Introdução
O quarto dos dez passos para o sucesso do aleitamento materno - recomendados pela Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC) - consiste em colocar os bebês em contato pele a pele com suas mães imediatamente após o parto, por no mínimo uma hora, encorajando-as a reconhecer quando seus bebês estão prontos para serem amamentados.1 Trata-se de uma prática essencial para a promoção e incentivo ao aleitamento materno (AM).1
A IHAC é apoiada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Fundo das Nações Unidas para Infância (UNICEF) e foi lançada em 1990. Desde então, mais de 15.000 hospitais em 134 diferentes países receberam o título de Hospital Amigo da Criança, contribuindo para a melhoria dos indicadores de aleitamento materno e da saúde das crianças.2
Vindo ao encontro das recomendações da IHAC, no que concerne ao incentivo à amamentação, a Rede Cegonha, com o objetivo de assegurar às crianças o direito ao nascimento seguro, crescimento e desenvolvimento saudáveis, preconiza a adoção de boas práticas de atenção ao parto e ao nascimento, entre as quais está a realização do quarto passo da IHAC.3
O Centers for Disease Control and Prevention (CDC), em uma tentativa de melhorar a prevalência de aleitamento materno nos Estados Unidos da América (EUA), instituiu em 2013 dois novos indicadores de qualidade para o acompanhamento da política de aleitamento materno: (i) percentual de binômios mãe-bebê colocados em contato pele a pele na primeira hora de vida; e (ii) percentual de mães e bebês em alojamento conjunto durante toda a estadia na maternidade.4
O impacto da implantação da IHAC no aumento da duração e início precoce do aleitamento, inclusive do aleitamento materno exclusivo, tem-se evidenciado em diversas investigações, realizadas em distintos países e contextos culturais.5-7
Um estudo com dados secundários sobre a proporção de crianças amamentadas na primeira hora de vida e a taxa de mortalidade neonatal de 67 países aponta que os países com os menores tercis de aleitamento materno na primeira hora de vida apresentaram maior taxa de mortalidade neonatal. Essa diferença se manteve mesmo após ajuste para partos realizados em estabelecimentos de saúde e escolaridade materna.7
Consolidando as evidências favoráveis ao quarto passo da IHAC, estudo de metanálise mostrou que o contato pele a pele precoce entre mãe e filho tem efeito positivo sobre a amamentação entre um e quatro meses após o nascimento, sobre o nível de glicose no sangue dos recém-nascidos nas primeiras horas de vida e na estabilidade cardiorespiratória de recém-nascidos prematuros tardios.8
O contato pele a pele precoce entre mãe e bebê apresenta-se como um procedimento seguro, barato e de comprovados benefícios no curto e no longo prazos, para as mães e as crianças,9 justificando sua implementação sistemática nos Hospitais Amigo da Criança (HAC).
Apesar das robustas evidências favoráveis ao quarto passo da IHAC, ele é ainda desconhecido e negligenciado por muitos profissionais.10
Uma avaliação sobre experiências dos países com a implementação dos Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento Materno, conduzida em 2002, mostrou que as propostas da iniciativa são facilmente compreendidas e aceitas; porém, sua sustentabilidade parece mais efetiva quando vinculada a uma abordagem que inclui política, legislação, reforma do sistema de saúde e intervenções na comunidade.11 No Brasil, a sustentabilidade da IHAC também foi avaliada em 2002, quando foram analisados 90% dos hospitais credenciados à época. Observou-se que 92% cumpriram todos os dez passos, sendo o quarto passo cumprido em 96% doshospitais avaliados.12
Diante desse cenário, o objetivo deste artigo foi identificar a prevalência de recém-nascidos colocados em contato pele a pele com suas mães imediatamente após o parto, por pelo menos 30 minutos ou até que o bebê realizasse a primeira mamada, em uma maternidade pública do Nordeste brasileiro detentora do título Hospital Amigo da Criança - HAC.
Métodos
Estudo observacional transversal, realizado em uma maternidade pública municipal de João Pessoa, capital do estado da Paraíba, no Nordeste brasileiro. Tal escolha deveu-se ao fato de essa ser a maternidade com maior número mensal de nascidos vivos no estado: cerca de 670 partos ao mês, aproximadamente 70% dos nascimentos do município de João Pessoa e 14% dos nascimentos da Paraíba.1 A maternidade avaliada detém o título de HAC desde 1997.
