Introdução
O processo de envelhecimento populacional no Brasil é um fenômeno resultante da transição demográfica que contribuiu para a transição epidemiológica, além de ser caracterizado pelo aumento absoluto e relativo da prevalência de doenças crônicas.1,2 Dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 20133 mostraram que mais de 50% dos idosos brasileiros possuíam pelo menos uma doença crônica não transmissível (DCNT), e utilizavam os serviços de saúde em maior escala.3,4 Os serviços de saúde devem estar preparados para atender a essa crescente demanda,5 sendo as ações de promoção da saúde e prevenção de doenças fundamentais para garantir uma melhor qualidade de vida aos idosos.1,6
As DCNT são consideradas um problema de saúde no mundo todo, com uma carga maior em países de baixa e média renda.7 Mesmo que grande parte dos idosos brasileiros sejam acometidos por ao menos uma DCNT - por exemplo, a hipertensão arterial -, esse problema não deve ser tratado apenas como uma consequência do envelhecimento. São doenças que podem ser prevenidas com um estilo de vida saudável.5 Para auxiliar na redução das cargas geradas para os serviços de saúde e contribuir na diminuição de agravos provenientes dessas doenças, medidas terapêuticas e de promoção da saúde tornam-se estratégias de grande importância.8-10 No Brasil, destaca-se a Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS) de 2010, que ressalta as orientações sobre hábitos saudáveis como um processo educativo a envolver todos os profissionais de saúde e usuários dos serviços,2 auxiliando-os no gerenciamento de sua própria saúde,6,11 haja vista a complexidade na adoção de um estilo de vida saudável para cada faixa etária.1,2,5
O aconselhamento é uma prática educativa ofertada por profissionais de saúde com o objetivo de tornar os indivíduos ativos sobre seu processo de saúde, dentro do respeito à autonomia e valorização de seu potencial, propiciando uma mudança de comportamento e melhoria na qualidade de vida.6,12 Os benefícios resultantes dessas orientações identificados nos hábitos de vida dos indivíduos, a exemplo do cuidado com a alimentação, maior prática de atividade física e redução do consumo de bebidas alcoólicas e do tabagismo, podem ser encontrados na literatura;8,9,13 pessoas que recebem com frequência orientações de qualidade por profissionais de saúde sentem-se mais motivados a adotar um estilo de vida saudável.14
Estudos realizados a partir de dados de inquéritos transversais no Canadá, com indivíduos hipertensos8 e diabéticos,9 mostraram maior probabilidade de engajamento na prática de alguns hábitos saudáveis entre aqueles que haviam recebido orientação ou apoio de profissionais da Saúde. No Brasil, há escassez de pesquisas sobre o tema.
O objetivo deste estudo foi analisar a associação entre recebimento de orientações por profissionais de saúde e comportamentos saudáveis entre idosos.
Métodos
Estudo transversal, de base populacional, realizado com indivíduos de 60 anos ou mais de idade, residentes na zona urbana do município de Pelotas, estado do Rio Grande do Sul, no ano de 2014.
Pelotas é uma cidade de médio porte, localizada na região Sul do país, que em 2010 contava com 305.696 habitantes, dos quais 46.099 idosos (15,1%). O índice de desenvolvimento humano (IDH), também referente a 2010,19 foi de 0,739.
O tamanho da amostra estimado foi de 1.119 idosos, considerando-se uma prevalência de atividade física suficiente da ordem de 37%.20 Foram utilizados como parâmetros: nível de confiança de 95%; erro amostral de quatro pontos percentuais; e efeito de delineamento de 2,0. Visando atender aos demais objetivos da pesquisa, estabeleceu-se que seriam estudados cerca de 1.600 idosos.
A seleção da amostra foi realizada em dois estágios: o primeiro constituiu-se da seleção dos setores censitários da cidade, de acordo com o critério da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010; e o segundo estágio, da seleção sistemática dos domicílios dentro de cada setor. Partindo-se da estimativa de 12 idosos por setor e 0,43 idoso por domicílio, foram selecionados 133 setores e 3.745 domicílios. Todos os indivíduos com 60 ou mais anos de idade foram convidados a participar da pesquisa e entrevistados em seus domicílios. Idosos que residiam em instituições de longa permanência, aqueles em terapia nutricional enteral e incapacitados para responder ao questionário sobre comportamento alimentar, quando na ausência de um familiar ou cuidador, não foram incluídos na pesquisa.
