Serviços Personalizados
Journal
Artigo
Indicadores
- Citado por SciELO
Links relacionados
- Similares em SciELO
Compartilhar
Epidemiologia e Serviços de Saúde
versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde v.21 n.4 Brasília dez. 2012
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742012000400006
ARTIGO ORIGINAL
Estudo prospectivo da implantação da vigilância ativa de infecções de feridas cirúrgicas pós-cesáreas em hospital universitário no Estado de Minas Gerais, Brasil, 2010 a 2011*
Prospective study of implementation of active surveillance post-cesarean surgical-wound infection in an university hospital in the State of Minas Gerais, Brazil, 2010 to 2011
Roberta Maia de Castro RomanelliI; Regina Lopes Pessoa de AguiarII; Henrique Vitor LeiteII; Daniela Guimarães SilvaIII; Rafael Viana Pessoa NunesIV; Joseline Iodith BritoV; Hosana Ramos FernandesV; Klaus Zanuncio ProtilIV; Ive Souza e SousaVI; Lenize Adriana de JesusVII; Guilherme Augusto ArmondVII; Wanessa Trindade ClementeVIII
IDepartamento de Pediatria, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil. Comissão de Controle de Infecção Hospitalar, Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil
IIDepartamento de Ginecologia e Obstetrícia, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil. Maternidade Otto Cirne, Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil
IIIResidente em Ginecologia e Obstetrícia, Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil
IVAcadêmico de Graduação em Medicina, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil
VAcadêmica de Graduação em Medicina, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil
VIAcadêmica de Graduação em Enfermagem, Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil
VIIComissão de Controle de Infecção Hospitalar, Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil
VIIIComissão de Controle de Infecção Hospitalar, Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil. Departamento de Propedêutica Complementar, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil
RESUMO
OBJETIVO: avaliar a implantação de vigilância ativa pós-alta de infecções de ferida cirúrgica (IFC) pós-cesariana na Maternidade Otto Cirne, município de Belo Horizonte, estado de Minas Gerais, Brasil.
MÉTODOS: estudo observacional prospectivo, realizado de março/2010 a março/2011; os dados foram obtidos por vigilância ativa, realizada pela Comissão de Controle de Infecção Hospitalar, incluindo contato telefônico seguido de avaliação clínica quando necessária; a notificação seguiu critérios do National Healthcare Safety Network.
RESULTADOS: identificaram-se 762 pacientes submetidas a cesariana (29,3%) e fez-se contato telefônico com 500 puérperas; 7 IFC foram notificadas por vigilância passiva (0,9%) e 34 por vigilância ativa (6,8%), com aumento significativo do número de casos identificados (p<0,0001).
CONCLUSÃO: a notificação de maior número de casos de IFC pós-cesariana por vigilância ativa reforça a necessidade da identificação de casos de infecção de sítio cirúrgico para reduzir a subnotificação, com referência de puérperas para assistência quando necessário, para definição diagnóstica e tratamento adequado.
Palavras-chave: Cesárea; Infecção da Ferida Operatória; Vigilância Epidemiológica; Notificação.
ABSTRACT
OBJECTIVE: to evaluate the implementation of active surveillance post-discharge of Cesarean Surgical- Wound Infections(SWI) at Otto Cirne Maternity, Belo Horizonte, state of Minas Gerais, Brazil.
METHODS: prospective observational study conducted from March 2010-2011; data was obtained by active surveillance performed by the Hospital Infection Control Committee, including telephone call followed by clinical evaluation when necessary; notification was performed according to National Healthcare Safety Network criteria.
RESULTS: 762 patients who underwent cesarean section (29.3%) were identified and 500 women were contacted; 7 SWI were notified by passive surveillance (0.9%) and 34 by active surveillance (6.8%), with a significant increase on identified cases (p<0.0001).
CONCLUSION: notification of number of cases of SWI post-cesarean section by active surveillance emphasizes the need to identify cases of surgical-wound infection to reduce underreporting, referring to postpartum care when necessary for a definitive diagnosis and appropriate treatment.
Key words: Cesarean Section; Surgical Wound Infection; Epidemiological Surveillance; Notice.