Para estimar a prevalência do quarto passo da IHAC, foram realizadas entrevistas face a face, utilizando-se de questionário estruturado - pelo software LimeSurveyTM(r) - aplicado junto às puérperas internadas no alojamento conjunto da instituição, que haviam parido há pelo menos 12 e no máximo 36 horas. Foram excluídas as puérperas com contraindicação formal que impedisse o contato pele a pele com seus bebês e/ou o aleitamento materno precoce, a saber: recém-nascido com muito baixo peso ao nascer (inferior a 1.500g) ou com idade gestacional - avaliada pelo método de Capurro - menor que 34 semanas ou ainda com avaliação de vitalidade fetal - no quinto minuto - abaixo de 7, pelo Boletim de Apgar; puérperas apresentando teste rápido reagente para o vírus da imunodeficiência humana (HIV) ou com sorologia anti-HIV positiva registrada em prontuário; e puérperas ou recém-nascidos cujo destino imediato tenha sido a unidade de terapia intensiva (UTI).13 Também foram excluídos os casos de óbito neonatal precoce e/ou óbito materno.
Foi considerada variável desfecho a realização adequada do quarto passo da IAHC (sim; não), a colocação do recém-nascido em contato pele a pelecom a mãe na primeira meia hora de vida da criança, sendo mantido por pelo menos 30 minutos ou até que o bebê realizasse a primeira mamada.
Foram incluídas as seguintes variáveis para caracterização das puérperas: faixa etária (em anos: ≤19; 20 a 29; ≥30); cor da pele autorreferida (branca; preta; amarela; parda indígena); situação marital (solteira; casada; união consensual; viúva); religião (sem religião; católica; evangélica/protestante; testemunha de Jeová; outra); classificação socioeconômica, avaliada segundo o Critério de Classificação Econômica Brasil (CCEB) em estratos econômicos (A1, A2, B1, B2, C1, C2, D e E);14 e cidade de origem (João Pessoa; Região Metropolitana de João Pessoa; outras cidades paraibanas).
Outras variáveis incluídas foram: tipo de parto (vaginal; cesáreo); local de realização do pré-natal (unidade básica de saúde [gestantes de risco habitual]; centro de referência [gestantes com fatores de risco obstétrico]; consultório particular); orientação durante o pré-natal sobre a importância do aleitamento materno (sim; não); e orientação durante o pré-natal sobre amamentar o bebê na primeira hora de vida (sim; não).
A coleta foi realizada em janeiro de 2014, durante sete dias consecutivos, utilizando-se de uma semana típica, ou seja, sem eventos incomuns que impactassem o serviço, tais como feriados, falta de funcionários ou superlotação, entre outros, caracterizando uma amostra não probabilística de fácil acesso. As entrevistas foram iniciadas em uma segunda-feira e finalizadas em um domingo. Como o regime de trabalho da instituição é organizado na forma de plantões, com cada equipe trabalhando em seu dia específico, essa forma de coleta permitiu contemplar as diversas dinâmicas e rotinas que porventura existissem no serviço.
As variáveis foram descritas mediante frequências, absoluta e relativa. O teste de hipóteses utilizado foi o Teste exato de Fisher. O nível de significância adotado foi de 5%.
Para analisar a associação do local de pré-natal com o tipo de assistência ofertada às mulheres entrevistadas, foram utilizadas as variáveis 'tipo de parto', 'conversa durante o pré-natal sobre a importância do aleitamento materno' e 'orientação durante o pré-natal para amamentar o bebê na primeira hora de vida'.
Para avaliar se houve associação de alguma variável assistencial com a variável desfecho, comparou-se a frequência das puérperas que realizaram o quarto passoda IHAC adequadamente com o tipo de parto, local de realização de pré-natal e recebimento de orientação, durante o pré-natal, sobre aleitamento materno e sobre amamentação na primeira hora de vida do bebê.
Foram utilizados os softwares Excel(r) e SPSS versão 20(r).
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Universitário Lauro Wanderley, da Universidade Federal da Paraíba: Parecer no 508.904 (Plataforma Brasil).
Resultados
Na semana escolhida para a coleta dos dados, em janeiro de 2014, 125 mulheres deram à luz na maternidade, sendo 113 elegíveis para o estudo. Destas, 6 se recusaram a participar da pesquisa, configurando uma perda de 5,3% (Tabela 1). Foram, portanto, 107 pacientes entrevistadas.
Nota: Não houve exclusões de puérperas com recém-nascidos com Apgar no quinto minuto <7, puérperas com sorologia anti-HIV positiva e puérperas com destino imediato para unidade de terapia intensiva (UTI) e óbito materno.
