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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.23 n.2 Brasília jun. 2014

 

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742014000200005

ARTIGO ORIGINAL

 

Avaliação do processo de fluoretação da água de abastecimento público nos municípios pertencentes ao Grupo de Vigilância Sanitária XV-Bauru, no período de 2002 a 2011*

 

Evaluation of the public water supply fluoridation process in the municipal districts comprising Region 15 (Bauru-SP) Health Surveillance Group, 2002-2011

 

 

Regina Célia Arantes StancariI; Francisco Lopes Dias JúniorI; Felipe Guerra FreddiII

ICentro de Laboratório Regional de Bauru, Instituto Adolfo Lutz, Bauru-SP, Brasil
IIPrograma de Aprimoramento Profissional, Fundação do Desenvolvimento Administrativo, São Paulo-SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: avaliar a adequação da concentração de fluoreto na água fornecida pelos sistemas de abastecimento dos municípios pertencentes ao Grupo de Vigilância Sanitária da Regional XV-Bauru, conforme a legislação vigente.
MÉTODOS: estudo descritivo, sobre dados da medição de fluoretos obtidos durante a execução do Programa de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Proágua), entre janeiro de 2002 e junho de 2011.
RESULTADOS: das 8.558 amostras analisadas, 5.320 foram aprovadas, 2.519 estavam abaixo e 719 acima dos limites estabelecidos; dos 36 municípios avaliados; 9 apresentaram perfil satisfatório e 6, insatisfatório, 12, perfil variável, e 9 melhoraram o processo de fluoretação ao longo do estudo (perfil: melhoria do desempenho).
CONCLUSÃO: na maioria dos locais estudados, a fluoretação da água de abastecimento público não estava adequada para garantir a efetividade da política pública de prevenção de cárie dentária, evidenciando a necessidade de melhorias no controle operacional dos sistemas.

Palavras-chave: Fluoretação; Fluoreto de Sódio; Abastecimento de Água; Análise Físico-Química; Vigilância em Saúde Pública.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to evaluate the compliance of the public water supply fluoridation process with current legislation in municipalities comprising Region 15 Health Surveillance Group, Bauru, São Paulo State, Brazil.
METHODS: this is a retrospective study of fluoride measurement data obtained during the execution of the PROÁGUA Program between January 2002 and June 2011.
RESULTS: 5,320 of the 8,558 samples analyzed were classified as approved, 2,519 were below and 719 were above the established fluoridation limits. 9 of the 36 cities evaluated complied with the legislation, 6 did not, 12 showed variable performance and 9 started complying during the course of the study.
CONCLUSION: in most of the places studied public water supply fluoridation was not adequate to ensure the effectiveness of public policies on dental caries prevention, showing the need for improvements in the operational control of these systems.

Key words: Fluoridation; Sodium Fluoride; Water Supply; Physicochemical Analysis; Public Health Surveillance.


 

 

Introdução

O processo de fluoretação consiste na adição controlada de um composto de flúor na água distribuída à população, com a finalidade de elevar sua concentração até um determinado valor, estabelecido como efetivo na prevenção da cárie dentária.1 Essa adição, porém, deve ser feita de forma contínua e em teores adequados para que não ocorra perda do benefício ou o surgimento de efeitos maléficos, como a fluorose.2 A fluorose é um defeito de mineralização do esmalte do dente, com severidade diretamente associada à quantidade do íon flúor ingerida durante o processo de formação do germe dentário. O aspecto clínico da doença consiste na presença de manchas opacas no esmalte em dentes homólogos, ou de regiões amareladas ou castanhas nos casos de maior gravidade.3

