Introdução
A adolescência compreende um período de mudanças físicas, mentais, comportamentais e sociais que poderão impactar o indivíduo ao longo do ciclo vital.1 O amadurecimento das características sexuais e o início da atividade sexual estão entre as principais alterações no decorrer desse período.2 A literatura aponta para uma diminuição na idade da puberdade, e os adolescentes podem, dessa forma, estar expostos, cada vez mais jovens, a contextos de vulnerabilidade, incluindo a contaminação por agentes causadores de infecções sexualmente transmissíveis (IST).3
As IST são consideradas um problema de Saúde Pública mundial.1 Desde a década de 1990, têm-se observado mudanças importantes na sociedade em relação à educação sexual, como, por exemplo, a disponibilidade de livros e materiais destinados a adolescentes, bem como maior liberdade de informação e discussão sobre o assunto.4 Apesar disso, indivíduos na adolescência ainda demonstram ter pouco conhecimento das formas de contágio das IST.5 Oliveira et al.,6 em estudo realizado no município do Rio de Janeiro em 2003, com adolescentes do Ensino Médio, observaram que 10,8% e 16,9% desses adolescentes acreditavam que o uso de pílula anticoncepcional e sexo somente com o(a) namorado(a), respectivamente, prevenissem as IST.
Conforme a diminuição na idade do início da vida sexual, há uma tendência de aumento da chance de contrair IST, em ambos os sexos.7 De acordo com estudo de Lee et al.,7 realizado na Coreia do Sul em 2015, adolescentes do sexo masculino que iniciaram sua vida sexual no quinto ano de estudo apresentaram uma chance 6,32 vezes maior de contrair IST em relação àqueles do décimo segundo ano. Por sua vez, as adolescentes que iniciaram sua vida sexual no quinto ano apresentaram uma chance 3,98 vezes maior de contrair IST em relação às meninas do décimo segundo ano de estudo.
De acordo com o Ministério da Saúde, a incidência de síndrome da imunodeficiência adquirida (aids) entre jovens brasileiros de 15 a 24 anos, em 2012, foi de 11,8 por 100 mil habitantes.8 Os dados disponíveis sobre a ocorrência de outras IST são escassos, em virtude da dificuldade de obtê-los e do grande número de doenças existentes. Entre as IST, destaca-se a infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV),9,10 importante causa de anos de vida perdidos por incapacidade entre adolescentes no mundo.11,12
Número de parceiros, sexo desprotegido, uso de álcool e drogas ilícitas e tabagismo têm sido evidenciados na literatura como comportamentos de risco para a ocorrência de IST.13,14 Apesar de o uso de álcool/drogas e o tabagismo não serem considerados causas diretas, acredita-se que esses fatores possam representar um padrão de comportamento do adolescente, tendo em vista a associação existente entre eles e as IST.3,13 Ainda, do ponto de vista social, fatores como baixo nível socioeconômico, sexo e violência intrafamiliar podem contribuir para a ocorrência de IST.13
As prevalências isoladas do uso de álcool, drogas e tabaco e do não uso de preservativo nas relações sexuais entre adolescentes são conhecidas.3,15-17 Estudos realizados com estudantes que participaram da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) de 2012 mostraram que 75,3% dos adolescentes utilizaram preservativos na última relação sexual,15 26,1% fizeram uso de álcool nos últimos 30 dias,16 22,6% já haviam experimentado cigarro alguma vez na vida - com cerca de um terço (27,2%) deles fazendo uso regular de cigarro18 - e 7,3% relataram o consumo de drogas ilícitas pelo menos uma vez na vida.17
No entanto, esses fatores tendem a influenciar o comportamento sexual de forma inter-relacionada, não de maneira isolada. Assim, entender a influência simultânea desses comportamentos de risco para IST pode contribuir com uma abordagem mais ampla e efetiva de politicas de saúde. Não obstante, estudos que investiguem a prevalência da simultaneidade desses fatores e o perfil desses adolescentes são escassos.
O objetivo do presente estudo foi analisar a simultaneidade de dois grupos de comportamentos de risco para IST em adolescentes brasileiros.
