Introdução
Estima-se que em 2014, em todo o mundo, 36,9 milhões de pessoas estivessem vivendo com o vírus da imunodeficiência humana (HIV), agente infeccioso causador da síndrome da imunodeficiência adquirida (aids). Este resultado é muito influenciado pelo expressivo número de usuários da terapia antirretroviral (TARV), o que contribui para o aumento da sobrevida de portadores de HIV/aids. Entretanto, é importante ressaltar que a epidemia permanece em patamares elevados em determinadas regiões, o que representa gastos substanciais em saúde. Observa-se que 80% das pessoas vivendo com HIV se concentram em apenas 20 países, dos quais um é o Brasil. Em relação à incidência de aids no mundo, evidenciou-se uma queda de 35% entre 2000 e 2014; não obstante, o Brasil registrou aumento de casos novos no mesmo período.1
Desde o início da epidemia de HIV/aids no país, ocorreram 238.306 óbitos pela doença. Ao se comparar as taxas de mortalidade por aids no Brasil entre 2004 e 2013, mostrou-se evidente a queda de 6,6% no risco de morte: em 2004, o coeficiente de mortalidade foi de 6,1 óbitos/100 mil habitantes, e em 2013, de 5,7/100 mil hab.2
Cabe salientar que o Brasil foi pioneiro na implementação da distribuição gratuita e universal da terapia antirretroviral, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em 1996.3 Esse tratamento contribuiu para a redução da mortalidade, aumento da sobrevida, queda da carga viral e prevenção da transmissão vertical da doença.4
Apesar da redução na mortalidade por aids no país, algumas regiões evidenciaram número elevado de óbitos pela doença. O estado do Rio Grande do Sul (RS) tem apresentado, desde 2001, as maiores taxas de mortalidade pela doença, e sua capital, Porto Alegre (POA), um coeficiente mais elevado que o do próprio estado e quatro vezes maior que o do país.2
O presente estudo teve por objetivo analisar a tendência da mortalidade por aids no Rio Grande do Sul e em Porto Alegre, segundo características sociodemográficas, no período de 2000 a 2011.
Métodos
Trata-se de um estudo ecológico de série temporal das taxas de mortalidade por aids, realizado com dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), sistema gerenciado pelo Ministério da Saúde (MS). As unidades de análise foram o estado do Rio Grande do Sul (RS) e sua capital, o município de Porto Alegre (POA). Foram incluídos todos os óbitos por aids ocorridos no estado e na capital, no período de 2000 a 2011.
O estado do Rio Grande do Sul (RS) localiza-se na região Sul do Brasil, possui 281.730,223 km2 e 497 municípios. No ano de 2010, o RS apresentava uma população de 10.693.929 habitantes e uma densidade demográfica de 39,8 habitantes/km2.5 Quanto à escolaridade, 55% da população do estado com mais de 15 anos de idade apresentava o 2º ciclo do Ensino Fundamental completo ou mais anos de estudo, e a renda per capita média era de R$ 729,40. No que corresponde à raça/cor, 86,5% da população do estado havia se declarado branca.5
A capital do estado, o município de Porto Alegre (POA), possuía uma área de 496,682 km2, densidade demográfica de 2.837,52 habitantes/km2 e população de 1.409.351 habitantes em 2010, o que, naquele ano, correspondia a 13,2% da população do RS.6 Em POA, 72,9% da população com mais de 15 anos possuía o 2º ciclo do Ensino Fundamental completo ou mais anos de estudo. A renda per capita média de POA era de R$ 1.722,37. Quanto à raça/cor, 79,2% da população declarou-se branca.6
Para o cálculo das taxas de mortalidade por 100 mil habitantes, foram considerados todos os óbitos registrados com os códigos da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - 10ª Revisão (CID-10) referentes à aids: B20 a B24. Foram calculadas taxas brutas de mortalidade segundo sexo, faixa etária e raça/cor. O cálculo das taxas de mortalidade por aids padronizadas foi realizado por idade, em todos os anos do período estudado, utilizando-se o método direto e considerando-se a população do Brasil referente ao ano 2010 como padrão.