No Brasil, a fluoretação da água foi iniciada em 1953, pelo Serviço de Saúde Pública (SESP) na cidade de Baixo Guandu, no estado do Espírito Santo, com excelentes resultados na redução da cárie dentária: segundo um levantamento epidemiológico realizado em 1967, a redução média do índice CPO (dentes cariados, perdidos e obturados) foi da ordem de 66,6%.4 A fluoretação da água em sistemas públicos de abastecimento foi normatizada pela Lei Federal no 6.050, de 24 de maio de 1974,5 e regulamentada pelo Decreto Presidencial no 76.872, de 22 de dezembro de 1975.6 Em seguida, foram estabelecidas as normas e padrões sobre fluoretação, com a publicação da Portaria MS/GM no 635, de 26 de dezembro de 1975, vigente em todo o território nacional.7 A prática foi reforçada por duas Políticas Nacionais de Saúde Bucal (PNSB), a de 1988 e a de 2004, esta em vigor até os dias de hoje. A PNSB, em consonância com os princípios constitucionais do Sistema Único de Saúde (SUS), reflete uma concepção de saúde não centrada exclusivamente na assistência aos doentes mas, sobretudo, na promoção da qualidade de vida e na intervenção sobre os fatores de risco para a saúde.8 As Conferências de Saúde e de Saúde Bucal, o Ministério da Saúde, as entidades profissionais na área da Odontologia e da Saúde Coletiva também apoiam a medida.2

O monitoramento da qualidade da água oferecida à população e a verificação da sua conformidade com os padrões estabelecidos em legislações específicas é de competência das vigilâncias sanitárias municipais, mediante ações de fiscalização e adoção de medidas para evitar que a população atendida pelo sistema público de abastecimento seja exposta a riscos em sua saúde. No estado de São Paulo, tais ações são realizadas pelo Programa de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano - Proágua -, coordenado pela Diretoria dos Serviços de Ações sobre o Meio Ambiente, do Centro de Vigilância Sanitária da Secretaria de Estado da Saúde (SAMA/CVS/SES),9 em parceria com o Instituto Adolfo Lutz. As bases legais desse programa de ações encontram-se na Portaria Ministerial MS/GM no 2914, de 12 de dezembro de 2011, que dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade,10 e nas seguintes Resoluções Estaduais: a SS-250, que estabelece os teores de concentração de íon fluoreto nas águas para consumo humano fornecidas por sistemas públicos de abastecimento;11 e a SS-65, que estabelece os procedimentos e responsabilidades relativos aos controle e vigilância da qualidade da água para consumo humano no estado de São Paulo.12

O heterocontrole, que consiste no controle e análises periódicas do processo de fluoretação das águas por uma instituição pública ou privada distinta daquela que realiza a distribuição e tratamento da água, é realizado pela vigilâncias sanitárias municipais. O heterocontrole é imprescindível para avaliar se os resultados obtidos no controle interno, realizado pelos operadores dos sistemas de abastecimento, estão adequados, como também para detectar possíveis problemas técnicos ou de metodologias empregadas nessa vigilância, auxiliando os municípios com dificuldades no controle e/ou adequação das concentrações de flúor em suas águas de abastecimento.13,14

Nas últimas duas décadas, observou-se a expansão da fluoretação da água de abastecimento no Brasil. Apesar de sua obrigatoriedade para todo o território nacional, mais da metade dos municípios brasileiros ainda não haviam adotado essa política pública em 2010.15 Segundo Navai, a fluoretação possibilita a universalização do acesso à água tratada e ao flúor. Não implantá-la ou interrompê-la seria "socialmente injusto", porquanto privaria a parte menos favorecida da população que - potencial ou efetivamente - acessa tais benefícios.16 No Brasil, a proporção da população beneficiada com água fluoretada apresentava desigualdades regionais em 2003: apenas 24,34% na região Norte; 28,17% no Nordeste; 50,74% no Centro-Oeste; 76,59% no Sudeste; e 74,57% no Sul.17

Diante da importância da vigilância da qualidade da água fornecida para nossas populações, o presente estudo teve por objetivo avaliar a adequação da concentração de íons fluoreto na água fornecida pelos sistemas de abastecimento dos municípios pertencentes à região de competência do Grupo de Vigilância Sanitária XV-Bauru (GVS XV-Bauru), conforme a legislação vigente.

 

Métodos

Trata-se de uma avaliação normativa, por meio de estudo descritivo dos resultados da medição da concentração de íons fluoretos na água de abastecimento, obtidos na rotina laboratorial do Instituto Adolfo Lutz de Bauru, município do estado de São Paulo, durante a execução do Programa Proágua em 36 municípios da região do estado abrangida pelo GVS XV-Bauru, no período de janeiro de 2002 a junho de 2011.

