Introdução
Um evento de massa pode ser entendido como qualquer evento que envolva grande número de pessoas, reunidas por localização, período e motivos específicos, seja ele de caráter esportivo, cultural ou religioso. A aglomeração de pessoas pode apresentar situações de introdução e disseminação de doenças, com possível aumento da demanda por serviços de saúde, sendo fundamental o planejamento de ações responsáveis do sistema de saúde.1-4
A Copa do Mundo da Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA) é o segundo maior evento esportivo do planeta. A disputa entre as melhores seleções de futebol do mundo acontece a cada quatro anos e mobiliza bilhões de pessoas de todos os continentes e culturas. As últimas edições do evento aconteceram na Alemanha (2006) e na África do Sul (2010).5,6 A 20a edição da Copa do Mundo da FIFA (CMFB) aconteceu no Brasil, no ano de 2014, sendo essa a segunda vez em que o país abrigou o evento; a primeira Copa no Brasil aconteceu em 1950.7 A competição ocorreu entre 12 de junho e 13 de julho de 2014, com a participação de 32 seleções. Os jogos foram realizados em doze cidades-sede: Belo Horizonte, Brasília, Cuiabá, Curitiba, Fortaleza, Manaus, Natal, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo.8
A CMFB colocou desafios específicos para o país, dado seu tamanho e diversidade de participantes. Foi um evento com potencial para a disseminação de doenças transmissíveis, possíveis ameaças de acidentes com múltiplas vítimas, atentados com produtos químicos, biológicos, radiológicos, nucleares e explosivos (QBRNE), casos isolados ou surtos. Os desafios não se limitavam à tomada de medidas de controle, incluíam a detecção oportuna e o manejo de doenças infecciosas na população local e nos viajantes que retornavam a seus países de origem.3,4,7,8
Na cidade-sede de Fortaleza foram disputadas seis partidas de futebol, nos dias 14, 17, 21, 24 e 29 de junho e 4 de julho de 2014, com média de público na Arena Castelão de 59.483; os dias de 17/6 e 4/7 reuniram maiores públicos, com mais de 60 mil espectadores presentes no estádio. Houve intensa mobilização face à necessidade de promover um evento de massa seguro para todos os visitantes que circulavam pelo país durante a CMFB.7,9,10
O objetivo deste artigo foi descrever a estratégia de vigilância ativa em tempo real e o perfil dos atendimentos de saúde realizados no período da 20ª Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014 - CMFB -, na cidade-sede de Fortaleza, estado do Ceará.
Métodos
Trata-se de estudo descritivo. Para a descrição da estratégia de vigilância ativa em tempo real, foram utilizados dados dos relatórios produzidos pela equipe de supervisores da Secretaria da Saúde do Estado do Ceará e do Ministério da Saúde. Para identificação de possíveis mudanças no padrão epidemiológico de doenças e agravos à saúde, foram utilizados dados secundários coletados pela estratégia de vigilância ativa.
Em 2014, Fortaleza abrigava 2.571.896 habitantes e era a 5ª capital mais populosa do Brasil, segundo estimativas da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).11 O município acolheu eventos da CMFB no período de 8 de junho a 13 de julho de 2014.
A Secretaria da Saúde do Estado do Ceará e a Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza instalaram o Centro Integrado de Operações Conjuntas da Saúde (CIOCS/CE), com o objetivo de centralizar o comando e monitoramento das ações entre 8 de junho e 25 de julho de 2014. O CIOCS/CE contou com membros de ambas secretarias de saúde, representados pelas áreas de Atenção à Saúde, Promoção da Saúde, Vigilância em Saúde, Saúde do Trabalhador, Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen/CE) e Assessoria de Comunicação, além de contar com o apoio de técnicos de informação e logística.
O CIOCS/CE funcionou como uma sala de situação e garantiu o fluxo de informação estratégica entre os diversos setores locais e o Centro Integrado de Comando e Controle Nacional (CICCN) do Governo Federal.7 As ações proporcionaram o registro e a obtenção de dados.
Considerou-se a definição de atendimento: indivíduo que estivesse em uma das unidades de saúde pré-determinadas, para receber qualquer tipo de atendimento de saúde relacionado ao evento.
