Serviços Personalizados
Journal
Artigo
Indicadores
- Citado por SciELO
Links relacionados
- Similares em SciELO
Compartilhar
Epidemiologia e Serviços de Saúde
versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde v.20 n.4 Brasília dez. 2011
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742011000400016
ARTIGO DE REVISÃO
Revisão sistemática dos fatores associados à leptospirose no Brasil, 2000-2009
Systematic review of factors associated to leptospirosis in Brazil, 2000-2009
Daniele Maria Pelissari; Ana Nilce Silveira Maia-Elkhoury; Maria de Lourdes Nobre Simões Arsky; Marília Lavocat Nunes
Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil
RESUMO
OBJETIVO: o estudo se propõe a uma revisão sistemática da publicação científica sobre os fatores associados à leptospirose no Brasil, no período 2000-2009.
METODOLOGIA: rastrearam-se estudos no SciELO, MEDLINE e LILACS; 11 artigos foram elegidos para a revisão.
RESULTADOS: sete estudos associaram a ocorrência de chuva ou enchentes com o aumento do número de casos; em área urbana, a leptospirose foi relacionada aos baixos níveis socioeconómicos, ao aumento da precipitação pluviométrica e à família que apresentou um caso de leptospirose; em área rural, a doença foi associada às atividades ocupacionais (plantação de arroz e lavoura irrigada).
CONCLUSÃO: os fatores envolvidos na transmissão da leptospirose são diferentes em relação à área urbana e rural e as medidas preventivas devem se voltar a esses fatores.
Palavras-chave: leptospirose; literatura de revisão (como assunto); epidemiologia.
SUMMARY
OBJECTIVE: this study aims a systematic review of the published literature on epidemiological and demographic characteristics ofleptospirosis in Brazil, in the period 2000-2009.METHODOLOGY: studies were traced in SciELO, MEDLINE, and LILACS; 11 articles were considered eligible for the review.
RESULTS: seven studies associated the occurrence of rain or flooding with the increase number of cases; in urban areas, leptospirosis was related to low socioeconomic levels, increased of rainfall and household with a case of leptospirosis; in rural areas, the disease was associated with occupational activities (rice fields, and irrigated farming).
CONCLUSION: factors involved in the transmission ofleptospirosis are different for urban and rural areas, and prevention measures must be focused on these factors.
Key words: leptospirosis; review literature (as topic); epidemiology.
Introdução
A leptospirose é uma zoonose de importância mundial,1 causada por leptospiras patogênicas transmitidas pelo contato com urina de animais infectados ou água, lama ou solo contaminados pela bactéria.2 A espécie com maior interesse zoonótico é a Leptospira interrogam, que apresenta mais de 200 sorovares - cada sorovar possui hospedeiros de predileção.3 Os homens são susceptíveis a um grande número de sorovares. No Brasil, os sorovares Icterohaemorrhagiae e Copenhagueni são, com frequência, relacionados aos casos mais graves.2 A infecção é comum em roedores como também em outros animais silvestres e domésticos, acometendo mais de 160 mamíferos no mundo.3
A transmissão está associada a fatores ambientais como, por exemplo, a ocorrência de enchentes que favorecem o contato de humanos com as excretas dos reservatórios.4 A penetração do microorganismo no hospedeiro acontece pela pele com lesões, na pele íntegra quando imersa em água por longo tempo, ou pelas mucosas.3
A leptospirose tem sido identificada como uma doença infecciosa reemergente, assim demonstrada pelo registro de surtos em diversos locais do mundo - por exemplo: Nicarágua, Brasil, Índia, Sudeste Asiático, Malásia e Estados Unidos da América (EUA).5 Em muitos países, a doença fica restrita a um grupo específico de pessoas, segundo suas atividades ocupacionais.6 Em grandes centros urbanos, contudo, a leptospirose afeta não somente indivíduos com as ocupações de risco mas também a população geral.7
No Brasil, a doença tem distribuição endêmica, com ocorrência durante todos os meses do ano e coeficiente médio de incidência de 1,9/100.000 habitantes.2 Epidemias urbanas são registradas a cada ano, principalmente em comunidades carentes, após enchentes, inundações e desastres naturais de grande magnitude2 - em São Paulo-SP, Rio de Janeiro-RJ, Salvador-BA e Recife-PE, por exemplo -, durante o período sazonal das chuvas.4
No período de 2000 a 2009, muitos estudos foram realizados sobre a leptospirose no país. A revisão sistemática desses estudos apresenta-se como importante instrumento para a verificação de alterações nos padrões epidemiológicos da doença. Justifica-se, portanto, a elaboração deste trabalho cujo objetivoé revisar, de maneira sistemática, a publicação científica existente sobre os fatores associados à leptospirose no Brasil.
