SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.18 número2Monitoramento da doença renal crônica terminal pelo subsistema de Autorização de Procedimentos de Alta Complexidade - Apac - Brasil, 2000 a 2006Setor privado de saúde e a vigilância da síndrome febril exantemática: uma experiência municipal índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

  • Não possue artigos citadosCitado por SciELO

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.18 n.2 Brasília jun. 2009

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742009000200004 

ARTIGO ORIGINAL

 

Desempenho de Municípios paraibanos segundo avaliação de características da organização da atenção básica – 2005*

 

Performance based on the evaluation of primary health care organizational aspects of Municipalities in the State of Paraíba, Brazil, 2005

 

 

Cláudia Luciana de Sousa Mascena Veras; Rodrigo Pinheiro de Toledo Vianna

Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa-PB, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A estratégia Saúde da Família tem-se configurado como a principal forma de organização da atenção básica no Estado da Paraíba, Brasil, onde a maioria dos Municípios – 87% – possui menos de 20 mil habitantes e, portanto, desenvolve, em sua maior parte, ações básicas de saúde. Este estudo avaliativo, do tipo normativo de corte transversal, analisou as características da organização da atenção básica de 15 Municípios do Estado no ano de 2005. A análise considerou o desempenho desses Municípios segundo os critérios adotados com base nas seguintes sub-dimensões da organização da atenção básica: métodos e instrumentos de gestão; mecanismos de controle e avaliação da atenção básica; qualificação de pessoal; e fortalecimento do controle social no Município. A partir dos critérios utilizados, os Municípios foram classificados em situação 'Satisfatória', 'Intermediária' ou 'Insatisfatória'. Apenas dois entre os Municípios estudados obtiveram desempenho considerado satisfatório.

Palavras-chave: atenção básica; avaliação; saúde da família.


SUMMARY

The Family Health Strategy has become the main type of organization of the primary health care services, as well as the best approach to strength local health systems in the State of Paraíba (Brazil), where the majority of its municipalities – 87% – has less than 20 thousand inhabitants, and therefore undertake mainly basic health actions. This is a descriptive, cross-sectional evaluation study, aiming to analyze the characteristics of primary health care organization in 15 municipalities in the State of Paraíba in 2005. The study evaluated the performance of these Municipalities according to the criteria used. The analysis considered the following sub-dimensions of primary health care organization: management methods and instruments; control and evaluation of primary health care mechanisms; personnel qualification; and strengthening of social control at the local level. Based on the criteria used for characterizing primary health care organization, municipalities were classified under the following categories: 'Satisfactory', 'Intermediate' or 'Unsatisfactory'. Only two out of the 15 municipalities had a satisfactory performance.

Key words: primary health care; evaluation; family health.


 

 

Introdução

Anteriormente à criação do Sistema Único de Saúde (SUS), particularmente antes da implementação da Norma Operacional Básica do SUS (NOB-SUS 1993), não era possível declarar que os Municípios brasileiros contassem com "sistemas municipais" de saúde, considerando-se que inexistia capacidade de gestão dos serviços prestadores de saúde. A NOB-SUS 1993 estabeleceu critérios de repasse de recursos por produção de serviços, o que privilegiou os Municípios com melhor infra-estrutura e maiores possibilidades para gerir os recursos federais.

A NOB-SUS 1996,1 por sua vez, definiu critérios populacionais para a transferência de recursos de acordo com as responsabilidades dos Municípios.2 A implementação da NOB-SUS 1996 teve como objetivo prover as instruções para a implementação do SUS, operacionalizando as Leis Orgânicas mediante a realização de convênios entre a União, Estados e Municípios. A definição dos critérios para transferência dos recursos aos Estados e Municípios baseou-se na série histórica da produção de serviços.3

Diferentes estratégias de descentralização foram implantadas ao longo de vários anos. A principal delas pode ser considerada a implantação do Programa Saúde da Família (PSF) em 1994.

