vigilância dos agravos de notificação compulsória nacional, sendo posteriormente encaminhadas às Secretarias de Estado da Saúde para avaliação e validação das modificações. Os campos das fichas de investigação de caso foram dispostos nos seguintes grupos: antecedentes epidemiológicos; dados clínicos; atendimento; dados de laboratório; tratamento; e conclusão. Os critérios estabelecidos para permanência ou inclusão/exclusão de campos na ficha de investigação de caso basearam-se na definição e confirmação de caso e na construção de indicadores relevantes ao monitoramento do agravo nos diversos níveis. O sucesso dessa iniciativa foi limitado, por duas razões: de um lado, o fato de algumas doenças agudas estarem em plano de erradicação ou eliminação, o que exigiu um maior número de dados; e por outro lado, a insistência de algumas áreas técnicas de que todas as variáveis presentes seriam de suma importância, embora, nem sempre, fosse possível definir, por parte desses mesmos técnicos, quais informações poderiam ser geradas a partir dessas variáveis.
Estipularam-se as variáveis relevantes para cada um dos três níveis – municipal, estadual e federal –, assumindo-se a importância de se organizar a produção de informações compatíveis com as necessidades dos diferentes níveis de gestão e gerência do sistema de informação epidemiológica. Para tal, foi proposto aos técnicos do Datasus que o aplicativo Sinan-Windows discriminasse, no momento da transferência dos dados e segundo critérios pré-definidos, as variáveis a serem enviadas para o nível imediatamente superior. Entretanto, a recomendação dessa rotina não foi implementada no aplicativo, apesar de ser de suma importância para que o volume da base estadual ou nacional não fosse sobrecarregado.
As novas fichas de notificação e investigação dos agravos incluídos no Sinan-Windows foram disponibilizadas no formato Adobe Acrobat Reader®, a fim de torná-las compatíveis com outros softwares, facilitando tanto a sua disseminação quanto a sua impressão gráfica em larga escala e sem o uso de fotolitos.
Notificação de surtos epidêmicos
A inclusão do módulo de notificação de surtos epidêmicos no Sinan-Windows significou um avanço na concepção tradicional de sistemas de informação para vigilância epidemiológica no Brasil, porque ampliou o escopo dos agravos notificáveis, permitindo que mesmo os quadros clínicos sem diagnóstico confirmado pudessem ser comunicados mediante notificação sindrômica. Consideraram-se como passíveis de notificação de surto no Sinan: a) os agravos inusitados de ao menos dois casos, possivelmente vinculados, sendo a sua notificação realizada por intermédio da abordagem sindrômica e suas categorias – diarréica aguda, síndrome ictérica aguda, febre hemorrágica aguda, respiratória aguda, neurológica aguda, insuficiência renal aguda e outras síndromes; b) os casos agregados, constituindo uma situação epidêmica, das doenças que não constam da Lista de Doenças de Notificação Compulsória; c) os casos agregados das doenças que constam da LDNC, quando o volume de notificações possa comprometer o desempenho do sistema de informação nas ações de registro individualizado dos casos.
Estipulou-se que a notificação de surtos de agravos que constam da LDNC deverá ser acordada entre os três níveis de governo, tanto para o início da notificação agregada de casos quanto para o seu término. Pelo menos 10% dos casos que constam da LDNC deverão ser investigados e cadastrados no Sinan, utilizando-se o módulo de notificação individual, além de serem coletadas e processadas amostras biológicas para esses casos notificados individualmente.
Críticas de consistência
As rotinas informatizadas para críticas de consistência e geração dos respectivos relatórios no Sinan-Windows, para cada agravo específico, foram definidas pelas gerências técnicas da Coordenação de Vigilância Epidemiológica do Cenepi e da antiga Secretaria de Políticas de Saúde do Ministério da Saúde. Tal iniciativa objetivava diminuir o número de inconsistências presentes na notificação e confirmação dos casos, como, por exemplo, a data de notificação anterior à data do início dos sintomas ou mesmo à data do diagnóstico. Foram elaborados, para cada agravo específico, dicionários de dados contendo a listagem das variáveis do banco de dados do Sinan-Windows, para informar os usuários do sistema acerca das características dessas variáveis – nome, extensão, tipo (caráter, numérica ou data), rotina/crítica de consistência relacionada –, facilitando o uso dessas bases de dados nas análises estatísticas, mediante a utilização de outros aplicativos de domínio público ou não.