Métodos
Este estudo, de delineamento transversal, utilizou dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar - PeNSE -, de base nacional e escolar, realizada em 2012. Foram entrevistados 109.104 estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental matriculados em escolas públicas e privadas de todo o Brasil. A PeNSE foi realizada pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em parceria com o Ministério da Saúde.19
A pesquisa englobou as 26 capitais dos estados brasileiros e o Distrito Federal (DF). A amostra de cada um dos 27 estratos geográficos (capitais e DF) foi alocada proporcionalmente ao número de escolas, segundo sua dependência administrativa (pública ou privada). Para cada um dos estratos, uma amostra por conglomerado de dois estágios foi selecionada, sendo o primeiro as escolas e o segundo as turmas elegíveis, representando uma seleção equiprobabilística. Todos os alunos das turmas selecionadas foram convidados a participar do estudo. Para a coleta dos dados, foram utilizados smartphones dispondo o questionário autoaplicável. Além de características sociodemográficas dos adolescentes, foram investigados diversos aspectos comportamentais, ambientais e de doenças relativos aos jovens. Mais detalhes relacionados ao processo de amostragem podem ser encontrados em outra publicação.19
A simultaneidade de comportamentos de risco para IST foi abordada a partir de dois grupos de comportamentos, gerando dois desfechos distintos. O primeiro desfecho considerou como simultaneidade a presença de dois ou mais dos seguintes comportamentos:
- ingestão de bebida alcoólica nos últimos trinta dias
“Nos últimos 30 dias, em quantos dias você tomou pelo menos um copo ou uma dose de bebida alcoólica? (uma dose equivale a uma lata de cerveja ou uma taça de vinho ou uma dose de cachaça ou uísque, etc.)”;
- fumo nos últimos trinta dias
“Nos últimos 30 dias, em quantos dias você fumou cigarro?”; e
- ter experimentado alguma droga na vida
“Alguma vez na vida, você usou alguma droga, tal como: maconha, cocaína, crack, cola, loló, lança perfume, ecstasy, oxy, etc.?”
O segundo desfecho considerou como simultaneidade a presença dos dois comportamentos:
- ter tido relação sexual com mais de uma pessoa na vida
“Na sua vida, você já teve relação sexual (transou) com quantas pessoas?”; e
- ter tido relação sexual sem uso de preservativo na vida
“Na última vez que você teve relação sexual (transou), você ou seu(sua) parceiro(a) usou camisinha (preservativo)?”
A simultaneidade dos cinco comportamentos não foi avaliada, pois as variáveis ‘uso de álcool’, ‘fumo’ e ‘drogas’ podem influenciar o número de parceiros e o uso de camisinha.3,15 Para este estudo, a amostra compreendeu apenas adolescentes que tiveram relações sexuais na vida.
As variáveis de exposição foram:
- idade (em anos completos: 13 ou menos; 14; 15; 16 ou mais);
- cor da pele autorreferida (branca; não branca [preta, parda, amarela ou indígena]);
- escolaridade materna (sem instrução; ensino fundamental incompleto; ensino fundamental completo; ensino médio completo; ensino superior completo);
- morar com os pais (morar com o pai e a mãe; morar com o pai ou com a mãe; não morar com os pais); e
- dependência administrativa da escola (pública; privada)
Todas as análises foram estratificadas por sexo, visto que a literatura é consensual quanto à diferença no padrão dos comportamentos de risco entre meninos e meninas.3,13,20,21
As análises foram realizadas utilizando o programa Stata 12.1 (StataCorp, College Station, Texas, USA), utilizando-se o comando survey (svy) para considerar o desenho amostral. Primeiramente, realizou-se a descrição da amostra segundo as variáveis de exposição e os comportamentos de risco para IST. Para as análises de associação, utilizou-se regressão de Poisson, considerada adequada para estimar razões de prevalência em estudos transversais, mediante o uso de modelo hierárquico.22 No primeiro nível hierárquico, encontravam-se as variáveis ‘idade’, ‘cor da pele’, ‘escolaridade materna’ e ‘morar com os pais’. No segundo nível, encontrava-se apenas a variável ‘dependência administrativa da escola’. Para seleção das variáveis, adotou-se o procedimento de seleção para trás (backward) por níveis, considerando-se um valor de p<0,20. A magnitude das associações foi determinada pela razão de prevalência (RP) e os intervalos de confiança (IC95%) foram apresentados. Foram consideradas associações estatisticamente significativas aquelas com p<0,05.