A região estudada compreendia uma população de 1.060.087 habitantes, segundo dados do Censo Demográfico de 2010.18 Neste estudo, essa região foi dividida em municípios de pequeno porte (13 municípios com até 10.000 habitantes), médio porte (19 com população entre 10.001 e 50.000 habitantes) e grande porte (4 com população acima de 50.000 habitantes). Os 4 municípios de grande porte representavam mais da metade da população da região (57%). Os gestores dos sistemas de abastecimento de água desses municípios eram a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), presente em 14 municípios, e serviços autônomos ligados às prefeituras, nos demais 22 municípios da região.

A quantidade de amostras de água coletadas para análise de íons fluoretos obedeceu à proporção estabelecida no Proágua da região estudada, qual seja: uma amostra mensal para municípios com até 10.000 habitantes; duas amostras mensais para aqueles com população entre 10.001 e 20.000 hab.; três amostras para populações entre 20.001 e 50.000 hab.; quatro para populações de 50.001 a 100.000 hab.; e cinco amostras mensais para cidades com população acima de 100.000 habitantes. As amostras foram coletadas pelos profissionais das vigilâncias sanitárias municipais no cavalete de prédios residenciais ou comerciais, escolhidos segundo os critérios estabelecidos na Diretriz Nacional do Plano de Amostragem da Vigilância em Saúde Ambiental, definida pelo Ministério da Saúde.19 As análises para íons fluoretos foram realizadas por potenciometria,20 utilizando eletrodo íon seletivo da marca Orion, Modelo 9609, e potenciômetro da marca Mettler-Toledo, Modelo 355.

A interpretação dos resultados teve por base as Resoluções Estaduais SS-25011 e SS-65,12 pautada na seguinte classificação em três categorias de concentração de íons fluoretos: menor que 0,6 mg/L; entre 0,6 e 0,8 mg/L; e maior que 0,8 mg/L. Foram considerados insatisfatórios os resultados abaixo de 0,6 e acima de 0,8 mg/L de íons fluoretos. A partir dessa classificação, foram estabelecidos perfis para os municípios da região de abrangência do GVS XV - Bauru: perfil satisfatório (S), para os municípios que obtiveram, no período avaliado, pelo menos 8 vezes a porcentagem anual de 80% ou mais de amostras aprovadas; perfil insatisfatório (I), para aqueles que obtiveram pelo menos 8 vezes a porcentagem anual de 80% ou mais de amostras condenadas; perfil variável (V), para aqueles municípios cujas porcentagens anuais de amostras aprovadas e condenadas foram semelhantes, indicando não haver regularidade na concentração de flúor na água distribuída; e perfil melhoria do desempenho (MD), para os municípios que inicialmente apresentavam deficiência no processo de fluoretação, indicada pelos resultados em desacordo com a legislação, porém conseguiram melhorar seu desempenho no processo até obter pelo menos 5 vezes a porcentagem anual de 75% ou mais de amostras aprovadas. No presente estudo, os perfis satisfatório e de melhoria do desempenho (S + MD) foram considerados adequados, e os perfis insatisfatório e variável (I + V), inadequados.

Os dados apresentados neste estudo são de domínio público e foram utilizados para esta análise crítica da situação da fluoretação da região do GVS XV - Bauru ao longo do período avaliado.

 

Resultados

Do total de 8.558 amostras analisadas para determinação de íons fluoretos, 5.320 (62,2%) foram consideradas aprovadas e 3.238 (37,8%) foram condenadas. Das amostras condenadas, 2.519 (77,8%) estavam abaixo de 0,6 mg/L e 719 (22,2%) acima de 0,8 mg/L de íons fluoretos.

A Tabela 1 apresenta o porte populacional, os órgãos gestores dos sistemas de abastecimento, o número de amostras coletadas e aprovadas e os perfis de cada um dos municípios avaliados.

 

 

Quanto aos perfis, verificou-se que, dos 36 municípios avaliados, 9 foram classificados como de perfil satisfatório (S) e 6 como de perfil insatisfatório (I), 12 como de perfil variável (V) e 9 mostraram Melhoria do desempenho (MD).