As informações sobre população residente utilizadas no cálculo das taxas de mortalidade segundo sexo e faixa etária correspondem aos dados estimados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados no sítio eletrônico do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus). Porém, para as taxas de mortalidade segundo raça/cor a população foi estimada por meio do modelo geométrico para os anos para os quais o IBGE não disponibilizou as informações de raça/cor, visto que o órgão divulgou esses dados apenas para os anos 2000 e 2010. Logo, para a estimativa da população dos demais anos (2001 a 2009; e 2011), foi realizado o cálculo da taxa de crescimento da população a partir de dois pontos identificados, a saber, os anos 2000 e 2010.7
Ao se utilizar esse modelo, assume-se que a taxa de crescimento é constante, sendo essa taxa identificada a partir da fórmula abaixo:7
Onde:
r é a taxa de crescimento da população;
P(t) é a população final para se identificar a taxa de crescimento, ou seja, corresponde à população do ano de 2010;
P(0) é a população inicial para se identificar a taxa de crescimento, ou seja, corresponde ao ano 2000; e
t é o tempo transcorrido entre a mensuração da população inicial e final, ou seja, 2010-2000, período equivalente a dez anos.
Os dados foram analisados segundo as variáveis sociodemográficas: sexo (masculino; feminino), faixa etária (em anos: 0-19; 20-29; 30-39; 40-49; 50-59; e ≥60); e raça/cor da pele (branca; preta; parda; e negra, esta correspondendo à soma das raças preta e parda). As categorias de raça/cor amarela e indígena foram excluídas, devido ao baixo número de óbitos.
Para a análise de tendência, foi utilizado o modelo de análise linear generalizada de Prais-Winsten, em que as variáveis independentes (X) foram os anos de ocorrência dos óbitos e as taxas de mortalidade foram consideradas variáveis dependentes (Y). O modelo de Prais-Winsten é indicado para corrigir a autocorrelação serial em séries temporais. Para se verificar a existência de autocorrelação da série, foi aplicado o teste de Durbin-Watson, cuja interpretação é operacionalizada pelo valor do teste em uma escala de medida que varia de 0 a 4. Quando o valor é próximo a zero, há a indicação da existência de uma máxima autocorrelação positiva, enquanto se o valor de Durbin-Watson é próximo a 4, a autocorrelação serial é negativa. Por sua vez, quando o valor do teste é próximo a 2, não existe autocorrelação serial.8
Para a aplicação do modelo, foi utilizado o método sugerido por Antunes e Cardoso.8 Em um primeiro momento, foi realizada a transformação logarítimica dos valores de Y, seguida da aplicação do modelo autoregressivo de Prais-Winsten, para que fossem estimados os valores de b1 das taxas de mortalidade brutas e padronizadas, assim como das taxas de mortalidade segundo sexo, faixa etária e raça/cor. Posteriormente, os valores de b1 correspondentes a cada uma das taxas foram aplicados à seguinte fórmula, em vista da identificação das taxas de variação:
A partir da análise da taxa de variação, pode-se dizer que uma tendência é (i) crescente, quando a taxa de variação é positiva, (ii) decrescente, quando a taxa de variação é negativa, e (iii) estacionária, quando não existe diferença significativa entre seu valor e zero.
A etapa final da modelagem consistiu no cálculo dos intervalos de confiança (IC) das medidas do estudo, mediante a aplicação da seguinte fórmula:
Os valores de b mínimo e b máximo são captados no intervalo de confiança (IC) gerado pelo programa de análise estatística e são aplicados na fórmula, sendo o valor de b mínimo correspondente ao ponto mínimo do IC e o valor de b máximo correspondente ao ponto máximo do IC.
Neste estudo, o nível de significância considerado foi de 5% e o processamento e análise dos dados foi realizado pelo programa Statistical Package for the Social Sciences 20.0 (SPSS).
O projeto da pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ESNP)/Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e aprovado: Parecer nº 15/2012.
Resultados
No período de 2000 a 2011, foram registrados no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) 16.804 óbitos por aids no RS, sendo que 35,8% dessas mortes ocorreram em POA, o que corresponde a 5.765 óbitos neste município.