Metodologia
Os estudos sobre o tema foram rastreados em três bases bibliográficas no dia 12 de dezembro de 2009: a Scientific Electronic Library Online (SciELO),8 que disponibiliza gratuitamente, via internet, os textos completos dos artigos publicados em mais de 290 periódicos do Brasil e de outros países da América Latina;9 a Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE),10 que contém referências bibliográficas e resumos de mais de 5.000 periódicos publicados desde 1966, nos EUA e em outros 70 países;9 e a Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS),11 que compreende a literatura publicada a partir de 1982, atingindo mais de 500.000 registros e cerca de 1.500 periódicos, dos quais aproximados 800 se encontram indexados atualmente.9
As publicações foram selecionadas de acordo com o seguinte critério: estudos brasileiros com abordagem dos fatores associados à leptospirose, publicados no período de 2000 a 2009, nos idiomas português, espanhol e inglês. Optou-se por esse período com o propósito de analisar a literatura recente sobre o assunto. Foram excluídos os inquéritos sorológicos realizados em animais ou que não abordaram a associação de fatores (demográficos, epidemiológicos ou ambientais) com os achados de prevalência sorológica. O desenho do estudo não foi fator de exclusão para a presente revisão.
Para a verificação dos critérios de inclusão, os títulos e resumos dos artigos selecionados foram analisados. Foram analisados na íntegra os artigos cujos resumos não forneciam informações suficientes para uma decisão sobre sua exclusão desta revisão.
Resultados
Na base SciELO,8 com o descritor 'leptospirose', obteve-se 142 artigos. Nas bases LILACS11 e MEDLINE,10 optou-se por adicionar o termo 'Brazil' e obteve-se, respectivamente, 75 e 53 publicações. A somatória dos artigos das três bases de dados consultadas resultou no total de 270 artigos a serem revisados.
Dos 270 artigos indexados nas três bases bibliográficas consultadas, foram considerados elegíveis para o estudo 7 artigos do SciELO,8 5 da LILACS11 e 5 da MEDLINE,10 totalizando 17 estudos. Destes, 6 eram duplicados, restando 11. Os demais artigos não preencheram os critérios de inclusão pré-estabelecidos (Tabela 1).
Os artigos selecionados incluíram pesquisas realizadas nos estados do Rio Grande do Norte,12 Bahia,13-17 Rio de Janeiro,18,19 Minas Gerais,20 São Paulo21 e Rio Grande do Sul.22 Na Tabela 2, são apresentados os estudos selecionados para a revisão segundo características gerais (Tabela 2).
O número de casos de leptospirose analisados variou de 1920 a 9.335,21 com diferentes tipos de seleção e fonte de dados.