Análise de dados e relatórios de saída
No sentido de ampliar os recursos para análise dos dados do Sinan, incorporou-se o aplicativo Tabwin, programa computacional desenvolvido pelo Datasus, que permite a tabulação rápida de duas variáveis quaisquer do sistema, além da apresentação dos resultados em gráficos e mapas. Essa opção foi alvo de críticas de usuários que viam, nessa estratégia, uma dificuldade na geração de tabulações, pois o uso do aplicativo exigia um treinamento específico. Contudo, o esforço inicial era compensado pela ampliação dos recursos disponíveis para análise e superava qualquer expectativa de um módulo de análise que pudesse ser desenvolvido no Sinan. A inclusão de alguns relatórios de tabulação de dados para agravos específicos apresentou-se como alternativa às limitações do Tabwin, e, também, como uma tentativa de atender às demandas específicas das gerências técnicas. As gerências técnicas solicitaram a inclusão de saídas pré-definidas para geração de tabulações, com recorte temporal e geográfico e discriminação entre casos notificados e casos residentes, permitindo uma avaliação geral das atividades de vigilância de alguns programas de controle de agravos.
Migração da base de dados
Como parte do processo de preparação das bases de dados do Sinan-DOS para migração ao Sinan-Windows, foram construídos dicionários de migração orientadores do usuário sobre as características das variáveis migradas. Algumas áreas técnicas do Ministério da Saúde desenvolveram rotinas padronizadas no Epi-Info 6.04c (arquivos executáveis, .pgm), que levassem em conta as principais críticas, para serem realizadas no momento da migração. Entretanto, a aplicação mais extensiva de tais recursos esteve comprometida pelo desconhecimento no uso do Epi-Info por várias coordenações e áreas técnicas de vigilância epidemiológica das Secretarias de Estado e Municipais de Saúde.
A ausência de rotinas de revisão e correção de registros inconsistentes se fez notar, sobretudo no momento de migração da base de dados do Sinan-DOS para o Sinan-Windows. Foram importados apenas os casos cujas variáveis não apresentavam inconsistência, seja em relação às variáveis consideradas como chaves para identificação do caso no Sinan-Windows (número da notificação, data da notificação, Município de atendimento e unidade de saúde de atendimento), seja em relação àquelas variáveis definidas como campo de preenchimento obrigatório, ou ainda àquelas cujas críticas foram introduzidas na entrada de dados.
O relatório de inconsistência da importação tornava possível identificar quais os casos que não haviam migrado e o motivo da recusa, possibilitando, dessa forma, que o usuário corrigisse a base de dados no Sinan-DOS para que, posteriormente, a rotina de importação fosse refeita e esses casos incluídos na base de dados do Sinan-Windows.
Desenvolvimento do aplicativo
Quanto ao desenvolvimento do aplicativo na nova plataforma Windows, essa atribuição foi delegada aos técnicos do Datasus, haja vista que, até aquele momento, o Sinan-DOS fora concebido e desenvolvido por técnicos do Cenepi. Porém, o Sinan-DOS apresentava particularidades que o distinguiam dos sistemas de informação desenvolvidos e gerenciados pelo Datasus. Distinto de outros sistemas estatais, o Sinan-DOS não atendia às características de um sistema vertical, no qual a padronização é alcançada por meio de controle financeiro ou decreto burocrático, a análise dos dados é realizada de maneira distante, física e funcionalmente, pelo provedor dos dados, implicando conflitos de interesses, e onde a validação da informação é cara, difícil e demorada. Outras características que o distinguiam dos demais subsistemas eram a extensão e os graus de complexidade da rede de unidades notificadoras; e a demanda por informações específicas, que variavam nos seus diversos níveis: unidade de saúde, distrito sanitário, Município, regional de saúde, Secretaria de Estado da Saúde, regional da Funasa, nível federal. Em decorrência disso, o que se pôde observar, algumas vezes, foi o fator de desconhecimento acerca das especificidades de um sistema de informação epidemiológica e, conseqüentemente, um maior dispêndio de tempo e dificuldades no acerto entre as demandas das áreas técnicas e a elaboração de rotinas informatizadas. Outras vezes, a solução para um determinado aspecto do sistema dependia, tão-somente, da formulação de normas específicas para gestão do sistema de informação.