Nas Tabelas 1 e 2, observa-se que, no RS, as taxas brutas de mortalidade por aids apresentaram tendência a crescimento, enquanto que as taxas padronizadas tiveram tendência estacionária, com uma taxa de variação de 1,8% (IC95% 0,7;3,0) para as taxas brutas e 1,3% para as padronizadas (IC95% -0,6;6,7). Quanto ao município, as taxas brutas e padronizadas de mortalidade por aids foram mais elevadas que as do RS em todos os anos da série histórica e tiveram tendência estacionária, com uma taxa de variação de 0,4% (IC95% -1,3;2,1) e -0,3% (IC95% -5,1;3,9) para as taxas brutas e padronizadas, respectivamente.
A evolução temporal da mortalidade por aids no RS e em POA evidenciou taxas estacionárias entre os homens, com uma variação de 0,7% (IC95% -0,5;1,8) no estado e de 0,5% no município (IC95% -2,8;1,9). Na população feminina, houve expressivo aumento das taxas de mortalidade por aids de 2000 a 2011, com tendência crescente tanto no RS como em POA, com uma variação de 4,1% no estado (IC95% 3,0;5,3) e de 2,7% no município (IC95% 1,8;3,5) (Tabelas 2 e 3).
Quanto às faixas etárias, no RS observou-se tendência decrescente nas faixas de 0 a 19 anos, com taxa de variação de -8,4% (IC95% -11,1;-4,3), e de 20-29 anos, com variação de -4,4% (IC95% -6,3;-2,5). Também se notou tendência estacionária na taxa de mortalidade por aids na faixa de 30-39 anos, com uma taxa de variação de 1,4% (IC95% -0,3;3,1). Entretanto, constatou-se tendência de crescimento nas faixas etárias mais avançadas, para as quais foram observadas as seguintes taxas de variação: 4,0% na faixa de 40-49 (IC95% 1,3;6,7), 5,8% na faixa de 50-59 (IC95% 1,9;9,9) e 4,0% na faixa de ≥60 anos de idade (IC95% 1,1;6,9) (Tabelas 2 e 4).
Em POA, as faixas etárias de 0-19 e 20-29 anos também apresentaram uma tendência decrescente na mortalidade por aids, com taxas de variação de -12,4% (IC95% -17,0;-7,5) e -5,7% (IC95% -7,8;-3,6), respectivamente. Foi evidenciada tendência estacionária nas faixas etárias de 30-39 (taxa de variação de -1,3%; IC95% -3,1;0,6), 40-49 (taxa de variação de 2,2%; IC95% -1,3;5,8) e na população com 60 anos ou mais (taxa de variação de 5,0%; IC95% -0,4;10,7). Apenas para a faixa de 50-59 anos de idade verificou-se uma tendência crescente, com uma taxa de variação de 6,0% (IC95% 2,1;9,9) (Tabelas 2 e 4).
No RS, houve crescimento da mortalidade por aids nas populações branca e parda, com variação de 1,6% (IC95% 0,1;3,0) e 4,5% (IC95% 1,9;7,2), respectivamente. As raças preta e negra mostraram tendência estacionária, com variação de 2,3% (IC95% -0,4;5,0) e 2,2% ( IC95% -0,6;5,2), respectivamente. No município de Porto Alegre, tendências foram estacionárias para as raças branca, preta e negra. Todavia, a raça parda apresentou tendência crescente e variação de 4,6% (IC95% 1,5;7,9) (Tabelas 2 e 5).
Discussão
No período de 2000 a 2011, a mortalidade por aids no RS e POA evidenciou tendência estacionária quando analisadas as taxas de mortalidade padronizadas. Ao se considerar que em POA as taxas foram mais elevadas que as do próprio estado, essa tendência estacionária revela que as taxas de mortalidade por aids no município têm se mantido elevadas durante um período considerável.
