Neste número, a Epidemiologia e Serviços de Saúde: revista do Sistema Único de Saúde do Brasil (RESS) publica a versão em português das diretrizes sobre Equidade de Sexo e Gênero em Pesquisa (Sex and Gender Equity in Research - SAGER),1 em atendimento a sua política de promoção da integridade na pesquisa e na publicação científica.2,3 As diretrizes SAGER destinam-se principalmente a orientar os autores na preparação de seus manuscritos, e incluem orientações para o relato das informações sobre sexo e gênero no desenho do estudo, na análise de dados, nos resultados e na interpretação dos achados. Não obstante a submissão de artigos a periódicos ocorra geralmente depois da finalização da pesquisa e da análise dos dados, o processo de revisão, desempenhado por editores e revisores ad hoc, tem grande potencial para aprimoramento dos manuscritos.1
A equidade de sexo e gênero é um dos aspectos fundamentais a serem considerados nos estudos epidemiológicos, uma vez que o sexo e o gênero são importantes determinantes da saúde. Geralmente, o sexo é classificado como feminino ou masculino, enquanto o gênero engloba um espectro de definições sobre como os indivíduos se identificam e expressam seu gênero. Ou seja, sexo é um atributo biológico, enquanto gênero refere-se a identidades socialmente construídas. O gênero influencia a maneira como os indivíduos se percebem, se comportam e se relacionam, além de estar relacionado à distribuição de recursos e poder na sociedade.1
As iniquidades decorrentes da ordem patriarcal de gênero se manifestam por diversos meios, incluindo diferentes formas de violência,4 assim como oportunidades desiguais no mercado de trabalho, geralmente com prejuízo às mulheres e indivíduos não identificados com o sexo masculino, o que implica também disparidades na pesquisa e na publicação científica.5,6
No último Dia Internacional da Mulher (8 de março de 2017), a editora multinacional Elsevier publicou relatório sobre gênero no cenário global da pesquisa, contendo resultados de análises de dados bibliométricos da base Scopus.7 Brasil e Portugal se destacaram por serem os países onde, de 2011 a 2015, as mulheres constituíram a maior proporção da população de pesquisadores (49%) entre os 12 países estudados. Não obstante os avanços observados nos indicadores relacionados ao gênero na pesquisa e na publicação, no conjunto das áreas de pesquisa, as mulheres tiveram um volume de produção menor do que os homens, embora o impacto medido em termos de citações e acessos a artigos - indicadores que podem ser interpretados como reflexo da qualidade da produção - seja similar. Além disso, as mulheres tiveram menor participação do que os homens em artigos com colaborações internacionais e menor mobilidade internacional do que eles.
No Brasil, as mulheres são maioria na pós-graduação. Dados da Coordenação de Desenvolvimento de Pessoal de Nível Superior (Capes) revelam que, em 2015, 55% do total de matriculados e titulados em cursos de mestrado e doutorado eram mulheres.8 Segundo estatísticas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),9 no mesmo ano, foi atingida a igualdade entre sexos na distribuição de bolsas de pesquisa no Brasil, com 50% delas concedidas a mulheres e a mesma proporção a homens. Contudo, a distribuição de bolsas de produtividade em pesquisa permanece bastante desigual. No mesmo ano, as mulheres receberam somente 35,5% do total de bolsas de produtividade e 24,6% daquelas de nível 1A. Esse fenômeno, observado globalmente, é denominado “telhado de vidro”, e remete à existência de uma barreira à ascensão das mulheres na carreira acadêmica, bem como à invisibilidade das mulheres no meio.10
Na área da saúde, as mulheres são maioria na pós-graduação. Em 2015, elas foram beneficiárias de 68% das bolsas de pós-graduação concedidas pelo CNPq nesta área.9 Essa proporção, com representação feminina de aproximadamente dois terços, também é observada nos indicadores referentes aos artigos submetidos e publicados na RESS. Em 2016, as mulheres representaram 72% do total de autores dos artigos submetidos (N=1.809), 66% do total de autores dos artigos publicados (N=441) e 72% dos revisores ad hoc (N=209). Valores semelhantes foram observados em anos anteriores (2013-2015). O monitoramento das desigualdades de gênero na pesquisa e na publicação científica é fundamental para subsidiar políticas voltadas a seu enfrentamento. Aparentemente, a participação feminina na RESS tem refletido sua participação na pós-graduação na área da saúde.
Embora as desigualdades de gênero venham recebendo atenção crescente e, especificamente na área da saúde, assim como na epidemiologia,11 o número de mulheres tenha superado o de homens, ainda existem barreiras importantes para a participação feminina na pesquisa e na publicação, dado que os avanços necessários têm sido demasiadamente lentos. Nesse contexto, reitera-se o papel dos periódicos científicos, e de todos os envolvidos na publicação científica - editores, revisores, financiadores e autores -, para a promoção da qualidade e da transparência dos estudos publicados, assim como para a promoção da equidade de sexo e gênero para além da pesquisa e da publicação científica, de modo que toda a sociedade seja beneficiada.