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Epidemiologia e Serviços de Saúde
versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde v.15 n.1 Brasília mar. 2006
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742006000100005
Assistência hospitalar à população idosa em cidade do sul do Brasil
Hospital care to the elderly population in a southern Brazilian city
Gilberto Berguio MartinI; Luiz Cordoni JúniorII; Yara Gerber Lima BastosII; Poliana Vieira da SilvaIII
ISecretaria de Estado da Saúde do Paraná
IICentro de Ciências da Saúde, Departamento de Saúde Coletiva, Universidade Estadual de Londrina-PR
IIIUniversidade Norte do Paraná
RESUMO
O artigo analisa o papel do envelhecimento populacional em internações hospitalares realizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e algumas de suas conseqüências para o nível local do SUS. Estudou-se a morbidade hospitalar e o tempo de internação e custos para a população idosa do Município de Londrina, Estado do Paraná, Brasil, a partir de fontes secundárias do próprio sistema de saúde [Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e Sistema de Informações Hospitalares (SIH)]. À população idosa (9,34% da população), corresponderam 20,18% das internações, 22,12% dos dias de permanência e 29,06% dos custos hospitalares do SUS. Pneumonia foi a primeira causa em número de internações e em dias de permanência no hospital; e a quarta, em valores pagos pelo sistema. O infarto agudo do miocárdio e outras doenças isquêmicas do coração foram as primeiras em valores pagos pelo sistema; e terceiras, em número de internações e em dias de permanência.
Palavras-chave: envelhecimento populacional; internações hospitalares; morbidade.
SUMMARY
The article analyzes the strains that an aging population puts on hospital services, identifying selected local consequences on Brazil´s Unified Health System (SUS). Hospital morbidity among the elderly population in the Municipality of Londrina (Paraná State) were studied by means of secondary data sources available in the health system [Mortality Information System (SIM), and Hospital Information System (SIH)]. The elderly population (9.34% of the population) was responsible for 20.18% of hospital admissions, 22.12% of the number of days hospitalized, and 29.06% of hospital costs in SUS. Pneumonia was the primary cause of hospitalization and number of days hospitalized and ranked fourth for hospital costs. Heart attack and other ischemic cardiac diseases ranked first in costs, and third in both number and duration of hospitalizations.
Key words: elderly population; hospitalizations; morbidity.
Introdução
A esperança de vida ao nascer tem aumentado significativamente, ao longo das últimas décadas. Essa constatação é decorrente, em parte, das ações de promoção, proteção e recuperação da saúde.1 O fato, associado à queda da fecundidade, gerou o fenômeno da chamada Transição Demográfica, ou envelhecimento populacional,1 e, conseqüentemente, novas demandas para os serviços de saúde e aumentos substanciais nos custos de programas médicos e sociais.2
Feliciano3 lembra que, do ponto de vista socioeconômico, há um desequilíbrio entre a população jovem, geradora de riquezas, e a população idosa, crescente consumidora de recursos sociais; o que, segundo Veras,4 faz aumentar a preocupação e o interesse por medidas que possam estimar o valor e os esforços despendidos pelo Estado na manutenção da parcela tida como improdutiva, economicamente.
Do ponto de vista epidemiológico, o envelhecimento populacional, aliado a mudanças no estilo de vida, acabará levando a uma verdadeira “epidemia” de enfermidades crônicas e câncer nas próximas duas décadas.5 Nesse aspecto, vale ressaltar a importância não apenas da expectativa de vida, mas, principalmente, da sua qualidade, com saúde.
Segundo o Ministério da Saúde, a não-preocupação com os problemas típicos da terceira idade, os assim chamados “Gigantes da Geriatria” (insuficiência cerebral; instabilidade de postura e quedas; imobilidade; incontinência), tem feito com que eles venham apresentando altas taxas de prevalência.6
Lima e colaboradores 7 apontam a importância de se obter informações sobre as condições de saúde da população idosa e suas demandas por serviços de atenção médica e social, dados fundamentais para o planejamento da atenção e promoção da saúde.
O Município de Londrina, situado ao norte do Estado do Paraná, possui uma população de 447.065 habitantes,8 cujo percentual de idosos mais que dobrou nos últimos 30 anos, passando de 4,03%, em 1970, para 9,34% da população geral em 2000.