Os perfis dos municípios avaliados, segundo os gestores dos sistemas de abastecimento público de água, são apresentados na Figura 1.

 

 

Os dois perfis considerados adequados (S + MD) ocorreram em 9 dos 14 municípios gerenciados pela Sabesp (64,3%) e em 9 dos 22 municípios gerenciados por órgãos vinculados às prefeituras (40,9%), independentemente do porte populacional de cada município.

As figuras 2, 3 e 4 apresentam os perfis dos municípios com porte populacional pequeno, médio e grande, e seus respectivos órgãos gestores.

 

 

 

 

 

 

Dos 6 municípios classificados como insatisfatórios, 5 eram de médio porte e 1 de pequeno porte. Em todos esses municípios, o sistema de abastecimento público de água era gerenciado por serviços autônomos, ligados às prefeituras.

 

Discussão

No presente estudo, verificou-se que a maioria dos resultados, em desacordo com a legislação vigente, estava abaixo da concentração estabelecida para o estado de São Paulo, que é de 0,6 a 0,8 mg/L de íons No presente estudo, verificou-se que a maioria dos fluoretos. Esses resultados mostram que o problema resultados, em desacordo com a legislação vigente, causado pela fluoretação inadequada na região estudada pode resultar em menor impacto na prevenção da cárie dentária do que no aumento da incidência da fluorose. Porém, como as populações estão sendo expostas a diversas fontes de flúor, seja pelo uso sistêmico ou pelo uso tópico (creme dental, enxaguatório, gel, verniz), além da ingestão de alimentos e bebidas preparados com água fluoretada, poderá ocorrer um aumento na incidência da fluorose, especialmente nos locais onde o nível encontrado de fluoretos na água para abastecimento foi superior àquele determinado pela legislação.2

Catani e colaboradores, ao avaliarem a prevalência de fluorose em escolares de dois municípios do estado de São Paulo, com distintos padrões de controle da concentração de flúor na água fornecida a suas população, verificaram a prevalência de 79,9% de fluorose leve no município com melhor controle e de 31,4% naquele onde os teores oscilavam. Trata-se de um achado esperado para locais com concentração adequada de flúor na água de abastecimento, possivelmente resultante do acesso a outras fontes de fluoretos.21 Silva e Maltz observaram alta prevalência de fluorose (52,9%) em um estudo com crianças de Porto Alegre-RS: em 93% das crianças examinadas, a severidade da fluorose foi baixa, apresentando uma variação do índice de fluorose de Thylstrup e Fejerskov (ITF) de 0 a 1, resultado considerado pelas autoras do estudo como não indicativo de um problema de Saúde Pública.22 Cangussu e colaboradores citam que a fluorose dental, em sua forma moderada ou severa, constitui um problema relevante para a Saúde Pública ao provocar alterações funcionais e estéticas, que afetam a personalidade e dificultam a inserção do indivíduo no mercado de trabalho, além de exigir tratamento odontológico de alta complexidade nos casos mais graves.3 É recomendável, portanto, que entre as políticas públicas de prevenção das doenças abordadas neste estudo, seja incluída a vigilância da concentração de flúor em outros produtos cujo consumo pela população tem aumentado, como as águas minerais e as fórmulas infantis, nas quais a concentração final do halogênio depende da soma da concentração no produto e na água utilizada para sua diluição.23

No contexto brasileiro, apenas uma parte da população, de maior poder aquisitivo, tem acesso a esses novos veículos de flúor, de maneira que a manutenção do processo de fluoretação da água garante os benefícios dessa medida de Saúde Pública para os contingentes menos favorecidos economicamente, contribuindo para diminuir a desigualdade social em relação à incidência da cárie.14,15 Essa decisão reforça a necessidade de monitoramento contínuo, tanto em relação à qualidade da água quanto à prevalência e grau da fluorose dentária em crianças e jovens, com a finalidade de propor mudanças nas políticas públicas de saúde bucal, inclusive sobre a concentração ideal do íon na água fornecida à população.14

