Introdução
A obesidade é, provavelmente, uma das mais antigas doenças crônicas existentes, havendo registro de seu aparecimento em múmias egípcias e esculturas gregas.1 Conceitualmente, obesidade é o acúmulo anormal e excessivo de gordura no organismo, potencialmente prejudicial para a saúde.2
A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica o sobrepeso e a obesidade por meio do índice de massa corporal (IMC), obtido com a divisão do peso pela altura elevada ao quadrado: IMC = peso/altura². Sobrepeso é definido quando o IMC resulta igual ou superior a 25kg/m², e obesidade, se igual ou superior a 30kg/m². Ambos são considerados o sexto principal fator de risco para morte no mundo. A cada ano, estima-se que a quantidade de óbitos em adultos decorrente de sobrepeso e obesidade atinja cerca de 3,4 milhões.2
No estado do Rio Grande do Sul, 56,8% da população masculina e 51,6% da população feminina com 20 ou mais anos de idade encontram-se com sobrepeso ou obesidade.3 Na mesma faixa etária, 15,9% da população masculina e 19,6% da população feminina apresenta-se obesa. Porto Alegre é a segunda capital brasileira em número de adultos com sobrepeso ou obesidade (54% nessa faixa etária), perdendo apenas para Cuiabá. Em termos de obesidade, a capital gaúcha ocupa a décima primeira colocação, com 18% de sua população adulta obesa.4
Poucos tratamentos convencionais para a obesidade são efetivos quanto à perda de peso sustentada no longo prazo:5 95% dos pacientes acabam recuperando seu peso inicial em dois anos.5),(6
A indicação da cirurgia bariátrica vem crescendo nos dias atuais,6 sendo considerada um método eficaz no tratamento da obesidade mórbida e controle de peso no longo prazo,5),(7 além de ter se mostrado igualmente eficaz no tratamento da síndrome metabólica8 e do diabetes mellitus tipo 2.9)-(11
Em 1999, a gastroplastia foi incluída entre os procedimentos cobertos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro. Atualmente, os critérios para a indicação da cirurgia com cobertura pela rede pública estão estabelecidos na Portaria GM/MS nº 424, de 19 de março de 2013:12
- indivíduos que apresentem IMC>50kg/m²;
- indivíduos que apresentem IMC>40kg/m², com ou sem comorbidades, sem sucesso no tratamento clínico longitudinal realizado na Atenção Básica e/ou na Atenção Ambulatorial Especializada por no mínimo dois anos, e que tenham seguido protocolos clínicos; e
- indivíduos que apresentem IMC>35Kg/m² e comorbidades, tais como alto risco cardiovascular, diabetes mellitus e/ou hipertensão arterial sistêmica de difícil controle, apneia do sono, doenças articulares degenerativas, sem sucesso no tratamento clínico longitudinal realizado por no mínimo dois anos, e que tenham seguido protocolos clínicos.
O Brasil é a segunda nação no mundo onde mais se realizam cirurgias bariátricas (aproximadamente 80 mil procedimentos/ano), situando-se atrás apenas dos Estados Unidos. O crescimento desse procedimento no país, nos últimos dez anos, foi de 300%.7 De 2001 a 2010, foram realizadas 24.342 cirurgias bariátricas pelo SUS. As regiões Sudeste (10.268) e Sul (9.734) foram as que mais realizaram o procedimento pelo sistema público de saúde.13
Considerando-se o crescimento epidemiológico mundial acelerado da obesidade, a ineficiência dos tratamentos convencionais para a doença e o aumento da indicação de cirurgia bariátrica como alternativa de intervenção eficaz ao tratamento, o objetivo deste estudo foi caracterizar as hospitalizações pelo SUS para realização de cirurgias bariátricas em residentes da Região Metropolitana de Porto Alegre, RS (RMPA, RS), no período de 2010 a 2016, mediante análise de dados do Sistema de Informações Hospitalares do SUS, cálculo de indicadores por sexo, faixas etárias, utilização de unidade de tratamento intensivo (UTI) e gastos por internação.
