SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.21 número2Mortalidade por causas externas na microrregião de São Mateus, estado do Espírito Santo, Brasil: tendências de 1999 a 2008Índice de massa corporal obtido por medidas autorreferidas para a classificação do estado antropométrico de adultos: estudo de validação com residentes no município de Salvador, estado da Bahia, Brasil índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

  • Não possue artigos citadosCitado por SciELO

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.21 n.2 Brasília jun. 2012

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742012000200014 

ARTIGO ORIGINAL

 

Acidentes e doenças relacionadas ao trabalho em Jequié, Bahia, registrados no Instituto Nacional de Seguridade Social, 2008-2009

 

Occupational injuries and diseases in the municipality of Jequié, state of Bahia, Brazil, registered in National Institute of Social Security, 2008-2009

 

 

Marcela Andrade RiosI; Adriana Alves NeryI; Murilo da Silva AlvesII; Cléber Souza de JesusIII

IPrograma de Pós Graduação em Enfermagem e Saúde, Departamento de Saúde, Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Jequié-BA, Brasil
IIDepartamento de Ciências da Saúde, Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilheús-BA, Brasil
IIIDepartamento de Saúde, Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Jequié-BA, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: conhecer o perfil dos acidentes e doenças relacionadas ao trabalho no município de Jequié, estado da Bahia, Brasil, registrados no Instituto Nacional de Seguridade Social em 2008-2009.
MÉTODOS: estudo descritivo, com dados das Comunicações de Acidente do Trabalho (CAT) disponibilizadas pelo Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest).
RESULTADOS: foram registrados 144 casos novos de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho; acidente típico foi o mais frequente (44,5%), seguido por acidentes de trajeto (33,3%) e doenças relacionadas ao trabalho (22,2%). A maior parte das comunicações (80,6%) ocorreu por parte do empregador, seguida pelo Cerest (11,1%) e sindicatos de trabalhadores 7,6%). O ramo de atividade com maior número de acidentes de trabalho foi o das indústrias de transformação (40,6% de acidentes típicos; 54,1% de acidentes de trajeto).
CONCLUSÃO: observou-se semelhança nas ocorrências locais, comparadas com a tipologia dos acidentes e doenças envolvendo trabalhadores no Brasil.

Palavras-chave: Trabalho; Notificação de Acidentes de Trabalho; Vigilância em Saúde do Trabalhador; Epidemiologia Descritiva.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to investigate the profile of accidents and occupational diseases among workers of the municipality of Jequié, state of Bahia, Brazil, registered in the National Social Security Institute, in 2008-2009.
METHODS: cross-sectional descriptive study based on data from the Occupational Accidents Registries (CAT) provided by the Reference Center on Occupational Health (Cerest).
RESULTS: 144 new cases of occupational accidents and diseases were registered; typical accidents were the most frequent (44.5%), followed by commuting accidents (333%), and work-related diseases (22.2%). The majority of notifications (80.6%) were by the employer, followed by Cerest (11.1%) and the union of workers (7.6%); industrial transformation sector had the highest number of accidents (40.6% of typical accidents; 54.1% of commuting accidents).
CONCLUSION: similarity was observed on local occurrence compared with types of accidents and occupational diseases involving workers in Brazil.

Key words: Work; Occupational Accidents Registry; Surveillance of the Workers Health; Descriptive Epidemiology.


 

 

Introdução

Os acidentes e as doenças relacionadas ao trabalho configuram-se como um complexo problema econômico, social e de Saúde Pública para um país, com repercussões nas condições de vida e saúde dos trabalhadores e suas famílias, gerando ônus econômico e social.

O acometimento de acidentes e doenças pelos trabalhadores vem desde os tempos mais remotos, descrito por Hipócrates, Plínio, Paracelso e Ramazzini.1 Com o advento da Revolução Industrial e a expansão do modo de produção capitalista, o trabalho, até então uma realização individual, assumiu conotação comercial, na qual o homem vende sua força de trabalho para sobreviver tornando-se, desse modo, mais vulnerável a acidentes e doenças relacionadas às novas formas de ocupação laboral.