Barcellos e Sabroza18 selecionaram casos oriundos dos serviços de atenção primária/ambulatorial. Os autores Costa e colaboradores,13 Sarkar e colab.14 e Maciel e colab.15 selecionaram casos hospitalizados, sendo estes dois últimos, estudos de caso-controle. Figueiredo e colaboradores20 e Romero e colaboradores21 examinaram amostras encaminhadas a laboratórios de referência oriundos, respectivamente, da Fundação Ezequiel Dias (Funed) e do Instituto Adolfo Lutz (IAL). Barcellos e colab.22 e Tassinari e colab.19 analisaram os casos notificados ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e, finalmente, Dias e colab.,15 Lacerda e colab.12 e Reis e colab.16 optaram por utilizar uma amostragem populacional aleatória. Os métodos de amostragem variaram entre os estudos que adotaram essa forma de seleção.
Dias e colab.15 selecionaram 1.390 indivíduos de uma população de 68.749 habitantes, por amostragem aleatória simples sem reposição.
Lacerda e colab.12 sortearam seis setores censitários de uma área com 13 setores e população total de 8.469. Cada setor sorteado possuía de três a seis vilas. Duas vilas foram selecionadas aleatoriamente, em cada setor; após o ordenamento das famílias por número, foram sorteadas 10,0% das famílias de cada vila. Dos 320 sujeitos elegíveis, 290 (91,0%) eram oriundos de 68 residências localizadas em 15 vilas.
No estudo de Reis e colab.,16 em um município de 2.443.107 habitantes, foram sorteadas 3.689 famílias, totalizando 14.122 habitantes. Cada casa recebeu um número e, em seguida, foram aleatoriamente selecionadas 1.079 casas, com 3.797 indivíduos.
Em relação às perdas desses estudos, Dias e colab.15 não especificaram se houve perdas e Lacerda e colab.12 relataram que 13 indivíduos recusaram-se a participar (4,1 %). Reis e colab.16 tiveram taxa de participação de 84,0% (3.171), embora não detalhassem os motivos das perdas ou constasse, em seu relato, diferença significativa em relação ao sexo e idade, quando compararam os selecionados com os não selecionados.
Os estudos de caso-controle adotaram abordagens semelhantes para a seleção dos controles. Sarkar e colab.14 selecionaram dois controles de vizinhança, pareados por idade e sexo. A vizinhança foi definida como um raio de cinco domicílios do caso-índice, totalizando 125 controles. Maciel e colab.17 adotaram os critérios de seleção de Sarkar e colab.;14 porém, consideraram como controles as famílias que não possuíam caso-índice. Para quatro famílias que possuíam caso-índice (casos), foram selecionadas quatro famílias sem caso-índice (controles); e para 18 famílias (casos), foram selecionados duas famílias (controles), totalizando 52 famílias sem caso-índice da doença.
Em relação aos estudos que utilizaram os casos notificados no Sinan, apenas Tassinari e colab.19 especificaram os procedimentos utilizados para a limpeza do banco de dados. Após a eliminação de registros duplicados e a verificação de inconsistências, o universo de casos desse estudo foi formado por 2.369 casos de leptospirose. Em seguida, esses autores excluíram 359 casos que não tinham a informação do endereço e, ainda, 242 casos cujo endereço não havia sido localizado, totalizando 1.732 casos.
Quase a totalidade dos estudos utilizou, como teste de escolha para o diagnóstico da doença ou detecção de infecção, o teste de microaglutinação (MAT).14-18,20,21 Costa e colab.13 adotararam o questionário de Faine,23 constituído de questões com valores predefinidos sobre os sinais clínicos da doença, aspectos epidemiológicos e laboratoriais; nesta situação, foram considerados confirmados os casos que apresentaram somatório da pontuação das questões ≥26. Barcellos e colab.22 e Tassinari e colab.19 não participaram do processo de diagnóstico dos casos, os quais foram selecionados diretamente no Sinan. Lacerda e colab.12 consideraram o teste Elisa como exame de escolha (Figura 1).
