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Epidemiologia e Serviços de Saúde
versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde v.20 n.3 Brasília set. 2011
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742011000300012
ARTIGO ORIGINAL
Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A no Estado da Paraíba: uma análise a partir do relato de profissionais da Equipe de Saúde da Família
Brazilian Vitamin A Supplementation Program in Paraiba State: an analisys from the narrative of the Family Health Program Team
Adriana de Azevedo PaivaI; Mayara Poliane Pires CagliariII; Daiane de QueirozIII; Rafaela Alves de SoutoII; Virgínia Rossana de Sousa BritoIV; Inácia Sátiro Xavier de FrançaV
IDepartamento de Nutrição, Programa de Pós-Graduação em Alimentos e Nutrição, Universidade Federal do Piauí, Teresina-PI, Brasil
IIDepartamento de Enfermagem, Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande-PB, Brasil
III Mestre em Saúde Pública, Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande-PB, Brasil
IVDoutoranda em Saúde da Criança e do Adolescente, Universidade Federal de Pernambuco., Recife-PE, Brasil. Departamento de Enfermagem, Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande-PB, Brasil
VDepartamento de Enfermagem, Mestrado em Saúde Pública, Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande-PB, Brasil
RESUMO
OBJETIVO: realizar uma análise descritiva do Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A na Paraíba.
METODOLOGIA: foram realizadas, em nove municípios do estado, entrevistas com 43 profissionais responsáveis pelo Programa e 56 aplicadores do suplemento. O formulário de entrevista foi elaborado com base na Portaria ministerial que instituiu o Programa e no Manual de normatização, e a metodologia de avaliação centrada na tríade estrutura-processo-resultado.
RESULTADOS: como aspectos positivos observaram-se a boa adesão das famílias ao Programa e o empenho das Equipes de Saúde da Família em captar a população-alvo, associando estratégias como busca ativa, demanda espontânea e campanhas de vacinação. As principais fragilidades encontradas foram: a) no eixo estrutura, falta de material informativo para divulgar o Programa e orientar a população-alvo; b) no eixo processo, falta de regularidade, morosidade e fornecimento insuficiente do suplemento; falta ou insuficiência de treinamentos/capacitações; desconhecimento da periodicidade de aplicação do suplemento e preenchimento incorreto do instrumento de registro adotado pelo Programa; c) no eixo resultados, baixa cobertura e descontinuidade na aplicação do suplemento.
CONCLUSÃO: os resultados mostram a necessidade de reorganizar e aprimorar o Programa na Paraíba, para que atinja o impacto esperado.
Palavras-chave: avaliação; programa; vitamina A.
SUMMARY
OBJECTIVE: to carry out a descriptive analysis of the National Program of Vitamin A Supplementation in Paraiba state.
METHODOLOGY: interviews were carried out with 43 professionals responsible for the Program and 56 supplement appliers, in nine towns in the state. The interview form was constructed based on the ministerial policy that instituted the Program (729) and on the policy manual, the methodology of evaluation was centered in the structure-process-result.
RESULTS: there were a good adherence of the families to the Program and the commitment to the Family Health Strategy Teams to capture the target-population, combining strategies such as activefinding, spontaneous demand and vaccination campaigns. The main weaknesses found were: a) the structure, lack of informative material to publicize the Program informing the target population; b) on the process, were lack of regularity, delay and insufficient supply of the supplement; lack or insufficiency of training; unawareness of the periodicity of the supplement application and inadequate filling-out of the registration form used by the Program; c) on the results, were low coverage and discontinuity in the application of the supplement.
CONCLUSION: the results show the necessity of reorganizing and improving the Program in Paraiba, so that it can reach the expected impact.
Key words: evaluation; program; vitamin A.