O trabalho, enquanto categoria social, expõe aqueles que o exercem a múltiplos condicionantes de acidentes e doenças, geram prejuízo aos trabalhadores e empregadores e afetam a economia do país. Trata-se de uma importante questão para a Saúde Pública, merecedora, portanto, de melhor compreensão para ser controlada.2

Estudo realizado pelo Institute of Occupational Safety Engineering, da University of Technology de Tampere, Finlândia, em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), estimou cerca de 270 milhões os acidentes de trabalho no mundo, causando ao menos três dias de ausência no trabalho a cada ano, em média. Por dia, 1000 trabalhadores morrem no exercício do seu trabalho. Neste contexto, o Brasil ocupa o quarto lugar no mundo em relação ao risco de morte no trabalho.3,4

O termo acidente de trabalho é definido pela legislação brasileira no Artigo 19 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991:

"o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados (...), provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho."5

No âmbito da Previdência Social, os acidentes de trabalho referem-se às doenças ocupacionais e às lesões decorrentes de causas externas, ocorridas no ambiente das atividades ocupacionais e/ou no trajeto de ida ou retorno ao local de trabalho.5 Quando ocorre um acidente de trabalho, típico ou de trajeto, ou quando surgem sintomas de doença relacionados com o processo laboral, é necessário que a empresa faça a notificação, por intermédio do formulário de Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT), ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), parte integrante do Ministério da Previdência Social.

A emissão desse documento registra e reconhece, oficialmente, o agravo e garante ao trabalhador, a depender do caso, a possibilidade do recebimento de auxílio acidente ou auxílio doença. Além disso, as informações disponíveis na CAT servem para estudos sobre esses agravos, possibilitando o delineamento de políticas de prevenção.6 Porém, esse instrumento de notificação se enquadra na realidade dos profissionais celetistas exclusivamente, deixando mais de 40,0% de trabalhadores fora das estatísticas de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho.7

A CAT é preenchida em seis vias, destinadas ao INSS, à empresa, ao segurado ou dependente, ao sindicato de classe do trabalhador, ao Sistema Único de Saúde (SUS) e à Delegacia Regional do Trabalho.6 Por meio dela, é possível obter informações a respeito do empregador, empregado, acidente ou doença e atestado médico.

A comunicação destinada ao SUS, no caso do município de Jequié-BA e demais cidades pertencentes à 13a Diretoria Regional de Saúde (Dires) do Estado da Bahia, são enviadas ao Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) local. Os Cerest compõem a Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador e têm por finalidade atender aos trabalhadores do município que apresentem doenças ou sejam vítimas de acidentes relacionados ao trabalho, assim como reunir informações e realizar pesquisas na área de Saúde do Trabalhador.

Jequié, interior do estado da Bahia, possui uma economia diversificada, abarcando os ramos da agricultura, pecuária, mineração, indústrias do setor petrolífero e empresas voltadas à produção de alimentos, calçados e confecções. Contudo, há poucos estudos relativos aos acidentes e doenças do trabalho no Município, fazendo com que o cenário desses agravos seja ignorado das instituições e sociedade geral.

Este estudo tem por objetivo conhecer o perfil dos acidentes e doenças relacionadas ao trabalho no município de Jequié-BA, registrados no INSS no período 2008-2009.

 

Métodos

Trata-se de um estudo descritivo, transversal, com base nas informações contidas nas Comunicações de Acidente do Trabalho emitidas no período 2008-2009 e registradas no INSS, envolvendo trabalhadores do município de Jequié-BA, sudoeste da Bahia, distante 365km da capital Salvador-BA. Jequié-BA conta com população de 151.895 habitantes, segundo o censo demográfico realizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010.8 As CAT foram disponibilizadas pelo Cerest do município.

Uma das vias das comunicações dos acidentes laborais emitidas pelos sindicatos de trabalhadores, empregadores, segurados e Cerest, após registro no INSS do Município, são enviadas e arquivadas no Cerest.

