Introdução
Os indicadores de saúde representam instrumentos essenciais de avaliação e monitoramento dos serviços de saúde. Um desses indicadores, as Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária (ICSAP), correspondem a problemas de saúde em estreita relação com os cuidados primários, de modo que serviços de atenção primária à saúde de boa qualidade podem reduzir o risco de internação por essas causas evitáveis.1
As ICSAP, também conhecidas como hospitalizações evitáveis, representam uma ferramenta importante para verificar, de maneira indireta, a efetividade e a resolubilidade da assistência prestada pelo primeiro nível de atenção à saúde.2 Desse modo, o monitoramento dessas internações torna-se fundamental como apoio a tomadas de decisão cujo objetivo é eliminar o excesso de internações evitáveis.3
Acredita-se que essas hospitalizações desnecessárias refletem falhas do sistema de saúde em dispor acesso de qualidade à Atenção Primária, já que o conjunto de doenças responsáveis por tais internações deveria ser detectado precocemente. Ações ofertadas em tempo oportuno e de forma resolutiva no primeiro nível de atenção do sistema de saúde podem diminuir a gravidade das doenças, evitando o aparecimento de complicações e a necessidade de internação.4
Os primeiros estudos sobre ICSAP, cujo termo original é Ambulatory Care Sensitive Conditions, foram realizados nos Estados Unidos da América e apontaram para a eliminação das barreiras de acesso aos serviços de saúde como um fator de redução das hospitalizações evitáveis.5 A partir desses estudos, diversas outras pesquisas têm-se desenvolvido com essa temática, em vários países e contextos, participantes e metodologias diversas. A despeito da pluralidade de metodologias e de cenários de pesquisa, parece haver consenso na literatura internacional de que as internações evitáveis são marcadores da resolubilidade da Atenção Primária, associados a dificuldades no acesso a serviços de qualidade, especialmente entre populações vulneráveis.6-9
Em 2008, o Ministério da Saúde brasileiro lançou a Lista Brasileira de ISCAP.10 Essa lista, resultado de um trabalho de validação desempenhado por diversos especialistas em Saúde Coletiva do país, abrange 19 grupos de diagnósticos considerados sensíveis à Atenção Primária e classificados conforme a 10ª Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10).1
Com relação às ICSAP em crianças menores de cinco anos de idade e respectivos subcomponentes etários (0 a 27 dias; 28 dias a 11 meses; 1-4 anos), grupo que se utiliza, com frequência, dos serviços de atenção primária ofertados pela Estratégia Saúde da Família (ESF) no Brasil, vários estudos têm-se realizado com o objetivo de compreender a magnitude, o contexto e as características dessas hospitalizações.3,11,12 Esses estudos demonstram o maior predomínio das condições agudas nas internações pediátricas, como as afecções das vias respiratórias e as gastroenterites,11,13,14 e que a diminuição das ICSAP está intimamente associada à melhoria da oferta e da efetividade das ações primárias em saúde, principalmente quando desenvolvidas pelas equipes da ESF.15-18
Apesar do crescente número de estudos dedicados à temática das ICSAP em crianças, ainda são escassas as pesquisas sobre as causas específicas dessas internações nos períodos neonatal, pós-neonatal, entre crianças menores de um ano, de um a quatro anos e menores de cinco anos. Este estudo teve como objetivo analisar a tendência temporal e descrever as causas de Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária - ICSAP - em menores de cinco anos de idade residentes no estado do Ceará, Brasil, ocorridas entre 2000 e 2012.
Métodos
O presente estudo é do tipo ecológico, de série temporal, sobre as taxas de ICSAP no estado do Ceará, no período de 2000 a 2012.
As fontes das informações para a pesquisa foram o Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS) e o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), além dos dados demográficos da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Todos estes são bancos de dados secundários, de domínio público, foram acessados pela webpage do Departamento de Informática do SUS (www.datasus.gov.br). Aplicou-se o software Tab para Windows - TabWin versão 3.6b - para extração dos dados.
Foram incluídas todas as internações de menores de cinco anos de idade realizadas na rede própria e conveniada ao SUS, ocorridas entre janeiro de 2000 e dezembro de 2012, nos municípios do estado do Ceará.