O estudo foi realizado exclusivamente com dados secundários da PeNSE 2012, sem identificação dos sujeitos. A PeNSE 2012 foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa - Conep (Registro nº 16.805).
Resultados
A amostra foi composta por 32.835 adolescentes que referiram ter tido relação sexual alguma vez na vida, representando cerca de um terço da amostra total (28,7%). Em relação às características da amostra, a maior parte dos adolescentes era do sexo masculino (65,0%), estudava em escola pública (89,1%), tinha 14 anos de idade (36,4%), era de cor da pele preta/parda/amarela ou indígena - não branca - (67,1%), tinha mãe com Ensino Fundamental incompleto (34,3%) e morava com o pai e a mãe (53,4%) (Tabela 1).
Quanto aos comportamentos de risco para IST, entre os meninos, 10,3% e 41,5% referiram ter fumado e ingerido bebida alcoólica nos últimos 30 dias, respectivamente; 15,0% experimentaram drogas ilícitas alguma vez na vida, 19,1% não usaram camisinha na última relação sexual e 66,1% afirmaram ter tido dois ou mais parceiros sexuais na vida. Já entre as meninas, 16,6% fumaram e 53,8% ingeriram bebida alcoólica nos últimos 30 dias, 18,5% haviam experimentado drogas ilícitas, 25,8% não usaram camisinha na última relação sexual e 41,9% se relacionaram sexualmente com dois ou mais parceiros (Tabela 1).
A simultaneidade de dois ou mais comportamentos de risco, entre o uso de álcool, fumo e drogas, esteve presente em 14,7% dos meninos e 21,5% das meninas, enquanto a prevalência de não uso de camisinha e dois ou mais parceiros simultaneamente foi de aproximados 12,0% em ambos os sexos (Figura 1).
A Tabela 2 apresenta as prevalências, análise bruta e ajustada da associação entre simultaneidade de cada grupo de comportamentos de risco para IST (álcool, fumo e drogas; número de parceiros e não uso de camisinha) e as variáveis independentes para os meninos. A análise ajustada mostra que as variáveis ‘idade’, ‘cor da pele’, ‘escolaridade materna’ e ‘morar com os pais’ estiveram associadas à simultaneidade no grupo de álcool, fumo e drogas. Em relação à idade, observou-se uma tendência no aumento do risco de ter dois ou mais comportamentos para IST conforme o aumento da idade. Os meninos de cor da pele não branca mostraram uma prevalência 16% menor de dois ou mais comportamentos. Aqueles adolescentes cujas mães tinham Ensino Superior completo mostraram uma ocorrência 1,45 vezes maior de dois ou mais comportamentos, em comparação aos meninos com mães sem instrução. Os meninos que não moravam com os pais apresentaram uma prevalência 39% maior de simultaneidade de comportamentos, quando comparados aos que moravam com ambos.
a) IC95%: intervalo de confiança de 95%
b) RP: razão de prevalência
c) 1º nível
d) preta/parda/amarela/indígena
e) 2º nível
f) Teste de Wald de heterogeneidade (p<0,05)
g) Teste de Wald de heterogeneidade (p<0,001)
h) Teste de Wald para tendência linear (p<0,001)
i) Teste de Wald para tendência linear (p<0,05)
Com relação à simultaneidade no grupo de número de parceiros e não uso de camisinha, as variáveis ‘idade’, ‘cor da pele’ e ‘morar com os pais’ estiveram associadas à presença dos dois comportamentos após análise ajustada. Em relação à idade, os meninos com 16 anos ou mais mostraram uma ocorrência 11% menor de dois comportamentos de risco em relação aos com idade menor ou igual a 13. Os meninos de cor da pele não branca mostraram uma prevalência 1,22 vezes maior de dois comportamentos. Os meninos que não moravam com os pais apresentaram prevalência 78% maior de simultaneidade de comportamentos, quando comparados aos que moravam com ambos (Tabela 2).