Para o presente estudo, foram selecionadas as Comunicações de Acidente do Trabalho - CAT - de dois tipos: inicial; e comunicação de óbito. O primeiro tipo de comunicação, CAT inicial, corresponde ao registro de acidente ou doenças relacionada ao trabalho sem notificação anterior, enquanto a CAT comunicação de óbito refere o falecimento decorrente de acidente ou doença do trabalho.5 Foram excluídas do estudo as CAT de reabertura, ou seja, as comunicações de reinício de tratamento ou afastamento por agravamento de lesão de acidente do trabalho ou doença profissional, registradas junto ao INSS anteriormente.

Para a coleta de dados, adotou-se um formulário com campos estruturados, referentes a: variáveis do empregador (ramo de atividade econômica); acidentado (características sociodemográficas e ocupação); acidente ou doença relacionada ao trabalho (tipo de acidente ou doença, turno e horas trabalhadas até o acometimento por acidente, local de ocorrência, agente causador, situação geradora e ocorrência de óbito); atestado médico [partes do corpo atingidas, natureza da lesão, código da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - Décima Revisão (CID-10) atribuído, unidades de atendimento médico, necessidade de afastamento e de internação hospitalar, duração do tratamento]; e aspectos referentes ao emitente da comunicação.

Os dados foram armazenados, tabulados e analisados pelo programa Epi Info versão 3.5.1. A análise se baseou em estatísticas descritivas, além do cálculo dos coeficientes de mortalidade e letalidade por acidentes de trabalho.

Para a codificação das variáveis, foram adotadas as seguintes classificações: Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE 2.0) (2007), para o ramo de atividade econômica dos empregadores; Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) (2002), para as ocupações dos trabalhadores; e a CID-10 (2008), para as lesões causadas pelos acidentes e/ou doenças relacionadas ao trabalho.

Com o intuito de verificar a causa dos acidentes e doenças relacionadas ao trabalho - embora se reconheça a existência de multicausalidade nessas ocorrências -, a variável foi classificada de acordo com a causa mais imediata relacionada ao evento. O mesmo critério de classificação foi utilizado em outros estudos.9,10

Para o cálculo do coeficiente de mortalidade por acidentes de trabalho, foram utilizados, como denominador das equações, o número de trabalhadores formais do município, nos anos de 2008 e 2009, fornecido pelo Programa de Disseminação de Estatísticas do Ministério do Trabalho e Emprego.

O coeficiente de letalidade foi calculado pelo número de óbitos decorrentes dos acidentes de trabalho e pelo número total de acidentes de trabalho no Município, ambos comunicados e registrados por meio das CAT, para cada ano considerado, por 100 trabalhadores formais.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, com registro de Protocolo no 149/2010.

 

Resultados

Nos anos de 2008 e 2009, foram registrados 236 acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, dos quais 59 (25,0%) referiam CAT de reabertura (descartados, portanto) e 144 atenderam aos critérios de inclusão do estudo: 71 comunicações (49,3%) referentes a 2008; e 73 (50,7%) para o ano de 2009.

O tipo de acidente que mais acometeu os trabalhadores foi o típico (44,5%), seguido do acidente de trajeto (33,3%) e das doenças relacionadas ao trabalho (22,2%). Comparando-se apenas os anos estudados, obsevou-se um aumento de 90,1% no número de registros de doenças relacionadas ao trabalho, de 11 para 21 notificações.

Em relação ao emitente, o estudo revelou que a maior parte das comunicações (80,6%) ocorreu por conta do empregador, seguido pelo Cerest (11,1%), sindicatos de trabalhadores (7,6%) e dependente de segurado (0,7%). Esses percentuais, entretanto, modificam-se de acordo com o tipo de acidente ou doença, sendo que as doenças relacionadas ao trabalho possuem o Cerest como principal emissor de CAT (37,5%).

Os ramos de atividade com maior número de acidentes de trabalho foram as indústrias de transformação, com 40,6% dos acidentes típicos e 54,1% de acidentes de trajeto. O ramo que envolve o comércio e a reparação de veículos automotores e motocicletas contribuiu para as doenças relacionadas ao trabalho com 25,0% dos registros.