Introdução
A deficiência de vitamina A (DVA) constitui uma das carências nutricionais que mais afeta o estado de saúde de grupos biologicamente vulneráveis, tais como crianças e gestantes.1-3 É considerada um grave problema de Saúde Pública principalmente nos países subdesenvolvidos, acarretando severas consequências à saúde infantil, tais como: diminuição do crescimento e do desenvolvimento, distúrbios oculares, déficit imunológico e aumento da morbimortalidade associada a infecções respiratórias, diarreia e sarampo.4-6
No mundo, calcula-se que 250 milhões de crianças em idade pré-escolar sejam acometidas por DVA subclínica e que 4,4 milhões apresentem xeroftalmia, sendo a Ásia, a África e a América Latina, as regiões com as mais altas prevalências.1,2 No continente Americano, estima-se que 8,2 milhões de crianças sejam acometidas, sendo 2,2 milhões os casos registrados no Brasil.2,7,8
O Brasil é considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS)9 como área de risco da carência subclínica de vitamina A há mais de duas décadas. A última Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS),10 realizada no país em 2006, mostrou, pela primeira vez em um inquérito nacional, as prevalências de DVA entre crianças menores de cinco anos e mulheres de 15 a 49 anos. Os dados levantados indicaram que 17,4% das crianças e 12,3% das mulheres apresentaram níveis inadequados de vitamina A, com as taxas mais altas observadas em crianças das regiões Sudeste (21,6%) e Nordeste (19,0%). Uma série de outros estudos locais ou regionais realizados anteriormente também sugerem que as regiões Nordeste e Sudeste do Brasil apresentam alta prevalência de DVA em crianças e gestantes ou puérperas.11-13
Na Paraíba, a DVA configura-se como um problema de Saúde Pública grave,14 fato demonstrado no último inquérito de base populacional realizado no Estado, no qual se observou prevalência de DVA de 21,8% em crianças de seis a 59 meses de idade.15
Face aos grandes malefícios da DVA em crianças e gestantes e da alta prevalência encontrada no Brasil, esta tem ocupado um lugar importante tanto em pesquisas epidemiológicas quanto na pauta governamental, no que se refere à formulação e implantação de políticas e programas de Segurança Alimentar e Nutricional. Assim, foi implantada, a partir da década de 80, uma série de medidas intervencionistas a curto, médio e longo prazo, objetivando a prevenção e o controle da deficiência nutricional de vitamina A. Atualmente, é desenvolvido o "Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A", o qual visa a suplementação com megadoses da vitamina em crianças de seis a 59 meses de idade e em mulheres no pós-parto imediato; a promoção do aleitamento materno exclusivo até os seis meses e complementar até os dois anos; e medidas educativas que abordem a importância da vitamina A, os benefícios da utilização de alimentos fontes e os malefícios causados pela sua deficiência no organismo.5,16
Na Paraíba, apesar de implantado há mais de duas décadas, o Programa de Suplementação de Vitamina A não foi submetido a nenhum processo de acompanhamento ou avaliação, de maneira a identificar as suas fragilidades e determinar os resultados das medidas realizadas. Oportunamente, o presente estudo tem o objetivo de realizar uma análise descritiva do Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A na Paraíba, de acordo com o relato de profissionais de Equipes de Saúde da Família (ESF).
Metodologia
O presente estudo é parte de uma pesquisa de base populacional que foi realizada no ano de 2007 no Estado da Paraíba, com o intuito de avaliar a operacionalização do Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A, bem como determinar a prevalência de DVA, anemia e desnutrição em pré-escolares. Trata-se de uma análise descritiva do Programa com base em aspectos da tríade estrutura-processo-resultado, proposta por Donabedian, para nortear avaliações de serviços.17
Foram selecionados nove municípios, dos quais três foram escolhidos por apresentarem as mais altas densidades demográficas do Estado (João Pessoa, Campina Grande e Patos), e os demais foram selecionados por sorteio simples (Pedra Branca, Boa Ventura, Conceição, Belém do Brejo do Cruz, São José de Espinharas e Malta). Nos referidos municípios foram selecionadas todas as ESF que cobriam os setores censitários sorteados para o estudo original,15 sendo selecionadas, ao todo, 47 ESF.
Realizou-se entrevista com os membros das ESFs que eram os responsáveis pelo Programa ou que eram aplicadores do suplemento nas Unidades Básicas de Saúde da Família (UBSF). Foram considerados responsáveis pelo Programa aqueles profissionais das ESF aos quais competiam a organização e o gerenciamento do Programa, e, aplicadores, os profissionais que forneciam o suplemento diretamente às crianças. Não houve recusa dos profissionais à participação na pesquisa.