A Tabela 3 apresenta as prevalências, análise bruta e ajustada da associação entre simultaneidade de cada grupo de comportamentos de risco para IST (álcool, fumo e drogas; número de parceiros e não uso de camisinha) e as variáveis independentes para as meninas. Na análise ajustada, as variáveis ‘cor da pele’, ‘escolaridade materna’ e ‘morar com os pais’ estiveram associadas com a simultaneidade no grupo de álcool, fumo e drogas. As meninas de cor da pele não branca apresentaram 14% menor da ocorrência de dois ou mais desses comportamentos. Quanto à escolaridade materna, aquelas cujas mães tinham Ensino Superior completo mostraram uma prevalência 1,29 vezes maior de simultaneidade dos comportamentos em relação àquelas com mães sem instrução. Ainda entre as meninas, morar com apenas um dos pais mostrou uma ocorrência 25% maior de simultaneidade, na comparação com aquelas que moravam com ambos.
a) IC95%: intervalo de confiança de 95%
b) RP: razão de prevalência
c) 1º nível
d) preta/parda/amarela/indígena
e) 2º nível
f) Teste de Wald de heterogeneidade (p<0,05)
g) Teste de Wald de heterogeneidade (p<0,001)
h) Teste de Wald para tendência linear (p<0,001)
Com relação à simultaneidade no grupo de número de parceiros e não uso de camisinha, somente a variável ‘idade’ manteve-se associada à presença dos dois comportamentos após análise ajustada, com uma tendência linear de aumento conforme o avanço da idade (p<0,001) (Tabela 3).
Discussão
Neste estudo, observou-se que mais de um quinto das meninas apresentaram dois ou mais comportamentos de risco - álcool, fumo e drogas - para IST. Adolescentes de cor da pele branca, com mães mais escolarizadas e que não moravam com os pais apresentaram maior ocorrência do desfecho álcool, fumo e drogas. O não uso de camisinha e ter tido dois ou mais parceiros foi mais frequente entre os meninos mais novos, de cor da pele não branca, que não moravam com os pais, enquanto nas meninas, esse desfecho foi associado a maior idade.
A elevada frequência de simultaneidade de comportamentos de risco para IST entre os adolescentes avaliados é preocupante do ponto de vista da Saúde Pública, uma vez que o ambiente escolar também exerce o papel de educar, informar e incentivar a adoção de práticas saudáveis.23
Considerando-se o desfecho álcool, fumo e drogas, em ambos os sexos, adolescentes cujas mães tinham Ensino Superior completo apresentaram maior prevalência de dois ou mais comportamentos. Utilizando-se de proxys de nível socioeconômico, outros estudos realizados com adolescentes encontraram resultados na mesma direção: um estudo da PeNSE 200920 observou maior consumo de álcool entre estudantes de escola privada; e outro, de autoria de Horta et al.,24 realizado em 2002, da população do município de Pelotas, Sul do Brasil, com amostra, encontrou maior prevalência de consumo de bebidas alcoólicas entre aqueles que pertenciam à classe econômica A-B. O álcool tem sido experimentado pelos adolescentes precocemente, e indivíduos com melhores condições socioeconômicas - e maior poder de compra - podem ter maior acesso a esses produtos. Pelo fato de o álcool ser uma droga lícita, socialmente aceita, sua aquisição é facilitada em festas, bares e lojas, e na própria casa, podendo ser a porta de entrada para experimentação de outras drogas.21
Conforme o aumento da idade, entre os meninos, aumentou a ocorrência de dois ou mais comportamentos, o que pode ser explicado pelo aumento de oportunidades de exposição a ambientes de fácil acesso a essas drogas. Os resultados vão ao encontro dos achados de Horta et al:24 adolescentes com 15 anos apresentavam prevalência de consumo de álcool 25% menor e de fumo 47% menor do que aqueles com 18 anos.