Abordagens metodológicas
Alguns autores realizaram análise espacial dos casos, porém com diferentes refinamentos.18-20,22 Para a investigação de um surto, Barcellos e Sabroza18 mapearam áreas de risco e as classificaram como sujeitas ou não a inundações com acumulação de lixo doméstico. Figueiredo e colab.20 calcularam a distância espacial dos principais cursos d'água do município, em relação aos casos. Barcellos e colab.22 identificaram áreas de maior risco e possíveis componentes ecológicos da transmissão da leptospirose, por meio da agregação de dados epidemiológicos em unidades espaciais que representavam a diversidade socioambiental do estado do Rio Grande do Sul. Neste estudo, os mapas de municípios foram sobrepostos aos de caracterização de uso do solo, relevo e bacias hidrográficas. Tassinari e colab.19 analisaram a distribuição espacial pela razão da suavização espacial, baseada na função Kernel, o que permitiu gerar uma superfície suavizada, um estimador da intensidade da incidência da leptospirose.
Sarkar e colab.14 e Maciel e colab.17 optaram por estudos de caso-controle. O primeiro, com o objetivo de identificar fatores de risco para leptospirose em área endêmica, durante o período de chuva em região urbana; e o segundo, para determinar a infecção por agrupados, no interior de domicílios localizados em favelas.
Dias e colab.,15 Lacerda e colab.12 e Reis e colab.16 verificaram a prevalência de infecção pregressa por leptospiras mediante inquéritos sorológicos. Costa e colab.13 e Romero e colab.21 realizaram estudos retrospectivos dos casos.
Aspectos demográficos e epidemiológicos da leptospirose
Os estudos foram realizados no Rio de Janeiro-RJ,18,19 Salvador-BA,13-17 Belo Horizonte-MG,20 São Paulo-SP,21 Rio Grande do Sul22 e Rio Grande do Norte.12 A incidência mínima de leptospirose foi de 0,53/100.000 hab. em São Paulo-SP;21 e a máxima, de 42,05/100.000 hab. no Rio de Janeiro-RJ, esta última detectada em área de enchentes.18
Em relação à distribuição da doença segundo o sexo, a maioria dos estudos que apresentou essa informação obteve prevalência maior para o sexo masculino, superior a 80,0% dos casos,13,17,18,20 à exceção de Lacerda e colab.12 (57,0%) e Reis e colab.16 (44,0%). Dias e colab.15 constataram distribuição semelhante entre ambos sexos.
Quanto à faixa etária, os dados também foram semelhantes, entre os estudos analisados. Costa e colab.13 encontraram média de 35,7 anos, Figueiredo e colab.20 constataram predomínio da faixa etária entre 20 e 29 anos e Romero e colab.,21 de 20 a 39 anos; Lacerda e colab.12 verificaram média de 28,3 anos, Reis e colab.,16 de 25,8 anos e Maciel e colab.,17 de 35,2 anos. Dias e colab.15 associaram o aumento da soroprevalência com o aumento da idade. Os únicos autores que apresentaram informações sobre raça/cor foram Costa e colab.,13 que relataram a quase totalidade dos casos (94,0%) de negros ou mulatos, e Reis e colab.,16 que reportaram 66,0% de pardos. De acordo com este último trabalho, indivíduos de baixa renda e de cor negra [razão de prevalência (RP) 1,25; intervalo com 95% de confiança (IC95%): 1,03-1,50] apresentaram risco aumentado de contrair leptospirose.
As prevalências de infecção encontradas nos estudos que realizaram inquéritos de soroprevalência foram de 12,4% (172/1.390),15 15,2% (44/290)12 e 12,9% (489/3.797).16
Dias e colab.15 encontraram correlação positiva entre infecção por Leptospira e baixo nível educacional. Lacerda e colab.12 analisaram a leptospirose em área rural e verificaram que a infecção foi associada a atividades de campos de arroz (P=0,08).