As entrevistas foram realizadas mediante a aplicação de um formulário com perguntas abertas e fechadas. Para a identificação das variáveis e construção dos instrumentos de coleta de dados tomou-se por base as condutas gerais do Programa, normatizadas pelo Ministério da Saúde (MS),5 nas quais são preconizadas normas para armazenamento; esquema para administração; estratégias operacionais; registro da suplementação; e atividades de informação, educação e comunicação à comunidade.
Dessa forma, foram avaliados: a) Eixo estrutura: escolaridade e formação dos recursos humanos; local de estoque dos frascos com cápsulas de vitamina A; material para execução e divulgação do Programa; b) Eixo processo: processo de aquisição das cápsulas; estratégias para seleção/captação da população-alvo; fluxo de envio das informações obtidas para Órgãos/Setores responsáveis; periodicidade de administração do suplemento para a população-alvo; registro do fornecimento das cápsulas; adesão das famílias; estratégias educacionais; capacitação dos profissionais; c) Eixo resultado: cobertura.
Para avaliar a cobertura do Programa foi feita a análise do registro na caderneta da criança de 1.211 crianças de seis a 59 meses de idade residentes na zona urbana dos municípios estudados. A seleção das crianças ocorreu aleatoriamente segundo a técnica de amostragem sistemática do tipo múltiplas etapas.15 As perdas ou recusas foram compensadas imediatamente, por reposição de crianças da mesma faixa etária, que residissem em domicílios vizinhos.
Os dados obtidos foram comparados às normas preconizadas pelo MS5 e pelas Portarias 2.160 de 23 de dezembro de 199418 e 729 de 13 de maio de 2005.19
Considerações éticas
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual da Paraíba, protocolo no 1128.0.133.000-05, e seguiu todas as recomendações da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde para pesquisas envolvendo seres humanos.20
Resultados
Foram avaliadas 47 ESF, sendo realizadas entrevistas com 43 profissionais responsáveis pelo Programa de Suplementação da Vitamina A e 56 profissionais aplicadores do suplemento. No que concerne ao perfil de escolaridade e formação profissional dos recursos humanos, identificou-se que a maior parte dos responsáveis pelo Programa possuía o ensino superior completo (32,5%) ou a pós-graduação em nível de especialização (20,7%), totalizando 53,2% com, no mínimo, escolaridade em nível de ensino superior. Observou-se que 46,5% eram enfermeiros e 44,0% eram atendentes, auxiliares ou técnicos em enfermagem. Uma parcela de 7,2% possuía formação em outras áreas (Pedagogia, História e Letras), além do nível médio em enfermagem. Já para os aplicadores, o perfil revelado foi de profissionais com nível médio de escolaridade (64,3%) e formação técnica em enfermagem (75,2%) (Tabela 1).
Os frascos contendo vitamina A eram armazenados nas salas destinadas à imunização em todas as UBSF. Quando interrogados sobre o local de armazenamento dos frascos, a maioria dos responsáveis (57,2%) o considerou adequado; 26,2% consideraram-no parcialmente adequado e 16,6%, inadequado. De acordo com o demonstrado na Figura 1, o ambiente físico de armazenamento das cápsulas de vitamina A foi considerado livre da umidade, arejado e livre da exposição solar pela maioria dos entrevistados.
Com relação ao material para execução, divulgação e orientação sobre o Programa, 74,4% dos profissionais referiram conhecer algum tipo de material informativo (manual, cartazes, cartazetes). Esse material, segundo 66,6% dos profissionais que o conheciam, foi considerado adequado para informar às famílias sobre o Programa, mas para 30,1%, ele foi identificado como incompleto e confuso. Convém enfatizar que 70,3% dos entrevistados afirmaram não dispor deste material nas UBSF.
Os resultados da análise de variáveis relacionadas ao processo de desenvolvimento do Programa, de acordo com o relato, respectivamente, dos profissionais responsáveis e dos aplicadores, estão apresentados nas tabelas 2 e 3.