As variáveis estudadas foram: sexo (masculino ou feminino); data do atendimento; faixa etária (em anos: ≤1; 1 a 4; 5 a 9; 10 a 14; 15 a 19; 20 a 29; 30 a 39; 40 a 49; 50 a 59; 60 a 69; 70 a 79; ≥80; idade ignorada); tipo do serviço de atendimento (público ou privado); relação com o evento (espectador; trabalhador FIFA; contratado ou voluntario; imprensa; policial/segurança; manifestante; outros); tipo de atendimento (trauma [acidente e violência] ou clínico); evolução (liberado; removido; internado; óbito); país de residência; e abordagem sindrômica (diarreica; respiratória; exantemática).
A classificação de risco, quando realizada, ocorria na admissão e baseava-se no Protocolo de Manchester, caracterizado por trabalhar com algoritmos associados ao tempo de espera e simbolizado por uma escala de cores. Para o evento, as cores foram padronizadas em relação ao risco: verde (baixo risco); amarelo (risco moderado); vermelho (alto risco); e preto (óbito).
A resolubilidade dos atendimentos foi calculada pela proporção de atendidos não removidos em relação ao total de atendimentos realizados nas arenas Castelão e FIFA Fan Fest (FFF). A taxa de atendimento foi calculada pelo número de atendimentos dividido pelo público estimado e multiplicado por mil, para ambas arenas.
O presente estudo foi realizado com dados secundários, disponibilizados pela Secretaria da Saúde do Estado, coletados e analisados na rotina das atividades de vigilância epidemiológica, garantindo a confidencialidade e anonimato dos indivíduos, em conformidade com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde(CNS) nº 466, de 12 de dezembro de 2012.
Resultados
Estratégia de vigilância ativa
Para os atendimentos relacionados à CMFB na cidade de Fortaleza, foram selecionadas 20 unidades de saúde: 11 hospitais, 3 unidades de pronto atendimento (UPA) e 6 postos médicos avançados (PMA), totalizando 17 unidades públicas (12 municipais e 5 estaduais) e 3 privadas.
Os PMA eram estruturas provisórias, equipadas para atender a demanda da CMFB e evitar sobrecarga na rede de assistência à saúde do município. Foram montados dois PMA no espaço da arena FFF, que funcionaram de 8 a 13 de julho de 2014, durante os shows e as transmissões dos jogos. Outros dois PMA foram adaptados em duas unidades básicas de saúde próximas à Arena Castelão; e nesta, foram instalados mais dois PMA para atendimento somente nos dias de jogos. Todos os PMA contavam com duas ambulâncias (uma básica e uma avançada) do SAMU. O PMA da área externa da Arena Castelão também contou com uma ambulância básica envelopada, para atendimento a vítimas de agentes QBRNE.
Foram selecionadas três UPA estrategicamente localizadas: uma na Praia do Futuro e duas próximas à Arena Castelão.
Das 20 unidades selecionadas e equipadas para coleta dos dados, 10 utilizaram dispositivos móveis (tablets) online (conectados, em tempo real); destas 10 unidades, 3 eram PMA, 3 UPA e 4 hospitais (2 públicos e 2 privados), responsáveis por um total de 1.479 (57,6%) registros. As outras 10 unidades, das quais 9 eram hospitais públicos, coletaram os dados dos atendimentos de forma convencional, utilizando-se de computadores de mesa ou notebooks para 161 (6,3%) registros, além do PMA interno da Arena Castelão, que tinha seus dados digitados no CIOCS/CE e contabilizou 930 (36,2%) registros.
Nas unidades que utilizaram tablets, os dados foram digitados por 13 coletadores voluntários: 10 fixos e 3 substitutos para os dias de folga. Os dados desses dispositivos eram enviados online para a base de dados centralizada no CIOCS/CE. Nas unidades que utilizavam o modo de registro convencional, os dados foram digitados por servidores estaduais ou municipais e enviados por lotes, via e-mail, para serem adicionados à base de dados no CIOCS/CE.
Os atendimentos realizados na Arena Castelão adotaram uma estratégia diferente devido ao impedimento, pela entidade organizadora do evento, da entrada na Arena Castelão com os tablets. Como solução, ao final dos jogos, as fichas eram digitadas por técnicos de plantão na sede do CIOCS/CE.