Reis e colab.,16 em estudo realizado em área urbana, constataram que a presença de anticorpos contra a Leptospira se associou a fatores ambientais, como residir em áreas de enchente com esgoto a céu aberto (RP 1,42; IC95%: 1,14-1,75), presença de roedores (RP 1,32; IC95%: 1,10-1,58) e de galinhas (RP 1,26; IC95%: 1,05-1,51). Um aumento de US$1 por dia na renda familiar foi associado a 11,0% (IC95%: 5%-18%) de redução do risco de infecção.
Sete estudos associaram a ocorrência de chuvas ou enchentes com o aumento do número de casos. Barcellos e Sabroza18 detectaram maior incidência da doença em área com inundações (42,05/100.000), comparativamente a área sem inundações (19,75/100.000). Costa e colab.13 observaram que o aumento na precipitação pluviométrica estava associado ao aumento no número de internamentos no mês subsequente. Figueiredo e colab.20 observaram que 14,0% dos casos confirmados residiam próximos a locais com curso de água e 12,0% relataram contato com água e/ou animais contaminados. Sarkar e colab.14 constataram que residências próximas a esgotos a céu aberto (odds ratio [OR] 5,15; IC95%: 1,80-14,74), peridomicílio com presença de ratos (OR 4,49; IC95%: 1,57-12,83), exposição aos locais de fonte de contaminação (esgoto, enchente ou lama) (OR 3,71; IC95%: 1,35-10,17) e presença de enchentes (OR 2,54; IC95%: 1,08-6,17) foram fatores de risco para adquirir a doença. Romero e colab.21 verificaram a concentração de casos entre janeiro a abril, os meses mais chuvosos de São Paulo-SP. Tassinari e colab.19 relataram aumento do número de casos após o período de chuva. Reis e colab.16 encontraram associação de risco entre a ocorrência de leptospirose e residir na proximidade de rios. Maciel e colab.17 constataram que o fato de pertencer a uma família com um caso-índice de leptospirose associou-se a um risco maior (OR 5,29; IC95%: 2,13-13,12) de adquirir a infecção.
Os estudos que não referiram associação com os índices pluviométricos ou enchentes foram aqueles desenvolvidos em área rural.12,22 Barcellos e colab.22 verificaram que as maiores taxas de incidência se encontravam em áreas sedimentares litorâneas, de baixa altitude e uso do solo predominantemente agrícola. Nessas localidades, a maior parte dos casos foi associada à lavoura irrigada. A infecção também foi associada a atividades de campos de arroz (P=0,08) e sua ocorrência inclusive em anos de poucas chuvas.11
Discussão
Estudos mais recentes realizaram análises espaciais refinadas, que contribuíram para a delimitação de áreas de risco e o conhecimento da contribuição dos fatores ambientais. As técnicas utilizadas foram uma importante aquisição metodológica na construção da vigilância de base territorial.
Em relação ao sexo e faixa etária, os valores apresentados pela maioria dos estudos são semelhantes aos encontrados em 2007, quando, entre os confirmados, 78,8% (2.594/3.292) eram do gênero masculino; e a faixa etária mais acometida, de 20 a 49 anos, com 61,2% dos casos (2.022/3.292).24
Os critérios de diagnóstico adotados pelos estudos apresentaram grande variabilidade; porém, a maioria adotou o teste MAT. Quanto aos estudos que verificaram a prevalência de infecção, aqueles que adotaram como critério de presença de infecção o resultado da MAT obtiveram prevalências semelhantes (12,4%15 e 12,9%16), mesmo com a utilização de pontos de corte diferentes (amostra única ≥1:50;15 e amostra única ≥1:2516). Por outro lado, Lacerda e colab.11 constataram prevalência de 15,2% ao utilizarem o teste Elisa. Um estudo realizado na Itália constatou que o método Elisa teve especificidade menor (95,9%) do que o MAT (100,0%), sendo considerado metodologicamente mais simples de ser realizado.25 Entretanto, o MAT é utilizado quando se quer conhecer qual o sorovar envolvido na infecção.26
No Brasil, de 2001 a 2003, do total de 3.747 casos confirmados laboratorialmente com o LPI determinado, 2.687 (72,0%) ocorreram em área urbana.27 A predominância da leptospirose em área urbana pode ser um dos motivos pelos quais apenas dois estudos foram conduzidos em área rural. Não obstante, a revisão bibliográfica apresentou-se como importante ferramenta para a atualização dos padrões epidemiológicos e dos avanços na investigação epidemiológica da leptospirose em área rural.