Aproximadamente um terço das amostras analisadas apresentaram concentrações de íons fluoretos ineficientes para a prevenção da cárie dentária. Diante dessa constatação, recomenda-se a realização de levantamentos epidemiológicos periódicos, para verificar a prevalência dessas doenças (cárie e fluorose) na população da região em estudo, e o cruzamento desses dados com os de fluoretação da água, para uma efetiva avaliação da política pública de prevenção e promoção da saúde bucal. Cypriano e colaboradores relatam a importância da Epidemiologia na avaliação da distribuição e tendência dessas doenças, contribuindo para que medidas adequadas de redução e controle sejam implementadas.24 A Organização Mundial da Saúde (OMS) também recomenda a realização de estudos epidemiológicos, para um adequado acompanhamento do estado de saúde bucal da população e avaliação das ações desenvolvidas na área.25

Em relação aos perfis adotados no presente estudo, o perfil satisfatório foi considerado o mais adequado e deveria ser obtido por todos os sistemas de abastecimento público de água, no sentido de garantir o benefício da prevenção da cárie dentária. O perfil variável indicou deficiências no controle do processo de fluoretação e os riscos para a saúde bucal da população, que o consumo dessa água poderia representar. O perfil insatisfatório foi considerado inaceitável e sua persistência em um sexto dos municípios estudados indica ineficiência do processo de fluoretação da água nessas localidades, além do comprometimento de seus benefícios para a população.

Como apenas metade dos 36 municípios enquadrou-se nos dois perfis adotados como adequados - S + MD -, ficou demonstrado que na região de estudo, a fluoretação não foi realizada de maneira satisfatória. Nessas localidades, faz-se necessária a adoção de medidas corretivas no processo e a intensificação da vigilância da qualidade da água pelos órgãos fiscalizadores (vigilâncias sanitárias municipais), com o objetivo de melhorar a eficácia e a efetividade dessa política pública. Esses achados também demonstram a necessidade da avaliação do processo de fluoretação em outras regiões do estado, para conhecimento da situação dessa medida e aperfeiçoamento das ações de saúde entre suas populações.

As vigilâncias sanitárias municipais, de posse de um resultado condenatório, têm por função notificar os gestores dos sistemas de abastecimento público para que tomem as devidas providências e solucionem o problema. Também o Ministério Público deve ser acionado, para que o sistema produtor seja responsabilizado pelos eventuais riscos/danos causados à população. A persistência da situação não adequada em muitos dos municípios estudados indicou que as ações posteriores de fiscalização podem não ter sido realizadas. Assim, reforça-se a necessidade da implantação das vigilâncias sanitárias municipais efetivas, bem como da capacitação continuada dos profissionais responsáveis pelo monitoramento da qualidade da água. Tais ações são importantes para o heterocontrole do processo de fluoretação e adequação da concentração de íons fluoretos na água distribuída para a população.

A falta de mão de obra especializada e de capacitação dos profissionais responsáveis pela operação das estações de tratamento de água, a ausência de infra-estrutura adequada e de experiência no controle do processo de fluoretação são as causas relatadas para a dificuldade em se manter as concentrações adequadas de flúor na água de abastecimento, principalmente nos municípios menores.13

A captação de água com elevada concentração de flúor e sistemas com captação em poços artesianos também podem dificultar o tratamento e o controle operacional do processo de fluoretação.26 No estado de São Paulo, a presença de mananciais subterrâneos com elevadas concentrações de flúor é bastante comum em várias localidades, representando um desafio aos sistemas produtores no sentido de atingir e manter a regularidade dos limites estabelecidos para os íons fluoretos na água de abastecimento.27,28

As questões metodológicas também são fatores que dificultam o controle da fluoretação. A depender do método utilizado, pode-se encontrar diferenças entre os resultados analíticos.29,30 A utilização da mesma técnica para a realização do controle operacional em uma estação de tratamento de água e no heterocontrole é fundamental para avaliar se os resultados obtidos pelo controle interno dessa estação estão corretos ou detectar possíveis problemas técnicos ou decorrentes do emprego de metodologias distintas nessas análises.30