Houve predominância de puérperas na faixa etária de 20 a 29 anos (48,6%). A maioria considerava-se parda (66,3%), vivia em união consensual (58,0%) e professava alguma religião (73,8%). Menos de 10% das entrevistadas fazia parte dos estratos socioeconômicos superiores. Boa parte das pacientes não residia no município de João Pessoa (45,8%) (Tabela 2).
Apenas duas pacientes não realizaram pré-natal. O percentual de partos cesáreos foi elevado (51,4%). A maioria das pacientes realizou o pré-natal na Atenção Básica (70,4%) e recebeu orientações em relação ao aleitamento materno durante o pré-natal (60,0%); não obstante, grande parte dessas orientações não incluíam a recomendação da amamentação na primeira hora de vida do bebê (57,1%) (Tabela 2).
Não houve associação entre local de realização do pré-natal e tipo de parto (p=0,08) (Tabela 3). O percentual de cesáreas foi elevado entre as pacientes que realizaram seu pré-natal na Atenção Básica (44,6%) (Tabela 3).
a) Unidade básica de saúde
b) Centro de referência
c) Consultório particular
d) Teste exato de Fisher
Houve associação estatisticamente significativa entre realizar o pré-natal nas UBS e receber orientações sobre aleitamento na primeira hora de vida (p=0,007) (Tabela 3). Das puérperas que receberam essa orientação, 86,7% haviam realizado o acompanhamento de pré-natal na Atenção Básica.
No que se refere ao cumprimento do quarto passo da IHAC, 54 mulheres referiram ter recebido seus bebês no colo nos primeiros 30 minutos após o nascimento. A equipe de enfermagem, juntamente com os pediatras, foram os principais responsáveis por proporcionar esse contato precoce entre mãe e bebê (Tabela 4).
Nota: Não houve registro de envolvimento das doulas, tampouco dos profissionais fisioterapeuta, psicóloga e técnico de enfermagem.
Apesar de boa parte das puérperas ter tido a chance de segurar seus bebês no colo imediatamente após o parto, apenas uma minoria (9,3%) pôde manter o contato pele a pele com seus bebês por mais de 30 minutos ou até que eles realizassem a primeira mamada - cumprimento do quarto passo da IHAC. A única variável significativamente associada à realização do quarto passo da IHAC foi o tipo de parto (p<0,01). Nenhuma paciente submetida ao parto cesariano teve oportunidade de realizar o quarto passo da IHAC da maneira preconizada (Tabela 5).
Discussão
A prevalência da realização do quarto passo da IHAC esteve bem abaixo da meta recomendada pelo Ministério da Saúde para os HAC. De acordo com a indicação ministerial, pelo menos 80% das mães selecionadas ao acaso que deram à luz sem anestesia geral devem confirmar que seus bebês realizaram o quartopasso e que foram encorajadas a procurar, durante esse primeiro período de contato, sinais de que seus bebês estavam prontos para mamar e receber ajuda se necessário.1
Todos os casos em que havia alguma contraindicação formal que impedisse o contato pele a pele das mães com seus bebês e/ou aleitamento materno precoce foram excluídos. Portanto, a amostra avaliada foi constituída apenas de bebês e mães que poderiam ter realizado contato pele a pele precoce conforme preconizado pelo Ministério da Saúde. O achado deste estudo é preocupante, especialmente por se tratar de um Hospital Amigo da Criança. Porém é similar ao encontrado em unidades hospitalares que não são HAC, avaliadas, por exemplo, no estudo deBoccolini et al.,15 conduzido no Rio de Janeiro entre 1999 e 2001 e que constatou apenas 16,1% dos recém-nascidos amamentados na primeira hora de vida; e no inquérito nacional sobre parto e nascimento no Brasil, realizado entre 2011 e 2012.16 Neste inquérito, aproximadamente 28% dos bebês - 28,8% na região Nordeste -realizaram contato pele a pele com suas mães logo após o nascimento, sendo a proporção de oferta do seio na sala de parto ainda mais baixa - 16,1% no Brasil e apenas 11,5% na região Nordeste.16
Os estudos citados15,16 revelam que, ao longo dos últimos anos, apesar das crescentes evidências de aumento do número de hospitais com o título de HAC e das políticaspúblicas que visam incentivar o aleitamento materno no Brasil, não houve mudança no cenário relacionado à amamentação precoce, expondo uma enorme discrepância entre as evidências científicas mais atuais e a prática clínica rotineira das maternidades.
A adesão ao quarto passo da IHAC persiste, representando uma dificuldade e um desafio em todo o território nacional; todavia maior no Nordeste, onde, mesmo com a IHAC instalada e consolidada, são poucos os bebês que têm a chance de serem amamentados na primeira hora de vida.