Pesquisa que avaliou o risco de morte pela doença, assim como a incidência do agravo no período de 1990 a 2002, apontou que, após a inserção da terapia antirretroviral no Brasil, houve redução das taxas de mortalidade.9 De acordo com dados do Boletim Epidemiológico de HIV/Aids, entre 2004 e 2013, as taxas de mortalidade declinaram no país.2 Entretanto, estudo que investigou a mortalidade pelo agravo no período de 1999 a 2007 destacou que as taxas foram estáveis no país, mas, ao se observar este indicador regionalmente, identificou-se a existência de disparidades nas taxas de mortalidade pela doença.10
Cabe destacar que as altas taxas de mortalidade no RS e em POA podem estar atreladas à desigualdade na distribuição de serviços assistenciais. Investigação que avaliou a magnitude e tendência da epidemia do HIV/aids de 2002 a 2006 destacou que as desigualdades de acesso a serviços para a resposta ao HIV/aids foram expressivas em centros urbanos do Sul e Sudeste que possuem epidemias sob maior controle, quando comparados a outras regiões de médio porte que possuem epidemias com perfil de crescimento e capacidade de resposta reduzida.11
Num cenário de disponibilização universal e gratuita, desde 1996, de uma terapia que contribui para a queda da mortalidade e o aumento da expectativa de vida de pessoas que vivem com HIV/aids, é preocupante se observarem taxas de mortalidade pela doença ainda em patamares elevados e com tendência crescente e estacionária no RS e em POA, respectivamente. Segundo Veras e colaboradores,12 a mortalidade por aids no Brasil permanece expressiva, e ainda existe desigualdade no acesso a serviços de saúde. Além disso, o início tardio da terapia antirretrovial influencia no sucesso do tratamento, visto que, quando ocorre o diagnóstico precoce do paciente, aumentam as possibilidades de o tratamento ser satisfatório.
Estudo desenvolvido no Reino Unido analisou o efeito do diagnóstico tardio na expectativa de vida em uma população de homens que fazem sexo com homens (HSH) diagnosticados em 2010, e identificou-se que houve aumento na expectativa de vida onde existe amplo acesso a serviços e medicamentos antirretrovirais e que o diagnóstico tardio se caracteriza como principal fator associado ao óbito em pessoas que vivem com HIV/aids.4
A orientação atual do Ministério da Saúde para o controle do HIV/aids é baseada na prevenção para indivíduos que não foram infectados, assim como no diagnóstico e início da TARV precocemente para as pessoas que vivem com HIV/aids.2
Esta investigação revelou que, entre os homens do RS e de POA, as taxas de mortalidade por aids foram mais elevadas que entre as mulheres. Entretanto, a tendência de mortalidade por aids entre os homens foi estacionária em ambas as unidades de análise. Quanto ao sexo feminino, tanto no RS quanto em POA, a tendência da mortalidade por aids foi crescente. Tais resultados acompanham o padrão nacional de aumento da mortalidade por aids entre as mulheres e de estabilização entre os homens.2 O aumento da mortalidade por aids entre mulheres é denominado feminização da epidemia, e tem sido evidenciado desde a década de 1990.13
Estudos têm discutido os fatores que contribuem para a vulnerabilidade das mulheres à aids. Alguns autores pontuam que esta situação pode estar relacionada a questões socioeconômicas e de baixa percepção de risco.14 Salienta-se que pesquisa que analisou as diferenças existentes entre os sexos nas práticas associadas à infecção por HIV no Brasil evidenciou a dificuldade de negociação do uso de preservativo com o parceiro, o que diminui o seu uso entre as mulheres.15
Em relação à idade, no RS foi identificado que as faixas de 0-19 anos e 20-29 anos tenderam à queda, enquanto nas faixas de 30-39 anos a tendência foi estacionária, e nas faixas de 40-49 anos, 50-59 anos e 60 ou mais anos houve tendência de aumento. Em POA as tendências foram decrescentes nas faixas de 0-19 anos e 20-29 anos. Evidenciou-se estacionariedade nas faixas de 30-39 anos, 40-49 anos e 60 ou mais anos. Apenas a faixa de 50-59 anos teve tendência crescente. O perfil supracitado acompanha o padrão nacional de mortalidade de acordo com a idade,2,13 assim como corresponde ao perfil mundial, segundo o qual a aids é a quinta principal causa de morte entre aqueles que se encontram na fase adulta do ciclo de vida.16 Entretanto, é importante destacar que, nas faixas de 50-59 anos e 60 anos ou mais, houve perceptível aumento. A atual situação da aids em idades mais avançadas é uma realidade que também foi identificada em pesquisa que avaliou a aids no Ceará no período de 2001 a 2011.17 Além disso, investigação que analisou a epidemia de aids entre idosos no Distrito Federal apontou que o crescimento do agravo entre a população com 60 anos ou mais foi oscilante, com tendência à estabilidade, no decorrer dos anos da série de 1999 a 2009, atribuindo assim novo padrão à epidemia.18