Em relação ao recebimento do suplemento, a maioria dos responsáveis pelo Programa (67,4%) referiu que ocorria com frequência mensal a trimestral, mas 23,4% relataram que não existia nenhuma regularidade para a aquisição, e que ficavam na dependência da disponibilidade do suplemento nas Secretarias de Saúde municipais ou nos Distritos Sanitários. Apesar da boa regularidade na maioria dos serviços, foram referidas algumas dificuldades no processo de aquisição: 18,5% mencionaram a morosidade no recebimento, 4,7% o fornecimento insuficiente e 4,7% o fornecimento insuficiente específico das cápsulas de 100.000 UI (Tabela 2).
Outro aspecto investigado junto aos responsáveis diz respeito aos critérios para a seleção/captação da população-alvo. Os principais critérios mencionados foram: busca ativa + demanda espontânea (57,5%) e busca ativa + demanda espontânea + campanha de vacinação (14,5%) (Tabela 2). Ainda quanto a esta seleção, a maioria dos responsáveis (90,5%) referiu não ter dificuldade em captar a população a ser atendida e 9,5% afirmaram que a ausência de treinamento da equipe, a existência de número reduzido de Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e o descompromisso dos responsáveis pelas crianças são as dificuldades mais frequentes na captação da população.
Interrogou-se, ainda aos responsáveis pelo Programa, sobre o envio de informações para os órgãos ou setores responsáveis. Todos afirmaram que o envio era mensal, e 78,0% consideraram o fluxo sem dificuldades. Entre as dificuldades foram relatadas falha na operacionalização do envio (14,0%), descontrole ou desorganização do serviço municipal de saúde receptor das informações (2,6%) e falta do formulário para preencher os dados (2,6%).
Quando se interrogou aos aplicadores, profissionais responsáveis pela função de administração do suplemento à população-alvo, sobre a periodicidade da aplicação para as crianças, 91,0% referiram corretamente que deve ser de seis em seis meses. Porém, 5,4% não souberam informar e 3,6% mencionaram que poderia ser antes de completar quatro meses ou anualmente. Além disso, 24,5% afirmaram que a periodicidade era cumprida somente algumas vezes e 1,9% citou que não era cumprida, sendo o motivo relacionado com a falta das mães no dia agendado e/ou a falta de suplemento na Unidade. Todos os aplicadores (100,0%) relataram anotar na caderneta da criança a data da próxima aplicação, e 84,0%, além de fazerem o registro na caderneta, informavam verbalmente às mães ou responsáveis pela criança sobre a nova data (Tabela 3).
O mapa diário recomendado pelo MS para registro das doses administradas foi utilizado por 100,0% dos aplicadores. Porém, quando os aplicadores foram perguntados se haviam sido treinados para o preenchimento do instrumento, 29,6% referiram que não haviam recebido qualquer tipo de treinamento. Dos 70,4% que receberam treinamento, a grande maioria (81,8%) afirmou ter recebido apenas um. Cumpre destacar que 59,6% dos aplicadores explicaram incorretamente o preenchimento do mapa, demonstrando que não tinham a compreensão mínima para o registro.
A adesão das famílias, na opinião dos profissionais responsáveis pelo Programa e dos aplicadores do suplemento, foi considerada boa na maioria dos casos (55,8 e 55,4%, respectivamente) (Figura 2). Segundo os responsáveis e os aplicadores, os motivos mais relacionados com a má adesão das famílias foram: falta de disciplina/esquecimento (37,5 e 53,8% respectivamente), desconhecimento do Programa (37,5 e 30,8%, respectivamente) e falta das cápsulas de vitamina A (25,0%, para os responsáveis).
No tocante à educação/informação da população acerca do Programa de Suplementação de Vitamina A, 81,4% dos profissionais referiram realizar estratégias para informar/educar a comunidade. A estratégia mais citada foi a orientação pelos Agentes Comunitários de Saúde e profissionais de enfermagem da Unidade (31,4o%) (Figura 3).