As taxas de ICSAP, segundo as causas mais frequentes de internações por condições sensíveis, foram calculadas considerando-se os grupos de doenças descritos na Lista Brasileira de ICSAP.10 Calcularam-se as taxas das sete principais causas de ICSAP, para todos os seguintes componentes etários: 0 a 27 dias de vida (neonatal); 28 dias a 11 meses (pós-neonatal); menos de 1 ano; 1 a 4 anos; e menos de 5 anos.
Nos grupos de crianças de 0 a 27 dias, 28 dias a 11 meses e menores de um ano, as taxas foram calculadas dividindo-se o número de ICSAP, em cada uma dessas faixas etárias, pelo total de nascidos vivos no ano em questão (Sinasc), sendo posteriormente multiplicadas pelo fator 1000. As taxas de ICSAP para as crianças de 1 a 4 anos foram calculadas dividindo-se o total de internações nesse grupo etário pelo número de crianças na mesma faixa de idade em cada ano (IBGE), sendo o resultado multiplicado por 1.000. Nos menores de cinco anos, as taxas corresponderam à razão entre o total de internações nessa idade e o número de crianças nessa faixa etária (IBGE), em cada ano, multiplicada por 1.000.
Após o cálculo desses indicadores, para descrição das ICSAP, optou-se pela apresentação das medianas das taxas dos municípios nas tabelas, dada a possibilidade de a dispersão dos dados comprometer a média. Foi calculada a variação percentual das taxas na série histórica comparando-se os valores do último aos do primeiro ano. Para o cálculo dessa variação percentual, subtraiu-se o valor da taxa no último ano pelo valor da taxa no primeiro ano, e dividiu-se essa diferença pelo valor da taxa no primeiro ano.
Além da descrição da variação das taxas de ICSAP segundo os principais grupos de causas por componente etário, também foram estimadas as tendências temporais das taxas do total de ICSAP de acordo com os componentes etários. Para essa estimação, foram utilizadas as taxas de hospitalização evitável em cada um dos municípios do Ceará, ano a ano. Ressalta-se que o total de ICSAP de cada componente etário representa todos os 19 grupos de causas da lista brasileira e não apenas as causas mais frequentes. Para a análise de tendência temporal, optou-se pelo procedimento de regressão linear generalizada de Prais-Winsten para estimar os coeficientes beta 1 (b1); em seguida, estimou-se a variação percentual anual (anual percent change) e seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%), para cada componente etário em análise. As análises foram realizadas pelo software Stata versão 12.
Apesar de utilizar dados secundários de livre acesso, disponíveis em fontes públicas, sem a possibilidade de identificação pessoal das crianças hospitalizadas, o projeto do estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará, sob o Parecer nº 923.491, em 11/12/2014.
Resultados
No Ceará, foram registradas 388.973 ICSAP em menores de cinco anos de idade, de 2000 a 2012, com redução de 35.989 para 17.358 entre o primeiro e o último anos do período. A taxa de ICSAP em menores de cinco anos passou de 32,5/1000 habitantes em 2000 para 11,2/1000 habitantes em 2012, correspondendo a uma redução de 65,5% em 13 anos.
No que diz respeito às taxas de internações em crianças de 0 a 27 dias de vida, notaram-se diminuições nas taxas de internações por pneumonias bacterianas (-58,5%), gastroenterites (-51,1%) e asma (-36,7%), e aumentos das demais causas. Destacou-se um aumento de 21 vezes na taxa de internação por doenças relacionadas ao pré-natal e ao parto, que passou a ser a principal causa de internação nesse componente etário em 2012. Apesar de ter ocorrido um declínio considerável nas internações por gastroenterites, esta causa representou a segunda maior taxa de internação no último ano do período estudado. A análise de tendência temporal evidenciou aumento percentual anual de 17,5% (IC95%: 7,2%;28,8%) na taxa de ICSAP para o grupo neonatal (Tabela 1).