Atualmente identificada como a principal estratégia de reorganização das ações da atenção básica à saúde, a Saúde da Família (SF) tem sua atuação encarregada a uma equipe multiprofissional composta, minimamente, por um médico, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e um grupo de agentes comunitários de saúde (ACS), cuja prática de trabalho pauta-se nos princípios e nas diretrizes do SUS. A equipe de SF estabelece um vínculo entre os serviços de saúde e a população baseado na co-responsabilização das ações de promoção e recuperação da saúde e prevenção de doenças.1

No Estado da Paraíba, as primeiras cinco equipes do então chamado Programa Saúde da Família (PSF) foram implantadas em 1994, no Município de Campina Grande-PB. Posteriormente, outros Municípios implantaram novas equipes, fazendo com que esse número fosse ampliado para 73 em 1999. A partir de então, a expansão ocorreu em um ritmo mais intenso, chegando a 348 equipes no segundo semestre do ano 2000. De acordo com o Sistema de Informações Ambulatoriais do Sistema Único de Saúde (SIA/SUS), até novembro de 2005, na Paraíba, atuavam 1.134 equipes de Saúde da Família, distribuídas entre os 223 Municípios do Estado, o que representa uma cobertura populacional de 79,6%.4 O PSF, desde seu início, configurou-se como a principal forma de organização da atenção básica nos Municípios paraibanos.5,6

As estratégias e os critérios adotados para a implantação da Saúde da Família na Paraíba podem ser resumidos em ações que se caracterizaram, primordialmente, por um período de divulgação e sensibilização dos gestores municipais de saúde, pela intensificação da assessoria da Secretaria de Saúde do Estado aos Municípios e pelo estabelecimento de parcerias entre as diferentes instâncias do SUS e as instituições formadoras, iniciadas em 1998.7 Em dezembro de 1999, 100% dos Municípios do Estado estavam habilitados em uma das formas de gestão estabelecidas pela NOB-SUS 1996, 218 Municípios estavam habilitados na Gestão Plena da Atenção Básica e apenas cinco na Gestão Plena de Sistema. A habilitação dos Municípios constituiu-se em uma etapa fundamental no processo de descentralização das ações de saúde, favorecida pelo aumento do aporte dos recursos federais repassados aos Municípios e pela configuração da responsabilidade do Estado para com as ações de maior complexidade da assistência.6

Supõe-se que esse processo ocorreu de forma distinta, entre os diversos Municípios do Estado; porém, são escassos os estudos nessa área e acerca da forma de utilização dos instrumentos de gestão – entre eles, a avaliação – que permitam a definição de medidas de intervenção. É necessário aprofundar a análise sobre as formas de organização da atenção, especialmente da atenção básica, uma vez que a maior parte dos Municípios do Estado – 87% – possui menos de 20 mil habitantes e, portanto, desenvolve, primordialmente, ações básicas de saúde.

É importante conhecer os principais aspectos relacionados à organização da atenção, de maneira a identificar limites e potencialidades na perspectiva da transformação das práticas sanitárias capaz de promover a efetivação de um sistema de saúde equânime, universal e de qualidade, com repercussão na melhoria das condições de saúde da população. O presente estudo tem como objetivo central avaliar as características da organização da atenção básica de alguns Municípios paraibanos, classificando-os segundo o desempenho da organização da gestão.

 

Metodologia

Foi realizado um estudo avaliativo, do tipo normativo de corte transversal, da organização da atenção básica em 15 Municípios do Estado da Paraíba, no ano de 2005, envolvendo quatro aspectos da dimensão da organização da gestão da atenção básica: métodos instrumentos de gestão; mecanismos de controle avaliação da atenção básica; qualificação de pessoal; e fortalecimento do controle social. Analisou-se desempenho dos Municípios segundo suas responsabilidades definidas pela NOB-SUS 19961 e sistematizadas no Manual de Organização da Atenção Básica,8 a partir de roteiro elaborado pelos autores deste estudo.

As informações foram obtidas mediante entrevistas semi-estruturadas realizadas com os secretários de saúde, à exceção de um Município, onde a entrevista foi feita com o assessor do secretário. Todas as respostas foram registradas em um gravador digital.

Para métodos e instrumentos de gestão, foi verificado o processo de territorialização, a existência de Plano Municipal de Saúde, de Relatório de Gestão e dos instrumentos de referência e contra-referência. Quanto aos mecanismos de controle e avaliação da atenção básica, foram observadas a existência de normas e rotinas de controle e avaliação da atenção básica e a utilização de indicadores de avaliação e seus respectivos mecanismos de análise. Em relação à qualificação de pessoal, verificou-se o desenvolvimento de um plano-projeto para capacitação dos profissionais da atenção básica. Em relação ao fortalecimento do controle social no Município, foi considerada a forma de participação do Conselho Municipal de Saúde (CMS) no processo de planejamento, desenvolvimento e avaliação das ações e serviços de saúde.