Entre os avanços alcançados na versão 4.3 do Sinan-Windows, em comparação ao Sinan-DOS, podemos relacionar como os mais importantes:
• Ampliação das chaves do sistema.
• Inclusão das notificações dos agravos agudos e crônicos em um único banco de dados; e geração de arquivos separados para os dados de investigação de cada agravo.
• Aprimoramento das rotinas de duplicidade, consulta, transferência e recebimento, tornando-as mais adequadas às demandas dos usuários.
• Otimização da rotina de vinculação dos registros de tuberculose e hanseníase com mais de uma entrada no sistema.
• Inclusão de saídas padronizadas para construção de indicadores dos agravos (cólera, coqueluche, doença exantemática, difteria, hanseníase, paralisia flácida aguda, raiva humana, síndrome da rubéola congênita, tétano acidental e neonatal e tuberculose).
• Interface com o Tabwin.
• Possibilidade de identificação das principais inconsistências na base de dados.
• Rotina de conferência mais otimizada, com a possibilidade de o produto dessa avaliação ser salvo em outros aplicativos.
• Inclusão de rotina para descentralização da base de dados.
Discussão
Moraes & Santos10 assinalam que as mudanças estruturais ocorridas nas últimas décadas no setor Saúde exigiram uma busca por novos modelos assistenciais e de informação, capazes de atender às normas e regulamentos definidos para o SUS, e de dar respostas às exigências da população. Se, por um lado, observou-se um aumento na demanda por sistemas informatizados que oferecessem informações sistematizadas e oportunas sobre as condições de saúde da população, constatou-se, por outro lado, que as coordenações na área de gerência de informações, nos diversos níveis de gestão do sistema de saúde, ainda apresentam um grau de desenvolvimento inadequado às suas necessidades e responsabilidades.
Há insuficiência de recursos humanos qualificados e de equipamentos compatíveis para apoiar o processo de implementação e gerenciamento dos sistemas de informação em saúde. Além disso, em várias esferas da administração pública, é mantida uma política de formulação e desenvolvimento de sistemas de informação não compartilhados, com pouca ou nenhuma articulação entre si. No caso específico do Sinan-DOS, essa situação impediu sua integração com os sistemas informatizados do Ministério da Saúde [Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM); Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc); Sistema de Informações Hospitalares (SIH-SUS); Sistema de Informações de Controle Logístico de Medicamentos (Siclom); e Sistema de Controle de Exames Laboratoriais (Siscel)], impossibilitando a implementação de rotinas de busca de casos presentes ou não nesses sistemas. Se essa integração fosse uma realidade, ela permitiria tanto o aumento na sensibilidade do Sinan quanto o resgate e agrupamento, para análises epidemiológicas mais específicas, de variáveis relativas aos pacientes cujos dados estão presentes em vários desses sistemas. Um dos ganhos advindos da integração das bases de dados é a correção para a subnotificação, conforme ilustrado nos estudos para sub-registro de casos de aids em Belo Horizonte11 e no Rio de Janeiro.12 O mesmo pode ser inferido para os casos de tuberculose, em que os pacientes são notificados no Sinan e os procedimentos de diagnóstico e acompanhamento dos tratamentos realizados na rede pública ou conveniada ao SUS são registrados nos sistemas de informação ambulatorial (SIA-SUS) e hospitalar (SIH-SUS); além do cadastramento desses pacientes nas áreas de cobertura do Programa de Saúde da Família (PSF), no Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB). A sua integração permitiria a constituição das coortes de tratamento da tuberculose, eximindo o Sinan dessa atribuição e resultando em ganho na abrangência e confiabilidade da informação sobre o resultado de tratamento. É de se esperar que o Sistema Cartão Nacional de Saúde (SCNS) atenda às demandas de otimização do sistema de informação em saúde por meio da integração das fontes de dados de atendimentos realizados pelo sistema de saúde.13