No que tange à queda da mortalidade por aids em populações inclusas na faixa de 0 a 19 anos, esta pode ser reflexo da implementação da prevenção à transmissão vertical do HIV/aids, que se caracteriza pela disponibilização de teste anti-HIV no momento do pré-natal, assim como da testagem rápida no parto e terapia antirretroviral para o recém-nascido.19,20
Em relação à cor da pele ou raça, os dados desta pesquisa revelaram que, no estado, houve tendência a aumento das taxas de mortalidade por aids tanto na raça/cor branca quanto na parda, e tendência estacionária com relação às raças preta e negra. No município, a mortalidade por aids segundo raça/cor teve tendência crescente nas raças parda e negra e estacionária nas raças branca e preta. Cabe salientar que as taxas de mortalidade pela doença foram mais elevadas nas raças preta e negra, tanto no RS quanto em POA. Outro ponto importante para ser abordado na variável raça/cor se relaciona à discrepância existente entre o numerador e o denominador para o cálculo das taxas de mortalidade segundo raça/cor, caracterizando-se como uma limitação no cálculo da taxa de mortalidade segundo raça/cor, pois o numerador é proveniente do SIM, sendo o registro de raça/cor determinado por quem preenche a Declaração de Óbito (DO). Quanto ao denominador, este é captado a partir das projeções referentes aos anos censitários, o que pode se refletir em uma superestimação ou subestimação das taxas, pois, ao se considerar que o crescimento de uma população é constante, pode ocorrer a não identificação de padrões de queda ou crescimento da mesma. Este fator pode influenciar na análise de tendências - ao se superestimar uma população, as taxas caem, e quando se subestima, há aumento das taxas -, ou seja, pode apontar para uma tendência equivocada.
Cabe destacar que a elevada taxa de mortalidade por aids na população preta, parda e negra no RS e em POA pode estar relacionada à exclusão desta população no decorrer da história do país.21
Para Barata,22 pertencer a uma população de determinada raça/cor diz sobre ter acesso ou não aos serviços de saúde, assim como impacta sobre as condições de saúde. E, no que corresponde à população de raça/cor preta, esta se caracteriza por se concentrar em locais com escassez de recursos, marcados pela deficiência de condições de saneamento básico adequado, assim como de educação e trabalho, o que contribui para a vulnerabilidade desse grupo.
Salienta-se como limitação deste estudo o uso de dados secundários do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), pois, apesar das melhorias que ocorreram ao longo no tempo neste sistema, há variação em sua qualidade e cobertura, de acordo com as regiões.23 A melhoria na qualidade dos dados do SIM também pode ser atribuída à redução do registro de óbitos por causas mal definidas, o que também resulta no aumento das taxas de mortalidade específicas nas regiões que apresentam elevado registro de óbitos por causas mal definidas, como é o caso das regiões Norte e Nordeste. Padrão distinto é identificado nas regiões Sudeste e Sul, que possuem um número menor de registros de óbitos por causas mal definidas.24 A partir desta informação, é importante destacar que existe a possibilidade de subestimação das taxas no início do período deste estudo, o que pode fazer com que as tendências de crescimento possam ser atribuídas, em parte ou totalmente, à melhoria da qualidade e da cobertura dos dados de óbito.
Por fim, faz-se importante frisar que, de acordo com este estudo, o município de Porto Alegre apresentou, em todo o período analisado, taxas de mortalidade mais elevadas que as apresentadas pelo próprio estado, o que indica a necessidade de atenção por parte dos gestores municipais, tendo em vista o fortalecimento das práticas de promoção, prevenção e assistência ao HIV/aids.
Ademais, para maior compreensão da mortalidade por aids nas unidades de análise em questão, também é fundamental o desenvolvimento de estudos que investiguem certas características, como as condições de vida da população e o acesso aos serviços de testagem e tratamento de HIV/aids. De fato, apenas o conhecimento do perfil da população acometida pela doença não é suficiente, apesar de contribuir para as práticas de gestão do cuidado e direcionamento de estratégias para mudanças nos indicadores de incidência e mortalidade pelo agravo.