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Epidemiologia e Serviços de Saúde
versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde v.21 n.2 Brasília jun. 2012
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742012000200007
ARTIGO ORIGINAL
Conhecimento dos profissionais de saúde sobre a situação da tungíase em uma área endêmica no município de Uberlândia, Minas Gerais, Brasil, 2010*
Tungiasis-related knowledge of health professionals from an endemic area of Uberlândia, Minas Gerais, Brazil, 2010
Tatiana Ferraz CarvalhoI; Liana ArizaII; Jorg HeukelbachIII; Juliana Junqueira SilvaIV; Júlio MendesV; Alcides de Assis e SilvaIV; Jean Ezequiel LimongiVI
ICurso de Saúde Pública e da Família, Departamento de Pós Graduação, Instituto Passo 1, Uberlândia-MG, Brasil
IIDepartamento de Saúde Comunitária, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza-CE, Brasil
IIIDepartamento de Saúde Comunitária, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza-CE, Brasil. School of Public Health, Tropical Medicine and Rehabilitation Sciences, James Cook University, Townsville, Australia
IVCentro de Controle de Zoonoses de Uberlândia, Secretaria Municipal de Saúde de Uberlândia, Prefeitura Municipal de Uberlândia, Uberlândia-MG, Brasil
VNúcleo de Imunologia, Microbiologia e Parasitologia, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia-MG, Brasil
VICentro de Controle de Zoonoses de Uberlândia, Secretaria Municipal de Saúde de Uberlândia, Prefeitura Municipal de Uberlândia Uberlândia-MG, Brasil. Curso de Saúde Pública e da Família, Departamento de Pós Graduação, Instituto Passo 1, Uberlândia-MG, Brasil
RESUMO
OBJETIVO: descrever o conhecimento dos profissionais de saúde sobre a tungíase em área endêmica.
MÉTODOS: estudo transversal, mediante aplicação de questionário estruturado a profissionais de Saúde Pública de seis bairros no município de Uberlândia, estado de Minas Gerais, Brasil, em 2010.
RESULTADOS: participaram do estudo 78 profissionais de saúde, dos quais 38 observaram alta prevalência de tungíase em humanos; para 61 deles, a ocorrência da tungíase tem variação sazonal, de julho a setembro; casos graves foram corretamente associados a infecções secundárias (20/78) ou superinfestação (11/78); a maioria das questões teve considerável proporção de respostas 'Não sabe' (Mín-Máx: 8/78-52/78), especialmente aquelas relacionadas à epidemiologia da doença.
CONCLUSÃO: a tungíase é negligenciada na atenção primária e o conhecimento dos profissionais de saúde sobre a doença, mesmo lotados em área endêmica, é insuficiente.
Palavras-chave: Tungíase; Pessoal de Saúde; Educação Profissional em Saúde Pública.
ABSTRACT
OBJECTIVE: to describe tungiasis-related knowledge of health professionals in an endemic area.
METHODS: a cross-sectional study, using structured questionnaire applied to 78 public health professionals of six districts in the municipality of Uberlândia, state of Minas Gerais, Brazil, in 2010.
RESULTS: the study included 78 health professionals, from which 38 reported their observation of high prevalence of tungiasis in humans; for 61 of them, tungiasis occurrence has seasonal variation, from July to September; severe cases were correctly associated with secondary infections (20/78) or superinfestation (11/78); most of the questions had considerable proportion of answers 'Do not know' (Min-Max: 8/78-52/78), especially those related to the epidemiology of the disease.
CONCLUSION: tungiasis is neglected by primary health care and the knowledge of health professionals about the disease, even in endemic areas were they work, is insufficient.
Key words: Tungiasis; Health Personnel; Education, Public Health Professional.
