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Epidemiologia e Serviços de Saúde
versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde v.20 n.3 Brasília set. 2011
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742011000300009
ARTIGO ORIGINAL
Avaliação da cobertura vacinai contra hepatite B nos menores de 20 anos em municípios do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil
Assessment of hepatitis B vaccination coverage in the population younger than 20 years in municipalities of the State of Rio Grande do Sul, Brazil
Marcínia Moreno Bueno; Alicia Matijasevich
Programa de Pós-graduação em Epidemiologia, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas-RS, Brasil
RESUMO
OBJETIVO: avaliar a cobertura da vacina contra o vírus da hepatite B na população menor de vinte anos de idade nos 22 municípios da Terceira Coordenadoria Regional de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul, no ano de 2007.
METODOLOGIA: analisaram-se os dados do Sistema de Informação da Avaliação do Programa de Imunizações e considerou-se como cobertura o percentual da população que recebeu a terceira dose de vacina; o denominador utilizado para os menores de cinco anos de idade foi o número de nascidos vivos registrado no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos, e para a faixa etária entre cinco e 19 anos, as estimativas populacionais da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
RESULTADOS: os achados do estudo mostram altas coberturas nos menores de um ano e, na medida em que a idade aumenta, a cobertura vacinal diminui na maioria dos municípios, evidenciando a necessidade de avaliar as estratégias de vacinação utilizadas pelos serviços de saúde.
CONCLUSÃO: este estudo pode servir como norteador no planejamento de ações estratégicas de vacinação pela rede pública de saúde dos municípios, visando amplas coberturas vacinais e acompanhamento periódico de sua evolução.
Palavras-chave: cobertura vacinal; vacinação; hepatite B; adolescentes; crianças.
SUMMARY
OBJECTIVE: the study aims to evaluate the hepatitis B vaccination coverage among people younger than 20 years in 22 cities of the Third Regional Health Office, during 2007.
METHODOLOGY: data were obtained from the Information System for Evaluating the Immunization Program; hepatitis B vaccination coverage was defined as the percentage of the target-population that received the third dose of the vaccination scheme; the denominator employed for children younger than five years was the number of livebirths obtainedfrom the Live Birth Information System; for the remaining age groups, the authors used the population estimative of the Brazilian Institute of Geography and Statistics Foundation.
RESULTS: the results of the study show high vaccination coverage among children under one year of age; however, as age increases, the vaccination coverage shows a reduction in almost all municipalities, pointing out to a need for reevaluation of current strategies employed by health services.
CONCLUSION: this study may serve as a guide for the planning of strategic actions of vaccination in the public health services of the municipalities in order to achieve broad vaccination coverage and, periodically, monitor its development.
Key words: vaccination coverage; vaccination; hepatitis B; adolescents; children.
Introdução
As hepatites virais constituem um grave problema de Saúde Pública no mundo, com especial situação nos países em desenvolvimento.1,2 Conforme estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), hoje no mundo, há cerca de 350 milhões de portadores crônicos da hepatite B, aproximados dois bilhões de pessoas já tiveram contato com o vírus da hepatite B (VHB) e mais de 600.000 pessoas morrem, anualmente, por causa da doença hepática causada por esse vírus (cirrose hepática e carcinoma primário do fígado).3,4 A transmissão do VHB ocorre pelo contato com fluidos corporais e por transmissão vertical (mãe-filho).3
Nas últimas três décadas, houve muitos avanços em relação aos tratamentos e à prevenção da hepatite B. Uma das maiores conquistas científicas foi o desenvolvimento de vacinas para prevenir a infecção.3,5,6 A vacina contra hepatite B fornece proteção contra a infecção em mais de 90,0% das pessoas saudáveis. Em 1992, a OMS recomendou a imunização universal com vacina contra hepatite B, independentemente dos níveis de prevalência, incluindo-a no esquema de imunizações de rotina das crianças logo após o nascimento.7