Os desfechos estudados foram o relato, pelo idoso, de redução do consumo de sal, a frequência de consumo de açúcar (doces, refrigerantes e sucos industrializados) e de frituras, e a prática suficiente de atividade física. Utilizou-se o consumo de frituras como proxy do consumo de gorduras, por ter sido previamente aplicado um questionário de frequência alimentar reduzido,21 no qual não foi possível quantificar o consumo de gorduras com mais detalhes.
A redução do consumo de sal foi operacionalizada por meio da seguinte pergunta: “Pensando no último ano, o(a) Sr(a). diminuiu a quantidade de sal que coloca na sua comida?”
Para avaliar a frequência do consumo de açúcar e de frituras, utilizou-se a pergunta “Desde [dia da semana passada] até hoje, quantos dias o(a) Sr(a)...”, complementada por (i) “comeu doces ou tomou refrigerantes e sucos de caixinha ou de pacote?”, e (ii) “comeu frituras?” Idosos que referiram consumir esses alimentos até dois dias na última semana18 foram considerados como tendo baixa frequência de consumo de açúcar e de frituras, critério também utilizado em estudo prévio.18 Esse período recordatório foi adotado de forma a minimizar o viés recordatório, assim como a possibilidade de viés de causalidade reversa, desde que se trata de eventos não tão marcantes como a redução do consumo de sal.
Com relação à recomendação de prática suficiente de atividade física, foram considerados como suficientemente ativos aqueles idosos que tiveram prática ≥150 minutos/semana de atividade física, conforme preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).22 Para tal classificação, foi utilizada a versão mais longa do Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ),23 utilizando-se uma estimativa global, sendo considerada a atividade física no deslocamento e no lazer. O domínio de atividades domésticas e no trabalho foi desconsiderado neste estudo, para a construção da variável de estimativa global de atividade física.
As exposições avaliadas foram as orientações sobre hábitos saudáveis recebidas de profissionais da saúde por idosos que utilizaram serviços de saúde no último ano, operacionalizadas mediante o seguinte questionamento: “Desde [mês] do ano passado até agora, algum profissional de saúde orientou o(a) Sr.(a) a...”, complementado por “reduzir o consumo de sal?”, “reduzir o consumo de açúcar e doces?”, “reduzir o consumo de gorduras?” e “praticar atividade física?”.1,5,11 Estas questões eram precedidas de uma pergunta-filtro: “Desde [mês] do ano passado até agora, o(a) Sr(a) consultou com algum profissional de saúde?”, sendo considerados todos os tipos de serviços de saúde (públicos e privados).
Outras variáveis independentes foram incluídas, como as demográficas: sexo (masculino; feminino), faixa etária (em anos: 60-69, 70-79 ou ≥80), cor da pele observada pela entrevistadora (branca, preta, parda, amarela ou indígena, porém recategorizadas em branca, não branca - apenas um indivíduo classificou-se como amarelo e outro como indígena), situação conjugal (casado/a, solteiro/a, viúvo/a ou separado/a) e classificação econômica: A/B; C; D/E.24 Ainda, foram utilizadas as variáveis de morbidades autorreferidas, de acordo com o diagnóstico médico (sim; não) para hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus e hipercolesterolemia. Finalmente, perguntou-se sobre os serviços de saúde consultados no último ano: número de consultas com profissionais de saúde (1, 2 ou ≥3) e tipo de financiamento (convênio e particular; Sistema Único de Saúde [SUS]).
As entrevistas foram realizadas por entrevistadoras treinadas, e os dados registrados em netbooks. Foram consideradas perdas quando, após três ou mais tentativas em dias e turnos diferentes, o idoso não respondeu à entrevista; e recusas quando o idoso afirmou, mais de uma vez, não querer participar do estudo. O controle de qualidade das entrevistas foi realizado em 10% da amostra, majoritariamente de forma presencial, pelos supervisores do trabalho de campo munidos de questionário reduzido - 19 questões. O coeficiente de Kappa foi de 0,64 para a variável consulta com profissional de saúde no último ano.