O questionário utilizado foi pré-testado em dois Municípios externos ao universo da pesquisa, previamente identificados por apresentarem níveis de organização da atenção básica reconhecidamente diferentes. Os resultados, discutidos pelos pesquisadores e gestores locais, mostraram concordância com a classificação dos Municípios, validando o instrumento de pesquisa.

Todas as entrevistas gravadas foram transcritas; e a resposta obtida para cada critério, classificada como 'Satisfatória', 'Intermediária' ou 'Insatisfatória', de acordo a aproximação ou não do relato do entrevistado com as responsabilidades do Município definidas pela NOB-SUS 1996.1 Tal espectro recebeu a pontuação de 4, 2 e 0, respectivamente, para 'Satisfatória', 'Intermediária' e 'Insatisfatória'. Cada Município recebeu uma pontuação resultante da soma dos nove critérios. A amplitude dos escores possíveis (0-36) foi dividida em tercis, estabelecendo-se a seguinte classificação: 'Satisfatório', para os Municípios que pontuaram entre 25 e 36; 'Intermediário', para aqueles com pontuação entre 13 e 24; e 'Insatisfatório', para os Municípios com pontuação entre 0 e 12.

Considerações éticas

O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba – UFPB –, em sua 53a Reunião Ordinária, de 17 de novembro de 2004. Todos os participantes assinaram o 'Termo de Consentimento Livre e Esclarecido', de acordo com a Resolução no 196/96 do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde, que regulamenta a pesquisa envolvendo seres humanos no país, comprovando a anuência de sua participação no estudo. Os Municípios selecionados foram indicados pelas siglas PB01, PB02, sucessivamente, até PB15, para garantir o anonimato dos entrevistados.

 

Resultados

Métodos e instrumentos de gestão

No que se refere ao Processo de Territorialização, observou-se que, dos 15 Municípios estudados, oito não possuíam mapas das áreas de abrangência das unidades de Saúde da Família ou os gestores desconheciam a experiência da territorialização das áreas da SF (PB02, PB04, PB06, PB09, PB12, PB13, PB14 e PB15: pontuação zero). Em outros cinco Municípios, a experiência com a territorialização envolvia somente a elaboração do mapeamento das áreas das equipes de Saúde da Família e das microáreas dos ACS (PB05, PB08, PB07, PB10 e PB11: dois pontos). Somente em dois Municípios, o processo envolvia, além da elaboração do mapeamento das áreas e microáreas, a caracterização do território e o cadastramento familiar (PB01 e PB03: quatro pontos).

Oito secretários municipais de saúde informaram que seus 'Municípios' não contavam com Plano Municipal de Saúde (PB03, PB04, PB06, PB05, PB08, PB13, PB14 e PB15: pontuação zero), três referiram trabalhar com Plano elaborado pelo gestor em conjunto com profissionais de saúde (PB01, PB07 e PB10: dois pontos) e quatro, que em seu Município o Plano foi elaborado pela equipe da Secretaria Municipal de Saúde, juntamente com a população (PB02, PB09, PB11 e PB12: quatro pontos).

Sobre o Relatório de Gestão, seis dos Municípios estudados não o possuíam ou não foram citadas as fontes de informação para sua elaboração pelos gestores (PB02, PB04, PB08, PB10, PB14 e PB15: pontuação zero). Em dois Municípios, o Relatório de Gestão se baseava nas informações sobre a execução financeira das ações de saúde (PB03 e PB13: dois pontos), e em sete, o Relatório continha apenas informações dos sistemas de informações em saúde e das ações desenvolvidas (PB01, PB05, PB06, PB07, PB09, PB11 e PB12: quatro pontos).

No que se refere aos Instrumentos de referência e contra-referência, dois Municípios não o possuíam (PB02 e PB12: pontuação zero) e para 12 (a maioria), a definição dos serviços de referência estava baseada na Programação Pactuada e Integrada (PPI) e os encaminhamentos eram realizados – para outro Município – mediante instrumento previamente definido (PB01, PB03, PB04, PB05, PB06, PB07, PB08, PB09, PB10, PB13, PB14 e PB015: dois pontos). Somente em um Município, os serviços de referência estavam definidos e havia instrumentos para referência e contra-referência (PB11: quatro pontos).