Introdução
A tungíase, popularmente conhecida como bicho-de-pé, é causada pela penetração de pulgas fêmeas da espécie Tunga penetrans na epiderme de seus hospedeiros, os quais incluem o homem e diversos animais endotérmicos.1,2 As pulgas fêmeas, após penetração permanente na epiderme do hospedeiro, mostram uma importante hipertrofia, expelindo centenas de ovos no ambiente, durante um período de duas a três semanas.3
Nas áreas endêmicas, os indivíduos afetados podem apresentar dezenas de parasitos, em diferentes estágios de desenvolvimento.4,5 Nessa condição, são comuns reação inflamatória pruriginosa e dolorida, dificuldades de postura e locomoção (claudicação), até necrose óssea e tendinosa e, inclusive, perda dos dedos dos pés. Além disso, os orifícios deixados no corpo dos hospedeiros tornam-se passíveis de infecções secundárias por agentes oportunistas, como Clostridium tetani, causador do tétano, e Paracoccidiodes brasiliensis, causador das blastomicose.5-7
As principais áreas endêmicas da tungíase são as zonas rurais e áreas urbanas de extrema pobreza da America Latina, África e Caribe,6,8,9 onde as prevalências variam entre 16,0 e 54,0%, sendo as crianças o principal grupo afetado. No Brasil, a enfermidade ocorre do Norte ao Sul do país, concentrando-se em áreas urbanas de baixo nível socioeconômico, comunidades rurais e pesqueiras. Nestas áreas, e não muitas vezes, os indivíduos são gravemente infestados, apresentando úlceras e abscessos, deformações digitais, dificuldade de andar, entre outras condições associadas à tungíase.5,9-14
A doença é comumente negligenciada, tanto por pesquisadores, profissionais de saúde e autoridades de Saúde Pública como, também, pelas populações afetadas.15 Consequentemente, medidas de controle da tungíase são raramente debatidas ou implementadas nas áreas onde ela ocorre,16 sendo esse cenário onde a presente pesquisa foi desenvolvida, com o objetivo descrever o conhecimento dos profissionais de saúde da Atenção Básica e do Centro de Controle de Zoonoses sobre a tungíase e sua importância como problema de Saúde Pública em área endêmica do município de Uberlândia, estado de Minas Gerais, Brasil, no ano de 2010.
Métodos
O estudo foi realizado no setor leste do Município de Uberlândia-MG, que concentra sete bairros e dois assentamentos irregulares. Essas áreas, principalmente os assentamentos, possuem condições de saneamento, infraestrutura e qualidade de vida deficientes. No conjunto, formam o chamado "bolsão de pobreza" do município. Uberlândia-MG está localizada na porção sudoeste do estado de Minas Gerais, região do Triângulo Mineiro.
A cobertura da Estratégia Saúde da Família (ESF) era de 100,0% da área de estudo. Sete unidades básicas da ESF formam a rede de atenção primária. Na área, também se faz presente a atuação regular dos agentes de controle de zoonoses.
Entre janeiro e fevereiro de 2010, foi realizado um estudo transversal incluindo os profissionais de saúde (médicos, enfermeiras, técnicos de enfermagem e agentes de saúde) das unidades básicas da ESF e os agentes de controle de zoonoses responsáveis pelo monitoramento do Programa de Controle da Dengue da área. Os profissionais de saúde foram identificados previamente, na Secretaria Municipal de Saúde.
O instrumento básico para a coleta de dados constitui-se de um questionário auto-aplicável, criado especialmente para este estudo, com 21 questões - dez objetivas e 11 discursivas -, pré-testado.
O questionário - que passou por reformulações pertinentes, conclusivas do pré-teste - abordava questões sobre conhecimento de ocorrência da tungíase, gravidade, principais grupos populacionais afetados, medidas e práticas de tratamento e controle, além de tratar da relevância da doença como problema de Saúde Pública.
Em visita às unidades de Saúde da Família e ao Centro de Controle de Zoonoses, os profissionais de saúde e agentes de controle de zoonoses presentes foram convidados, por estes pesquisadores, a responder o questionário. As unidades foram visitadas uma única vez, em dia previamente agendado com suas coordenações. Um dos autores do estudo acompanhou a coleta dos dados.
Os dados coletados foram inseridos e analisados pelo programa Epi Info versão 3.5.1 (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, EUA), e verificados, para dirimir possíveis erros de digitação. Foi realizada a distribuição de frequências de variáveis categóricas. Para as variáveis contínuas, calculou-se média e desvio-padrão.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Uberlândia (UFU): Protocolo no 681/09. Os participantes foram formalmente integrados ao estudo após seu esclarecimento de todas as etapas previstas e a assinatura, por cada um, de um 'Termo de Consentimento Livre e Esclarecido'.
Resultados
Dos 96 profissionais da atenção primária que atuavam na área de estudo, 78 participaram da pesquisa. Oito profissionais de saúde não se encontravam na unidade de saúde durante a visita - por motivos de afastamento, como férias. A coordenação de uma das unidades não autorizou a participação de sua equipe de dez profissionais. Dos 78 participantes efetivados, 41 eram agentes comunitários de saúde, 13 técnicos de enfermagem, 13 agentes de controle de zoonoses, seis médicos e cinco enfermeiros. A maioria era do sexo feminino (67/78); e a média de idade, de 36,6 (Desvio-padrão ±10,5; Mín-Máx de 21-64 anos). O tempo médio de atuação profissional dos participantes na área de estudo foi de 3,7 anos (Desvio-padrão ±3,3; Mín-Máx 1 mês-17 anos).