a) Δ% = variação percentual no período
b) Calculado a partir do β1 da equação de regressão de Prais-Winsten
c) IC95%: intervalo de confiança de 95%
Nas crianças de 28 dias a 11 meses, houve redução das taxas de internação por deficiências nutricionais (92,3%), gastroenterites infecciosas (78,0%), asma (68,2%) e pneumonias bacterianas (27,6%). Na contramão dessas reduções, esteve o aumento nas taxas de internação por infecções renais (170,0%) e doenças pulmonares (94,0%). Apesar de expressiva redução, as gastroenterites infecciosas permaneceram como a principal causa específica de internação evitável nesse grupo etário, entre 2000 e 2012. A análise de tendência temporal evidenciou redução percentual anual de 22,4% (IC95%: -29,2%;-16,8%) na taxa de ICSAP para o grupo pós-neonatal (Tabela 2).
a) Δ% = variação percentual no período
b) Calculado a partir do β1 da equação de regressão de Prais-Winsten
c) IC95%: intervalo de confiança de 95%
A análise das taxas de internações específicas por grupos de causas sensíveis em menores de um ano de idade revelou diminuição nas internações por deficiências nutricionais (90,0%), gastroenterites infecciosas (77,5%), asma (67,6%) e pneumonias bacterianas (30,0%), e incremento nas internações pelas demais causas, com destaque para o aumento de 15 vezes na taxa de internação por doenças relacionadas ao pré-natal e ao parto. A despeito do aumento nas internações por infecções renais, essa causa permanece como uma das de menor magnitude no conjunto das ICSAP. A análise de tendência temporal evidenciou redução percentual anual de 20,6% (IC95% -25,9%;-14,9%) na taxa de ICSAP para os menores de um ano (Tabela 3).
a) Δ% = variação percentual no período
b) Calculado a partir do β1 da equação de regressão de Prais-Winsten
c) IC95%: intervalo de confiança de 95%
No grupo das crianças de 1 a 4 anos de idade, as causas mais frequentes de internações evitáveis também referiram gastroenterites infecciosas, asma e pneumonias bacterianas. Destaca-se a redução das taxas de internações por deficiências nutricionais (97,9%), asma (55,1%) e gastroenterites (27,1%), apesar de esta última manter-se como causa mais frequente em todos os anos estudados. Diferentemente do que aconteceu em outros componentes etários, nessa faixa pré-escolar, as taxas de internações por doenças bacterianas mantiveram-se praticamente estáveis. A análise de tendência temporal evidenciou redução percentual anual de 12,9% (IC95% -18,7%;-6,7%) na taxa de ICSAP para crianças de 1 a 4 anos (Tabela 4).
a) Δ% = variação percentual no período
b) Calculado a partir do β1 da equação de regressão de Prais-Winsten
c) IC95%: intervalo de confiança de 95%
A análise das ICSAP em crianças menores de cinco anos de idade mostrou que as gastroenterites infecciosas, a asma e as pneumonias bacterianas permaneceram como os principais motivos de internações entre os grupos de causas evitáveis, perfil semelhante ao das demais análises por faixa etária. Nesse grupo etário mais abrangente, destaca-se a redução de 94,7% nas internações por deficiências nutricionais, que deixaram de ser a quarta e passaram a ser a última entre as sete principais causas de ICSAP, além de reduções acima de 50% nas internações por gastroenterites e asma. A análise de tendência temporal evidenciou redução percentual anual de 16,8% (IC95% -20,6%;-10,9%) na taxa de ICSAP para os menores de cinco anos (Tabela 5).
Discussão
No estado do Ceará, entre 2000 e 2012, houve uma diminuição acentuada na ocorrência de ICSAP em menores de cinco anos de idade e em seus subcomponentes etários. Destacaram-se as reduções das taxas de internações por deficiências nutricionais, gastroenterites infecciosas, asma e pneumonias bacterianas, nos diversos recortes por idade. Em que pese essa redução do grupo total de causas evitáveis, as internações por doenças relacionadas ao parto e puerpério apresentaram uma elevação de grande magnitude no grupo de crianças com até 27 dias de vida. Ressalta-se, ainda, a tendência de redução das ICSAP em quase todos os componentes etários; exceto no componente neonatal, para o qual se observa uma discreta tendência de aumento no decorrer da série histórica.