Londrina, especialmente a partir de 1980, assiste a um importante crescimento da sua oferta de serviços de saúde, destacando-se os serviços ambulatoriais públicos municipais, oferecidos nas unidades básicas de saúde.9 Também se expandiu o atendimento médico público especializado em geriatria e oferecido pelo ambulatório do Hospital de Clínicas, ligado à Universidade Estadual de Londrina, e pelo ambulatório do Consórcio Intermunicipal de Saúde do Médio Paranapanema.10
Este trabalho teve por objetivo analisar as características das internações hospitalares da população idosa em Londrina-PR e as suas repercussões para o Sistema Único de Saúde (SUS).
Metodologia
Trata-se de estudo transversal, no qual foram analisadas as internações hospitalares da população idosa de Londrina, no ano 2000, realizadas pelo SUS. Foram estudadas as internações de pessoas de 60 anos e mais, divididas em três faixas etárias: 60 a 69; 70 a 79; e 80 anos e mais. Considerou-se população idosa aquela acima de 60 anos, de acordo com a legislação brasileira 11 e a recomendação da Organização das Nações Unidas.12 Os dados de morbidade hospitalar foram obtidos do Sistema de Informações Hospitalares (SIH) do SUS.13
As variáveis estudadas foram os números de internações hospitalares por faixa etária dos idosos e por sexo, segundo os agravos, o tempo médio de permanência hospitalar e os valores pagos pelo sistema. Os resultados foram comparados com os dados referentes a outras faixas etárias da população geral, bem como entre as três faixas etárias de idosos selecionadas.
A denominação e a identificação dos agravos foram estabelecidas segundo as apresentações da Classificação Internacional de Doenças – 10a Revisão (CID-10).14 Os grupos de agravos são apresentados conforme as denominações utilizadas pelos capítulos da CID-10; e os específicos, conforme as denominações da CID-BR.15
Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Londrina.
Resultados
Comparando-se as variáveis de internações entre as diferentes faixas etárias, nota-se que, no ano 2000, a população idosa – que correspondia a 9,3% dos habitantes do Município – utilizou 20,1% do total de internações, 22,1% do total de dias de permanência e 29,0% dos custos hospitalares do SUS. Entretanto, a população menor de 15 anos – 26,4% dos habitantes – utilizou 21,2% das internações, 15,0% do tempo de permanência intra-hospitalar e 17,0% dos custos de todas as internações pelo SUS (Tabela 1).
A faixa dos 15 aos 59 anos, que representa 64,2% da população total e é considerada economicamente produtiva, consumiu 58,6% das internações, 62,9% do total de dias de permanência e 54,1% de todos os valores pagos para as internações de Londrina pelo SUS.
Comparando-se a proporção de habitantes, em cada faixa etária, com as variáveis “número de internações”, “dias de permanência” e “valores gastos com internação”, constata-se que:
a) As internações de pessoas de 0 a 14 anos corresponderam a 0,8 vezes a proporção de habitantes dessa faixa etária; as de 15 a 59, 0,91 vezes a proporção de habitantes da mesma faixa; e as de 60 anos e mais, 2,2 vezes a proporção de habitantes incluídos nessa faixa de idade.
b) Os dias de permanência consumidos corresponderam a 0,56 vezes a proporção de habitantes de 0 a 14 anos, 0,98 vezes a proporção de habitantes de 15 a 59 anos e 2,36 vezes a proporção de habitantes de 60 anos e mais.
c) Os valores gastos com internação em cada faixa etária corresponderam a 0,63 vezes a proporção de habitantes de 0 a 14 anos, 0,84 vezes a proporção de habitantes de 15 a 59 anos e 3,11 vezes a proporção de habitantes de 60 anos e mais.
Esta é uma forma simplificada de se visualizar a amplitude do consumo hospitalar pela população idosa, em relação às outras faixas etárias, constatando-se que a garantia de assistência hospitalar a um idoso demanda mais recursos humanos, materiais, financeiros e tempo de atendimento, comparativamente às necessidades provocadas por outros grupos etários.
O número de internações ocorridas com pacientes de 60 anos e mais, segundo capítulos da CID-10, encontra-se na Tabela 2.