O monitoramento em tempo real foi realizado por uma equipe multiprofissional e interinstitucional, composta por profissionais de tecnologia da informação, epidemiologista, médico, enfermeiro, pessoal de apoio administrativo e supervisores de campo. A supervisão ficou responsável por monitorar a alimentação dos dados, acompanhar a equipe de coletadores, dar suporte técnico aos equipamentos e ao envio dos dados. A estratégia contou com o apoio do Ministério da Saúde, dos Centers for Disease Control and Prevention (CDC) dos Estados Unidos da América e da Rede Sulamericana de Epidemiologia de Campo (REDSUR), por meio dos Training Programs in Epidemiology and Public Health Interventions Network (TEPHINET).
Todos os dispositivos móveis utilizados no trabalho funcionaram de forma satisfatória, sem apresentar grandes problemas para a execução das atividades. No período, foram utilizados 2.341 Mbytes dos pacotes de dados móveis dos dispositivos, para envio dos dados pelo aplicativo do Epi Info(tm) desenvolvido em plataforma Android.
Todos os dados foram processados no CIOCS/CE, utilizando-se os softwares Microsoft Office Excel 2003, Epi Info(tm) versão 7.1.3.10, para tabulação e análises de dados, além do SQL Server Management Studio, para exportação e manipulação da base de dados.
Para complementar a estratégia de vigilância ativa e o monitoramento em tempo real dos atendimentos de saúde na CMFB, o CIOCS/CE utilizou a estratégia de análise por painéis, possibilitando o monitoramento e a tomada de decisões pelos gestores de forma mais rápida.
Foram construídos três painéis pelo Epi Info(tm), com análises pré-tabeladas e atualizadas a partir da inserção de novos dados, sendo dois painéis específicos para as ações de rotina e um para abordagem sindrômica.
Entre os painéis específicos, um foi denominado TOTAL, demonstrando 10 análises com a descrição dos atendimentos por país de residência, outros países, unidade notificante, curva epidêmica, faixa etária, tipo de atendimento, tipo de acidente/violência, relação com o evento, evolução e classificação de risco; e o outro painel específico, denominado DIÁRIO, filtrado para a data do dia, apresentava todas as análises do painel TOTAL exceto a curva epidêmica.
Outra forma de monitoramento foi a abordagem sindrômica, montada a partir das seguintes definições de casos para síndrome diarreica, respiratória e exantemática:
Diarreica - Pacientes atendidos com diarreia + náusea + vômito; ou de forma mais sensível, com diarreia mais um dos seguintes sintomas, náusea, vômito ou febre.
Respiratória - Pacientes atendidos com exantema, febre, cefaleia e tosse; ou de forma mais sensível, com exantema, febre e cefaleia.
Exantemática - Pacientes atendidos com febre, tosse e dor de garganta; ou de forma mais sensível, com febre e tosse ou dor de garganta.
Perfil dos atendimentos
No período de 8 de junho a 13 de julho de 2014, foram realizados 2.570 atendimentos relacionados à CMFB em Fortaleza. Desses atendimentos, 55,5% foram de indivíduos do sexo masculino e 35,1% na faixa etária de 20 a 29 anos; 68,4% foram atendimentos clínicos - incluídos os atendimentos por ingestão de bebida alcoólica - e os restantes 31,6% por trauma (Tabela 1).
Tabela 1 - Perfil dos atendimentos realizados durante a 20ª Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014 no município-sede de Fortaleza-CE, junho-julho de 2014

a) FIFA: Federação Internacional de Futebol Associado
b) Outros: Noruega, Chile, Canadá, Costa Rica, Itália, Suíça, Argentina, Gana, Peru, Bélgica, Espanha, Portugal, Finlândia, Guatemala, Suriname, Tailândia, Coreia do Sul, Costa do Marfim, Grécia, Japão, Áustria, Bolívia, Cabo Verde, Curaçao, El Salvador, Escócia, Irlanda, Israel, Letônia, Nova Zelândia, Reino Unido, Suécia, Tunísia.
Entre os 812 registros de traumas, 19,6% foram devidos a quedas, 10,6% por agressões, 10,5% por acidentes de transporte e 8,0% por queimaduras; além dos registros de traumas, 51,3% dos atendimentos resultaram de outros acidentes/violências (Tabela 1).