Os dados foram analisados com auxílio do programa Stata 12.1 (Stata Corp, College Station, Texas, USA). Inicialmente, realizou-se uma descrição dos desfechos, obtendo-se as prevalências e os respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). Utilizou-se regressão de Poisson25 nas análises bruta e ajustada, para obtenção das razões de prevalência (RP) com seus respectivos IC95% e valores de p (teste de Wald para heterogeneidade). Na análise ajustada para controle de confusão da associação entre recebimento de orientações disponibilizadas por profissionais de saúde e comportamentos saudáveis, primeiramente foram inseridas no modelo as variáveis socioeconômicas e demográficas; posteriormente, as morbidades autorreferidas, sendo mantidas em seu nível aquelas que apresentaram um valor-p <0,20. Associações com valor-p <0,05 foram consideradas estatisticamente significativas. Todas as análises foram realizadas utilizando-se o módulo survey, para considerar o efeito de delineamento amostral do estudo.
O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas em 28 de novembro de 2013: Protocolo no 201324538513.1.0000.5317. As entrevistas foram realizadas somente após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelo idoso ou seu responsável.
Resultados
Dos 1.844 idosos elegíveis para o estudo, 1.451 foram entrevistados. As perdas e recusas totalizaram 9,7% (n=179) e 11,6% (n=214), respectivamente, sendo a maioria de mulheres (59,3%) e idosos com idade entre 60 e 69 anos (59,5%). Do total de entrevistados, 1.281 (88,3%) consultaram com algum profissional de saúde no último ano, constituindo a amostra do estudo (Figura 1).
A maior parte dos indivíduos da amostra era do sexo feminino (64,2%), na faixa etária de 60-69 anos (51,3%), de cor da pele branca (84,4%), possuía companheiro/a (53,7%) e pertencia à classe econômica C (51,7%). A maioria (68,2%) dos idosos relataram ter diagnóstico médico de hipertensão, 24,9% referiram diabetes e 43,4% colesterol alto. Quanto às orientações recebidas de profissionais de saúde no último ano, consideradas neste estudo, 31,2% dos idosos foram instruídos sobre hábitos saudáveis. As orientações mais referidas pelos entrevistados foram para redução do consumo de gordura (61,7%) e redução do consumo de sal (61,5%), seguidas de 50,0% para redução do consumo de açúcar e 58,2% para prática de atividade física (Tabela 1). Observou-se que cerca de 19,6% dos idosos não receberam qualquer uma das orientações investigadas (dados não apresentados).
Variável | n (%) | IC 95% a |
---|---|---|
Sexo | ||
Masculino | 459 (35,8) | 33,2;38,5 |
Feminino | 822 (64,2) | 61,5;66,8 |
Idade (em anos completos) | ||
60-69 | 655 (51,3) | 48,5;54,0 |
70-79 | 413 (32,3) | 29,7;34,9 |
≥80 | 210 (16,4) | 14,4;18,5 |
Cor da pele | ||
Branca | 1079 (84,4) | 82,4;86,4 |
Não brancab | 200 (15,6) | 13,6;17,6 |
Estado civil | ||
Casado/com companheiro | 688 (53,7) | 51,1;56,5 |
Solteiro | 75 (5,9) | 4,6;7,2 |
Divorciado | 111 (8,7) | 7,1;10,2 |
Viúvo | 405 (31,7) | 29,1;34,2 |
Classificação econômica c | ||
A/B | 483 (37,2) | 34,4;40,0 |
C | 720 (51,7) | 48,9;54,6 |
D/E | 169 (11,1) | 9,3;12,8 |
Hipertensão arterial | ||
Não | 406 (31,8) | 29,2;34,3 |
Sim | 872 (68,2) | 65,7;70,8 |
Diabetes mellitus | ||
Não | 960 (75,1) | 72,7;77,5 |
Sim | 318 (24,9) | 22,5;27,3 |
Colesterol alto | ||
Não | 723 (56,6) | 53,9;59,3 |
Sim | 554 (43,4) | 40,7;46,1 |
Número de consultas | ||
1 | 184 (14,4) | 12,3;16,5 |
2 | 239 (18,7) | 16,5;20,8 |
≥3 | 857 (66,9) | 64,2;69,7 |
Tipo de financiamento | ||
Convênio/Particular | 812 (63,4) | 58,8;68,0 |
SUS | 468 (36,6) | 32,0;41,2 |
Orientações de profissionais de saúde | ||
Redução de sal | 788 (61,5) | 58,8;64,2 |
Redução de açúcar e doces | 640 (50,0) | 47,2;52,7 |
Redução de gordura | 790 (61,7) | 59,0;64,3 |
Prática de atividade física | 745 (58,2) | 55,4;60,9 |
a) IC95%: intervalo de confiança de 95%.
b) Cor da pele: amarela e indígena com apenas uma observação em cada.
c) Total de missing: 71.