No presente estudo, verificou-se que, nos 14 municípios gerenciados pela Sabesp, prevaleceram os perfis satisfatório e de melhoria do desempenho. O perfil insatisfatório não foi encontrado. No único município de grande porte gerenciado pela Sabesp, foi encontrado o perfil variável, fato justificado pela existência de flúor natural nas águas subterrâneas.26 A redução da concentração do flúor natural na água de abastecimento pode ser realizada pela mistura com a água de outra fonte contendo menor teor do halogênio, obtendo-se uma água final com concentração adequada de flúor para a eficácia preventiva das cáries, sem o risco de expor os consumidores às doses tóxicas de flúor.26 Em suma, o controle do processo de fluoretação foi adequado na maioria dos municípios gerenciados pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo - Sabesp.

Nos municípios gerenciados por serviços autônomos vinculados às prefeituras, ao contrário, identificou-se uma situação crítica: entre os 22 municípios, apenas 9 se enquadraram nos perfis considerados adequados (S + MD) e 6 apresentaram perfil insatisfatório. O perfil insatisfatório indicou uma população exposta ao consumo de uma água que poderia não conferir o benefício de prevenção da cárie dentária, além de provocar o efeito indesejável da fluorose caso a concentração de íons fluoretos se elevasse. Possivelmente, esse perfil insatisfatório deve-se à não adoção da fluoretação da água, embora esta prática seja obrigatória para os sistemas públicos de abastecimento no Brasil, o que, portanto, contraria a legislação. Outra possibilidade é a de que, se houve a adoção da fluoretação, o controle desse processo não foi adequado.

Neste estudo, foram utilizados os resultados da medição de fluoretos obtidos durante a realização da rotina laboratorial do Proágua, que se baseia no Plano Nacional de Amostragem (Diretriz Nacional do Plano de Amostragem da Vigilância em Saúde Ambiental, relacionada à qualidade da água para consumo humano). Apesar de essa discussão não ser objeto do presente estudo, ressalta-se que o número de análises de íons fluoretos realizadas, seguindo a quantidade de amostras estabelecida no Proágua, pode não representar a situação real do processo de fluoretação dos sistemas públicos de abastecimento, principalmente naqueles municípios de pequeno porte. Dessa forma, para realizar o monitoramento da concentração de íons fluoretos na região estudada, é preciso conhecer o número efetivo de sistemas de fluoretação de cada município para melhorar a representatividade das amostras coletadas no heterocontrole.

Esta pesquisa permitiu identificar os municípios que apresentaram dificuldade no controle do processo de fluoretação, e demonstrou a necessidade de intervenções efetivas - intersetoriais e multidisciplinares - para garantir à população o consumo de água com qualidade. A fluoretação da água de abastecimento da região de estudo ainda não atingiu a situação ideal. Ficou evidente que os municípios de médio porte, com sistemas gerenciados por serviços autônomos vinculados às prefeituras, apresentaram maior dificuldade no controle do processo de fluoretação, necessitando de maiores intervenções para solucionar o problema. Afinal, concluiu-se que o monitoramento realizado pelo Proágua pode ser uma ferramenta eficaz para avaliar a situação do processo de fluoretação dos municípios.

 

Contribuição dos autores

Stancari RCA participou da concepção e delineamento, redação e revisão crítica do artigo.

Dias Júnior FL participou da análise e interpretação dos dados e revisão crítica do artigo.

Freddi FG participou da análise e interpretação dos dados do artigo.

Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito e são responsáveis por todos os aspectos do trabalho, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Regina Célia Arantes Stancari
- Centro de Laboratório Regional de Bauru,
Instituto Adolfo Lutz,
Rua Rubens Arruda, Quadra 6,
Centro, Bauru-SP, Brasil.
CEP: 17015-110
E-mail: rstancari@ial.sp.gov.br

Recebido em 02/06/2013
Aprovado em 18/02/2014

 

 

*Artigo baseado em trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em Gestão em Saúde do Sistema Universidade Aberta do Brasil/Universidade Estadual Paulista, em Botucatu-SP, defendido por Regina Célia Arantes Stancari para obtenção do título de Especialista.