Alguns municípios brasileiros, no entanto, conseguiram avançar nos indicadores de aleitamento materno. É o caso de Feira de Santana, interior da Bahia, onde, em um período de 8 anos, obteve-se um acréscimo de 16,7p.p (de 52,2% em 2001 para 68,9% em 2009) na proporção de crianças amamentadas na primeira hora de vida.17
No presente estudo, constatou-se que a equipe de enfermagem, juntamente com os pediatras, foram osprincipais responsáveis por viabilizar a concretização do quarto passo da IHAC naqueles bebês que tiveram essa oportunidade, refletindo, possivelmente, a forma de organização das atribuições no contexto da rotina hospitalar das maternidades em que os profissionais de saúde são os protagonistas da assistência, não cabendo muito espaço aos acompanhantes, doulas, obstetras, que estão fundamentalmente voltados à assistência materna, e aos demais profissionais de saúde.
A relação entre a realização adequada do quarto passo da IHAC e o tipo de parto é semelhante à observada em outro estudo, realizado na região Sul do Brasil e publicado em 2008, que avaliou os fatores associados ao início da amamentação. Os autores desse estudo constataram que tanto o contato pele a pele quanto o tempo de permanência do bebê com a mãe logo após o parto ficam diminuídos quando o tipo de parto é cesáreo, mesmo considerando-se ajustes para outros fatores.18
Boccolini et al.15 e Moreira et al.16 também encontraram o parto vaginal associado - deforma significativa - ao contato pele a pele precoce e ao aleitamento na primeira hora de vida dos bebês. Boccolini et al.15 também observaram que a amamentação na primeira hora de vida é determinada, essencialmente, pela maternidade onde o parto ocorre, sendo que fatores individuais, como idade, paridade e escolaridade materna, não desempenham papel significante. Esses achados15,16 e os da presente pesquisa indicam que a escolha do tipo de parto interfere no sucesso da amamentação nos locais estudados. Pode-se afirmar que o cumprimento do quarto passo está imbricado com o modelo de atenção ao parto, e que o modelo de atenção ao parto prevalente no Brasil é um dos grandes indutores da realidade observada.
Investigação qualitativa, realizada na Austrália - país com modelo menos intervencionista na atenção ao parto -, acerca da percepção dos profissionais de saúde australianos em relação à implementação da IHAC, mostrou que o contato pele a pele precoce entre mãe e bebê foi considerado o passo da IHAC mais fácil de ser implementado. Durante entrevista, uma das profissionais afirma: "You can just leave your mother and baby there quite happily" (Você pode apenas deixar a mãe e seu bebê lá muito felizes).19
Nos EUA, onde as taxas de aleitamento materno ainda são baixas, nota-se aumento nas taxas de recém-nascidos colocados em contato pele a pele precoce com suas mães. Segundo o CDC/EUA, o percentual de maternidades em que 90% ou mais dos nascimentos cumpriam o quarto passo de maneira adequada, aumentou de 43,4% em 2009 para 54,4% em 2011, graças a uma política nacional americana que se assemelha à política da IHAC no âmbito mundial.4
Um estudo norte-americano, publicado em 2012, sobre as dificuldades para superar as barreiras que impediam o corpo clínico do hospital de adotar as práticas recomendadas pela IHAC, aponta como questões relacionadas aos principais problemas enfrentados, a cultura, práticas de longa data e desinformação, concluindo que a superação desses obstáculos requer tempoe determinação. Após intervenção contínua, visando modificar o processo de trabalho no que concerne à assistência ao parto e puerpério, o serviço hospitalar norte-americano avaliado conseguiu ampliar a prática do quarto passo da IHAC, de 0% em maio de 2010 para mais de 85% em dezembro de 2010.20
Outro ponto a ser problematizado nesse contexto é o tipo de parto. Conforme observado no presente estudo, houve alta proporção de não cumprimento do quarto passo da IHAC quando da realização de cesárea.
Leal et al.,21 no estudo 'Nascer no Brasil', realizado entre fevereiro de 2011 e outubro de 2012, encontraram uma taxa de cesárea de 51,9% no país. Considerando-se somente as cesáreas de risco obstétrico habitual, a taxa de cesárea decresceu para 45,5% e a de parto normal sem intervenção foi de apenas 5,6%. Esses achados são similares ao achado do presente estudo: uma taxa de partos cesáreos de 51,4%.