No Brasil, o Ministério da Saúde estima que pelo menos 15,0% da população já entrou em contato com o VHB em algum momento da sua vida. Os casos crônicos de hepatite B afetam cerca de 1,0% da população brasileira, que em sua maioria desconhece seu estado de portador e constitui importante elo na cadeia de transmissão da doença.8 As macorregiões brasileiras apresentam níveis de endemicidade para o VHB bastante variados.9 Em áreas de baixa e média prevalência, como as Regiões Sul, Centro-oeste, Nordeste e Sudeste, a infecção pelo VHB ocorre basicamente entre adolescentes e adultos. Nas áreas de alta endemicidade, como a Amazônia Legal, o Estado do Espírito Santo e o oeste do Estado de Santa Catarina, a transmissão é predominantemente vertical, e horizontal entre as crianças e contatos domiciliares.10,11
A recomendação do Ministério da Saúde é de que todas as crianças iniciem a vacinação contra o VHB logo nas primeiras 12 horas de vida, completando o esquema vacinal até os seis meses. No caso de não vacinação no primeiro ano de vida, as recomendações são: vacinar de um a dez anos de idade na primeira oportunidade de uma visita ao serviço de saúde; adotar as medidas necessárias ao cumprimento do Calendário de Vacinação da Criança; e, caso tenha-se perdido essa oportunidade, vacinar dos 11 aos 19 anos conforme orientação do Calendário de Vacinação do Adolescente. Para as futuras mães que apresentarem sorologia negativa para o VHB e não tiverem sido vacinadas nas idades recomendadas, o Ministério da Saúde adota a estratégia de vacinação após o primeiro trimestre de gestação.12,13
O objetivo principal deste estudo consiste em avaliar a cobertura da vacina contra hepatite B na população menor de 20 anos de idade nos 22 municípios da Terceira Coordenadoria Regional de Saúde (3a CRS), no ano de 2007. O programa de imunizações somente prevê o cálculo da cobertura para menores de um ano e de um a 19 anos. A vacinação é a atividade mais efetiva na prevenção da transmissão do VHB, razão porque é de fundamental importância conhecer a cobertura vacinal por idade nesses municípios e definir futuras estratégias de ação. Como objetivo secundário, o estudo analisa a cobertura vacinal na presença da estratégia Saúde da Família nas unidades básicas de saúde (UBS) dos municípios estudados, para avaliar o efeito desse modelo de atenção à saúde na cobertura da vacina contra hepatite B.
Metodologia
A 3a CRS está composta por 22 municípios localizados no extremo sul do Rio Grande do Sul e sua sede encontra-se na cidade de Pelotas-RS. A população estimada pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para a região é de aproximados 900.000 habitantes, sendo a terceira mais populosa entre as 19 regiões sanitárias do Estado. O desenvolvimento da economia da região está baseado na agropecuária, na pesca e no turismo.
Cobertura vacinal foi definida como o percentual da população-alvo que recebeu o total de doses do esquema da vacina contra o VHB.14,15 O Programa Nacional de Imunização (PNI) considera que um individuo apresenta o esquema completo contra hepatite B quando recebeu as três doses da vacina.
A cobertura vacinai é calculada, tradicionalmente, pelo número de doses aplicadas dividido pela população-alvo. No caso dos imunobiológicos com múltiplas doses, como a vacina contra hepatite B, o cálculo é feito com o número de registros de terceiras doses aplicadas dividido pela população-alvo. O resultado desse cálculo é multiplicado por 100 para indicar o percentual da população vacinada.16
As informações das doses de vacinas contra hepatite B aplicadas, utilizadas para o cálculo do numerador, foram retiradas do Sistema de Informação do Programa de Imunização (SI-API). O denominador utilizado para a população menor de cinco anos corresponde ao número de nascidos vivos do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc).17 O denominador utilizado para as idades de cinco a 19 anos corresponde às estimativas da população residente no município, baseadas no censo do IBGE (2000) para o ano de 2007.18
O cálculo para determinar o número de doses aplicadas por idade foi realizado pelo software Microsoft Excel, a partir do somatório das terceiras doses de vacinas registradas entre os menores de um ano e até os 19 anos, no período compreendido entre 1999 e 2007. Esse somatório permitiu identificar o número total de terceiras doses aplicadas por idade até o ano de 2007, definindo o numerador para o cálculo de cobertura vacinal.
O numerador foi calculado atualizando-se o número de doses de vacinas aplicadas durante o período estudado para a idade dos indivíduos em 2007. Como no SI-API, as doses aplicadas de cinco a 19 anos estão registradas por grupos de idade (cinco a dez; 11 a 14; e 15 a 19 anos), para realizar esse cálculo, as doses aplicadas foram divididas na mesma proporção entre as idades que compõem cada grupo, em todos os anos estudados.
Após essa divisão, realizou-se o somatório das doses aplicadas por idade, identificando o número total de doses em cada idade no ano de 2007 e gerando-se os numeradores para o cálculo, a serem comparados com os denominadores populacionais de cada idade em 2007.