Segundo o risco implicado nos atendimentos, 78,2% foram classificados como verde, 14,7% amarelo, 1,7% vermelho e 0,1% preto; 3,3% dos atendimentos não utilizaram classificação de risco e 2,0% não preencheram essa variável (Tabela 1).
Quanto à relação com o evento, 64,4% eram torcedores/espectadores e 33,6% trabalhadores. A maioria dos atendimentos foram a brasileiros(84,3%), 3,4% a mexicanos, 1,6% a estadunidenses, 1,5% a alemães, 0,9% a uruguaios, 0,8% a colombianos e 0,8% a franceses (Tabela 1).
Quanto à evolução dos atendimentos, 94,1% dos indivíduos foram liberados, 3,2% removidos, 2,5% internados e 0,2% foram a óbito. Houve maiores registros de atendimentos nos dias de jogos em Fortaleza (Figura 1).

Figura 1 - Número de atendimentos realizados durante a 20ª Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014 no município-sede de Fortaleza-CE, junho-julho de 2014
Entre os 2.540 atendimentos com pelo menos uma queixa clínica, 19,7% relataram cefaleia, 7,7% mal-estar, 6,7% náusea, 5,7% dor abdominal e 4,6% vômito (Tabela 1).
Quanto à distribuição dos atendimentos por tipo de unidade de saúde, 79,0% foram registrados nos PMA, 15,3% nos hospitais e 5,7% nas UPA.
Ao se comparar o número de internações hospitalares nos meses de junho e julho de 2014 com o número de internações realizadas no período de 2010 a 2014, não se observou grande alteração do padrão (Figura 2). Embora julho de 2014 tenha ultrapassado a média de internações, o mesmo fato pôde ser observado em julho de 2013, durante a realização da Copa das Confederações.

Figura 2 - Número mensal de internações hospitalares, com destaque para os meses de junho e julho, no município de Fortaleza-CE, 2010-2014
Foram registrados 1.129 atendimentos na Arena Castelão, entre os quatro PMA. Desses, 51,0% atendimentos foram a indivíduos do sexo masculino, 35,6% da faixa etária de 20 a 29 anos, tendo 76,4% recebido atendimentos clínicos e 23,6% por trauma. Dos 264 traumas atendidos,14,4% foram por quedas, 2,6% por agressões, 8,0% por queimaduras e 1,5% por acidente de transporte, sendo os demais 73,5% por outros acidentes/violências (Tabela 1).
Quanto à relação com o evento, dos atendidos exclusivamente na Arena Castelão, 52,2% eram torcedores/espectadores, 46,5% trabalhadores e 1,3% outros. Como classificação de risco, 94,0% foram classificados como verde, 5,7% amarelo, 0,3% vermelho; nenhum óbito foi registrado. Outrossim, entre os atendidos, 83,8% eram brasileiros, 2,6% mexicanos e 1,6% estadunidense (EUA). Como evolução, dos pacientes atendidos na Arena Castelão, 98,0% foram liberados e 2,0% removidos, o que representa uma taxa de resolubilidade de 98,0% (Tabela 1).
Para os PMA instalados na FIFA Fan Fest, foram registrados 901 atendimentos. Destes, 50,5% a pessoas do sexo masculino, 35,6% pertenciam à faixa etária de 20 a 29 anos, tendo 78,0% recebido atendimentos clínicos e 22,0% por trauma. Entre os 198 traumas, 20,2% foram atendidos por quedas, 14,6% por agressões, 3,0% por queimaduras e outros 3,0% por acidente de transporte, além de 59,1% por outros acidentes/violências (Tabela 1).
Na FFF, foram registrados 62,9% torcedores/espectadores, 36,1% trabalhadores e 1,0% outros. Quanto à classificação de risco, 92,5% foram classificados como verde, 7,3% amarelo, 0,2% vermelho e nenhum preto. Quanto à nacionalidade, 89,5% eram brasileiros, 2,9% mexicanos e 1,1% estadunidense. Como evolução dos pacientes, 96,5% foram liberados e 3,6% removidos, e nenhum óbito registrado, apresentando proporção de resolubilidade de atendimento de 96,0% (Tabela 1).