Mecanismos de controle e avaliação da atenção básica

Pela classificação dos Municípios segundo o critério de Rotinas e normas de controle e avaliação da atenção básica, observou-se que em cinco deles, não havia qualquer norma ou rotina de controle e avaliação (PB04, PB05, PB06, PB07 e PB08: pontuação zero), em oito, havia apenas rotinas em relação à avaliação da atenção básica (PB02, PB03, PB09, PB10, PB11, PB12, PB13 e PB15: dois pontos) e para apenas dois, esse critério era realizado na ação prática (PB01 e PB14: quatro pontos).

Em quatro Municípios, não foram descritos os Indicadores de avaliação da atenção básica (PB05, PB06, PB09 e PB14, pontuação zero), e em sete, existem indicadores ou grupo de indicadores definidos pelo próprio Município (PB03, PB04, PB07, PB08, PB12, PB13 e PB15: dois pontos). Em outros quatro Municípios, são utilizados para avaliação os indicadores do Pacto da Atenção Básica, além de outros, definidos pela equipe da Secretaria Municipal de Saúde (PB001, PB002, PB010 e PB011: quatro pontos).

Sobre a Análise dos indicadores de saúde, cinco gestores não identificaram qualquer ação (PB04, PB05, PB08, PB13 e PB14: pontuação zero), oito mencionaram a existência da análise, identificando o responsável (PB01, PB02, PB03, PB06, PB07, PB09, PB11 e PB12: dois pontos), e em dois Municípios, os gestores identificaram não apenas o responsável pela análise como também citaram a forma como ela é realizada (PB10 e PB15: quatro pontos).

Qualificação de pessoal

Quatro dos Municípios não possuem Plano ou projeto para qualificação de pessoal (PB04, PB13, PB14 e PB15: pontuação zero) e sete referiram algum tipo de atividade dessa natureza, embora não promovida pela Secretaria Municipal de Saúde (PB01, PB03, PB06, PB07, PB08, PB10 e PB12: dois pontos). Quatro Municípios desenvolvem, por iniciativa própria, planos ou projetos para qualificação de pessoal da atenção básica (PB02, PB05, PB09 e PB11: quatro pontos).

Fortalecimento do controle social

Dez dos 15 Municípios referiram Participação do Conselho Municipal de Saúde – CMS – na Gestão, propriamente nas atividades de planejamento, acompanhamento e avaliação das ações de saúde e da gestão financeira (PB02, PB04, PB06, PB08, PB10, PB11, PB12, PB13, PB14 e PB15: pontuação zero). Cinco secretários municipais afirmaram realizar reuniões do CMS para homologação dos projetos ou avaliação das ações (PB01, PB03, PB05, PB07 e PB09: dois pontos), embora nenhum tenha mencionado a participação dos conselheiros na formulação de projetos e avaliação de ações.

Classificação dos Municípios a partir da avaliação da organização da atenção básica

A pontuação mínima obtida foi de quatro pontos e máxima de 26. Cinco Municípios receberam pontuação entre zero e 12, correspondente a desempenho 'Insatisfatório' (PB04, PB06, PB08, PB13 e PB14), e oito obtiveram pontuação entre 13 e 24, ou seja, desempenho 'Intermediário' (PB02, PB03, PB05, PB07, PB09, PB10, PB12 e PB15). Dois Municípios apresentaram maior pontuação e seu desempenho foi classificado como 'Satisfatório' (PB01 e PB11) (Tabela 1).

 

 

Discussão

O presente estudo propôs-se a avaliar as características da organização da atenção básica em 15 Municípios do Estado da Paraíba, no ano de 2005. Analisou-se o desempenho desses Municípios em relação a quatro aspectos da dimensão da organização da gestão da atenção básica.

Em todos os Municípios estudados, as ações da atenção básica são desenvolvidas nas unidades de Saúde da Família.

A metodologia utilizada apresenta limitações que podem introduzir algum viés na classificação dos Municípios. Todas as respostas foram referidas pelos gestores, sem que fosse realizada a confirmação das afirmativas nos Municípios. Alguns secretários de saúde haviam assumido o cargo há menos de seis meses e é possível que desconhecessem, por ocasião da entrevista, algumas informações sobre a organização da gestão. Isso, a despeito de terem sido adotados conceitos e instrumentos de gestão definidos por normas operacionais ou técnicas, bastante conhecidos e claramente definidos, como processo de territorialização, existência de Plano Municipal de Saúde, Relatório de Gestão, instrumentos de referência e contra referência, mecanismos de avaliação da atenção básica, qualificação de pessoal e controle social.