Em relação às características sociodemográficas dos trabalhadores, a média de idade foi de 35,6 anos: idade mínima de 20 e máxima de 65 anos. Houve predomínio de acidentes típicos e de trajeto nos trabalhadores do sexo masculino, na faixa etária de 20 a 29 anos e solteiros. Para as doenças relacionadas ao trabalho, observou-se equilíbrio entre os sexos dos indivíduos atingidos - trabalhadores casados, de 40 a 49 anos de idade.

Os acidentes e doenças registrados ocorreram, majoritariamente, entre trabalhadores com renda mais baixa (Tabela 1).

 

 

Entre os acidentes e doenças registrados, a maior proporção foi de trabalhadores da produção de bens e serviços industriais (56,9%), destacando-se a confecção de calçados (47,6%) e a construção civil e obras públicas (10,1%) (Tabela 1).

Quanto às características dos acidentes, no turno diurno ocorreu o maior número desses eventos (87,5%), havendo equilíbrio entre os turnos matutino (42,8%) e vespertino (44,6%). Os acidentes aconteciam, predominantemente, no inicio de jornada de trabalho - menos de uma hora trabalhada: 28,6% - e no final da jornada - mais de cinco horas trabalhadas: 33,9% (Tabela 2).

 

 

Os locais com maior ocorrência de acidentes típicos foram os estabelecimentos da empregadora (65,9%), seguidos pela área rural (10,9%). Os acidentes de trajeto referiram a via pública (rua) como principal local de ocorrência, especialmente as ruas e avenidas do distrito industrial do município (33,3%).

Em relação ao agente causador dos eventos, verifica-se na Tabela 2 que entre os veículos, as motocicletas foram o principal meio de transporte envolvido no acidente de trajeto (62,1%), seguidas pelas bicicletas (18,9%).

Ao analisar a situação geradora do acidente descrita nas CAT, conforme se observa ainda na Tabela 2, predominaram: quedas (56,2%), nos acidentes de trajeto; aprisionamento, atrito ou abrasão (39,0%), nos acidentes típicos; e situações de reação do corpo a seus movimentos (41,7%), entre as doenças relacionadas ao trabalho.

Os membros superiores foram a parte do corpo mais atingida nos acidentes típicos (67,2%) e doenças relacionadas ao trabalho (50,0%). Os membros inferiores foram mais acometidos nos acidentes de trajeto (37,5%).

Fraturas representaram as lesões que mais afetaram os trabalhadores acidentados (48,4% dos acidentes típicos; 56,2% nos acidentes de trajeto), seguidas por escoriações, abrasão e corte (20,3% nos típicos; 18,8% nos de trajeto) e distensão ou torção (9,4% para típicos; 14,6% para os de trajeto).

Inflamação de articulação, tendão ou músculo constituiu a natureza da lesão que mais atingiu os trabalhadores com doença comunicada ao INSS (46,9%), seguida por hérnia de qualquer natureza (28,1%) e asfixia (12,5%).

O capítulo XIX da CID-10, 'Lesões, envenenamentos e algumas consequências de causas externas', representou 82,8% dos acidentes típicos e 75,0% dos acidentes de trajeto, enquanto 65,6% dos casos de doenças relacionadas ao trabalho foram classificados de acordo ao capítulo XIII, 'Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo'.

As instituições do SUS, aqui representadas pelo hospital geral público e pelo Cerest, encarregaram-se da maior parte dos atendimentos aos trabalhadores (Tabela 3).

 

 

A maioria dos trabalhadores com CAT emitida (75,0%) não necessitou de internação, enquanto 25,0% permaneceram hospitalizados e 0,7% (uma CAT, apenas) não contava com essa informação. Entre os casos de internamento, 41,7% foram provocados por acidentes típicos, 33,3% por acidentes de trajeto e 25,0% por doenças.

Apenas 3,5% dos trabalhadores não necessitaram de afastamento para recuperação do seu estado de saúde. Os trabalhadores acometidos por doenças necessitaram de um maior tempo de recuperação (31 a 60 dias), comparados àqueles que sofreram acidentes de trabalho: 53,1% (Tabela 3).