Os resultados deste estudo corroboram os de outras pesquisas realizadas no Brasil, que também demonstraram reduções nas taxas de ICSAP em crianças.3,10,13,19 As diferenças nas características dessas internações decorrem da associação de diversos fatores, como características socioeconômicas das populações, condições epidemiológicas, características dos serviços de saúde e demais peculiaridades, inerentes a cada região, estado ou município brasileiro.11
As maiores taxas de ICSAP foram encontradas no grupo de crianças menores de um ano, sendo o componente pós-neonatal o principal responsável por essas hospitalizações e também pelas quedas mais expressivas nas taxas. Estudo realizado em hospital público no Paraná, cujo objetivo foi conhecer as causas de hospitalizações em menores de cinco anos, verificou, similarmente, predominância de internações em menores de um ano, encontrando que 42% das admissões ocorreram nessa faixa etária.20
A elevada ocorrência de internações em menores de um ano pode estar relacionada à imaturidade imunológica particular desse grupo, colocando-o em maior risco de adoecimento, enquanto as reduções mais significativas nessa faixa etária podem ter sofrido forte influência da melhoria na oferta e na qualidade dos serviços de saúde, especialmente os relacionados aos cuidados primários oferecidos pelas equipes da ESF.
A análise dos principais grupos de doenças que levaram às ICSAP concluiu, sobre praticamente todos os componentes etários, que as causas mais frequentes dessas internações foram gastroenterites infecciosas e complicações, asma e pneumonias bacterianas. A descrição da série histórica evidenciou que os maiores decréscimos ocorreram nas taxas de ICSAP referentes às gastroenterites infecciosas, não obstante essas doenças terem permanecido como o principal grupo determinante das internações, enquanto a asma e as pneumonias bacterianas revezaram-se na ordem de colocação.
Estudo sobre as causas mais frequentes de hospitalização em crianças de zero a quatro anos no Brasil observou predomínio das gastroenterites nas regiões Norte e Nordeste, e uma proporção menor na região Sudeste, considerada mais desenvolvida. Nas doenças respiratórias, houve preponderância de internações nas regiões Sul e Centro-Oeste, e uma taxa menor na região Norte, confirmando a influência climática na etiologia dessas doenças e as desigualdades regionais brasileiras, tanto em relação ao acesso a serviços e profissionais de saúde quanto às condições de vida da população de cada região.14
No que tange às causas mais frequentes de ICSAP, pesquisas realizadas também em estados nordestinos, Piauí e Pernambuco, encontraram achados similares aos do presente estudo. No Piauí, entre crianças menores de cinco anos, houve decréscimo mais evidente nas hospitalizações causadas por doenças infecciosas e parasitárias.3 Em Pernambuco, os grupos principais de diagnósticos foram as gastroenterites e complicações, asma, pneumonias bacterianas e doenças pulmonares, que, em conjunto, responderam por 89,1% das internações.17
No Brasil, as maiores reduções na mortalidade infantil por causa específica foram observadas para diarreia e infecções respiratórias, com decréscimos de 92% e 82%, respectivamente.21 Apesar desses avanços, diminuições nas taxas de internações e na mortalidade por gastroenterites infecciosas, essa evolução não ocorreu de maneira uniforme entre as grandes regiões brasileiras e as gastroenterites ainda são responsáveis por elevado número de hospitalizações, principalmente em menores de cinco anos.11
Análises realizadas em nível municipal apontaram que o então Programa Saúde da Família (PSF) resultou em efeito positivo sobre a mortalidade infantil,15,22 especialmente nas reduções dos óbitos relacionadas à diarreia e às pneumonias.23,24 Na região Nordeste, verificou-se que as crianças menores de cinco anos teriam quase duas vezes mais chances de serem internadas por diarreia quando residiam em áreas não cobertas pelo PSF.25
Neste estudo, identificou-se aumento das doenças pulmonares em quase todos os componentes etários investigados ao longo da série histórica. No caso das pneumonias bacterianas, houve um panorama inicial de aumento das taxas, principalmente nos menores de um ano, sobretudo crianças de 28 dias a 11 meses. A oferta de leitos pediátricos ao longo dos anos pode explicar, em parte, a elevação dessas admissões hospitalares por pneumonias bacterianas.