Introdução
Nos últimos anos, o Brasil tem apresentado uma das mais elevadas taxas de cesarianas do mundo, que já representa mais de 40,0% dos partos realizados no país.1,2 Na Saúde Suplementar, esse percentual chega a 80,0%, enquanto no Sistema Único de Saúde, 30,0% do total de partos são cesarianas.2 Infecções de ferida cirúrgica (IFC) constituem complicações pós-operatórias comuns e, portanto, são uma questão importante em termos de morbimortalidade, tempo de hospitalização e custos.3 Dados do Brasil são escassos; porém, as taxas de infecção puerperal encontram-se entre 0,8 e 1,0%.1,4 No estado de Minas Gerais, um estudo revelou proporção significantemente maior de IFC em ferida operatória abdominal, em relação a episiotomia.5 No município de Belo Horizonte-MG, são relatadas taxas de IFC variando em torno de 3,0% por vigilância passiva6 e 9,6% por vigilância ativa.7
As taxas de IFC são consideradas indicadores da qualidade da assistência e cuidado pós-operatório providos pelos hospitais.8 A utilização de sistemas de vigilância ativa de pacientes submetidas a cesariana contribui, significativamente, para a identificação correta dos casos de infecção e, com isso, permite a proposição de práticas diretamente relacionadas à melhoria da assistência.9 Entretanto, para estimar a real taxa de infecção pós-operatória, a busca ativa não deve ser realizada apenas durante o período de internação mas também após alta.10 Estudos que incluíram aplicação de questionários para o médico assistente e para o paciente, ligações telefônicas, busca em prontuário eletrônico pós-alta, além de avaliação clínica quando a infecção não pode ser definida, revelam aumento de 32,0 a 72,0% na notificação das taxas de infecção.11-14
Considerando-se o exposto e a necessidade de identificação de complicações puerperais - como a IFC - para ações de prevenção e redução de morbidade puerperal, foi implantada a vigilância ativa na Maternidade Otto Cirne, do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC/UFMG).
O objetivo do presente estudo foi avaliar a implantação de um sistema de vigilância ativa por busca telefônica pós-alta em serviço de referência em gestação de alto risco na rede pública, para identificar puérperas com IFC visando à melhoria da notificação dos casos e da assistência a essas pacientes acompanhadas no período de 2010 a 2011.
Métodos
Trata-se de estudo observacional prospectivo, realizado na Maternidade Otto Cirne do HC/UFMG entre 14/03/2010 e 31/03/2011, constituindo um ano completo de seguimento de vigilância ativa.
O Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais - HC/UFMG - é um hospital universitário e de referência para assistência secundária e terciária nos sistemas Municipal e Estadual de Saúde, com aproximadamente 500 leitos. A Unidade Funcional de Ginecologia Obstetrícia, Obstetrícia e Neonatologia conta com um Centro Obstétrico dispondo de cinco salas, responsável por aproximadamente 240 partos/mês, além do serviço de reprodução humana. O alojamento conjunto, com 17 leitos, permite permanência do binômio mãe-filho; dispõe sete leitos para internação clínica obstétrica, além da Unidade Neonatal de Cuidados Progressivos.
Como critério de inclusão, foram consideradas todas as pacientes submetidas a cesárea no serviço e foram consideradas perdas de seguimento aquelas com as quais não foi obtido contato telefônico para obtenção das informações até 30 dias pós-parto.
A busca é realizada diariamente, em prontuários, e ligações telefônicas com 15 e 30 dias para completar o período de vigilância recomendado após procedimentos cirúrgicos. A notificação foi realizada por profissionais e acadêmicos treinados, vinculados à Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do HC/UFMG. Os acadêmicos realizavam os contatos telefônicos e preenchiam uma ficha de coleta com todos os critérios. Posteriormente, essa ficha e os critérios eram avaliados sob a supervisão dos médicos e enfermeiro do setor, para fechamento do caso.
Além de características da evolução clínica da população assistida (presença de febre, características do liquido amniótico, tempo de ruptura de membranas, número de toques e tempo cirúrgico), a variável IFC foi notificada de acordo com critérios estabelecidos pelo National Healthcare Safety Network15 para o componente cirúrgico, como também, de acordo com a topografia: infecção de ferida cirúrgica superficial (IFCS); infecção de ferida cirúrgica profunda (IFCP); e infecção de ferida cirúrgica de órgão ou cavidade (IFCOC). A infecção não foi notificada se os critérios recomendados não puderam ser confirmados.