Os autores concluíram que a leptospirose em área urbana esteve relacionada aos baixos níveis socioeconómicos; e que o aumento da precipitação pluviométrica precede surtos epidêmicos. Outros estudos apoiaram a hipótese de que o ambiente familiar é um determinante importante da transmissão no cenário das favelas urbanas: uma consequência, provavelmente, das precárias condições ambientais existentes no domicílio e peridomicílio, que, aliadas à altas infestações de roedores, favorecem o risco de exposição humana.
Em área rural, não se evidenciou associação dos casos com o aumento das chuvas e sim com as ativi dades desempenhadas, como, por exemplo, plantação de arroz e lavoura irrigada. Os resultados sugeriram a existência de características ambientais favoráveis à transmissão da leptospirose em locais de proliferação de roedores sinantrópicos e de produção agrícola intensiva.
Os resultados dos estudos internacionais são similares aos encontrados nos estudos nacionais. Em Cuba, a ocorrência de leptospirose esteve associada à presença de condições ecológicas favoráveis para a sobrevivência da Leptospira, assim como à presença de atividades agrícolas de risco, especialmente o cultivo da cana de açúcar.28 Na África (Ilha da Reunião), os casos de leptospirose tiveram distribuição sazonal e os autores concluíram que dados meteorológicos podem ser utilizados como preditores para a ocorrência da doença, auxiliando na implementação de medidas preventivas.29 Um surto com mais de 3.000 casos e cerca de 250 mortes foi relatado nas Filipinas, entre 1o outubro e 5 de novembro de 2009,30 motivado por uma grave enchente, causada por três furacões, que assolou o país durante esse período. A incidência de leptospirose em Guadalupe aumentou quatro vezes no período de 2002 a 2004, caracterizado por fortes chuvas associadas ao fenômeno El Niño.31
Estudos de revisão sistemática, em geral, contribuem para consolidar os achados de diferentes estudos e concluir sobre os fatores associados ao objeto de análise. A diversidade da metodologia, entretanto, pode significar um limitador para a comparação dos resultados encontrados. Nesta revisão sistemática, os autores utilizaram diversas abordagens metodológicas e, mesmo assim, os principais fatores associados à leptospirose se repetiram, demonstrando um consenso entre os achados.
Por se tratar de revisão da literatura, o presente estudo está, potencialmente, condicionado aos vieses dos estudos revisados. Também pode estar sujeito ao 'viés de publicação', uma forma de viés de seleção dos estudos incluídos na revisão, caracterizado pela falha sistemática na publicação de alguns trabalhos: os que não tenham sido publicados; aqueles publicados apenas como abstracts (resumos) ou em periódicos não indexados nas bases consultadas; e aqueles estudos que, a despeito de seus resultados relevantes, não foram destinados para publicação.32
Diante dos diferentes fatores associados à leptospirose em ambiente urbano e rural, a prevenção da doença deve focalizar as fontes de contaminação e os fatores de risco apontados pelos estudos.
Em área urbana, a maioria dos estudos associou a doença às condições socioeconómicas da população e às condições sanitárias. Portanto, além de atividades educativas voltadas à população, deve-se, também, promover melhorias nas condições sanitárias urbanas.
Em relação ao ambiente rural, apenas dois estudos foram localizados, sendo necessário o aprofundamento sobre a transmissão da leishmaniose nessas áreas. É recomendável a realização de ações educativas voltadas às atividades ocupacionais no ambiente rural: o uso de equipamentos de proteção individual, por exemplo, poderia contribuir para a redução dos casos de leptospirose entre os camponeses.