Outrossim, as faixas adotadas para a classificação final eram de grande amplitude: cada tercil correspondeu a 12 pontos, o que minimizou a possibilidade de classificação indevida dos Municípios.

A concepção de território-processo utilizada por Mendes e colaboradores9 transcende a idéia de um território-solo, naturalizado como um espaço físico acabado, definido apenas por critérios geopolíticos. Ela abrange, também, os aspectos econômicos, políticos, culturais e epidemiológicos da caracterização desse espaço. O esquadrinhamento do território deve revelar a distribuição dos problemas de saúde de acordo com as condições de vida dos diferentes grupos populacionais.

Estes autores discutem, outrossim, sobre as duas formas de uma importante concepção de território relacionada à operacionalização da estratégia Saúde da Família: (i) o território-área, que delimita a área de responsabilidade de uma equipe; e (ii) o território micro-área, espaço que permite a identificação das condições de vida e das diferentes necessidades dos grupos populacionais nele encontrados. A vinculação das equipes de Saúde da Família à população de sua área de responsabilidade dar-se-á pela adscrição da clientela.

A definição da área de abrangência e o cadastramento das famílias que residem nessa área são procedimentos essenciais para que se efetive a adscrição da clientela. O processo de territorialização da área de abrangência de uma unidade básica de saúde envolve as seguintes etapas: (i) análise das condições de vida e de saúde da população sob sua responsabilidade; (ii) mapeamento da área e das micro-áreas; e (iii) planejamento local das atividades.9,10

A análise do processo de territorialização dos Municípios estudados evidenciou deficiência em relação a essa etapa, considerada fundamental para a implantação das equipes de Saúde da Família. Em mais da metade (53,4%) dos Municípios estudados, os gestores desconhecem como ocorreu esse processo, não obstante 12 dos 15 gestores entrevistados terem comentado a existência dos mapas de divisão das áreas e micro-áreas. Em dois Municípios, a experiência relatada envolveu o mapeamento da área e das microáreas, a caracterização do território e o cadastramento das famílias. Em nenhuma das experiências relatadas, todavia, foi possível identificar aspectos relativos à análise da situação de saúde ou ao planejamento local das atividades. Essas faltas podem comprometer a própria organização do trabalho das equipes, uma vez que o conhecimento pela equipe da área de abrangência e a existência de mapas são fundamentais para a mudança das práticas sanitárias.

Outro aspecto relevante para a organização da gestão do sistema dos serviços de saúde diz respeito às decisões do gestor sobre as ações de saúde a serem desenvolvidas, levando-se em consideração as percepções da gestão e as necessidades da sociedade. Tais ações devem-se incorporar ao Plano Municipal de Saúde, para logo serem aprovadas pelo Conselho Municipal de Saúde. Este critério permitiu observar que, na maior parte dos Municípios estudados – 11 de 15 –, inexiste Plano Municipal de Saúde; ou que ele foi elaborado apenas pela equipe da gestão municipal de saúde, sem a participação da sociedade. É possível considerar que os Municípios estudados não possuem uma definição das diretrizes e metas pretendidas para as ações de saúde a serem desenvolvidas em um período pré-determinado, e que não há evidência da participação efetiva da sociedade na definição dessas ações.11

O Relatório de Gestão, por sua vez, deve apresentar as ações realizadas e os resultados ou metas alcançados em função do programado, o grau de eficiência, eficácia e efetividade dos serviços prestados em função dos recursos aplicados, ademais de possibilitar a tomada de decisões no trabalho em desenvolvimento. O Relatório de Gestão deve conter, em termos gerais, a programação física e financeira do orçamento, a comprovação dos resultados alcançados, a demonstração do quantitativo de recursos financeiros próprios aplicados no setor Saúde, as transferências recebidas de outras instâncias do SUS, além de outros documentos adicionais.11 Em nenhum dos Municípios estudados foi possível identificar, pela informação dos gestores acerca das fontes de informação utilizadas para a elaboração do referido relatório, a existência dos conteúdos esperados. Em 40% dos Municípios, não há qualquer relatório ou o gestor desconhece as informações que possam vir a estar contidas nele. Nos demais Municípios, os relatórios contêm apenas parte das informações, como indicadores de saúde e ações desenvolvidas.