Foram encontrados acidentes típicos, de trajeto e doenças do trabalho com mais de 120 dias de afastamento, demostrando a existência de ocorrências relevantes sobretudo, para a saúde dos trabalhadores: perda auditiva induzida por ruído (PAIR), lombalgias, síndrome do túnel do carpo, tendinites, fraturas expostas, queimaduras de 3o grau, politraumatismos e patologias respiratórias.

O estudo revela, ademais, consequências fatais por acidentes de trabalho. Foram comunicados dois óbitos (n=1 em 2008; n=1 em 2009) entre trabalhadores do sexo masculino, na idade de 20 e 29 anos, solteiros, remunerados mensalmente com até dois salários mínimos. Ambos pertenciam aos ramos da agricultura e do comércio, vítimas de acidentes típico e de trajeto, respectivamente. O acidente de trajeto ocorreu em via pública (rodovia): um acidente de trânsito envolvendo automóvel. Já o acidente típico contou com arma de fogo como agente causador: uma situação de violência (assalto) no ambiente de trabalho, em área rural. Os óbitos ocorreram no momento dos acidentes.

Os coeficientes de letalidade encontrados foram de 1,7% em 2008 e de 1,9% em 2009. Os coeficientes de mortalidade foram de 5,8 por 100 mil trabalhadores em 2008 e de 5,9 por 100 mil trabalhadores em 2009.

 

Discussão

Ao tratar do perfil dos acidentes e doenças relacionadas ao trabalho em 2008 e 2009, o estudo demonstrou não haver grandes modificações no número de comunicações realizadas nos dois anos estudados. O elevado número de CAT de reabertura refletiu o que muitos trabalhadores experimentaram: necessidade de reiniciar o tratamento e/ou manifestação de um agravo da lesão que gerou incapacidade funcional.

Em relação ao tipo de acidente, prevaleceu o acidente típico, seguido por trajeto e doença relacionada ao trabalho. Aqui, observou-se semelhança com a tipologia dos acidentes e doenças envolvendo trabalhadores no Brasil, segundo publicação da Previdência Social.6

Em Botucatu, interior de São Paulo, foi desenvolvida uma pesquisa sobre CAT emitidas nos anos 2000 e 2001. Entre os 772 registros analisados, o acidente típico foi o principal causador de acidente (85,0%), seguido pelo acidente de trajeto (11,9%) e pelas doenças relacionadas ao trabalho (3,1%).11

Quanto ao número de registros dessas doenças, o achado do estudo em tela revelou porcentagem maior desse evento quando comparado aos resultados de outras pesquidas,6,11 possivelmente explicado pela existência de um Centro de Referência em Saúde do Trabalhador e sua eficiência no diagnóstico de doenças relacionadas ao trabalho. O estudo também indica a possibilidade de os trabalhadores do município de Jequié-BA estarem mais expostos à condições de trabalho que levam a adoecimento, especialmente nas atividades industriais.

Considerando-se, de acordo com o INSS, que o empregador é o principal responsável pela comunicação de acidente ou doença relacionada ao trabalho ocorrida com seu empregado,6 verificou-se - em se tratando de acidentes - que os empregadores notificam de maneira mais efetiva. Talvez, pelo fato de o acidente estar ligado ao trabalho de forma mais evidente que a doença, na qual a comunicação é realizada após a conclusão do diagnóstico nexo-causal.

O maior número de acidentes de trabalho nas indústrias de transformação pode ser explicado pela existência, no município, de indústrias calçadistas instaladas a partir do final da década de 1990, motivadas por políticas de incentivos fiscais, localização estratégica e competitividade na produção e distribuição de produtos pelo estado da Bahia, onde a mão-de-obra, como nas regiões Norte e Nordeste em geral, é mais barata que no resto do país.12 Ressalta-se, ainda, que os trabalhadores desse ramo de atividade econômica podem estar expostos a condições de trabalho desfavoráveis, contribuindo para a ocorrência de acidentes.