As coberturas da vacina contra hepatite B foram calculadas nas idades e grupos de idade definidos pelo Ministério de Saúde (menor de um ano; um ano; dois anos; três anos; quatro anos; cinco a dez anos; 11 a 14 anos e 15 a 19 anos.
Nos municípios que em 2007 tinham 100% de cobertura da Estratégia Saúde da Família (ESF) como modelo de Atenção Básica, foi realizado o cálculo utilizando-se o denominador do Sistema de Informação da Atenção Básica (Siab) para os menores de um ano. O Siab informa o número de crianças que efetivamente moram no município, independentemente do local do nascimento. Comparam-se, então, as coberturas vacinais calculadas com o denominador do Sinasc em relação ao proveniente do Siab.
Os mapas com as coberturas vacinais foram elaborados pelo programa TAB para Windows (TabWin), desenvolvido pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), utilizando-se como base os mapas digitais do IBGE.
Realizou-se uma análise ecológica nos 22 municípios da 3a CRS, em que se estudou a associação entre a cobertura vacinal e a cobertura da Estratégia Saúde da Família. Essa associação foi avaliada pelo teste de correlação de Pearson. A análise foi realizada para todos os municípios, inclusive para aqueles com até dez mil habitantes, com o objetivo de avaliar se o comportamento nos municípios pequenos é o mesmo que se observa nos municípios maiores. Adotou-se o programa estatístico Stata® versão 10.0 para essa análise.
Considerações éticas
O estudo foi aprovado e autorizado pelo Comitê de Ética da Área da Saúde da Universidade Federal de Pelotas, mediante o parecer no 082/09.
Resultados
Conforme demonstrado na Tabela 1, 17 dos 22 municípios apresentaram coberturas vacinais para os menores de um ano iguais ou superiores a 95,0%, três apresentaram coberturas entre 90,0 e 94,0% e dois municípios tiveram coberturas vacinais que não chegaram a 80,0%. A maioria dos municípios de pequeno porte - até 20 mil habitantes - apresentaram coberturas vacinais superiores a 100,0%; desses, dois municípios mostraram coberturas acima de 130,0%.
Nas coberturas vacinais das crianças com idades de um a quatro anos, observou-se marcada heterogeneidade, variando entre 70,0 e mais de 100,0% no mesmo município. Quando o cálculo foi realizado para a população menor de cinco anos, percebeu-se maior homogeneidade nas coberturas: apenas dois municípios (Pelotas e Piratini) apresentaram coberturas menores de 95,0% (Figura 1).
O grupo de idade de cinco a dez anos apresentou coberturas vacinais muito heterogêneas entre os municípios: nove (41,0%) tiveram coberturas maiores ou iguais a 95,0%; quatro (18,0%) apresentaram coberturas entre 90,0 e 94,0%; três (14,0%), entre 80,0 e 89,0%; e seis municípios (27,0%) apresentaram coberturas vacinais abaixo de 80,0%.
No grupo de 11 a 14 anos de idade, apenas um município (Arroio do Padre) apresentou coberturas vacinais superiores a 95,0%, nove (41,0%) tiveram coberturas entre 50,0 e 85,0% e os demais (50,0%) apresentaram coberturas vacinais menores que 50,0%.
No grupo de 15 a 19 anos, nenhum dos municípios atingiu o percentual de cobertura de 95,0%. Observou-se, também, marcante heterogeneidade das coberturas vacinais entre os municípios, entre o limite superior de 90,0% e o limite inferior de 14,0%.
As coberturas vacinais nas idades de 11 a 19 anos se encontraram abaixo de 95,0% em todos os municípios, inclusive naqueles que apresentaram coberturas adequadas na população menor de dez anos. Chama a atenção o Município de Pelotas, que não atingiu 95,0% de cobertura vacinal em qualquer das idades analisadas.
Quanto à população menor de 20 anos, em todos os municípios da 3a CRS, apenas dois apresentaram coberturas vacinais acima de 95,0% (Herval e Santana da Boa Vista), um município (Turuçu) obteve cobertura de 93,0%, três (Amaral Ferrador, Arroio do Padre e Morro Redondo) apresentaram cobertura igual ou próxima a 90,0% e os restantes, coberturas abaixo de 80,0% (Figura 1).