O grupo das doenças do aparelho circulatório, no qual se encontra o maior número de internações, registrou cerca de 25% dessas – 13% no sexo masculino e 12% no sexo feminino –, concentrando-se, principalmente, na faixa de 60 a 79 anos, com ocorrência reduzida a partir dos 80 anos. As principais enfermidades encontradas foram: insuficiência cardíaca (mais de 7%); doenças isquêmicas do coração (mais de 5%); e hipertensão essencial primária e outras doenças hipertensivas (quase 4%).
Como segundo grupo de agravos com maior freqüência de internação, aparecem as doenças do aparelho respiratório, correspondendo a, aproximadamente, 18% do total – cerca de 10% de internações de homens e 8% de mulheres. A distribuição é semelhante nas três faixas etárias de idosos, com leve acréscimo para aqueles entre 70 e 79 anos. Na faixa etária de 80 anos e mais, essa causa é responsável por quase 30% das internações, superando as doenças do aparelho circulatório. A pneumonia é a principal causa de internações de idosos, representando 10,8% do total.
As doenças do aparelho digestivo (terceiro grupo em freqüência de agravos) foram responsáveis por mais de 12% das internações – quase 7% do sexo masculino e mais de 5% do sexo feminino. Houve maior ocorrência na faixa etária dos 60 aos 69 anos, com drástica redução para os de 80 anos e mais. Suas cinco principais enfermidades foram hérnia inguinal e outras hérnias (quase 3%), íleo paralítico e obstrução intestinal sem hérnia (1,5%) e colelitíase e colecistite (mais de 1%).
O grupo das neoplasias é a quarta causa em internações, com quase 11% do total – mais de 6% e 4% nos sexos masculino e feminino, respectivamente. A ocorrência de internações por neoplasias decresce nas faixas etárias maiores, chegando a cerca de 1% nas pessoas com 80 anos e mais. Os principais agravos detectados nesse grupo foram as neoplasias malignas de cólon, de próstata, do estômago e de mama, com cerca de 1% para cada uma.
A quinta maior freqüência aparece no grupo das doenças do aparelho geniturinário, com 7,5% do total das internações – maior percentual no sexo masculino, cerca de 5%. O quantitativo de internações cai bastante após os 80 anos, em que os maiores números de agravos registrados foram a hiperplasia e outros transtornos de próstata, bem como outras doenças do aparelho urinário, que, juntas, somam mais de 54% dos casos de internação nesse grupo de doenças.
Classificadas como sexto grupo de agravos de internações, destacam-se as lesões, envenenamentos e algumas outras conseqüências de causas externas, com quase 5% do total de internações. A freqüência desse grupo de agravos diminui à medida que aumenta a faixa etária das pessoas internadas; aqui, os agravos de internações mais freqüentes foram as fraturas de fêmur e de outros ossos dos membros, que somam pouco mais de 2% das internações totais de idosos.
Os seis grupos de agravos descritos são responsáveis por cerca de 80% das internações hospitalares de idosos em Londrina.
Quando analisamos os dias de permanência hospitalar, as doenças do aparelho circulatório e respiratório, as neoplasias e as doenças do aparelho digestivo (listadas em ordem decrescente) foram os quatro primeiros grupos de agravos com os maiores tempos de permanência, seguidos pelos transtornos mentais e comportamentais e as doenças do aparelho geniturinário (Tabela 3).
As doenças do aparelho circulatório foram responsáveis por mais de 21% dos dias de permanência de idosos nos hospitais; e as do aparelho respiratório, por mais de 17%. As neoplasias e as doenças do aparelho digestivo, em conjunto, responderam por mais de 20% do total geral de dias de permanência (pouco mais de 10% cada).
Entre os agravos específicos, a pneumonia foi responsável por 9,2% do total de dias de permanência, com maior proporção no grupo de 80 anos e mais. Insuficiência cardíaca foi a causa responsável pelo segundo maior tempo de permanência, correspondendo a, aproximadamente, 6% do total – com maior proporção na faixa dos 70 a 79 anos –, seguida por infarto agudo do miocárdio e doenças isquêmicas do coração, que utilizaram 5,5% do total dos dias de permanência hospitalar.