O ambiente do comércio também conta com participação significativa na proporção de acidentes e doenças, demonstrando que setor de serviços tem ocupado lugar de destaque na geração de desgastes ao trabalhador.

As características sociodemográficas dos trabalhadores foram semelhantes aos achados de outros estudos.6,10,13 O sexo masculino, mais acometido por acidentes de trabalho, e a estabilidade entre os dois sexos quanto às doenças revelam persistência das questões de gênero nas atividades de trabalho em que, todavia, se observa uma distinção por sexo.

Alguns pesquisadores, ao estudarem o enfoque do gênero e a relação saúde-trabalho, salientam que as doenças relacionadas ao trabalho, especialmente as lesões por esforços repetitivo (LER), estas fortemente associadas às atividades de processamento de informações, apresentam como mão-de-obra executora principal a feminina.14,15

A maior frequência de acidentes laborais no início da jornada de trabalho e após cinco horas trabalhadas, possivelmente, está associada ao fato de, no início de sua jornada, o trabalhador apresentar maior desatenção e ficar, portanto, mais susceptível aos riscos do processo de trabalho, enquanto a maior frequência observada no final da jornada estaria associada a seu cansaço físico e mental.

Somado a isso, há os acidentes de trajeto, quando o trabalhador sai do domicílio para o trabalho ou retorna dele. Sobre os acidentes de trajeto, nos últimos anos, verificou-se um crescimento no número de motocicletas em todo o país, da mesma forma em Jequié-BA. Segundo dados do Departamento Estadual de Trânsito (Detran/BA), o número de motocicletas supera o de automóveis no município.16 A motocicleta proporciona rapidez e economia, principais razões porque é utilizada por trabalhadores em seu deslocamento ao trabalho e à residência.

Estudo epidemiológico realizado em município do estado de São Paulo com CAT registradas no INSS revelou que as motocicletas também representaram o principal agente causador de acidentes.17 Esse fato vem confirmar a necessidade de melhorias na educação para o trânsito, nas condições de sinalização de vias e nos processos de fiscalização, visando ações preventivas.

O número elevado de fraturas, na primeira posição quanto à natureza da lesão decorrente de acidentes, demonstra serem graves tais lesões. Elas podem requerer maior tempo para reconstituição do tecido ósseo,18 afastamento do trabalhador para tratamento, prejuízos econômicos para a empresa e prejuízos à saúde física e/ou mental do trabalhador acidentado, bem como maiores gastos para o SUS.

Os óbitos de trabalhadores associados à violência e aos acidentes de trânsito refletem a problemática do aumento das causas externas de mortalidade, fato já demonstrado por outros pesquisadores.19 Se diversos estudos têm revelado a violência urbana nos ambientes de trabalho, são poucos os que dissertam sobre esse tipo de evento na área rural, caso de um dos óbitos ocorrido no município de Jequié-BA, com um trabalhador agropecuário.

As ações preventivas de acidentes de trabalho necessitam ultrapassar os ambientes das empresas empregadoras do meio urbano. Ações conjuntas com diversos setores da sociedade, como Segurança Pública, órgãos de Trânsito, poder Legislativo e órgãos ambientais, devem garantir a qualidade técnica das políticas e ações em Saúde do Trabalhador a serem implementadas.20,21

No que diz respeito às doenças relacionadas ao trabalho comunicadas, a maior ocorrência de Lesões por Esforços Repetitivos e Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (LER/DORT) pode revelar as transformações no processo de trabalho decorrentes da introdução de novos modelos organizacionais e de gestão.17 Fatores ligados à organização do trabalho, como fragmentação das tarefas, cobrança de produtividade e ritmo acelerado, associados a fatores biomecânicos, como atividades repetitivas, força, mobiliário e posições ergonomicamente inadequados, levam ao aumento na ocorrências de doenças osteomusculares, cuja evolução apresenta um caráter insidioso.17,22

É importante ressaltar que a subnotificação e o inadequado preenchimento das CAT são fatores de dificuldade para a realização de estudos epidemiológicos sobre os acidentes e doenças relacionadas ao trabalho. A fonte de dados representada pelo CAT deixa de considerar a parcela de trabalhadores que não contribui com a Previdência Social, o que ademais, constitui importante limitação para o presente estudo. A despeito desses entraves, a utilização das CAT é fundamental enquanto ferramenta de estudo dos agravos que afetam a saúde dos trabalhadores.