A utilização dos recursos da internet para construção de sistemas de informação informatizados com bases de dados acessíveis aos usuários em qualquer parte deste país, solucionando os problemas de envio e atualização dessas bases e de duplicidade dos registros, entre outras alternativas possíveis, ainda depende de decisões políticas quanto às prioridades assinaladas para a informação em saúde e aos investimento na rede física e na capacitação dos profissionais do sistema. Conforme destaca Almeida,14 o avanço da descentralização da produção das informações em saúde tende a provocar mudanças no papel atribuído aos usuários do sistema de informação nos níveis federal e estadual, que devem assumir a condução de atividades relativas à gerência do sistema de informação e suporte técnico aos Municípios. Vale ressaltar que, apesar de toda a inovação tecnológica a ser incorporada ao sistema de informação, da padronização das rotinas e dos incentivos financeiros que se possam garantir aos Estados e Municípios, para que seja implementado e ampliado o uso do Sinan, nada disso é sustentável sem uma política de gestão da informação e sem a capacitação técnica do profissional de saúde. A valorização do papel da informação epidemiológica na definição das políticas públicas da Saúde se reflete, diretamente, na qualidade dos sistemas de informação, tornando-os importantes instrumentos dos processos de planejamento, tomada de decisões e atuação nos seus distintos níveis de competência, em consonância com os pressupostos do setor.
Os avanços técnicos alcançados pelo sistema de saúde na informatização e disponibilidade das suas bases de dados pela internet não foram sucedidos por discussões técnicas mais aprofundadas, que pudessem orientar os gestores do sistema de informação quanto aos aspectos estratégicos do manejo da informação disseminada pela rede. Esses aspectos incluiriam a integralidade da informação, a privacidade e confidencialidade dos dados, o grau de desagregação desses mesmos dados, o acesso diferencia do segundo o perfil do usuário, a disponibilidade de bases de dados para pesquisadores, entre outros. O resgate de um histórico da implantação e implementação do Sinan-DOS, com seus sucessos e desencontros, proporcionou aos autores a oportunidade de refletir criticamente sobre o desenrolar do processo de formulação de um sistema de informação para a vigilância epidemiológica. Aos que pretendem se aventurar no desenvolvimento de um sistema de informação, deve-se sublinhar que não existe um "mapa da mina" que indique todos os passos a serem realizados para alcançar o sucesso desejado. Entretanto, algumas questões podem ser apontadas na formulação de um sistema de informação.
Como princípio básico para o desenvolvimento de um sistema de informação, deve-se ter sempre em mente que não é possível atender a todas as demandas. Há que priorizá-las, desde que mantidas na perspectiva do objetivo principal do sistema. É importante contrapor os possíveis ganhos, decorrentes de uma maior sofisticação de rotinas e procedimentos em um sistema de informação informatizado, com os custos obtidos na operacionalização e gerenciamento desse sistema. Embora as discussões teóricas sobre sistemas de informação resumam-se, na sua grande maioria, aos pressupostos básicos dos sistemas de informação em saúde, vale atentar para as recomendações15 formuladas nesses documentos, pois elas revelam questões já discutidas e experiências similares vivenciadas por outros grupos, evitando-se a tentação – e risco – de "reinventar a roda". Os profissionais envolvidos na formulação de um novo sistema de informação devem avaliar se a informação a ser coletada por esse sistema pode ser obtida mediante a adoção de outro sistema já existente, prevenindo-se a duplicidade de ações e, conseqüentemente, informações equivocadas ou sem poder de comparabilidade. Esses profissionais devem estar cientes de que fatores políticos, econômicos e sociais presentes no contexto institucional onde se desenvolve esse novo sistema poderão determinar tanto os limites e potencialidades quanto abreviar ou estender a sua vida útil.