Entre os idosos entrevistados, 92,1% relataram consumir frituras até dois dias na semana, mais da metade referiu ter diminuído a ingestão de sal no último ano (57,3%), 51,7% consumiram açúcar e doces até dois dias na semana e 40,2% praticavam atividade física em quantidade suficiente (Figura 2).
A Tabela 2 apresenta as análises bruta e ajustada do relato sobre a redução do consumo de sal, frequência de consumo de açúcar e fritura e de prática de atividade física em relação ao recebimento de orientações de profissionais de saúde. Após os ajustes, idosos que receberam orientação para redução do consumo de sal tiveram uma probabilidade 63,0% maior de referir ter reduzido esse consumo no último ano (RP 1,63; IC95% 1,40;1,90). Idosos que receberam orientação para diminuir o consumo de açúcar e doces tiveram maior prevalência (RP 1,21; IC95% 1,07;1,36) de referir o consumo desses alimentos em menor frequência nos últimos sete dias, comparados aos que não receberam essa orientação dos profissionais de saúde. Por sua vez, a orientação de profissionais de saúde para redução no consumo de gorduras não esteve associada a uma menor frequência de consumo de frituras nos últimos sete dias. A prática suficiente de atividade física foi maior entre idosos que receberam orientação para esse hábito (RP 1,18; IC95% 1,02;1,36).
Recebimento de orientações | % | Comportamentos saudáveis a | |||
---|---|---|---|---|---|
Análise bruta | Análise ajustada b | ||||
RP c (IC 95% ) | Valor-p d | RP c (IC 95% e ) | Valor-p d | ||
Redução do consumo de sal | <0,001 | <0,001 | |||
Não | 39,3 | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | 68,4 | 1,74 (1,52;2,00) | 1,63 (1,40;1,90) | ||
Redução do consumo de açúcar e doces | <0,001 | 0,002 | |||
Não | 44,9 | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | 58,4 | 1,30 (1,17;1,44) | 1,21 (1,07;1,36) | ||
Redução do consumo de gordura | 0,411 | 0,946 | |||
Não | 91,3 | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | 92,6 | 1,01 (0,98;1,05) | 1,00 (0,96;1,04) | ||
Praticar atividade física | 0,005 | 0,020 | |||
Não | 35,7 | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | 43,4 | 1,21 (1,06;1,39) | 1,18 (1,02;1,36) |
a) Redução do consumo de sal no último ano, consumo de doces/frituras a no máximo dois dias na semana e prática de ≥150 minutos de atividade física por semana.
b) Ajuste para sexo, idade, cor da pele, situação conjugal, classificação econômica segundo a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP), hipertensão arterial, diabetes mellitus, colesterol alto, número de consultas e tipo de atendimento.
c) RP: razão de prevalência.
d) Teste de Wald para heterogeneidade.
e) IC95%: intervalo de confiança de 95%.
Discussão
Neste estudo, observou-se que a frequência das orientações sobre hábitos saudáveis investigadas foi menor que 65,0%, percentual inferior ao encontrado em países desenvolvidos. Cabe ressaltar que os estudos foram conduzidos com indivíduos portadores de alguma condição crônica.8,9 Os achados do presente estudo sugerem que o recebimento de orientações parece contribuir de forma positiva para a redução do consumo de sal, de açúcar e doces, e para a maior frequência de prática de atividade física global entre idosos. Porém, não foi identificada essa influência quanto à redução no consumo de gordura.