O banco de dados foi construído mediante programa interno elaborado para a Comissão de Controle de Infecção Hospitalar/HC/UFMG. A análise estatística realizada nesse programa incluiu análise descritiva da frequência e percentual do total de infecções cirúrgicas e de infecções por topografia (IFCP, IFCS, IFCOC), frequência e percentual de cada critério notificado e taxas de infecção por cesáreas realizadas (número de IFC por 100 procedimentos) , além de frequência, média e desvio-padrão, mediana e amplitude de variáveis contínuas.
Um diagrama de controle considerando a proporção de incidência média (taxa de IFC), o limite de alerta (dois desvios-padrão) e o limite de controle (três desvios-padrão) foi construído para avaliar a notificação após introdução da vigilância. A média e os limites do nível endêmico foram calculados a partir das taxas mensais de IFC por 100 procedimentos. O modelo escolhido para representação das taxas foi o gráfico do tipo U, baseado na distribuição probabilística de Poisson.16
A comparação das proporções de infecções notificadas pelas vigilâncias passiva e ativa foi realizada pelo teste do qui-quadrado, com significância estatística de p<0,05.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais em 12/11/10 (ETIC no 476/10).
Resultados
Durante o período do estudo, foram identificadas 762 pacientes submetidas a cesariana, de um total de 2.604 partos realizados pelo serviço no período analisado. Isso corresponde a uma taxa de cesárea de 29,3%. Das 762 pacientes citadas, 262 (34,4%) foram consideradas como perda de seguimento. Essas 262 puérperas não apresentavam sinais de IFC à alta, embora não se conseguisse contato telefônico em momento algum durante os 30 dias pós-parto. Assim, a amostra do presente estudo foi constituída de 500 pacientes, o que corresponde a 65,6% do total de cesarianas realizadas (Figura 1).
Desse grupo, foram notificadas 34 IFC no período, o que corresponde a uma taxa de 6,8%. O diagrama de controle (Figura 2) apresenta a notificação das infecções ao longo do período, com incidência média de 3,5, limite de alerta de 10,1 e limite de controle de 13,4.
Observou-se notificação de 7 IFC no mesmo período, por vigilância passiva, o que corresponde a uma taxa de 0,9 infecções por procedimento. A comparação da proporção do número de infecções por vigilância ativa (34/500) e por vigilância passiva (7/762) revelou χ2 = 31,38 e p<0,0001, com diferença estatisticamente significante.
Considerando-se a distribuição das 34 infecções por topografia, foram notificadas 24 IFCS, 3 IFCP e 7 IFCOC. Quanto à frequência dos critérios notificados por topografia referentes à incisão primária, observou-se que todas as 24 IFCS ocorreram com presença de acometimento de pele e subcutâneo (critério obrigatório), além de drenagem purulenta local identificada em 23 pacientes e diagnóstico médico de IFC relatado em 23 dos casos. Os sinais flogísticos variaram de 9 a 19 casos, com drenagem cirúrgica da ferida em apenas 2 (Figura 3).
No caso das três pacientes com IFCP, todas apresentaram acometimento de tecido mole profundo da incisão primária (critério obrigatório), deiscência de sutura associada a febre ou dor à palpação. Ademais, uma paciente teve o diagnóstico de abscesso em nova cirurgia e outra apresentou relato de drenagem purulenta profunda (Figura 4).
Quanto aos critérios de IFCOC, as 7 pacientes apresentaram infecção com acometimento uterino (critério obrigatório) e todas foram confirmadas com diagnóstico médico à internação. Quatro dessas pacientes apresentavam abscesso acometendo o útero, uma delas necessitou de colocação de dreno e em outra foi isolado, em cultura de fluido obtido do local, Staphylococcus aureus sensível à oxacilina (Figura 5). Ressalta-se que apenas para 3 pacientes, foi registrado pedido de cultura de material da ferida cirúrgica.
Tão somente uma das pacientes com IFCS apresentava febre à admissão para assistência ao parto, o que é considerado fator de risco para infecção. Não foram notificados outros fatores de risco para infecção à admissão, como bolsa rota acima de 18 horas ou corioaminionite. No entanto, apenas uma paciente relatou líquido fétido e foi notificada como IFCS.