Com referência aos demais motivos de internação, destacam-se esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e delirantes, com proporção significativa de dias de permanência na faixa etária de 60 a 69 anos. Esses agravos foram responsáveis pela permanência de pacientes por 1.908 dias, ou 8,1% de todo o tempo de internação dessa faixa. O tempo de permanência desse conjunto significou 4,2% da permanência de todas as internações da população estudada.
Discussão
Deve-se ressaltar que o presente estudo apresenta limitação de sua base de dados, restrita às internações hospitalares efetuadas pelo SUS, com a exclusão de um contingente populacional não desprezível, representado pelos planos de saúde privados.
A incidência decrescente de internações, à medida que aumenta a faixa etária da população idosa, corresponde ao esperado; o contingente populacional é menor nas faixas populacionais mais idosas.
A significativa diferença encontrada entre os recursos consumidos pelos idosos e pelo restante da população reflete a realidade enfrentada pelos serviços de saúde, tanto dos países desenvolvidos quanto dos em desenvolvimento. Segundo Chaimowicz,16 nos Estados Unidos da América, um terço dos gastos em saúde é consumido pelos idosos, enquanto na Inglaterra, o gasto estatal per capita com o idoso corresponde ao triplo do dispêndio com o resto da população; e na cidade de São Paulo, em 1997, o grupo com 60 anos e mais – 8% da população paulistana – absorveu 21% dos recursos do SUS destinados às internações hospitalares.
Na distribuição das internações por sexo, na população geral de Londrina, predominam aquelas do sexo feminino.17 Já na população idosa, há um maior número de internações de pessoas do sexo masculino até os 79 anos; a partir dos 80 anos, internações de mulheres são predominantes.
Ficaram evidentes os agrupamentos de agravos com maiores percentuais de ocorrência nos índices hospitalares. Os primeiros em número de internação, tempo de permanência e custos hospitalares foram, pela ordem, (1) doenças do aparelho circulatório, respiratório e digestivo, (2) neoplasias, (3) doenças do aparelho geniturinário e (4) causas externas, que refletem, claramente, o perfil de morbidade da população idosa do País.18
O estudo também permitiu identificar, de maneira mais detalhada, doenças ou seus agrupamentos que maior impacto causam sobre as internações, por se enquadrarem em uma ou mais das situações citadas acima (alto custo, prolongado tempo de permanência ou alta freqüência de internações): pneumonia; infarto agudo do miocárdio e outras doenças isquêmicas do coração; insuficiência cardíaca; transtornos de condução e arritmias cardíacas; doenças hipertensivas; e acidentes vasculares cerebrais. São achados que, associados a informações da literatura,19,20 permitem a orientação e formulação de políticas públicas visando à prevenção, detecção precoce e enfrentamento dessas doenças, com conseqüências favoráveis para pessoas e grupos populacionais; e para o SUS, certamente.
As internações, sempre que possível, devem ser evitadas. Não apenas pelo impacto causado no sistema de saúde, mas também pelos efeitos negativos que impõem ao próprio paciente. Sager e colaboradores21 demonstraram que a capacidade para realização de atividades básicas da vida diária diminuiu, imediatamente, após a internação de idosos por curto prazo; e que tal capacidade funcional não havia sido totalmente recuperada, três meses após a alta.
No Brasil, as políticas públicas de saúde precisam ser repensadas levando-se em conta as transições demográfica e epidemiológica. Doravante, no planejamento e na programação em saúde, deve-se começar a tratar as pessoas maiores de 60 anos como um grupo populacional especial, a exemplo do que tem sido feito na atenção básica às crianças e mulheres. O sistema deve-se reestruturar, visando à promoção da saúde, prevenção de doenças, diagnóstico e tratamento precoce das enfermidades crônicas e das incapacidades associadas, no adulto em geral como no idoso em particular. A preparação de recursos humanos, a adoção de protocolos de conduta, ações intersetoriais e até revisão de plantas arquitetônicas dos serviços de saúde podem contribuir para a abordagem adequada e enfrentamento efetivo dessa nova realidade demográfica e epidemiológica. Também o combate a fatores de risco, como o tabagismo, o sedentarismo e a obesidade, deve ser encarado como um conjunto de estratégias importantes, a serem adotadas em idades precoces, como forma de prevenção dos futuros “Gigantes da Geriatria”.
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Endereço para correspondência:
Universidade Estadual de Londrina,
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