Algumas medidas vêm sendo adotadas para melhor conhecer a magnitude dos acidentes e violências, identificando problemas ocultos, como a relação das violências doméstica e sexual e os acidentes de trabalho. Um exemplo da eficácia dessas medidas é a instituição do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA), composto pela vigilância das causas externas em emergências hospitalares selecionadas (VIVA Contínuo) e pela vigilância de violências em serviços de referência (VIVA Inquérito). Com o sistema VIVA, implantado pelo Ministério da Saúde no ano de 2006, também é possível caracterizar os atendimentos por violências e acidentes que incluem lesões de menor gravidade, e dessa forma, demonstrar a ocorrência de causas externas nos ambientes de trabalho, dando melhor visibilidade a um problema todavia pouco discutido.23,24

Não obstante suas limitações, o presente estudo, ao focalizar a situação local dos acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, busca contribuir para o estabelecimento de prioridades e estratégias de ação específicas, dirigidas aos trabalhadores acidentados e/ou expostos a acidentes e doenças decorrentes do processo laboral, no município de Jequié-BA.

Esta pesquisa pretende chamar a atenção sobre um problema que não compete apenas aos profissionais de saúde e sim a todos os segmentos da sociedade. Nesse sentido, algumas recomendações são indicadas visando contribuir para a formulação e implementação de ações de vigilância à saúde do trabalhador: realizar educação permanente junto aos profissionais de saúde, para o diagnóstico de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, assim como para a importância da comunicação de tais eventos; sensibilizar as empresas sobre a necessidade da adoção de medidas preventivas e de comunicação de acidentes e doenças junto ao INSS; alertar os gestores locais da necessidade de implementação da educação para o trânsito envolvendo, especialmente, motociclistas e ciclistas; e divulgar amplamente a problemática dos acidentes e doenças relacionadas ao trabalho para a população geral, mais além dos trabalhadores e empregadores formais.

 

Agradecimentos

À equipe do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador - Cerest - do município de Jequié-BA, pela disponibilização das Comunicações de Acidente do Trabalho - CAT - e pelo acolhimento dos pesquisadores durante o estudo.

 

Contribuição dos autores

Todos os autores contribuíram para a elaboração, análise e revisão final do manuscrito.

 

Referências

1. Silva CT. Saúde do trabalhador: um desafio para a qualidade total no Hemorio. [Dissertação de Mestrado]. Rio de Janeiro (RJ): Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública; 2000.

2. Gonçalves CGO, Dias A. Três anos de acidentes do trabalho em uma metalúrgica: caminhos para seu entendimento. Ciência & Saúde Coletiva. 2001; 16(2):635-646.

3. Hamalainen P. The effect of globalization on occupational accidents. Safety Science. 2009; 47(6):733-742.

4. Gonçalves CGO, Dias A. Três anos de acidentes do trabalho em uma metalúrgica: caminhos para seu entendimento. Ciência Saúde Coletiva. 2011; 16(2):635-646.

5. Brasil. Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre a organização da "seguridade social, institui plano de custeio e de outra providencias. Diário Oficial da União, Brasília, 25 jul. 1991. Seção 1.

6. Ministério da Providência Social. Ministério do Trabalho e Emprego. Anuário estatístico de acidentes do trabalho 2007. Brasília: Ministério da Providência Social; 2008.

7. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa mensal de emprego: indicadores, trabalho e rendimento. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2009.

8. Ministério da Saúde. Informações de Saúde. População residente - Bahia [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2012 [acessado em 28 abr. 2012]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?ibge/cnv/popba.def

9. Conceição PSA, Nascimento IBO, Oliveira OS, Cerqueira MRM. Acidentes de trabalho atendidos em serviço de emergência. Cadernos de Saúde Pública. 2003; 19(1):111-117.