A data com maior número de atendimentos na FFF foi 28 de junho, com transmissão do jogo entre Brasil x Chile, ocorrida em Belo Horizonte-MG. Após a partida, houve apresentação de bandas musicais, resultando em um público estimado de 75.979 pessoas e 89 atendimentos somente nesse dia(Tabela 2).
Tabela 2 - Taxa de atendimento e resolubilidade das unidades de saúde que assistiram o público das Arenas Castelão e FIFAa Fan Fest durante a 20ª Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014 no município-sede de Fortaleza-CE, junho-julho de 2014

a) FIFA: Federação Internacional de Futebol Associado
Na estratificação dos dados envolvendo somente as unidades de saúde da rede hospitalar de urgência e emergência, foram registrados 540 atendimentos, dos quais 73,2% do sexo masculino e 33,3% da faixa etária de 20 a 29. Entre os tipos de atendimentos, 59,8% deveram-se a traumas (acidente/violência) e 40,2% foram clínicos. Quanto aos tipos de acidentes, dos 323 traumas, 25,1% foram por quedas, 23,2% por acidente de transporte, 15,5% motivados por agressões e 11,8% por queimaduras, a que se somaram os restantes 24,4% por outros acidentes/violências (Tabela 1).
Em relação ao perfil dos atendidos, 92,2% eram torcedores/espectadores, 2,6% trabalhadores e 5,2% outros. No que se refere à nacionalidade, 76,9% eram brasileiros, 5,9% mexicanos, 3,0% alemães e 2,4% estadunidenses. Quando à classificação de risco dos pacientes, 21,7% era verde, 45,7% amarelo, 7,0% vermelho, 0,4% preto, 15,7% sem classificação de risco e 9,4% sem essa informação (Tabela 1).
Como evolução do atendimento, 81,9% dos atendidos foram liberados e 5,2% removidos, com uma taxa de resolubilidade de 82,0%; 11,9% foram internados e 1,1% evoluíram a óbito (Tabela 1).
A estratégia de vigilância sindrômica só foi iniciada a partir da segunda fase dos jogos da Copa, dia 28 de junho, favorecendo a perda de oportunidade para a detecção precoce de possíveis surtos relacionados às síndromes diarreica, respiratória e exantemática, não sendo identificado evento de grande relevância para a Saúde Pública. Contudo, foi possível identificar 49 atendimentos que cumpriam as definições de síndrome diarreica, sendo 44,9% com diarreia+vômito. Na síndrome respiratória, 40 atendimentos seguiram as definições, sendo 42,5% com febre+tosse+dor de garganta e outros 42,5% com febre+tosse (Tabela 3). Nenhum paciente foi reconhecido pela síndrome exantemática. Não foi possível identificar resultados laboratoriais desses casos, a despeito do trabalho integrado com o Laboratório Central de Saúde Pública do estado do Ceará - Lacen/CE.
Discussão
A estratégia de vigilância ativa possibilitou monitorar a situação de saúde dos envolvidos no evento. Foi instalado o CIOCS/CE com plantões diários e a coleta dos dados com dispositivos móveis, proporcionando maior agilidade e oportunidade na coleta de dados, produção de informação e monitoramento constante, além de rapidez na tomada de decisões para as situações de saúde.
A estratégia mostrou-se compatível com o que se propôs. Foi possível monitorar os casos mediante abordagem sindrômica, identificar os atendimentos gerais e por traumas de forma célere e possibilitar o acesso aos dados imediatamente, senão com um atraso de algumas horas. Não foi identificado qualquer evento de importância para a Saúde Pública, mesmo sob grande eminência de ocorrência devido às características de uma envolver pessoas vindas de várias partes do mundo.