Alguns municípios, a exemplo de Herval e Morro Redondo, apresentaram coberturas vacinais superiores a 100,0% na população menor de cinco anos. Os relatórios do SIAPI permitem constatar que vários municípios contam com coberturas vacinais acima de 100,0% na população menor de um ano, não somente para a vacina contra o VHB, como também para outras vacinas do calendário básico (Sabin e Tetravalente), elevando a cobertura vacinal quando analisada para a população menor de 20 anos. Isso se explica: como houve excesso de vacinados nos menores de dez anos, há uma compensação entre os numeradores das idades observadas na analise da cobertura dos menores de 20 anos. Daí a importância de se fazer essa análise e identificar as falhas de cobertura por idade e grupos de idade. Algumas hipóteses podem justificar esses achados: nos municípios de pequeno porte sem maternidade, crianças recém-nascidas são registradas em outras localidades, interferindo nas estatísticas dos denominadores de nascidos vivos; facilidade de acesso à sala de vacinação, por usuários de municípios vizinhos; e municípios com modelo de Atenção Básica implantado pelas equipes da ESF. Para comprovar essas hipóteses, sugere-se a realização de outros estudos.
Entre os 22 municípios analisados, cinco são de pequeno porte populacional, com cobertura da ESF de 100,0% de sua população no ano de 2007 (Amaral Ferrador, Arroio do Padre, Herval, Morro Redondo e Turuçu). Nestes municípios, foram comparados os cálculos de cobertura vacinal para menores de um ano usando-se duas fontes de informação para o denominador: o Sinasc (nascidos vivos) e o Siab (informação coletada mensalmente pelo agente comunitário de saúde, durante a visita domiciliar).19 Quatro municípios (Amaral Ferrador, Arroio do Padre, Herval e Turuçu) continuaram mantendo coberturas vacinais acima de 100,0% quando os denominadores basearam-se na informação proveniente do Siab (crianças que efetivamente moram no município independentemente do local do nascimento) (Figura 2).
Na Figura 3A, observa-se a relação entre cobertura vacinal para hepatite B e cobertura da Estratégia Saúde da Família nos municípios com até dez mil habitantes: à medida que aumenta, de forma significativa, a cobertura da Saúde da Família, aumentam os percentuais de cobertura vacinal (r=0.71; p=0.01). Comportamento semelhante verifica-se quando analisados todos os municípios da 3a CRS (Figura 3B).
Discussão
As coberturas da vacina contra hepatite B foram desiguais entre as idades e grupos de idade e heterogêneas entre os municípios da 3a CRS. No ano de 2007, apenas dois dos 22 municípios analisados atingiram 95,0% de cobertura vacinal na população menor de 20 anos - meta proposta pelo Ministério da Saúde. A vacinação na população menor de um ano apresentou índices de cobertura de 95,0% ou mais na maioria dos municípios, chamando atenção a cobertura nos municípios de pequeno porte, com coberturas vacinais acima de 100,0%.
A vacinação constitui uma das intervenções de Saúde Pública mais relevantes, dado seu caráter coletivo. Esta estratégia tem sido muito importante na redução da morbidade e da mortalidade por doenças preveníveis por imunização, mas é fundamental que as coberturas sejam altas e homogêneas para quebrar a cadeia de transmissão.16 Sistemas de saúde organizados conseguem produzir melhores indicadores de coberturas vacinais, como ocorre na Inglaterra, na Itália e no Brasil. Aqui, a vacinação está inserida no sistema de saúde como uma atividade da Atenção Básica e orienta-se pelos princípios da universalidade e equidade do Sistema Único de Saúde, o SUS.20
Na década de 1990, muitos países industrializados e alguns em desenvolvimento implementaram a vacinação universal contra o VHB, observando-se, posteriormente, redução significativa na prevalência de transmissão em crianças e redução da frequência de hepatite fulminante e crônica. A eficácia da vacina contra o VHB tem sido comprovada em vários países, a exemplo de Taiwan, onde a taxa de prevalência da infecção crônica em crianças reduziu-se em mais de 90,0%. Logo, outros países também adotaram a vacinação universal, como Israel, Malásia, Gâmbia, Itália, Espanha e Estados Unidos da América, onde, passados poucos anos de implantação, as coberturas vacinais chegaram a mais de 80,0%. A OMS estimou, em 2004, que a cobertura vacinal contra o VHB nas crianças menores de um ano era de 48,0% em todo o mundo.2,21
No Brasil, as primeiras doses da vacina foram aplicadas em 1989, em crianças com até dez anos e profissionais de saúde do município de Lábrea, Região Amazônica. Essa medida, inicialmente tomada em âmbito local devido à alta endemicidade da hepatite B na região, logo estendeu-se para outros municípios, passando a fazer parte do calendário de vacinação do Estado do Amazonas em 1992.22 A vacinação contra VHB é, comprovadamente, a forma mais eficaz de prevenção dessa doença em 99,0% dos recém-nascidos e em 95,0% ou mais dos adolescentes. A OMS recomenda que em populações com endemicidade média, seja adotada a vacinação precoce infantil: a criança recebe a primeira dose de vacina logo após o nascimento.23 A vacinação infantil contra o VHB foi implantada nos Estados do Brasil, gradativamente. No Rio Grande do Sul, iniciou-se timidamente, no ano de 1998. Os municípios da 3a CRS iniciaram efetivamente a vacinação na população menor de um ano em 1999, e na população de cinco a 19 anos, em 2002. A vacinação contra VHB foi instituída por Portaria ministerial e incluída no Calendário de Vacinação da Criança e do Adolescente no ano de 2004.