Quanto à capacitação dos profissionais responsáveis pelo Programa, 60,5% afirmaram não ter recebido treinamento/capacitação. Para aqueles que receberam treinamento/capacitação (39,5%), a maioria (80%) referiu ter recebido apenas um.
No tocante à cobertura, a análise minuciosa da caderneta da criança de uma amostra de 1.211 crianças de seis a 59 meses de idade atendidas pelas UBSF visitadas mostrou que 72,4% receberam a megadose de vitamina A pelo menos uma vez, enquanto que 24,1% nunca haviam recebido a vitamina A. Das crianças que receberam a megadose, 47,3%, haviam recebido a última dose há mais de seis meses.
Discussão
O presente estudo, a partir do relato de profissionais da ESF envolvidos diretamente na operacionalização do Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A na Paraíba, revela pontos positivos na operacionalização do Programa, mas indica também algumas fragilidades que precisam ser trabalhadas com vistas a melhorar o impacto das ações realizadas, e finalmente, controlar a DVA que ainda é um problema grave de Saúde Pública nesse Estado.15
Analisando alguns pontos concernentes à estrutura, identificou-se uma satisfatória escolaridade e formação profissional da maioria dos profissionais responsáveis pelo Programa nas UBSF e aplicadores. Todos os aplicadores possuíam formação em enfermagem (médio ou superior), demonstrando que o profissional de enfermagem está mais diretamente envolvido com as ações de prevenção e controle de agravos à saúde,21 tais como a DVA. Enfatizamos a importância de reciclar os conhecimentos e promover novas oportunidades educativas para os profissionais com menores níveis de instrução, com o intuito de melhorar a operacionalização e o gerenciamento do Programa.
Ainda no contexto da estrutura, verificou-se que nas UBSF, segundo os responsáveis, as cápsulas eram guardadas nas salas de imunização, locais considerados como livre da umidade, arejado e livre da exposição solar pela maioria dos entrevistados, e de acordo com o preconizado pelo MS. Deve-se salientar que, apesar da maioria dos profissionais ter considerado o local de armazenamento das cápsulas adequado, esta informação deve ser analisada com cautela, considerando que em quase 10,0% dos ambientes o suplemento estava exposto à luz solar, o que torna o armazenamento inadequado. O armazenamento adequado é um ponto importante a ser observado na estrutura do Programa de Suplementação da Vitamina A, uma vez que a cápsula de vitamina A é muito sensível, tendo o seu conteúdo afetado na presença de luz solar e claridade, indicando que deva existir o recebimento e armazenamento em local apropriado, fresco, arejado e não exposto a luz solar.5,19
Segundo a Portaria no 72.919, para que as medidas educativas relativas ao Programa da vitamina A sejam efetivadas o MS é responsável pela elaboração de materiais e a divulgação das normas operacionais aos estados, cabendo a este último a disseminação pelos seus municípios. Entre os materiais disponibilizados pelo MS estão cartaz, cartazete e manual específico para o Programa da vitamina A, além de outros que podem ser utilizados na orientação das famílias, abordando a deficiência de vitamina A e a promoção da alimentação saudável como forma de prevenção da carência vitamínica.5,19 No entanto, nenhum tipo de material educativo ou informativo foi encontrado nas UBSF deste estudo, o que se caracteriza como um fato preocupante, mas facilmente contornável. Destaca-se que a Portaria no 72.919 é bastante clara quando refere que é uma condicionalidade para a implantação do Programa no município o provimento das ações básicas de saúde e atividades educativas em alimentação e nutrição suficientes para que as famílias reconheçam a DVA como problema de saúde e adotem hábitos alimentares saudáveis.