Referências
1. Bharti AR, Nally JE, Ricaldi JN, Matthias MA, Diaz MM, Lovett MA, et al. Leptospirosis: a zoonotic disease of global importance. The Lancet Infectious Diseases. 2003; 3(12):757-771.
2. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de vigilância epidemiológica. 7a ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. [acessado em 20 mar. 2010]. Disponível em http://portal.saude.gov.br/portal/saude/Gestor/area.cfm?id_area=1498
3. Organização Panamericana da Saúde. Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los animales. 3a ed. Washington; Organização Panamericana da Saúde; 2003. Vol. 1.
4. Ko AI, Reis MG, Dourado CMR, Johnson WD, Riley LW. Urban epidemic of severe leptospirosis in Brazil. The Lancet. 1999; 354(9181):820-825.
5. Zavitsanou Z, Babatsikou F. Leptospirosis: epidemiology and preventive measures. Health Science Journal. 2008; 2(2):75-82.
6. Almeida PA, Martins LFS, Brod CS, Germano ML. Levantamento soroepidemiológico de leptospirose em trabalhadores do serviço de saneamento ambiental em localidade urbana da região sul do Brasil. Revista de Saúde Pública. 1994; 28(1):76-81.
7. Levett PN. Leptospirosis. Clinical Microbiology Reviews. 2001; l4(2):296-326.
8. Scientific Eletronic Library Online [Internet]. São Paulo: FAPESP; BIREME. [acessado em 12 dez. 2009]. Disponível em http://www.scielo.org/php/index.php
9. Biblioteca Virtual em Saúde [Internet]. São Paulo: BIEREME; OPAS; OMS. [acessado em 10 jan. 2010]. Disponível em http://www.bireme.br/php/level.php?la ng=pt&component=107&item=107
10. Pub Med. gov [Internet]. Bethesda: NLM. [acessado em 12 dez. 2009]. Disponível em http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/
11. Literatura Latino-americana em Ciências da Saúde [Internet]. São Paulo: BIREME. [acessado em 12 dez. 2009]. Disponível em http://bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind.exe/iah/cys/?IsisScript=iah/iah. xis&base=LILACS&lang=p
12. Lacerda HG, Monteiro GR, Oliveira CCG, Suassuna FB, Queiroz JW, Barbosa JDA, et al. Leptospirosis in a subsistence farming community in Brazil. Transactions of the Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene. 2008; 102(12):1233-1238.
13. Costa E, Costa YA, Lopes AA, Sacramento E, Bina JC. Severe forms of leptospirosis: clinical, demographic and environmental aspects. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. 2001; 34(3):261-267.
14. Sarkar U, Nascimento SF, Barbosa R, Martins R, Nuevo H, Kalafanos I, et al. Population-based case-control investigation of risk factors for leptospirosis during an urban epidemic. American Journal of Tropical Medicine and Hygiene. 2002; 66(5):605-610.
15. Dias JP, Teixeira MG, Costa MCN, Mendes CMC, Guimarães P, Reis MG, et al. Factors associated with Leptospira sp infection in a large urban center in northeastern Brazil. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. 2007; 40(5):499-504.
16. Reis RB, Ribeiro GS, Felzemburgh RDM, Santana FS, Mohr S, Melendez AXTO, et al. Impact of environment and social gradient on Leptospira infection in urban slums. Plos Neglected Tropical Diseases. 2008; 2(4):228.
17. Maciel EAP, Carvalho ALF, Nascimento SF, Matos RB, Gouveia E L, Reis MG, et al. Household transmission of Leptospira infection in urban slum communities. Plos Neglected Tropical Diseases. 2008; 2(1):154.
18. Barcellos C, Sabroza PC. The place behind the case: leptospirosis risks and associated environmental conditions in a flood-related outbreak in Rio de Janeiro. Cadernos de Saúde Pública. 2001;17 Suppl:S59-67.