A análise da cobertura para o menor de um ano mostrou que a maioria dos municípios da 3a CRS do Estado apresentou altas coberturas vacinais: chamam a atenção os municípios de pequeno porte populacional, com valores acima de 100,0%. Uma das hipóteses de cobertura vacinal acima de 100,0% para esses municípios é o cálculo inexato da população de nascidos vivos: pode acontecer que as gestantes tenham seus partos em municípios maiores e registrem um endereço de residência diferente do habitual, diminuindo o denominador da cobertura vacinal nos municípios menores e fazendo com que a cobertura vacinal seja maior. Quando os cálculos de cobertura vacinal são realizados com o denominador procedente dos registros do Siab, também pode haver problemas, já que, para que as informações do Siab estejam corretas, é necessário que as visitas domiciliares dos agentes comunitários de saúde sejam realizadas mensalmente, os dados informados regularmente e ingressados no sistema. Qualquer descumprimento das informações mensais pode gerar denominadores que não reflitam o real número de crianças na população. Também pode ocorrer que nas UBS localizadas em zonas limítrofes, o número de vacinados de um município aumente se crianças residentes em outros municípios receberem a vacinação nele, pela facilidade de acesso como município vizinho, aumentando, dessa forma, o numerador da cobertura vacinal deste município.
O problema dos denominadores não é exclusivo dos municípios de pequeno porte. No Rio Grande do Sul, a taxa de fecundidade, uma das menores do Brasil, cai progressivamente. O Sinasc do Rio Grande do Sul tem excelente cobertura, muito próxima a 100,0%. Quando se coloca no denominador da cobertura vacinal uma informação procedente de estimativas populacionais, ao invés do que acontece quando a informação procede do Sinasc, o valor da cobertura vacinal diminui. O problema com os denominadores tem sido muito discutido nos fóruns de gestores e técnicos na área de imunizações, dada sua influência sobre as coberturas vacinais.24
Quando a análise é realizada com o denominador da população menor de cinco anos, pode-se perceber recuperação de cobertura entre as idades. A grande maioria dos municípios apresenta coberturas vacinais adequadas, ainda que o esquema vacinal tenha sido completado após o primeiro ano de vida. Possivelmente, isso se deve ao fato de que até os cinco anos, as crianças podem receber várias oportunidades de vacinação: visitas à UBS mais frequentes, campanhas de vacinação contra a poliomielite - quando também se realiza a multivacinação -, e estratégias de busca de faltosos à vacinação, entre outras razões.
A partir dos cinco anos e à medida que a idade aumenta, a cobertura vacinal diminui em grande parte dos municípios. Boa parte deles (55,0%), entretanto, consegue coberturas acima de 90,0% em crianças até dez anos de idade. Para o segmento dos 11 aos 19 anos, nenhum dos municípios chegou a 95,0%, havendo grande variação de coberturas entre as idades. Dados parciais, disponíveis no Programa Nacional de Imunização (PNI-Datasus), mostram que apenas 80,0% da população de um a 19 anos receberam o esquema completo de vacinação. Em 2007, a cobertura vacinal nos menores de 20 anos era de 62,0% no Rio Grande do Sul e de 66,0% em sua 3a CRS.
Alguns fatores que podem contribuir para a baixa cobertura vacinal nos maiores de cinco anos poderiam ser: a não adesão à vacinação por crianças maiores e adolescentes; visitas pouco frequentes às UBS, o que dificulta que o esquema de três doses seja completado; e a superestimação do denominador da cobertura vacinal, se utilizar informação de projeções populacionais que sobreestime o número real de crianças existentes.