Em vários dos instrumentos de legislação e normatização do SUS, o Plano Municipal de Saúde e o Relatório de Gestão são considerados responsabilidades mínimas para todos os níveis de gestão. Em determinadas situações, são fatores condicionantes para a liberação da transferência de recursos financeiros. Sete gestores afirmaram a existência do Plano Municipal de Saúde e nove do Relatório de Gestão, de modo que a investigação sobre esses aspectos evidenciou que a maior parte dos Municípios cumpre essas ações apenas como uma exigência formal.

Quanto aos aspectos relacionados à regulação do acesso à assistência especializada, foi investigada a existência de um instrumento padronizado que permitisse a organização do fluxo para outros níveis da atenção, possibilitando, também, a comunicação entre profissionais de diferentes serviços. A análise desse critério mostrou a utilização de apenas um instrumento de referência intermunicipal, a 'Guia de Encaminhamento de Referência Ambulatorial' (GERA), uma vez que os principais serviços especializados se encontram na capital do Estado, João Pessoa-PB. Cabe ressaltar que esse instrumento foi adotado pela Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa-PB com a finalidade de controlar a origem dos usuários de outros Municípios a serem atendidos em cirurgias eletivas e os exames de média e alta complexidade, não sendo, portanto, uma ação da gestão dos Municípios estudados. A inexistência de tal mecanismo compromete o princípio da integralidade da atenção.

Quanto às ações relacionadas ao campo da avaliação, foram analisados aspectos referentes às normas e rotinas de avaliação da atenção básica, indicadores utilizados e seu método de análise. Aqui, as principais deficiências estão relacionadas à inexistência de rotinas de avaliação e à utilização dos indicadores para a tomada de decisão. O Pacto dos Indicadores da Atenção Básica foi considerado pelos gestores como o principal instrumento de avaliação.

É importante ressaltar que, embora a maior parte dos gestores tenha identificado a existência de indicadores de avaliação, eles desconhecem como são feitas as análises desses indicadores, cuja responsabilidade é atribuída aos coordenadores da atenção básica e aos profissionais de saúde. Pode-se concluir que, nos Municípios estudados, a avaliação das ações de saúde é bastante incipiente, restrita à mensuração de indicadores de resultados, como o coeficiente de mortalidade infantil e a ocorrência de óbitos maternos. Em nenhuma das entrevistas, foram citadas outras dimensões da avaliação: de cobertura e acessibilidade dos serviços, de satisfação dos usuários ou do custo das ações, por exemplo. É clara a necessidade de se incorporar a avaliação à gestão do sistema de serviços de saúde, de maneira que ela seja utilizada no processo de tomada de decisão.

No que concerne à qualificação dos profissionais das equipes de saúde, a maioria dos Municípios estudados desenvolve ações de capacitação de pessoal, embora apenas quatro apresentem essas ações como fruto de iniciativa da própria gestão municipal. A maior parte dos gestores mencionou a qualificação dos agentes comunitários de saúde, realizada em parceria com o Ministério da Saúde e a Secretaria de Saúde do Estado da Paraíba, como o projeto de qualificação de pessoal da atenção básica. De modo geral, a qualificação das equipes é bastante incipiente, a despeito de sua importância ter sido reconhecida pelos gestores.

Finalmente, as práticas de fiscalização e de participação nos processos deliberativos relacionados à formulação das políticas de saúde e de gestão do SUS pressupõem a definição dos mecanismos legais para a efetiva participação e controle social, como as Conferências de Saúde e os Conselhos de Saúde, nos três níveis de governo. Os Conselhos de Saúde devem funcionar regularmente.11 Embora os Conselhos Municipais de Saúde das localidades estudadas já se encontrem implantados, funcionando regularmente, é possível perceber uma grande fragilidade no envolvimento da sociedade com a gestão da Saúde, como o cumprimento formal da criação do Conselho sem que se observasse – e garantisse – sua participação efetiva na condução das políticas de saúde. Os resultados da análise desse critério guardam semelhança com estudo realizado sobre a participação social em saúde em áreas rurais do Nordeste do Brasil, em que se destacou a baixa capacidade dos Conselhos na formulação das políticas de saúde e a necessidade de fortalecimento do controle social no conjunto do país.12

O caráter descritivo deste estudo revelou importantes aspectos relacionados à organização da atenção básica, a partir da análise das quatro dimensões da organização da gestão. Foi possível observar uma forte tendência dos gestores municipais de saúde utilizarem os instrumentos de gestão de forma burocrática, tão-somente para o cumprimento de algumas formalidades, sem a apreensão de seu real potencial de uso.