No processo de aquisição das cápsulas, notou-se que a frequência de recebimento variou de mensal a trimestralmente ou sem regularidade definida, sendo pontuadas algumas dificuldades tais como a morosidade e a insuficiência do suplemento. O MS19 afirma que o suplemento de vitamina A será enviado, conforme logística definida entre a Secretaria de Atenção à Saúde, e a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do MS, cujo quantitativo será calculado previamente com base na população levantada pelo IBGE. Para o cálculo do quantitativo da megadose de vitamina A utilizada no exercício seguinte, o MS deduzirá o saldo de produtos ainda disponíveis no município e, caso necessário, avaliará a pertinência de enviar quantitativo adicional desde que haja solicitação do gestor municipal do SUS, devidamente fundamentada. O gestor estadual será responsável por enviar aos municípios e cada município deverá escolher a melhor estratégia de acesso a este suplemento, de maneira que nunca falte na Unidade.
Vale salientar que o MS enfatiza a necessidade de envio das informações à coordenação estadual do Programa quando os estoques de vitamina A estiverem excedendo as necessidades do município, possibilitando o remanejamento do suplemento para municípios vizinhos, ou quando os estoques estiverem aquém das necessidades, solicitando, nesse caso, quantitativo adicional, em tempo hábil, para não ocasionar descontinuidade do Programa, ou ainda quando o lote estiver com prazo de validade próximo da data a expirar.19
As dificuldades apontadas na aquisição do suplemento demonstram que apesar da normatização estabelecida pelo MS, ainda existem falhas no acesso às cápsulas da vitamina, o que pode prejudicar a prática da suplementação das crianças nos municípios estudados e comprometer a efetividade do Programa. É importante frisar que a falta acontece com maior frequência para as cápsulas de 100.000 UI, destinadas a crianças com idade entre seis meses e um ano, faixa etária onde tem-se verificado uma maior susceptibilidade à DVA, em comparação com crianças maiores.14,15 Esse fato serve de alerta para o MS e as gestões estaduais e municipais, para que possam intensificar o controle e facilitar a aquisição do suplemento de vitamina A, principalmente considerando que estudo realizado no Estado da Bahia já apontava falhas desta natureza naquele estado.3
Nesta pesquisa, a população a ser atendida foi selecionada por meio de busca ativa, demanda espontânea e campanha, concomitantemente. A busca ativa destacou-se como uma importante estratégia, sendo observada na maioria das ESF, mas acreditamos que para aumentar a cobertura, que ainda está baixa, e abranger toda a população de menores de cinco anos do município, seria relevante a complementação das três estratégias abordadas. Cada município deve identificar as famílias que tenham crianças de seis a 59 meses para a administração da megadose de vitamina A, conforme o Manual de Condutas Gerais do Programa, devendo o município escolher a forma mais apropriada de seleção da população de acordo com as suas necessidades.5
Com relação ao envio das informações obtidas na Unidade, 100,0% das ESF cumprem a recomendação da Portaria,19 que versa sobre a obrigatoriedade de envio dessa informação para as autoridades competentes, as quais, através destes dados, poderão verificar se os suplementos estão sendo fornecidos às crianças, e em caso negativo, poderão tomar as providencias cabíveis. Vale salientar, que os profissionais devem submeter a folha de registro de todas as doses mensalmente ao coordenador municipal do Programa, o qual, após recolher os Mapas Diários de administração de vitamina A, deverá consolidá-los no Mapa Mensal Municipal de Administração de Vitamina A.5
Em relação ao aspecto periodicidade de fornecimento da cápsula à criança, esperava-se que todos os aplicadores estivessem cientes do fornecimento a cada seis meses, entretanto uma proporção deles desconhecia esse prazo, o que se revela como um fato negativo, tendo em vista ser o aplicador o profissional de maior responsabilidade em relação ao cumprimento da periodicidade da suplementação. De acordo com o MS, a suplementação com megadoses de vitamina A deve ser feita a cada seis meses, sendo o intervalo de quatro em quatro meses, considerado o intervalo seguro de administração.5
No que concerne ao registro da aplicação, o MS orienta que os suplementos administrados em crianças devem ser registrados no Mapa Diário de Administração de Vitamina A para se ter controle do número de crianças que está recebendo a megadose, devendo no final do dia ou da semana ser verificado o número de doses administradas para cada grupo, bem como as doses perdidas.5 Neste quesito, o Programa está cumprindo suas atividades, uma vez que os aplicadores referiram utilizar o Mapa Diário em suas rotinas. Porém, a ausência ou a pouca frequência de realização de treinamentos relatados pela maioria dos profissionais demonstra a necessidade de maiores esforços neste aspecto, uma vez que uma parcela grande de aplicadores não sabe preencher o instrumento corretamente.