Aplicar esquemas completos de vacinação na população em idade escolar e nos adolescentes é uma atividade que necessita do esforço conjunto de vários segmentos da comunidade. Apesar de a vacina contra VHB ser oferecida gratuitamente, pelos serviços públicos de saúde, para a população de risco e para os menores de 20 anos em todo o país, a vacinação na população de adolescentes tem representado um desafio. Estudo realizado com adolescentes escolares de baixa renda em Goiás, mostrou baixa aceitação da vacina contra VHB, evidenciando a necessidade de reforçar a estratégia de vacinação na escola. A concentração de adolescentes em um mesmo local e período facilita o acompanhamento e controle dos alunos, garantindo a aplicação das vacinas.25
Chamaram a atenção as baixas coberturas vacinais contra o VHB encontradas em Pelotas, em todas as idades analisadas, haja vista o município contar com um expressivo número de UBS (51), todas com sala de vacinas. Coberturas vacinais são importantes indicadores da Atenção Básica. Talvez, o fato de apresentar baixas coberturas vacinais contra o VHB seja um indicativo da necessidade de reorganização da Atenção Básica no município. A cobertura da ESF em Pelotas é de 22,0%, o que ainda pode ser insuficiente para impactar no resultado da cobertura vacinal.
O estudo da coorte de nascimentos de Pelotas de 2004 já havia demonstrado coberturas vacinais de Sabin (três doses) e BCG decrescentes quando comparadas à coorte de 1993, indicando piora no desempenho dos serviços de saúde.26
A Estratégia Saúde da Família, inserida em um contexto de decisão política e institucional de fortalecimento da Atenção Básica no âmbito do SUS, foi implantada em 1994 com o nome de Programa de Saúde da Família (PSF), em pequenos municípios do Nordeste. O então PSF expandiu-se pelas urbes de todo o país. Em 2008, de acordo com o Ministério da Saúde, a ESF estava presente em 94,0% de nossos municípios e atendia a 95 milhões de brasileiros.27
A ESF permite um maior vínculo das UBS com a população e sua presença é associada à melhoria de vários indicadores de saúde, inclusive o aumento da satisfação dos usuários do SUS.28 A análise ecológica aqui apresentada constatou que a cobertura vacinal contra VHB é elevada na medida em que aumenta a cobertura da ESF nos municípios. A ESF pode ser considerada um modelo facilitador do cumprimento das atividades de Atenção Básica e Promoção da Saúde, possivelmente explicado pela organização diferenciada da equipe da ESF em seu processo de trabalho: equipe multiprofissional, definição precisa do território de atuação, cadastro das famílias e indivíduos, totalidade dos profissionais envolvidos comprometidos com uma carga horária integral, atividades desenvolvidas de acordo com o diagnóstico situacional da comunidade, entre outras razões. Esta análise encontra-se na linha de resultados de estudos prévios ao indicar o potencial impacto positivo da ESF no desempenho da Atenção Básica e sua contribuição efetiva para a melhoria da saúde da população.29
Os achados apresentados ainda mostraram, todavia, baixas coberturas vacinais contra hepatite B na população menor de 20 anos, na maioria dos municípios da 3a CRS, evidenciando a necessidade de avaliar as atuais estratégias de vacinação utilizadas pelos serviços de saúde. Verifica-se que vacinar crianças faz parte de uma cultura com dificuldade para alcançar por adolescentes e adultos. É necessário que profissionais da Saúde e da Educação e seus gestores em todos os níveis, juntos, encontrem meios de atingir melhores resultados na vacinação contra o VHB nessas populações.
Este estudo poderá servir como exemplo para a realização de abordagens similares em outros municípios do Rio Grande do Sul e do Brasil, onde a vacinação contra o VHB foi implantada e implementada na rotina das salas de vacinação sem qualquer avaliação de cobertura para outras idades além das crianças menores de um ano. Servirá, outrossim, como documento norteador do planejamento de ações estratégicas de vacinação na rede pública de saúde dos municípios, com o objetivo de alcançar amplas coberturas vacinais e acompanhar, periodicamente, a evolução dessas coberturas.
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Endereço para correspondência:
Rua Marechal Deodoro, 1160, 3o andar,
Pelotas-RS, Brasil.
CEP:96020-220
E-mail:amatija@yahoo.com
Recebido em 03/05/2010
Aprovado em 03/01/2011