Nos 34 casos com IFC, o número médio de toques vaginais foi de 4,03 (desvio-padrão de 3,79), com mediana de 2,5. O tempo de ruptura de membranas amnióticas foi, em média, de 8,99 horas (desvio-padrão de 24,05); o tempo cirúrgico médio foi de 63 minutos (desvio-padrão de 22,56), com mediana de 55 minutos, variando 35 a 135 minutos.
Discussão
A vigilância ativa pós-parto de cesárea na Maternidade Otto Cirne do HC/UFMG permitiu aumento da notificação de casos de IFC e orientações à puérpera, para uma melhor e mais ampla assistência prestada. Neste estudo, a taxa de IFC pós-cesariana apresentou aumento de quase oito vezes a partir da notificação por vigilância ativa com contato telefônico, significantemente maior que a notificação passiva (p<0,0001). A identificação dessas infecções e a implementação de medidas de prevenção devem ser foco de ação das Comissões de Controle de Infecção Hospitalar, pois as IFC estão associadas a alta morbimortalidade, além de elevar o custo das internações para as instituições de saúde.17
Sabe-se que as taxas de cesarianas podem influir diretamente nas taxas de infecção. No presente estudo, a taxa do procedimento (29,3%) encontrou-se acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (15,0%), porém próxima à média de 30,0% descrita no Brasil, onde ações do Ministério da Saúde visam incentivar a redução de cesarianas.2 Deve-se considerar que a maternidade onde o estudo foi realizado é um serviço terciário, de alto risco, em que essas taxas podem ser elevadas em função das próprias indicações clínicas das pacientes e/ou de indicações obstétricas.
Observa-se que a taxa encontrada por vigilância passiva na maternidade estudada foi semelhante às taxas relatadas pela maioria dos estudos da literatura citados,7,14,18,19 embora alguns autores tenham notificado taxas acima de 2,0%.11,13 Por outro lado, as taxas de vigilância ativa apresentam ampla variação. Taxa semelhante à do presente estudo foi observada por Hulton e colaboradores19 ao utilizarem questionários enviados aos médicos assistentes, com 90,0% de respostas e notificação de 6,3% de IFC pós-cesárea. No estudo de Eriksen e colaboradores,12 a vigilância foi realizada com informação das puérperas por correspondência e encontrou taxa de infecção de 8,3%, com taxa de IFCS (81,0%) semelhante à do presente estudo, não obstante aqueles autores houvessem observado maior proporção de IFCP (17,4%) e menor proporção de IFCOC (1,6%). A maior taxa relatada com implantação de sistema de vigilância ativa foi observada no estudo de Creed e Noy:11 a taxa de IFC aumentou em 32,0%, variando de 2,8 para 17,0% quando os autores utilizaram questionário associado a contato telefônico, por não obterem retorno da paciente.
Gravel-Tropper e colaboradores,13 em estudo com vigilância ativa por questionário enviado aos médicos e pacientes no pós-parto, observaram aumento das taxas de infecção notificadas: 41,7% das infecções foram diagnosticadas apenas pelos questionários retornados, embora tenham incluído cirurgias ginecológicas. Mesmo quando a vigilância ocorreu por meio de busca em prontuário eletrônico, Friedman e colaboradores14 notificaram taxa de IFC de 4,5%, significativamente superior (p<0,01) à relatada na vigilância habitual. A busca ativa revela taxa comparável ao percentil de 90,0%, se considerada categoria de índice de risco cirúrgico de nível I.20
No Brasil, estudo conduzido em Campinas, estado de São Paulo, encontrou taxa de 1,2 % de IFC quando a busca foi realizada apenas durante a internação hospitalar, comparada à taxa de 14,4% quando essas pacientes foram acompanhadas após a alta, também por contato telefônico.18
As taxas das maternidades no município, relatadas pela Prefeitura de Belo Horizonte-MG, não passaram de 3,0% mas ressalta-se que, na maioria dos hospitais, é realizada apenas vigilância passiva.6 Na Região Metropolitana da capital mineira, estudo conduzido por Couto e colaboradores7 incluiu avaliação clínica ambulatorial das pacientes submetidas a cesárea e a taxa obtida foi de 9,6%, com diferença significante em relação à notificação realizada no pós-parto, apenas no hospital (p<0,00001). A maior sensibilidade pode ser atribuída à avaliação clínica realizada por profissionais capacitados para utilizar critérios de notificação de infecção.