19. Tassinari WS, Pellegrini DCP, Sabroza PC, Carvalho MS. Spatial distribution of leptospirosis in the city of Rio de Janeiro, Brazil, 1996-1999. Cadernos de Saúde Pública. 2004; 20(6):1721-1729.
20. Figueiredo CM, Mourão AC, Oliveira MAA, Alves WR, Ooteman MC, Chamone CB, et al. Human leptospirosis in Belo Horizonte City, Brazil: a geographic approach. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 2001; 34(4):331-338.
21. Romero EC, Bernardo CC da M, Yasuda PH. Human leptospirosis: a twenty-nine-year serological study in São Paulo, Brazil. Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo 2003; 45(5):245-248.
22. Barcellos C, Lammerhirt CB, Almeida MAB, Santos E. Spatial distribution of leptospirosis in Rio Grande do Sul, Brazil: recovering the ecology of ecological studies. Cadernos de Saúde Pública 2003; 19(5):1283-1292.
23. Organização Mundial da Saúde. Faine S. Guidelines for the control of leptospirosis. Geneva: Organização Mundial da Saúde; 1982.
24. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Situação epidemiológica das zoonoses de interesse à saúde pública. Boletim Eletrônico Epidemiológico. 2009; 9(1):2-17 [acessado em 21 mar. 2010]. Disponível em http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/boletim_epidemiologico_zoonoses_062009.pdf
25. Vitale G, La Russa C, Galioto A, Chifari N, Mocciaro C, Caruso R, et al. Evaluation of an IgM-ELISA test for the diagnosis of human leptospirosis. New Microbiology. 2004; 27(2):149-54.
26. Chirathaworn C, Kaewopas Y, Poovorawan Y, Suwancharoen D. Comparison of a slide agglutination test, LeptoTek Dri-Dot, and IgM-ELISA with microscopic agglutination test for Leptospira antibody detection. The Southeast Asian Journal of Tropical Medicine and Public Health. 2007; 38(6):1111-1114.
27. Arsky MLS, Oliveira WK, Oliveira RC, Arruda AS. Probable areas of infection and ambience of occurrence of human leptospirosis in Brazil (20012003). Revista Cubana de Medicina Tropical. 2005; 57(1):59-60.
28. Chamizo Garcia HA, Cruz de la Paz R, Borroto Ponce R. Estudio Geoepidemiologico de la Leptospirosis Humana en Cuba. Revista Cubana de Higiene y Epidemiología. 1996; 34(1):15-22.
29. Desvars A, Jégo S, Chiroleu F, Bourhy P, Cardinale E, Michault A. Seasonality of human leptospirosis in Reunion Island (Indian Ocean) and its association with meteorological data. PLoS One. 2011; 6(5):e20377.
30. World Health Organization. Western Pacific Region. Regional emergency collaboration, action and preparedness: Typhoons in the Philippines. Emergency and Humanitarian Action. 2009; 5:1-4.
31. Storck CH, Postic D, Lamaury I, Perez JM. Changes in epidemiology of leptospirosis in 2003-2004, a two El Nino Southern oscillation period, Guadeloupe archipelago, French West Indies. Epidemiology and Infection. 2008; 136(10):1407-15.
32. Greenland SG, O'Rourke K. Meta-analysis. In: Rothman KJ, Greenland, Lash TL, editors. Modern epidemiology. 3rd ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2008.
Endereço para correspondência:
Coordenação de Vigilância das Doenças
Transmitidas por Vetores e Antropozoonoses/
ecretaria de Vigilância em Saúde/ Ministério da Saúde,
Setor Comercial Sul, Quadra 4, Bloco A,
Edifício Principal, 2° andar, Brasília-DF, Brasil.
CEP:70304-000
E-mail:daniele.pelissari@saude.gov.br; dani_pelica@hotmail.com
Recebido em 29/03/2010
Aprovado em 13/12/2011