10. Kirchhof ALC, Capellari C. Descrição das comunicações de acidentes de trabalho registradas no Instituto Nacional de Seguridade Social de Santa Maria, RS, no ano de 2000. Revista Gaúcha de Enfermagem. 2004; 25(2):194-201.

11. Pizzatto E, Garbin CAS, Amadei M. Perfil dos acidentes de trabalho ocorridos no município de Araçatuba-SP nos anos de 2000 e 2001. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional. 2004; 29(11):57-62.

12. Secretaria Municipal de Saúde de Jequié. Departamento de Vigilância Epidemiológica e Ambiental. Informação em Saúde. Jequié: Secretaria Municipal de Saúde de Jequié; 2005.

13. Hennington EA, Monteiro M. O perfil epidemiológico dos acidentes de trabalho no Vale dos Sinos e o sistema de vigilância em saúde do trabalhador. Historia Ciência Saúde - Manguinhos. 2006; 13(4):865-876.

14. Brito JC. Enfoque de gênero e relação saúde/trabalho no contexto de reestruturação produtiva e precarização do trabalho. Cadernos de Saúde Pública. 2000; 16(1):195-204.

15. Guedes MC. A inserção dos trabalhadores mais escolarizados no mercado de trabalho brasileiro: uma análise de gênero. Trabalho, Educação Saúde. 2010; 8(1):55-75.

16. Secretaria da Administração do Estado da Bahia. Departamento Estadual de Trânsito. Estatísticas Gerais [Internet]. Bahia: Secretaria da Administração do Estado da Bahia; 2011 [acessado em 06 jan. 2011]. Disponível em http://www.detran.ba.gov.br/estatistica/index.php.

17. Guarizo ALG. Epidemiologia dos acidentes de trabalho registrados na previdência social no município de Amparo - SP, no período de 2005 a 2007. [Dissertação de Mestrado]. Campinas (SP): Universidade Estadual de Campinas; 2009.

18. Ministério da Saúde. Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador: manual de gestão e gerenciamento. Brasília: Ministério da Saúde; 2006.

19. Souza NSS, Portinho BG, Barreiros MF. Acidentes de trabalho com óbito registrados em jornais no estado da Bahia. Revista Baiana de Saúde Pública. 2006; 30(1):77-89.

20. Nobre LCC. Trabalho de crianças e adolescentes: os desafios da intersetorialidade e o papel do Sistema Único de Saúde. Ciência Saúde Coletiva. 2003; 8(4):963-971.

21. Machado JMH, Porto MFS. Promoção da saúde e intersetorialidade: a experiência da vigilância em saúde do trabalhador na construção de redes. Epidemiologia e Servirço de Saúde. 2003; 12(3):121-130.

22. Graça CC, Araújo TM, Silva CEP. Prevalência de dor musculoesquelética em cirurgiões dentistas. Revista Baiana de Saúde Pública. 2006; 30(1):59-76.

23. Andrade SSCA, Sá NNB, Carvalho MGO, Lima CM, Silva MMA, Moraes Neto OL, et al. Perfil das vítimas de violências e acidentes atendidas em serviços de urgência e emergência selecionados em capitais brasileiras: Vigilância de Violências e Acidentes, 2009. Epidemiologia e Serviço de Saúde. 2012; 21(1):21-30.

24. Mascarenhas MDM, Silva MMA, Malta DC, Moura L, Macário EM, Gawryszewski VP, et al. Perfil epidemiológico dos atendimentos de emergência por violência no Sistema de Serviços Sentinelas de Vigilância de Violências e Acidentes (Viva) - Brasil, 2006. Epidemiologia e Serviço de Saúde. 2009; 18(1):17-28.

 

 

Endereço para correspondência:
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia,
Campus de Jequié,
Departamento de Saúde,

Avenida José Moreira Sobrinho, s/n,
Jequiezinho, Jequié-BA, Brasil.
CEP: 45206-190
E-mail: marcelariosenf@hotmail.com

Recebido em 13/06/2011
Aprovado em 31/05/2012