Considera-se que a sensibilidade de critérios diagnósticos obtidos por informações da paciente na vigilância pós-alta podem se mostrar variáveis, porém o valor preditivo negativo é alto e chega a 98,0%; ademais, a associação de métodos pode identificar casos não definidos pelos relatos das pacientes.21 Para pacientes que relataram sinais e sintomas que não puderam definir IFC, a avaliação clínica sequencial e a conduta do médico assistente permitiram a definição de critérios que pudessem preencher o diagnóstico para notificação.
As manifestações clínicas de febre, hiperemia, dor e edema isoladamente, relatadas pelas puérperas com frequência, não são suficientes para definir um caso de infecção15 e foram referidas por um número maior de mulheres do que aquelas realmente notificadas. Ligações telefônicas foram realizadas com maior frequência, para obter informações sobre o seguimento dessas puérperas, e quando estas não obtinham atendimento em assistência primária, eram orientadas a retornar ao serviço para reavaliação e tratamento adequados.
Em obstetrícia, o breve período de internação hospitalar (mediana de quatro dias) e a ausência de vigilância após a alta das pacientes podem ser responsáveis pela subestimação da taxa de infecção pós-operatória.13,22 A literatura refere que até 80,0% das infecções são relatadas nos primeiros 15 dias após o procedimento.7,11,12,18,22 No estudo conduzido por Cardoso Del Monte e colaboradores,18 93,0% das mulheres com infecção apresentaram IFC até o 15o dia do puerpério, sendo esse percentual ainda mais elevado em estudo realizado em Belo Horizonte-MG,7 quando se observou percentual de 95,0% para o mesmo período. Embora, neste estudo, tenha-se realizado vigilância de 30 dias pós-parto, considera-se que o acompanhamento realizado pelo menos até o 15o dia pós-parto pode identificar a maioria das mulheres com infecção, para uma assistência adequada.
Aqui, não foi avaliada estratificação de risco - de acordo com Culver e colaboradores23 -, que inclui tempo cirúrgico, gravidade definida pela American Society of Anesthesiology e potencial de contaminação, o que representa a principal limitação do presente estudo. A avaliação de variáveis locais que interferem no risco devem ser consideradas,24 pois o hospital em estudo é universitário, de referência terciária e alto risco, o que pode ter influenciado no aumento do número de partos situados em maior estratificação de risco. Assim, pretende-se manter a vigilância com inclusão de fatores de risco potenciais para atuação preventiva.25-27 O tempo de procedimento foi avaliado isoladamente e, embora a média tenha ultrapassado o tempo recomendado de 57 minutos para cesarianas,23 a mediana demonstra menor tempo cirúrgico.
Quanto ao tempo de ruptura de membranas, esta é considerada de maior risco para infecção materna e neonatal se além de 18 horas,28,29 valor maior do que o observado. No estudo de Killian e colaboradores,25 pacientes com IFC apresentaram tempo médio de ruptura de membranas de 11,5 horas, também acima do observado neste estudo. Já o número médio de toques realizados em pacientes que evoluíram com infecção mostrou-se acima do observado na literatura, como no estudo de Mitt e colaboradores30 que relatou 2,6 toques (desvio-padrão de 1,7). Embora não se encontrem na estratificação de risco, essas e outras variáveis são relatadas como fatores de risco, a exemplo de hematoma, procedimento em serviço universitário e índice de massa corporal.27
Na literatura, não há recomendação de padrão ouro para vigilância pós-alta e observa-se aumento da sensibilidade e especificidade na identificação de casos quando há associação de métodos, além de se recomendar utilização de critérios padronizados como o do National Healthcare Safety Network.15
Considera-se como principal limitação do estudo a dificuldade na obtenção de informações para preenchimento de critérios para notificação pela busca ativa por contato telefônico. Além disso, o estudo foi realizado em um único centro, embora seja referência de alto risco obstétrico para o município e para o estado.
A elevada perda de seguimento (34,4%) também pode ser considerada uma limitação do estudo, uma vez que outras puérperas com infecção podem não ter sido contactadas e identificadas.
Conclui-se que a identificação de maior número de casos de IFC após cesariana reforça a necessidade da vigilância ativa para notificação de IFC, bem como a importância do monitoramento telefônico, sendo essa uma prática viável para a maioria das maternidades. Com isso, objetiva-se reduzir a subnotificação associada ao encaminhamento das puérperas para assistência quando necessária, o que vem a auxiliar na definição diagnóstica e no tratamento adequado.