Em ambos esses estudos, a ocorrência de cesariana foi elevada, bem acima do recomendado pelo Ministério da Saúde em sua Portaria MS/GM no 2.816, de 29 de maio de 1998, que institui o pagamento do percentual máximo de 30% cesarianas, em relação ao total de partos por hospital.22
O modelo de atenção obstétrica do Brasil é tido como intervencionista. A taxa de cesárea é a maior expressão desse modelo e está entre as mais elevadas do mundo,23 próxima aos valores da China (46,2%), Turquia (42,7%), México (42%), Itália (38,4%) e EUA (32,3%), e bem superior às da Inglaterra (23,7%), França (20%) e Finlândia (15,7%).24
Souza e Pileggi-Castro25 observam que a prática abusiva de cesáreas no Brasil é um problema complexo e multifatorial, a envolver, entre outros fatores, o protagonismo dos obstetras na assistência ao parto, questões mercantis que tornam a cesárea mais conveniente para muitos profissionais de saúde, e a percepção de considerável parcela da população sobre uma possível superioridade dessa via de parto.
O desafio de transformar a assistência às mulheres e aos recém-nascidos é enorme. Seu enfrentamento cobra ousadia de gestores e profissionais de saúdededicados a essas práticas, como também a participação das mulheres e dos movimentos sociais para tornar visíveis seus anseios e necessidades.
A transformação dessa realidade deve-se iniciar no planejamento familiar e no atendimento pré-natal, conforme define a Rede Cegonha, acontecendo de maneira oportuna, conduzido por ações educativas e preventivas.3,26
Neste estudo, a cobertura de pré-natal para as mulheres entrevistadas foi praticamente universal, realidade semelhante em todo o Brasil.27 Mais de 60% das puérperas referiram ter recebido orientações em relação ao aleitamento materno durante o pré-natal, embora essas orientações nem sempre incluíssem a prática da amamentação na primeira hora de vida do bebê: menos da metade das puérperas foi orientada para essa prática. Os resultados apresentados são piores que os encontrados por Viellas et al.,27 que evidenciaram umaproporção da ordem de 70,6% das mulheres que pariram no Nordeste e 64% das puérperas brasileiras tendo recebido orientações sobre amamentação na primeira hora de vida; e que os achados de Boccolini et al.,28 para quem cerca de 25% das mães não haviam recebido qualquer tipo de informação sobre aleitamento materno durante o pré-natal.
Se nesta pesquisa, o recebimento de informações sobre aleitamento materno não esteve associado ao desfecho estudado (adequação do quarto passo), deve-se questionar mais uma vez sobre a autonomia feminina e o protagonismo da mulher dentro do contexto hospitalar onde seu parto é realizado. Os conhecimentos da puérpera em relação ao aleitamento materno não interferiram na prevalência do quarto passo da IHAC, na maternidade estudada. Este resultado demonstra que a rotina hospitalar rege a atenção ao parto, sem a incorporação dos preceitos de humanização da assistência, e que as mães estão suscetíveis às práticas do serviço, não tendo poder de interferir na decisão de realizar contato pele a pele precoce com seus bebês e/ou de amamentá-los na primeira hora de vida.
Não foi possível associar o recebimento de informações sobre aleitamento materno ao local de realização de pré-natal pelas gestantes, evidenciando que as práticas educativas do pré-natal são deficientes tanto na Atenção Básica como nos centros de referência.
Boccolini et al.15 relatam a necessidade do empoderamento das mães para amamentar ainda na sala de parto, respeitando suas particularidades e diversidades socioculturais, de modo que elas participem como sujeitos no ato de amamentar seus bebês na primeira hora de vida. Monteiro, Gomes e Nakano29 entendem que a mudança de atitude do profissional de saúde, com a integração e valorização do binômio mãe-bebê, pode facilitar a operacionalização do quarto passo da IHAC, de modo a ser realizado não apenas de forma mecanicista e fragmentada, e sim com respeito e acolhimento.
Outra questão a ser lembrada é o processo de avaliação para obtenção e manutenção do título de HAC. Os próprios avaliadores acreditam que os instrumentos utilizados são parcialmente confiáveis, não sendo capazes de captar a realidade das instituições.30
Tendo em vista o exposto, o cumprimento do quarto passo da IHAC não é realizado da maneira preconizada na maternidade onde este estudo foi realizado. A baixa prevalência de contato pele a pele da mãe com seu bebê na primeira hora de vida parece ser um reflexo do modelo de assistência obstétrico brasileiro, no qual, impera o excesso de intervenções e a submissão feminina.15,21,23,25,29
Sugere-se novas avaliações dos Hospitais Amigos da Criança - HAC - voltadas à observância da qualidade da assistência, incorporando a realidade e complexidade de cada unidade de saúde materno-infantil e seu cenário de ação.