Grande parte dos profissionais entrevistados (38/78) relatou a ocorrência da tungíase em humanos, em sua área de atuação. Entre os que responderam sobre quais grupos eram mais atingidos pela tungíase, para 15, de um total de 26, seria o sexo masculino, e para 37, de um total de 59, as crianças. Foi relatado que a tungíase também ocorria em animais e destes, os cães seriam os mais afetados (22/78). A maioria dos respondentes (61/78) considerou o período do ano de julho a setembro como de maior ocorrência da tungíase, sendo agosto o mês mais citado (33/78) (Tabela 1).
Quanto à gravidade da tungíase, dois profissionais relataram casos de internação devidos à infestação por T. penetrans. Porém, a maioria (54/78) afirmou que nunca encaminhou qualquer pedido de internação. Dos 78 participantes, 23 afirmaram não ter informação sobre esse evento associado à tungíase e 31 não souberam como definir 'caso grave de tungíase'. Entretanto, a concepção de caso grave foi corretamente associada a infecções secundárias (20/78) e superinfestação (11/78). A presença de comorbidades também foi relatada e, entre elas, diabetes (4/6) foi a mais citada (Tabela 1).
Entre as práticas de prevenção da tungíase conhecidas pelos entrevistados, a manutenção de boas condições de higiene (34/78) e o uso de calçados (28/78) foram as mais citadas, além do uso de vários produtos. A falta de higiene foi considerada nas respostas como o principal fator condicionante da ocorrência da tungíase (53/78); a criação de animais, principalmente porcos, também foi citada (19/78) (Tabela 2). A Tabela 2 também detalha o conhecimento sobre tratamento da tungíase: a remoção da pulga foi o tratamento mais referido (60/78), não obstante mais de 1/5 dos entrevistados desconhecesse qualquer tipo de tratamento.
Para 53 entrevistados, a tungíase não era um problema de Saúde Pública e apenas 14 deles conferiram à doença tal status (Tabela 3). Foi relatado que a infestação ocorria com frequência em sua área, e que estava associada a infecções secundárias.
A maioria das perguntas apresentou elevada proporção de entrevistados que não sabiam a resposta. As maiores proporções de falta de conhecimento foram identificadas na seção que diz respeito à epidemiologia da tungíase e sua gravidade (Tabela 1).
Discussão
Ectoparasitoses como a pediculose, escabiose, larva migrans cutânea e tungíase são comuns em comunidades carentes do Brasil embora frequentemente negligenciadas, tanto pela população como pelos profissionais de saúde.17 Os dados do presente estudo mostram que, de maneira geral, o conhecimento a respeito da tungíase era insuficiente, evidenciado pelo alto número de questões respondidas com 'Não sabe' ou com respostas divergentes. A opinião sobre a frequência com que ocorre a doença, por exemplo, foi incoerente entre os profissionais que discordaram em relação a sua incidência na área em que trabalham.
Houve uma perda importante de 18 profissionais da amostra, devido, principalmente, à recusa da coordenação de uma equipe de ESF, composta por dez profissionais, para que seus funcionários participassem do estudo. Não foi possível avaliar se essas perdas influenciaram os resultados apresentados mas é importante ressaltar que os conhecimentos e práticas dos profissionais dessa equipe podem ser influenciados pelas características socioepidemiológicas da população do território sob sua responsabilidade.
Apesar de o instrumento conter a maior parte de questões de tipo discursiva, havia as objetivas, que, possivelmente, teriam superestimado o conhecimento dos profissionais, que poderiam ter assinalado respostas mesmo sem ter conhecimento delas.