Agradecimentos
A todos os profissionais responsáveis pela assistência e seguimento das parturientes e puérperas do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais - HC/UFMG.
Contribuição dos autores
Romanelli RMC, Aguiar RLP, Leite HV e Clemente WT participaram na concepção e delineamento do estudo, análise e interpretação dos dados, redação ou revisão crítica relevante do conteúdo intelectual do manuscrito e aprovação final da versão a ser publicada.
Silva DG, Nunes RVP, Brito JI, Fernandes HR, Protil KZ, Sousa IS e Armond GA participaram na coleta e interpretação dos dados, redação ou revisão crítica relevante do conteúdo intelectual do manuscrito e aprovação final da versão a ser publicada
Jesus LA participou na análise e interpretação dos dados, redação ou revisão crítica relevante do conteúdo intelectual do manuscrito e aprovação final da versão a ser publicada.
Referências
1. Nomura RMY, Alves EQ, Zugaib M. Complicações maternas associadas ao tipo de parto em hospital universitário. Revista de Saúde Pública. 2004; 38(1):9-15.
2. Ministério da Saúde. Campanha de incentivo ao parto normal. (acessado em 26 jan. 2011). Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=28513
3. Astagneau P, Rioux C, Golliot F, Brucker G. INCISO Network Study Group. Morbity and mortality associated with surgical site infections: results from the 1997-1999 INCISO surveillance. Journal of Hospital Infection. 2001; 48(4):267-274.
4. Machado Junior LC, Servin CE, Oliveira E, Carvalho HB, Zamboni JW, Araujo JC, et al. Associação entre via de parto e complicações maternas em hospital público da Grande São Paulo, Brasil. Cadernos de Saúde Pública. 2009; 25(1):124-132.
5. Zimmermman JB, Gomes CM, Tavares FSP, Peixoto IG, Melo PCV, Rezende DZ. Complicações puerperais associadas à via de parto. Revista Médica de Minas Gerais. 2009; 19(2):109-116.
6. Prefeitura de Belo Horizonte. Secretaria Municipal de Saúde. Gerência de Vigilância em Saúde e Informação. Boletim de Vigilância e Saúde. 2011; 1(10): 5-7.
7. Couto RC, Pedrosa TM, Nogueira JM, Gomes DL, Neto MF, Rezende NA. Post-discharge surveillance and infection rates in obstetric patients. International Journal of Gynaecology & Obstetrics. 1998; 61(3):227-231.
8. Gaynes RP. Surveillance of nosocomial infections: a fundamental ingredient for quality. Infectition Control and Hospital Epidemiology. 1997; 18(7):475-478.
9. Pottiger JM, Herwaldt LA, Perl TM. Basics of surveillance: an overview. Infection Control and Hospital Epidemiology. 1997; 18(7):513-527.
10. Medina-Cuadros M, Sillero-Arenas M, Martinez-Gallego G, Delgado-Rodrigues M. Surgical wound infections diagnosed after discharge from hospital: epidemiologic differences with in-hospital infections. American Journal Infection Control. 1996; 24(4):421-428.
11. Creedy DK, Noy DL. Postdischarge surveillance after cesarean section. Birth. 2001; 28(4):264-269.
12. Eriksen H, Saether AR, L0wer HL, Vangen S, Hjetland R, Lundmark H, et al. Infections after caesarean sections. Tidsskrift for den Norske Legeforening. 2009; 129(7):618-622.
13. Gravel-Trooper D, Oxley C, Memish Z, Garber GE. Underestimation of surgical infection rates in obstetrics and gynecology. American Journal of Infection Control.1995; 23(1):22-26.
14. Friedman C, Sturm LK, Chenoweth C. Electronic chart review as an aid topostdischarge surgical site surveillance: increased case finding. American Journal of Infection Control. 2001; 29(5):329-332.
15. Horan TC, Andrus M, Dudeck MA. CDC/NHSN surveillance definition of health care-associated infection and criteria for specific types of infections in the acute care setting. Americal Journal Infection Control. 2008; 36(5):309-332.
16. Sellick JA Jr. The use of statistical process control charts in hospital epidemiology. Infection Control and Hospital Epidemiology. 1993; 14(11):649-656.