Pontos importantes sobre a formulação de sistemas de informação foram assinalados por Carvalho & Eduardo:16 a) a competência técnica da equipe de desenvolvimento do sistema de informação em saúde (SIS) e sua visão de sustentação da organização; b) a tecnologia para o desenvolvimento do SIS que aponte os problemas, tanto os razoavelmente estruturados quanto os não estruturados; c) a diversidade de modelos a serem usados, segundo as características das demandas de informação; d) o papel fundamental do usuário na implementação de sistemas de informação; e e) o fenômeno de descongelamento-movimento-recongelamento que caracteriza os processos de mudança de um sistema de informação.
Finalmente, há que se destacar a necessidade da realização de avaliações ao longo de todo o processo de implementação de um sistema de informação informatizado. Como ressalta Wyatt & Wyatt,17 dificilmente acerta-se na primeira versão de um sistema. Rodadas sucessivas de protótipos, avaliações, retroalimentação dos resultados e revisões por parte da equipe responsável pelo seu desenvolvimento são necessárias.
A ausência de avaliações formativas nos processos iniciais de desenvolvimento do Sinan impõe a necessária e urgente realização de avaliações somativas que orientem os profissionais envolvidos – direta e indiretamente – com o Sinan, quanto aos ajustes e correções a serem realizados, aos aspectos positivos e negativos da sua implementação e ao seu impacto nos processos de trabalho da vigilância epidemiológica.
As incertezas sobre o que se espera e o que se obtém do desenvolvimento de um sistema de informação podem ser resumidas, grosso modo, em uma variação da Lei de Finagle,18 segundo a qual "a informação que você tem não é a que você quer, a informação que você quer não é a de que você necessita, a informação de que você necessita não é a que você pode obter e a informação que você pode obter custa mais do que você quer pagar".
Ao refletir sobre a experiência passada do Sinan-DOS, seus erros e acertos, e após abrir um canal de comunicação com os usuários dos mais diversos matizes e hierarquias para sugestões, críticas (qualquer semelhança com a figura do ombudsman não é mera coincidência) e participação nos testes-piloto das versões do Sinan-Windows, os autores tinham a intenção de quebrar o círculo vicioso imposto pela Lei de Finagle. Ademais, essa lei faz-nos recordar que um sistema de informação encontra-se em permanente evolução e a sua experiência demarca os novos rumos e as modificações a serem tomadas. Sem dúvida, uma das maiores qualidades de qualquer sistema de informação que se mostre eficiente é a sua capacidade de adaptação e adequação às novas demandas, sem perda de agilidade ou oportunidade na disponibilidade da informação. O desenvolvimento do Sinan-Windows inaugura uma nova etapa na formulação e gerenciamento de sistemas de informação em vigilância epidemiológica, caracterizada por um maior intercâmbio entre as diferentes instâncias responsáveis pela gestão da informação, em todos os níveis do sistema de saúde, e por uma participação mais efetiva do usuário.
Acreditamos que o grande obstáculo ao sucesso de qualquer sistema de informação para a vigilância epidemiológica encontra-se na ilusão de que a solução de grande parte dos problemas pode ser garantida pela utilização dos recursos da informática, passando para segundo plano, em importância, a definição das normas operacionais de um sistema de informação, os investimentos em recursos materiais e humanos e, fundamentalmente, o estabelecimento de uma política de gestão e disseminação da informação. Quando isso acontece, corre-se o risco de dar um salto para o futuro tropeçando no passado.
Referências bibliográficas
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