Os resultados relacionados à cor da pele e simultaneidade de álcool, fumo e drogas vão na mesma direção dos resultados encontrados acima. Adolescentes, de ambos os sexos, não brancos, apresentaram menor ocorrência de dois ou mais comportamentos. Considerando-se que a cor da pele e a escolaridade materna possam ser um proxy de nível socioeconômico, os resultados do presente estudo sugerem que adolescentes com melhores condições socioeconômicas apresentam maior risco de ter dois ou mais comportamentos de risco no grupo álcool, fumo e drogas.
Em contrapartida, quanto aos comportamentos de não uso de camisinha e dois ou mais parceiros, a cor da pele não branca apresentou maior ocorrência de simultaneidade desses comportamentos. Isto sugere que os comportamentos estudados devem ser abordados de forma diferente, nas políticas públicas. Com base nos resultados observados, considerando-se cor da pele e escolaridade materna, os achados sugerem que adolescentes com maior risco de simultaneidade de álcool, fumo e drogas são aqueles com melhor nível socioeconômico, enquanto o maior risco de não uso de camisinha e número de parceiros esteve associado ao baixo nível socioeconômico. É possível que os últimos comportamentos citados estejam bastante ligados a questões educativas, tanto na escola como na própria família.25 No entanto, um estudo que investigou os comportamentos relacionados ao início da vida sexual encontrou que adolescentes com indicadores socioeconômicos mais baixos tiveram maior prevalência de iniciação sexual precoce, e que a atividade sexual na adolescência está fortemente relacionada aos comportamentos considerados de risco à saúde, como, por exemplo, não usar preservativo.21
Em relação à moradia com os pais, considerando-se o desfecho álcool, fumo e drogas, entre os meninos, aqueles que não moravam com os pais ou com apenas um dos genitores apresentaram maior prevalência de simultaneidade. Entre as meninas, aquelas que moravam com apenas um dos pais apresentaram maior ocorrência de pelo menos dois comportamentos. Uma revisão sistemática, com o objetivo de avaliar a associação entre práticas parentais e consumo de substâncias psicoativas, mostrou que adolescentes cujos pais estão mais atentos às atividades desenvolvidas pelos filhos apresentam menor envolvimento com álcool, drogas e tabaco.26 Entre os meninos, a prevalência de dois comportamentos - não uso de camisinha e dois ou mais parceiros - foi 80% maior naqueles que não moravam com nenhum dos pais, enquanto para os que moravam com apenas um, foi 19% maior. Entre as meninas, após o ajuste, o fato de morar com os pais perdeu o efeito sobre o risco de simultaneidade de não uso de camisinha e ter tido dois ou mais parceiros.
Uma questão importante a ser discutida é a direção da associação encontrada entre a simultaneidade do não uso de camisinha e ter tido dois ou mais parceiros, e a idade. Entre os meninos, foi evidenciada menor ocorrência nos mais velhos, enquanto entre as meninas houve uma maior frequência conforme o aumento da idade, chegando a 93% maior naquelas com idade maior ou igual a 16 anos. Uma possível explicação para essa associação seria a idade da iniciação sexual e o tipo de relacionamento no momento; porém, esse dado não foi avaliado na presente pesquisa. Alguns estudos25,27 que avaliaram a idade de iniciação sexual encontraram que esta é mais precoce nos meninos e que eles tendem a iniciar a relação sexual em relacionamentos eventuais, tendendo a uma maior frequência do uso de preservativos nas relações.3 Outra possibilidade é que as meninas tendem a iniciar a relação sexual quando estão em relacionamentos estáveis, nos quais a confiança, estabilidade da relação, baixo risco aparente e submissão da mulher podem contribuir para uma menor frequência de uso de preservativos, determinando um comportamento de risco.3,21
O uso de bebidas alcoólicas, tabaco e drogas ilícitas associam-se ao aumento do número de parceiros sexuais e ao não uso da camisinha, estes diretamente relacionados às infecções sexualmente transmissíveis.28 Tais achados podem indicar uma interligação entre esses fatores, tendo em vista que a ocorrência de pelo menos um desses comportamentos pode promover a experimentação dos adolescentes a outros fatores que os colocam em situação de práticas inseguras para sua própria saúde.21 Ainda, a literatura aponta que o uso de tabaco e drogas ilícitas, além de propiciar a relação sexual sob a influência do álcool, aumenta o risco de ter múltiplos parceiros em ambos os sexos.
