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Epidemiologia e Serviços de Saúde
versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde v.22 n.3 Brasília set. 2013
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013000300020
COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA
A seção de discussão de um artigo científico
The discussion section of a scientific paper
Mauricio Gomes Pereira
Professor Emérito, Universidade de Brasília, Brasília-DF, Brasil
As três primeiras partes do corpo de um artigo original - introdução, método e resultados - foram assunto de publicações anteriores.1-3 No presente texto, aborda-se a discussão, o que completa a estrutura do artigo. O material aqui mostrado está baseado no livro 'Artigos científicos: como redigir, publicar e avaliar'.4
A discussão é o local do artigo que abriga os comentários sobre o significado dos resultados, a comparação com outros achados de pesquisas e a posição do autor sobre o assunto. Uma discussão sem estrutura coerente desagrada, daí a conveniência de organizar os temas em tópicos. Estrutura passível de ser utilizada consta do quadro. Cada um dos tópicos informa sobre uma faceta da discussão e seu conjunto fornece os subsídios para se julgar a adequação dos argumentos, da conclusão e de todo o texto.
Maneira conveniente de iniciar a Discussão consiste em realçar, com poucas palavras, os achados mais importantes ou os conhecimentos novos desvendados pela pesquisa.4, p.104 Essa síntese, útil em relatos complexos, é omitida nos textos curtos.
Após essa parte inicial, comenta-se o método empregado, de modo que o autor informe quão válida a pesquisa lhe parece.4, p.105 Considera-se boa prática o próprio autor apontar as carências em vez de omiti-las propositadamente, à espera de que passem despercebidas. Limitações importantes não assinaladas no texto diminuem a credibilidade da investigação. Merecem ser apontadas as limitações que possam influenciar substancialmente os resultados e alterar as conclusões da investigação. Essas limitações estão relacionadas ao tipo de delineamento empregado ou a detalhes da própria investigação. Também são comentados aspectos positivos, entre os quais as providências adotadas para neutralizar as limitações, para contorná-las ou estimar sua influência nos resultados.
O relacionamento dos achados da investigação com o conhecimento relevante, disponível no momento da redação do artigo, é outro tópico a incluir.4, p.108 A interpretação de comparações entre estudos é problemática na presença de diferenças metodológicas. Só há sentido em comparar frequências quando produzidas de maneira semelhante. Se, em uma pesquisa, os dados forem obtidos por entrevista e, em outra, pela verificação de prontuários, as diferenças encontradas podem refletir apenas a forma de coleta de dados. Muitos outros fatores explicam a variação de resultados alcançados por diferentes investigações, entre os quais se encontram os tipos de delineamento, os cenários em que as pesquisas se realizam, os critérios de classificação para incluir ou excluir pacientes da casuística, as definições de variáveis, as características dos grupos estudados, o teor das intervenções (dose, duração) e o tamanho de amostra. Assim, as especificidades e a qualidade dos trabalhos, suas limitações e seus aspectos positivos são levados em conta na referência a outros artigos, presente na discussão. O leitor se beneficiará ao se familiarizar com as revisões sistemáticas, especialmente nos aspectos concernentes à reunião, avaliação e classificação da qualidade dos artigos. O confronto de dados entre estudos metodologicamente homogêneos permite concluir, com maior convicção, se os resultados da literatura concordam ou não com os da investigação que se relata. Quando os resultados apontam para a mesma direção, a discussão é mais simples de ser conduzida. Se há marcadas discrepâncias entre os achados, essas discrepâncias são registradas e comentadas na tentativa de esclarecer os possíveis motivos das diferenças. A imparcialidade é uma característica muito apreciada nos investigadores. Ela se manifesta de muitas maneiras, sendo uma delas incluir, na discussão, os relatos que não coincidam com os resultados da própria investigação.
A interpretação dos resultados de uma pesquisa implica a busca de uma explicação plausível para os achados.4, p.111 Para tal, excluem-se outras explicações antes de se decidir por uma que seja a mais provável. Teremos mais convicção na conclusão se vieses e o acaso tiverem sido eliminados como explicação para os achados. Mesmo depois de afastados os vieses e o acaso, pode haver mais de uma explicação possível, todavia. O resultado obtido é realmente positivo ou falso-positivo? Se o resultado é negativo, ele é negativo verdadeiro ou falso-negativo? Um resultado estatisticamente significativo tem importância prática ou clínica? A associação detectada representa relação causal? Ou os achados refletem causalidade reversa? São alguns tópicos passíveis de serem incluídos na discussão e que são aprendidos ao se estudar os princípios de Epidemiologia e de Bioestatística.4, p.111-21
Todo relato de investigação científica necessita de uma conclusão.4, p.121 A conclusão é o posicionamento do autor do estudo, coerente com seus objetivos e o próprio relato. Ela pode estar situada na discussão mas não necessariamente nela. Isso porque há a conclusão que, obrigatoriamente, consta do resumo do estudo. Como este se situa antes, no início do artigo, o autor avaliará se vale a pena repetir a conclusão na discussão. Nesta, existe lugar também para especulações e implicações. Por exemplo, assinalar a direção de futuros esforços e recomendações para novas pesquisas.
A discussão, habitualmente, constitui uma seção de difícil preparação. É aquela em que o iniciante mais se complica em sua redação e, comumente, elabora um texto extenso e confuso. Seu tamanho não deveria ultrapassar um terço do artigo. Se ocupar mais da metade do texto correspondente à estrutura IMRD (introdução, método, resultado e discussão), a discussão é longa e, provavelmente, mal feita.4, p.127
Compor um texto adequado decorre de aprendizado. A associação entre iniciante e pesquisador experiente em comunicação científica reflete-se positivamente. A escrita na forma aqui sugerida, estruturada, facilita o trabalho e evita a omissão de partes essenciais. Utilize-a ou alguma outra que se adapte ao tema ou ao modo como pretende conduzir a discussão. Na prática, são encontradas amplas variações nessa estruturação, notadamente quanto à terminologia adotada, à importância que se confere a cada uma das partes, à sequência de sua apresentação e ao fato de dois tópicos serem, por vezes, debatidos simultaneamente.
Para se familiarizar com os assuntos abordados, inspecione artigos publicados nos bons periódicos científicos. Essa iniciativa constitui aprendizado para auxiliar a busca pela coerência na reflexão e na revisão de um texto.
Referências
1. Pereira MG. A introdução de um artigo científico. Epidemiol Serv Saude. 2012;21(4):675-6.
2. Pereira MG. A seção de método de um artigo científico. Epidemiol Serv. Saude. 2013;22(1):183-4.
3. Pereira MG. A seção de resultados de um artigo científico. Epidemiol Serv Saude. 2013;22(2):353-4
4. Pereira MG. Artigos científicos: como redigir, publicar e avaliar. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan; 2011.
Outros artigos da série Comunicação científica:
Estrutura do artigo científico
Preparo para a redação do artigo científico
A introdução de um artigo científico
A seção de método de um artigo científico
A seção de resultados de um artigo científico
O resumo de um artigo científico