A caracterização dos atendimentos evidencia que os brasileiros do sexo masculino foram os mais atendidos, principalmente por constituírem o público-alvo majoritário desse tipo de evento, diferentemente, por exemplo, do perfil observado em eventos religiosos.12 Houve um incremento no número de atendidos nos dias de jogos na cidade, em maior proporção do tipo clínico, de baixo risco e pronta liberação, sem maiores complicações. Este padrão é semelhante ao descrito na literatura internacional,13 a qual demostra que entre 1,0 e 2,0% do total de participantes necessitam de algum tipo de atendimento de saúde, e entre esses atendimentos, 99,5 a 99,8% são serviços de saúde disponíveis no local e 0,2 a 0,5% necessitam de transferência para unidades de maior nível de complexidade. Trata-se os mesmos resultados observados para os atendimentos realizados em Fortaleza.6,9,13,14,15
O perfil dos atendimentos analisados foi semelhante ao de outros estudos sobre eventos esportivos de massa,13,14,16 principalmente clínicos e não caracterizados como surto. Os principais sintomas registrados foram cefaleia, náusea, vômito e tontura, na maioria das vezes apresentados de forma isolada, possivelmente devidos a exposição ao sol, desidratação, longas caminhadas até o local das partidas e especialmente ao uso de bebidas alcoólicas, diferentemente dos sintomas observados entre o público atendido durante a Copa da Alemanha em 2006.5
Os atendimentos aos pacientes com sintomas de alcoolemia foram somados aos atendimentos gerais, não sendo possível apresentá-los de forma separada devido à inexistência de uma variável que permitisse essa separação. Apesar disso, o fato de haver pacientes alcoolizados desperta atenção. O país conta com uma lei proibindo a entrada e a venda de bebidas alcoólicas nos locais de eventos esportivos;17 entretanto, a regulamentação dessa lei é de responsabilidade da unidade da federação e, especificamente na ocasião da recente Copa do Mundo no Brasil, ela não foi aplicada em razão do cumprimento de acordos comerciais entre as autoridades estaduais e os organizadores do evento. Essa decisão favoreceu o aumento dos atendimentos por ingestão de álcool.
O baixo número de atendimentos a estrangeiros pode ser explicado por sua menor presença proporcional, em relação ao público nacional, e pela procura por serviços privados conveniados a seguros de saúde. Por isso é importante ampliar o monitoramento desses atendimentos para os demais hospitais, além dos dias de ocorrência do evento, até o retorno dos participantes para suas residências de origem.18
Apesar de a vigilância sindrômica ter sido implantada tardiamente em Fortaleza, cidade-sede da Copa de 2014, ainda foi possível captar alguns casos sem a caracterização de surto. Para esses casos, deveriam ser desencadeadas ações de investigação epidemiológica com o objetivo de identificar prováveis surtos e realizar exames laboratoriais; porém, não houve registro de resultados a indicar que essas ações fossem ou não realizadas. É provável que a rede de vigilância de rotina tivesse realizado essas ações, mas se o fizeram, as informações não foram repassadas ao CIOCS/CE, um possível problema a ser revisto para os próximos eventos de massa no estado do Ceará.
O envolvimento dos profissionais de diversos setores e instituições foi fundamental para o bom andamento das atividades desenvolvidas, reforçando a necessidade de maior integração entre todos os setores que executam as atividades de Saúde Pública. A estratégia foi muito bem aceita pelos coletadores voluntários: todos demonstraram bastante interesse e fácil entendimento sobre as atividades executadas, e seus relatos expressam seu orgulho e satisfação por terem participado dessa estratégia inovadora.
Os dispositivos móveis (tablet) utilizados para a coleta de dados em tempo real mostraram-se bastante úteis e viáveis para adoção em outros eventos de massa, ou noutras investigações que demandem coleta de dado em campo. Contudo, existe a necessidade de algumas adaptações da tecnologia da informação, para melhorar o desempenho do monitoramento em tempo real. Essas novas tecnologias têm sido utilizadas em diferentes eventos de massas, em outros países.19
Em Fortaleza, a comparação dos dados dos atendimentos realizados no período da 20ª Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014 com dados de outros períodos do município revelou que os esforços extraordinários, dedicados a esse evento de massa, podem ser aproveitados no aperfeiçoamento da rotina do sistema de vigilância local. A estratégia do CIOCS/CE de parceria com as demais instituições e utilização da vigilância ativa em tempo real, assim como outras oportunidades de experiência que um evento desse porte traz para um país,4,20 fazem parte dos legados deixados pela última Copa do Mundo para os processos de atenção e vigilância da Saúde Pública em Fortaleza e no Brasil.