Considerando ser a população idosa a que mais consulta os serviços de saúde4 e que é atribuição dos profissionais da área a realização de educação em saúde em todas as oportunidades possíveis,1,2,5 é possível observar que essas orientações são pouco realizadas no contexto dos serviços de saúde.26 Outro desafio a superar é a consecução desses hábitos saudáveis por uma população que, muitas vezes, não conta com um acesso adequado aos alimentos e práticas saudáveis.21 Existem diversas barreiras para adoção de comportamentos que promovam sua saúde, como a orientação por profissionais lotados nos serviços, caracterizada por uma educação em saúde e não a simples informação.26,27
A orientação sobre hábitos saudáveis realizada por profissionais de saúde é uma ação que influencia os hábitos dos indivíduos e pode impulsionar mudanças em seu estilo de vida.8,9,13 Neste estudo, idosos orientados por profissionais de saúde apresentaram menor frequência de consumo de açúcar, referiram redução no consumo de sal e maior freqüência de prática de atividade física, quando comparados aos idosos não orientados. Estes achados reforçam a hipótese, presente na literatura, da associação entre orientações por profissionais e a possibilidade de realização dos hábitos saudáveis.8,9,13,14,18
Tão importante quanto o aconselhamento de profissionais de saúde sobre hábitos saudáveis é a efetiva realização dessas recomendações em nível individual.13 Apesar do reconhecimento da importância de uma alimentação saudável e da prática de atividade física, observa-se uma grande dificuldade, por parte da população brasileira, em manter um estilo de vida mais saudável,7,11 principalmente entre os idosos. Neste estudo foi possível identificar que pouco mais de 90% dos entrevistados referiram redução de consumo de frituras na alimentação e apenas 40% relataram a prática de atividade física, mostrando que o perfil dos hábitos saudáveis não é constante para todos os comportamentos. Evidencia-se a necessidade de promoção contínua desses hábitos, para conscientizar cada vez mais a população sobre a importância de um estilo de vida saudável.21,27 Além disso, os possíveis problemas encontrados para obtenção de alimentos saudáveis e de qualidade28 podem dificultar ou impedir a realização do que é orientado pelos profissionais de saúde.
Segundo um estudo realizado em Belo Horizonte, com adultos e idosos usuários de uma unidade básica de saúde (UBS), cerca de 63,0% dos indivíduos que receberam orientações sobre alimentação saudável e prática de atividades física relataram segui-las.12 No mesmo estudo, as mais citadas entre as barreiras para a realização dessas orientações foram a falta de tempo, a dificuldade em mudar hábitos e questões financeiras;12 o mesmo foi evidenciado no estudo de Toledo et al.13 Quando o objetivo é educar para a saúde com intervenção no comportamento das pessoas,17 deve-se considerar esses obstáculos entre os aspectos a serem abordados no momento quando o indivíduo se encontra no serviço de saúde,13,26,27 contribuindo para a realização do que é orientado.
Outra questão importante refere-se à dispensação das orientações pelo profissional de saúde. Um estudo recente, datado de 2014, realizado na Atenção Primária, identificou dificuldades na oferta de recomendações sobre atividade física pelos profissionais dos serviços de saúde avaliados. Os autores do trabalho citado apontam a necessidade de investimentos na formação desses profissionais quanto à promoção de um estilo de vida saudável.29 São necessários investimentos na capacitação de profissionais - de todos os níveis de cuidados à saúde - para a promoção de hábitos saudáveis e a prevenção de doenças e agravos. Deficiências nessas ações podem resultar em menos engajamento adoção desses hábitos.
Destaca-se, também, os possíveis determinantes dos processos de orientação e de adoção de comportamentos saudáveis: o primeiro depende do acesso aos serviços de saúde, e o segundo, das práticas alimentares e de vida saudáveis.21,26-28 O nível socioeconômico atua como determinante dessa associação: indivíduos de maior nível econômico utilizam com maior frequência os serviços de saúde30 e possuem hábitos de vida mais saudáveis.28 Foi possível identificar em outra publicação, também oriunda da pesquisa maior que a do presente estudo, que idosos pertencentes ao estrato social de maior nível econômico tiveram maior probabilidade de receber orientações para prática de atividade física e controle de peso.27 E em mais um estudo realizado na Atenção Primária, ficou evidenciado que os indivíduos pertencentes às classes econômicas A e B tiveram maior probabilidade de receber todas as orientações investigadas.26 Segundo esses achados, melhores condições socioeconômicas contribuem para o recebimento de orientações dos profissionais de saúde sobre adoção de hábitos saudáveis.