17. Perencevich EN, Sands KE, Cosgrove SE, Guadagnoli S, Meara E, Platt R. Health and economic impact of surgical site infections diagnosed after hospital discharge. Emerging Infectious Diseases. 2003;9(2):196-206.
18. Cardoso Del Monte MC, Pinto Neto AM. Postdischarge surveillance following cesarean section: the incidence of surgical site infection and associated factors. American Journal of Infection Control. 2010; 38(6):467-472.
19. Hulton LJ, Olmsted RN, Treston-Aurand J, Craig CP. Effect of postdischarge surveillance on rates of infectious complications after cesarean section. American Journal of Infection Control. 1992; 20(4):198-201.
20. Edwards JR, Peterson KD, Mu Y, Banerjee S, Allen-Bridson K, Morrell G, et al. National Healthcare Safety Network (NHSN) report: data summary for 2006 through 2008, issued December 2009. American Journal of Infection Control. 2009; 37(10):783-805.
21. Petherick ES, Dalton JE, Moorre PJ, Cullum N. Methods for identifying surgical wound infection after discharge from hospital: a systematic review. BMC Infectious Diseases. 2006; 6:170.
22. Sands K, Vineyard G, Platt R. Surgical site infections occurring after Hospital discharge. The Journal of Infectious Diseases. 1996; 173(4):963-970.
23. Culver DH, Horan TC, Gaynes RP, Martone WJ, Jarvis WR, Emori TG, et al. Surgical wound infection rates by wound class, operative procedure, and patient risk index. National Nosocomial Infections Surveillance System. American Journal Medicine. 1999; 91(3 Supl 2):S152-157.
24. Biscione FM, Couto RC, Pedrosa TM. Performance, revision, and extension of the National Nosocomial Infections Surveillance system's risk index in Brazilian hospitals. Infection Control and Hospital Epidemiology. 2012; 33(2):124-134.
25. Killian CA, Graffunder EM, Vinciguerra TJ, Venezia RA. Risk factors for surgical-site infections following cesarean section. Infection Control and Hospital Epidemiology. 2001; 22(10):613-617.
26. Olsen MA, Butler AM, Willers DM, Devkota P, Gross GA, Fraser VJ. Risk factors for surgical site infection after low transverse cesarean section. Infection Control and Hospital Epidemiology. 2008; 29(6):477-484.
27. Olsen MA, Butler AM, Willers DM, Gross GA, Devkota P, Fraser VJ. Risk factors for endometritis after low transverse cesarean delivery. Infection Control and Hospital Epidemiology. 2010; 31(1):69-77.
28. Money DM, Dobson S, Canadian Paediatric Society, Infectious Diseases Commitee. The prevention of early-onset neonatal group B streptococcal disease. Journal of Obstetrics and Gynaecology Canada. 2004; 26(9):826-840.
29. Verani JR, McGee L, Schrag SJ, Division of Bacterial Diseases, National Center for Immunization and Respiratory Diseases, Centers for Disease Control and Prevention. Prevention of perinatal group B streptococcal disease: revised guidelines from CDC, 2010. Morbidity and Mortality Weekly Report. 2010; 59(RR-10):1-36.
30. Mitt P, Lang K, Peri A, Maimets M. Surgical-site infections following cesarean section in an Estonian university hospital: postdischarge surveillance and analysis of risk factors. Infection Control and Hospital Epidemiology. 2005; 26(5):449-454.
Endereço para correspondência:
Universidade Federal de Minas Gerais,
Hospital das Clínicas,
Comissão de Controle de Infecção Hospitalar,
Av. Alfredo Balena 110, 1o andar, Ala Oeste,
Santa Efigênia, Belo Horizonte-MG, Brasil.
CEP: 30110-100
E-mail: rmcromanelli@ig.com.br
Recebido em 16/09/2012
Aprovado em 26/11/2012
*Órgãos financiadores da pesquisa:
Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig): Bolsa de Iniciação Científica para aluno de graduação em Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (Pró-Reitoria de Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais, Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica PIBIC/CNPq, Probic/Fapemig e Fundep/Santander - Edital Único PRPq, de 01/2011). Pro-Reitoria de Extensão da Universidade Federal de Minas Gerais: Bolsa de Extensão para aluno de graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (Programa de Bolsas de Extensão - PBEXT -, Guia 2010, Edital PROEX 01/2009).