Os resultados deste estudo permitem a seus autores apresentar algumas sugestões, com o propósito de contribuir para o processo de organização da gestão da saúde. Entre elas, destaca-se a implementação do uso de instrumentos de gestão, mais além de seu cumprimento formal, como por exemplo, na definição de diretrizes e metas pretendidas para a gestão de saúde, formuladas com a participação de diferentes atores sociais, para atender as necessidades de saúde da população local.

As melhorias possíveis na organização da gestão da atenção básica mantêm estreita relação com a transformação na forma de utilização dos instrumentos de gestão, de burocrática para uma forma dinamizada. É nessa direção que devem se voltar os esforços a serem empreendidos pelos gestores de saúde.

Diante da escassez de estudos avaliativos sobre a organização da atenção básica na Paraíba, os resultados aqui apresentados poderão contribuir com novos conhecimentos para os gestores municipais de saúde, no processo de organização e melhoria da qualidade da atenção básica no Estado.

Agradecimentos

Os autores agradecem à Profa. Dra. Maria Guadalupe Medina, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia – UFBa –, pelas contribuições conceituais à classificação dos Municípios adotada neste trabalho.

 

Referências

1. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Para entender a gestão do SUS. Brasília: Conass; 2003.

2. Teixeira C, Paim J, Vilasbôas AL. SUS, modelos assistenciais e vigilância da saúde. In: Teixeira C, organizador. Promoção e vigilância da saúde. Salvador: ISC-CEPS; 2002. p. 23-57.

3. Mendes EV. A descentralização do sistema de serviços de saúde no Brasil: novos rumos e um outro olhar sobre o nível local. In: Mendes EV, organizador. A organização da saúde no nível local. São Paulo: Hucitec; 1998. Cap. 1, p. 17-55.

4. Ministério da Saúde. Informações de saúde [dados na Internet]. Brasília: MS [acessado durante o ano de 2006, para as informações de jan.-dez. 2005]. Disponível em: http://www.datasus.gov.br.

5. Secretaria de Saúde do Estado da Paraíba. Relatório de Gestão: 1996-1998. Relatório Técnico. João Pessoa: SES; 1999.

6. Secretaria de Saúde do Estado da Paraíba. Relatório de Gestão: 1999. Relatório Técnico. João Pessoa: SES; 2000.

7. Veras CLSM, Rodrigues RM, Carvalho ALB. O Saúde da Família na Paraíba: do processo de implantação aos resultados. Divulgação em Saúde para Debate 2000;20:26-34.

8. Ministério da Saúde. Manual para a organização da Atenção Básica. Brasília: MS; 1999.

9. Mendes EV, Teixeira CF, Araújo EC, Cardoso MRL. Distrito sanitário: conceitos-chave. In: Mendes EV, organizador. Distrito sanitário: o processo social de mudança das práticas sanitárias do Sistema Único de Saúde. 3a ed. São Paulo: Hucitec; 1995.

10. Aquino R. Conhecendo o território. In: Manual para treinamento introdutório das equipes de Saúde da Família. Salvador: Pólo de Capacitação, Formação e Educação Permanente de Pessoal para a Saúde da Família; 2001.

11. Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde. O SUS de A a Z: garantindo saúde nos municípios. Brasília: MS; 2006.

12. Bispo Júnior JP, Sampaio JJC. Participação social em saúde em áreas rurais do Nordeste do Brasil. Revista Panamericana de Salud Pública 2008;23(6):403-409.

 

 

Endereço para correspondência:
Av. Umbuzeiro, 547, Apto. 402,
Manaíra, João Pessoa-PB, Brasil.
CEP: 58038-180
E-mail:claudia.veras@gmail.com

Recebido em 24/09/2007
Aprovado em 11/09/2008

 

 

*Pesquisa financiada pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba – Projeto no 1-005/04, de acordo com o Edital 001/04 – Fapesq/MS/CNPq.