Introdução
Como foi visto nos artigos anteriores desta série sobre avaliação econômica,1-4 há um grande volume de informações necessárias para o tomador de decisão sobre os custos e desfechos em saúde, e a forma como estes se propagam ao longo do tempo. Para obter essas informações, são empregados métodos epidemiológicos, econômicos, matemáticos e estatísticos, os quais possuem limitações inerentes a qualquer método científico. É de se esperar que durante todo o processo de elaboração da avaliação econômica surjam incertezas capazes de impactar de forma substancial no resultado final da análise.5 Ao considerar a incerteza, busca-se quantificar a influência dos dados e dos pressupostos adotados sobre a conclusão da pesquisa. Este artigo aponta três tipos de incerteza em avaliação econômica: metodológica, estrutural e paramétrica.
Incerteza metodológica
A incerteza metodológica surge quando há diferentes percepções sobre como deveria ser o modelo ideal de avaliação econômica.6 O elaborador do estudo escolhe um conjunto de decisões metodológicas,1-3 tais como a perspectiva da análise, a duração do horizonte temporal, a taxa de desconto, o tipo de desfecho em saúde e o método para valorar custos. Estas escolhas influenciam o resultado e, consequentemente, a tomada de decisão. Por exemplo: nem todas as intervenções impactam na sobrevida do paciente, como aquelas voltadas à perda auditiva e à disfunção erétil, embora influenciem substancialmente sua qualidade de vida. Assim, se o investigador optasse por desfechos clínicos (anos de vida ganhos) em vez de utilidade (qualidade de vida), provavelmente descartaria os efeitos positivos das intervenções, comprometendo a tomada de decisão.
A forma de lidar com esse tipo de incerteza é adotar diretrizes nacionais sobre boas práticas de como conduzir estudos de avaliação econômica; ou, na inexistência dessas diretrizes, apoiar-se em recomendações internacionais. Ao seguir orientações normativas, reduz-se a capacidade de o elaborador influenciar os resultados da análise. Adicionalmente, aumenta-se a comparabilidade dos resultados entre diferentes análises.
Incerteza estrutural
Aparece quando as evidências disponíveis sobre a história natural da doença e os impactos das estratégias sob investigação são inexistentes, limitados ou contraditórios.7 Na ausência de evidências de boa qualidade, o modelo analítico4 será construído de forma inapropriada. Nesse caso, entre os erros mais comuns, destacam-se: (i) desconsideração de algum estado de saúde relevante; (ii) opção por probabilidades de transição constantes quando elas são variáveis; e (iii) utilização de pressupostos frágeis para extrapolar resultados de curto prazo, em resultados de longo prazo.
Contorna-se o problema da incerteza estrutural ao se considerar pelo menos duas hipóteses, em que uma refletiria pressupostos mais favoráveis à intervenção sob investigação e a outra retrataria conjecturas menos vantajosas. Há também a possibilidade de introduzir um parâmetro aleatório ao modelo analítico, que sinalizaria a probabilidade de cada pressuposto ser verdadeiro.6
Incerteza nos parâmetros
É definida como a incapacidade para empregar os verdadeiros valores numéricos dos parâmetros utilizados no modelo analítico,8 tais como probabilidades de transição, anos de vida ajustados por qualidade e custos. A incerteza paramétrica surge por vários fatores, principalmente: (i) alguns parâmetros são desconhecidos no momento da realização da análise, como, por exemplo, o preço de um medicamento indisponível no sistema de saúde; (ii) são desconhecidas as principais consequências de uma determinada intervenção em termos populacionais, visto que as provas científicas provêm de amostras ou de estudos enviesados; e (iii) a confiabilidade da informação disponível pode ser questionável.
A incerteza paramétrica é examinada por análise de sensibilidade, que pode ser determinística ou probabilística. De modo geral, a diferença entre as duas reside na forma de representar a variação dos parâmetros. No caso da análise de sensibilidade determinística, é utilizado um conjunto de valores pontuais que expressa a plausibilidade da variação dos parâmetros; ela funciona como um intervalo de confiança, em que há valores menores e maiores que a medida de tendência central (média ou mediana, por exemplo). No caso da análise de sensibilidade probabilística, utilizam-se distribuições aleatórias, em vez de valores pontuais, na variação dos parâmetros.9
Há também a incerteza referente à variabilidade entre indivíduos, quando alguns extratos ou segmentos sociais respondem diferentemente à intervenção ou possuem percepções e valores distintos. Por exemplo, diferenças entre jovens e idosos. Uma forma de contornar essa incerteza é a análise de subgrupos.7
Considerações finais
A incerteza é inerente a toda avaliação econômica. Assim, é necessário analisar seu impacto no resultado final do estudo. Cada tipo de incerteza tem suas particularidades, algumas delas sintetizadas na Figura 1. No caso da incerteza metodológica, deve-se seguir diretrizes nacionais e/ou internacionais. Quanto à incerteza estrutural, recomenda-se a aplicação de modelos analíticos alternativos, caso haja informação limitada sobre a história natural da doença ou sobre a consequência das intervenções ao longo do tempo. E quanto à incerteza paramétrica, sugere-se a análise de sensibilidade.