Pesquisa que teve como propósito avaliar o efeito do PSF sobre as taxas de internações hospitalares por pneumonia em menores de cinco anos residentes nos municípios brasileiros, entre 1999 e 2009, encontrou associação positiva entre o aumento da cobertura do PSF e as taxas de pneumonia nas faixas etárias de menores de um ano e menores de dois meses. Segundo os responsáveis por essa pesquisa, tratou-se de um efeito desejável, haja vista a recomendação clínica de que o tratamento para as pneumonias nessa faixa etária ocorra em nível hospitalar, por serem considerados casos graves.26
Outro aspecto interessante diz respeito ao aumento exagerado (2.100,00%) observado nas hospitalizações relacionadas ao pré-natal e ao parto na faixa etária de 0 a 27 dias de vida. Acredita-se que a sífilis congênita seja a principal responsável por esse aumento de casos no Ceará - o que é bastante preocupante, haja vista ser uma doença considerada evitável, capaz de provocar danos graves às crianças acometidas.
No Ceará, a taxa de sífilis congênita vem aumentando consideravelmente. De 2000 a 2009, ela passou de 0,56 para 49,32 por 10 mil nascidos vivos. Este aumento no número de casos pode representar um avanço na notificação das ocorrências, como também uma evidencia da necessidade de desenvolver ações de controle dessa doença realmente eficazes. Pode-se inferir que a problemática da sífilis congênita está intimamente relacionada ao acesso e à baixa qualidade do atendimento pré-natal, podendo ser considerada um marcador da qualidade da assistência materno-infantil.27
O estudo também demonstrou uma redução importante das internações por deficiências nutricionais, provavelmente associada à melhoria das condições socioeconômicas das famílias, melhora na escolaridade materna, ampliação do acesso aos serviços de saúde, expansão do saneamento básico e crescimento do poder aquisitivo da população ao longo dos anos.28 Nesse sentido, os programas de transferência de renda, a exemplo do Programa Bolsa Família, especialmente quando direcionados às famílias de extrema pobreza, podem-se refletir em melhora nas condições sociais e consequentemente, na diminuição da insegurança alimentar e da fome entre essa população.29
A tendência de redução das ICSAP na maioria dos componentes etários, especialmente no grupo pós-neonatal, guarda estreita relação com os potenciais impactos de políticas públicas, como a expansão da Estratégia Saúde da Família e do Programa Bolsa Família.28-29 Por sua vez, a tendência observada de discreto aumento das taxas de ICSAP no componente neonatal pode revelar deficiências na assistência hospitalar a recém-nascidos, especialmente em locais com piores indicadores socioeconômicos.
O estudo apresenta como limitação o fato de a análise ter considerado o estado do Ceará como nível de agregação dos dados, o que pode ter mascarado determinados padrões de internações, haja vista a existência de municípios cearenses em condições de extrema pobreza. Essas diferenças socioeconômicas dos municípios poderiam revelar cenários mais graves, com aumento ou persistência de elevados níveis de internações evitáveis, especialmente nos locais onde há pouca infraestrutura de serviços públicos básicos, como serviços de saúde. De todo modo, ressalta-se a importância desta pesquisa e seu pioneirismo ao traçar um panorama das internações por condições evitáveis em menores de cinco anos, em um estado da região Nordeste do Brasil.
De modo geral, o presente estudo revelou a redução de internações pelos principais grupos de condições evitáveis, e a diminuição da magnitude das hospitalizações por causas que outrora eram ainda mais comuns em crianças, como as gastroenterites, asma e pneumonias bacterianas. Notou-se, também, queda significativa das internações ligadas às deficiências nutricionais, um indício de melhoria das condições de vida e de redução da pobreza extrema.
Todavia persistem elevadas taxas de ICSAP no Ceará, indicando a necessidade de ações resolutivas e oportunas nos serviços de saúde, especialmente no âmbito da Atenção Primária. O estudo revelou ser de extrema relevância a avaliação dos serviços de saúde ofertados à população, mediante o uso de indicadores aptos a estabelecer um diagnóstico situacional e servir de base à elaboração e direcionamento de políticas públicas com vistas à melhoria do desempenho e da qualidade desses serviços.
Apesar das vantagens proporcionadas com o uso dos sistemas de informação em saúde na pesquisa das Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária - ICSAP -, é imperativo que novos estudos primários sobre esse grupo de causas sejam desenvolvidos com o propósito de identificar melhor o perfil das crianças hospitalizadas e dos determinantes dessas hospitalizações.