O ato de registrar a aplicação na caderneta da criança tem sido cumprido pelos aplicadores na Paraíba. No entanto, para melhorar a adesão das famílias e a cobertura do Programa, seria válido que além do registro por escrito fosse feita também orientação verbal à população no ato da aplicação, explicando e reforçando a data agendada, uma vez que se trata de um grupo pouco favorecido quanto à escolaridade.
A boa adesão das famílias foi um fato considerado bastante positivo e promissor e demonstra que a população está bem sensibilizada para o Programa. Em contrapartida, a afirmação de ser considerada regular ou ruim, ainda que rara, revela a necessidade de alguns municípios melhorarem suas estratégias de seleção da população ou modificá-la para que todas as crianças sejam beneficiadas. Já que foi citado que fatores tais como esquecimento e desconhecimento prejudicam a adesão, parece-nos razoável promover novas estratégias de educação junto à comunidade, bem como melhorar as já existentes.
De acordo com a Portaria no 72.919 a realização de atividades de informação, educação e comunicação sobre a deficiência da vitamina A junto às famílias é um componente a longo prazo do Programa, objetivando ampliar o conhecimento das famílias acerca da DVA, incentivando, também, o aumento da ingestão de fontes alimentares ricas em vitamina A. Vale reforçar, mais uma vez, que os municípios são responsáveis por fornecer ações básicas de saúde e atividades educativas em alimentação e nutrição necessárias para que as famílias reconheçam a deficiência de vitamina A como problema de saúde, adotem hábitos alimentares saudáveis e se sintam estimuladas a levarem seus filhos aos serviços de saúde para dar seguimento às administrações das megadoses de vitamina A.
Os dados do presente estudo indicam fragilidades em relação à capacitação dos profissionais que atuam no Programa de Suplementação da Vitamina A, sinalizando para a necessidade de maior atenção às ações propostas pelos gestores ou gerentes da saúde nesse sentido. A importância da formação e capacitação permanente em todas as políticas e programas de saúde é uma questão indiscutível, e, no tocante ao Programa da vitamina A, é atribuição do MS e das secretarias estaduais e municipais o apoio à capacitação de recursos humanos nas ações de saúde inerentes ao controle e à prevenção das carências nutricionais, de acordo com as orientações especificadas na Portaria no 729 e no Manual de Condutas Gerais do Programa.5,19 Segundo Davini e Roschke,22 educação permanente em saúde requer mudanças nas práticas de pensar, projetar e realizar a educação, contando com o apoio das instituições de saúde, para assumir as múltiplas dimensões de seu processo de transformação.
Quanto à cobertura do Programa, percebeu-se a necessidade de maiores esforços no sentido de atender às metas. Uma boa parcela de crianças apresentou o registro da primeira dose, o que demonstra que o Programa tem uma boa abrangência. Apesar disso, percebeu-se que a periodicidade de suplementação não vem sendo seguida, uma vez que cerca de metade das crianças havia recebido o suplemento há mais de seis meses, fato este que pode estar contribuindo para a elevada prevalência de DVA encontrada no estado.15 A cobertura ainda insatisfatória reflete as dificuldades e desabilidades apontadas pelos profissionais responsáveis e aplicadores da vitamina A nas ESF estudadas.
O presente estudo traz informações que permitem ter uma visão do funcionamento do Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A no Estado da Paraíba, considerando-se o relato de alguns profissionais envolvidos no processo. Porém, sugere-se que novas avaliações sejam feitas incorporando os demais atores que tem relação com o Programa, tais como os gestores, os ACS e a própria população-alvo, no sentido de compreender melhor os fatores que comprometem a eficácia do Programa, e, sobretudo, permitindo sua reorganização e aprimoramento, para que finalmente atinja o impacto esperado.
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Endereço para correspondência:
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Recebido em 03/09/2010
Aprovado em 05/09/2011