O presente estudo apresenta algumas limitações. O delineamento transversal pode dificultar a interpretação das associações, como por exemplo, o recebimento de orientação para redução do consumo de açúcar e doces e a frequência desse consumo. Entretanto, não se pretendeu realizar inferências causais e sim verificar a existência de uma associação entre o recebimento de orientações por profissionais de saúde sobre hábitos saudáveis, tais como comportamento alimentar mais adequado e prática de atividade física entre idosos. Cabe destacar a possibilidade de viés de desejabilidade social, que poderia acarretar mudanças no relato do indivíduo: o idoso, por ter recebido as orientações previamente ao período investigado, na ocasião da entrevista, poderia referir o comportamento considerado ideal para a adoção de um estilo de vida saudável. Porém, acredita-se que o período recordatório das orientações (último ano) e dos comportamentos minimizaria esse potencial viés, no caso do presente estudo.
Outrossim, a inexistência de parâmetros específicos na literatura para avaliar o comportamento posterior às recomendações de profissionais de saúde dificulta a compreensão e a comparabilidade dos resultados.13 A frequência do consumo de açúcar e de frituras foi utilizada como um proxy do consumo de açúcar e de gorduras, não constituindo uma avaliação global desses macronutrientes e sim uma aproximação do consumo real na dieta. A redução do consumo de sal foi avaliada conforme a percepção do entrevistado e não pela quantidade consumida de fato. Como este estudo faz parte de um inquérito maior, não foi possível aplicar um recordatório alimentar que pudesse avaliar, com maior acurácia, a quantidade de sal consumida pelos idosos. Além do que, a dificuldade em avaliar o consumo de sal é referida por outros autores.29 Tampouco foi investigada a adequação do comportamento às orientações de profissionais de saúde no longo prazo, possível melhor indicador da efetividade dessas ações. Mesmo que as orientações devam ser reforçadas em todo contato do idoso com os serviços de saúde, o estudo pode apresentar o viés de recordatório devido ao período utilizado nas questões. Sendo possível que esse viés subestimasse a prevalência das exposições, ele também poderia ser atenuado, uma vez que a mediana do número de consultas com profissionais de saúde foi de 3 (desvio-padrão=1), permitindo o contato frequente dos idosos com os serviços e aumentando, assim, as oportunidades de recebimento de orientações sobre hábitos saudáveis. Além disso, o recebimento das orientações foi maior entre os idosos que consultaram três ou mais vezes no último ano (dados não apresentados em tabela).
Apesar dessas limitações, o estudo proporcionou avanços na temática. Os achados evidenciaram a importância do aconselhamento sobre hábitos saudáveis em relação ao estilo de vida dos idosos. A utilização de uma amostra representativa de um município de médio porte pode ser considerado um aspecto positivo, desde que a maior parte dos estudos dedicados ao tema utilizam amostras de base de serviços.13,26
Os resultados evidenciaram que o aconselhamento sobre hábitos saudáveis, disponibilizado por profissionais de saúde no último ano, esteve associado ao relato de redução do consumo de sal, baixa frequência do consumo de açúcar e maior prática de atividade física, demonstrando que essas orientações podem ser importantes ações para a promoção de um estilo de vida mais saudável. Possivelmente, os idosos que receberam somente uma orientação como, por exemplo, para reduzir o consumo de sal, adotaram um estilo de vida mais saudável como um todo e não somente com relação ao que foi mencionado. Ou seja, mesmo que os profissionais não orientem tanto quanto deveriam sobre a redução do consumo de gorduras, é possível que uma recomendação simples para diminuir o consumo de sal influencie outros comportamentos de saúde, como a redução de consumo de gorduras e outros hábitos não saudáveis que o indivíduo apresentava antes do aconselhamento recebido do profissional de saúde. Estudos longitudinais são necessários para comprovar essa hipótese.
Cabe ressaltar que, embora as orientações investigadas no presente estudo sejam de conhecimento geral, é grande a complexidade implicada no engajamento dos indivíduos em um estilo de vida saudável. Por isso, não obstante idosos que receberam orientações para reduzir o sal consumirem com menor frequência açúcar e doces e realizarem mais atividade física, recomenda-se que sejam investigados os hábitos saudáveis antes e depois dessas orientações, para que impliquem maior impacto nas ações e políticas já presentes nos serviços de saúde.