Estudos prévios mostraram que o desconhecimento e/ou uso de conceitos errôneos sobre doenças por profissionais de saúde pode levar a negligência na prevenção e tratamento, bem como nas medidas de controle.18-21 No caso da tungíase, os dados sobre conhecimento, atitudes e práticas são todavia mais escassos, e a importância da doença é subestimada. Por exemplo, estudo realizado em Fortaleza-CE mostrou que a tungíase foi quase totalmente negligenciada por médicos da atenção primária atuantes em área de alta prevalência.17 Winter e colaboradores15 mostraram, em estudo sobre conhecimento, atitudes e práticas da população afetada, que a terapêutica da tungíase foi realizada pelos próprios pacientes; e concluíram que um mínimo de suporte do setor Saúde, como fornecimento de agulhas hipodérmicas e educação em saúde, reduziria a intensidade da infestação, a superinfecção bacteriana e outras morbidades associadas.15 Há necessidade de se implementar programas educacionais específicos para os profissionais de saúde, sobre ectoparasitoses e outras doenças negligenciadas. Esses programas poderiam, inclusive, ser integrados a medidas de intervenção dirigidas contra outras doenças negligenciadas, como filariose e helmintíases intestinais.22
Animais são conhecidos como importantes reservatórios, e a tungíase, considerada uma zoonose.1,23 A presença de ratos e animais errantes, ou animais domésticos como gatos e cães, favorece a disseminação da pulga no ambiente. Porém, o conhecimento sobre reservatórios da tungíase foi escasso entre os entrevistados, e mais da metade deles não respondeu a essa questão ou respondeu-a erroneamente. De fato, a importância de cães, gatos e ratos como reservatórios foi constatada em comunidades do Ceará1 e na Nigéria, porcos foram identificados entre os principais reservatórios de T. penetrans.24 O desconhecimento da tungíase como doença zoonótica interfere sobremaneira nas medidas de controle. Ações voltadas para o controle de reservatórios certamente diminuiriam a incidência de casos humanos.
Os entrevistados reconheceram as crianças como o grupo mais vulnerável. Vários estudos também corroboram que crianças são mais susceptíveis à tungíase, devido, principalmente, a seu comportamento em áreas pobres onde ocorre a doença, como andar descalço ou brincar em contato direto com o solo.9,12,25,26 Alguns autores também acreditam que a prevalência da tungíase tem relação com a idade: a queratinização da pele dos pés dos adultos dificultaria a penetração da pulga.27,28
Em relação ao sexo, os estudos disponíveis são discordantes. Em vários deles, a doença ocorreu em proporções similares, entre homens e mulheres,5,13,29-31 enquanto outros estudos encontraram uma diferença entre ambos os grupos. Novamente, uma explicação plausível seria de que as diferenças encontradas entre sexos estariam associadas às diferenças sociocomportamentais entre homens e mulheres, nas comunidades endêmicas.27,32 Por exemplo, indivíduos do sexo masculino, principalmente durante a infância, são mais frequentemente expostos à T. penetrans por suas atividades de lazer na comunidade.
A incidência da tungíase mostra uma variação sazonal dominante, com maiores prevalências nas épocas mais quentes e secas, e prevalências mais baixas na estação chuvosa.30 De fato, grande parte dos profissionais (61/78) participantes do estudo reconheceu o terceiro trimestre do ano, época de calor e seca no local, como o período de maior prevalência da tungíase. A alta umidade do solo na época de chuva prejudica o desenvolvimento de estágios de vida livre de T. penetrans;30 porém, grande parte dos participantes desconhecia um período típico de ocorrência da doença. A ocorrência sazonal da tungíase favorece o planejamento de estratégias de controle e a busca ativa de casos graves; raramente, contudo, as ações de controle de doenças de ocorrência sazonal contemplam o fator tempo.
Uma grande parcela dos entrevistados não se sentia segura para definir um caso grave de tungíase, embora a superinfestação e a presença de infecções secundárias tenham sido - corretamente - as situações mais associadas a casos graves. Na área deste estudo, a superinfestação não ocorre com frequência mas casos associados, inclusive de internação, já foram relatados (Limongi, comunicação pessoal). Em áreas endêmicas, as altas infestações estão associadas, principalmente, a condições precárias de moradia, falta de educação em saúde e presença de animais.25 As infecções secundárias são muito comuns na tungíase, causadas por uma grande variedade de microorganismos patogênicos.13,31,33,34
Entre as formas de prevenção, as mais conhecidas dos profissionais foram o uso de calçados e as práticas de higiene. Estas são as formas mais preconizadas na literatura, para a prevenção da tungíase.16,22 Entretanto, estudo realizado em Fortaleza-CE não observou efeito protetor completo para o uso de calçados fechados.25 Além disso, o uso contínuo de calçados não é comum, até culturalmente não aceito por algumas comunidades. Existe a descrição de tungíase em indivíduos que visitam áreas com altas infestações, mesmo naqueles que utilizam calçados fechados, como botas de segurança (Limongi, comunicação pessoal). Os profissionais também relataram o uso de cal (óxido de cálcio) no solo pelos moradores, como medida de prevenção da infestação. Esse procedimento é adotado empiricamente, nos quintais infestados por T. penetrans, não havendo estudos sistemáticos que comprovem sua efetividade.