Este estudo apresenta algumas limitações. Apesar de aproximadamente 90% dos adolescentes brasileiros terem acesso à escola,29 é possível que aqueles que abandonam a escola precocemente ou que são pouco frequentes sejam diferentes no que se refere aos comportamentos de risco estudados, o que pode ter levado a uma subestimativa das prevalências reais populacionais para a faixa etária. Sabe-se que o uso de drogas ilícitas, por exemplo, está associado com a falta de vínculo escolar.24
Outra limitação é o fato de a população em estudo englobar somente aqueles adolescentes que já tiveram relação sexual, sendo necessária cautela ao extrapolar esses resultados. Além disso, a PeNSE não representa os adolescentes pelas faixas etárias , visto que a base amostral da pesquisa é a série escolar em turnos diurnos. Portanto, as prevalências encontradas não podem ser utilizadas como representativas das idades incluídas na amostra - ainda que a maioria dos adolescentes nessa faixa etária estudasse em turno diurno. Tampouco se descarta a possibilidade de confusão residual, devida à falta de uma variável de renda e/ou nível econômico robusta. As variáveis de álcool, fumo e drogas também não refletem um hábito semanal dos adolescentes, mas acredita-se que, nessa faixa etária, o uso nos últimos 30 dias (para fumo e álcool) e alguma vez na vida (para drogas) seja suficiente para ser considerado um comportamento de risco.
A falta das variáveis de IST também é uma limitação, já que não se tem certeza se os comportamentos analisados no presente estudo estão associados às doenças nesta amostra. Além disso, cabe ressaltar que a coleta de informações sobre variáveis de comportamento e doenças sexuais sempre são complicadas, principalmente nessa faixa etária: os adolescentes podem não revelar a verdade, subestimando as estimativas.
Conforme mencionado anteriormente, optou-se por trabalhar com os desfechos em grupos diferentes para explorar melhor a forma com que se agrupavam, pois, ao analisar todos os comportamentos de risco, alguns efeitos foram diluídos (dados não apresentados). Assim, seria possível pensar que álcool, fumo e drogas estão em um nível mais distal das doenças sexualmente transmissíveis, podendo ser porta de entrada para outros comportamentos; e o número de parceiros e não uso de camisinha, em um nível mais proximal. A partir de um modelo conceitual, levando-se em conta as IST, seria plausível que o efeito do álcool, fumo e drogas fosse mediado pelo número de parceiros e o não uso de camisinha; porém, esse tipo de análise não foi explorada, visto que o desfecho em questão era a simultaneidade dos comportamentos de risco para IST.
Embora a literatura sobre fatores de risco para IST em adolescentes seja relativamente ampla, segundo o conhecimento dos autores, este é o primeiro estudo a avaliar a simultaneidade desses fatores. Este tipo de análise permite uma visão mais ampla da realidade e ajuda na elaboração de políticas e intervenções, já que dificilmente um fator de risco ocorre de forma totalmente independente do outro.
Intervenções em nível escolar com objetivo de prevenir comportamentos de risco devem ser realizadas e/ou remodeladas. Apesar de algumas idades apresentarem maior risco, acredita-se que as ações educativas devem começar de maneira oportuna para que o adolescente tenha o conhecimento e opte pela escolha mais segura. Sugere-se que mais estudos, de base populacional e longitudinais, sejam feitos para investigar os fatores associados à simultaneidade dos fatores de risco para infecções sexualmente transmissíveis - IST -, contribuindo com um melhor entendimento dessas relações.