A retirada da pulga foi citada entre os profissionais como a principal forma de tratamento da tungíase. A terapia-padrão consiste na remoção da pulga com uma agulha esterilizada, seguida da aplicação tópica de antibiótico no caso de infecção secundária.12 Entretanto, os cuidados com os indivíduos infestados, frequentemente, não são realizados pelas equipes de Saúde da Família. A retirada de T. penetrans em crianças é feita quase sempre pelas mães, não por profissionais de saúde.15 Considerando-se esses aspectos, poder-se-ia evitar casos graves mediante uma intervenção estruturada, que incluísse educação em saúde para a população e distribuição de material adequado para retirada da pulga. Trata-se de uma intervenção da atenção primária com baixo investimento de recursos financeiros e poucos recursos humanos envolvidos, frente ao impacto que causaria na comunidade. Durante a estação seca, em razão das altas taxas de infestação, famílias necessitam de 20 a 30 minutos para examinar e extrair as pulgas de suas crianças, em áreas gravemente afetadas. Intervenções socioambientais também são necessárias, dirigidas aos reservatórios animais e ao ambiente peridomiciliar.13,22,30,35 Intervenções devem ser realizadas de forma multidisciplinar para alcançar sustentabilidade, incluindo profissionais da área da Saúde Pública, veterinários e assistentes sociais. A vacinação contra o tétano deve ser verificada pelos profissionais de saúde, visto que, frequentemente, são utilizados instrumentos inadequados para remoção das pulgas.3,13
O conhecimento insuficiente dos profissionais pode ser explicado pelo fato de a tungíase ocorrer de forma focalizada, podendo não se manifestar como uma doença endêmica em toda a área de estudo, e sim concentrada nos locais de mais baixos recursos. Apenas algumas unidades e profissionais atenderiam aos casos de tungíase. Ademais, estudos mostram que mesmo em áreas endêmicas afetadas, é baixa a proporção de indivíduos com tungíase que procuram a unidade de saúde por conta da doença.17 Assim, torna-se difícil basear-se apenas nos profissionais de saúde para estimar a prevalência ou identificar áreas de risco. Estudo conduzido em favela de Fortaleza-CE demonstrou que a prevalência de tungíase e pediculose registrada em centro de saúde difere, significativamente, da real prevalência dessas ectoparasitoses na comunidade.17 Em outras doenças, das quais se conhece a ocorrência embora se desconheça a prevalência, o primeiro passo para a delimitação das áreas de alto risco está no papel de informantes-chave na própria comunidade, como chefes/líderes, e/ou na identificação da prevalência em grupos mais atingidos, como escolares. Em áreas endêmicas da esquitossomose, por exemplo, esses métodos de estimação rápida da prevalência e gravidade da doença na comunidade já estão estabelecidos.36,37 Portanto, são necessários estudos transversais como propósito de identificar a real situação da prevalência e incidência da doença na área que serviu a esta pesquisa.
A tungíase é amplamente negligenciada pelos profissionais de saúde, apesar de casos graves terem sido relatados, alguns levados a óbito.38 É costume considerar a tungíase apenas um incômodo e não uma infecção importante na área endêmica estudada. As conclusões deste estudo indicam que mais esforços devem ser empreendidos para melhorar a informação, educação e atuação dos profissionais de saúde frente à tungíase.
Contribuição dos autores
Carvalho TF realizou o delineamento do estudo, interpretação dos dados e redação do artigo.
Ariza L e Heukelbach J contribuiram na redação, revisão crítica do conteúdo intelectual do manuscrito e aprovação final.
Silva JJ, Mendes J e Silva AA contribuiram na revisão crítica do conteúdo intelectual do manuscrito e aprovação final.
Limongi JE contribuiu na concepção e delineamento do estudo, análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica do conteúdo intelectual do manuscrito e aprovação final.
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Endereço para correspondência:
Av. Alexandrino Alves Vieira, 1423,
Bairro Liberdade, Uberlândia, MG, Brasil.
CEP: 38401-240
E-mail: jeanlimongi@gmail.com
Recebido em 04/07/2011
Aprovado em 26/06/2012
*Manuscrito originado da monografia de especialização de Tatiana Ferraz Carvalho no curso de Saúde Pública e da Família no Instituto Passo 1 de Pós-graduação.