Métodos
Trata-se de uma análise quantitativa, descritiva, baseada em dados secundários. A fonte dos dados constituiu-se dos arquivos públicos do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS), de prefixo RD (reduzidos), correspondentes ao período entre janeiro/2010 e dezembro/2016, disponíveis no portal de informações do Departamento de Informática do SUS (www.datasus.saude.gov.br). Foram analisados 2.268 arquivos, referentes a 7 anos x 12 meses x 27 Unidades da Federação, pois poderiam ter ocorrido internações fora da área de residência. O período de competência de processamento é igual ao mês anterior ao da apresentação da Autorização de Internação Hospitalar (AIH) para faturamento, correspondendo, geralmente, ao mês da alta hospitalar.14
O SIH/SUS utiliza como principal instrumento de coleta de dados a AIH, que apresenta dois modelos: (i) AIH-1, ou de tipo Normal, para dados de identificação do paciente e registro do conjunto de procedimentos médicos e de serviços de diagnose realizados; e (ii) AIH-5, ou de tipo Longa Permanência, para dados de pacientes crônicos ou psiquiátricos necessitados de continuidade de tratamento.15
Para o dimensionamento físico ‘internações’ ou ‘hospitalizações’, foram consideradas as AIH pagas do tipo Normal (AIH-1). Entretanto, para o dimensionamento financeiro, foram incluídas as AIH do tipo Longa Permanência (AIH-5), pois o gasto com o paciente já computado na AIH-1 prossegue.
A tabulação e a análise dos dados foram realizadas pelo aplicativo Microsoft Excel®. O plano de análise abordou todas as internações de usuários cujo diagnóstico principal no momento da internação no SUS foi obesidade - Código E66, da Décima Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10) - e que realizaram ao menos um dos seguintes procedimentos (códigos SUS):
- Gastrectomia com ou sem derivação duodenal (código 04.07.01.012-2);
- Gastroplastia com derivação intestinal (código 04.07.01.017-3);
- Gastroplastia vertical com banda (código 04.07.01.018-1);
- Gastrectomia vertical em manga (sleeve) (código 04.07.01.036-0).
O volume médio de internações no período foi apurado por sexo e faixa etária. Os coeficientes populacionais brutos de internações foram calculados a partir das médias anuais do período multiplicadas por 100 mil habitantes e divididas pela população-alvo residente (15 ou mais anos de idade) projetada para 2013, ano intermediário do período, projeção esta com base no Censo Demográfico de 2010.16
Em relação aos cálculos dos coeficientes padronizados de internação, a população-alvo utilizada foi a projetada para a idade de 15 ou mais anos, tendo em vista os critérios para a indicação cirúrgica vigentes no período deste estudo. Tais critérios, estabelecidos pela Portaria GM/MS nº 425/2013,17 passaram a contemplar jovens com idade entre 16 e 18 anos (mediante avaliação específica) e adultos acima de 65 anos (após avaliação do risco-benefício). Os coeficientes brutos municipais foram padronizados tendo como população-padrão aquela com idade igual ou superior a 15 anos e residente na Região Metropolitana de Porto Alegre, segundo sexo, distribuída em faixas etárias de 5 anos.
A média de permanência foi calculada dividindo-se o total de dias de hospitalização pelo número de internações.
A Região Metropolitana de Porto Alegre é composta por 34 municípios: Alvorada, Araricá, Arroio dos Ratos, Cachoeirinha, Campo Bom, Canoas, Capela de Santana, Charqueadas, Dois Irmãos, Eldorado do Sul, Estância Velha, Esteio, Glorinha, Gravataí, Guaíba, Igrejinha, Ivoti, Montenegro, Nova Hartz, Nova Santa Rita, Novo Hamburgo, Parobé, Portão, Porto Alegre, Rolante, Santo Antônio da Patrulha, São Jerônimo, São Leopoldo, São Sebastião do Caí, Sapiranga, Sapucaia do Sul, Taquara, Triunfo e Viamão.16
Em relação aos aspectos éticos, os arquivos RD do SIH/SUS são de domínio público, disponíveis na internet e divulgados pelo Ministério da Saúde de forma a garantir a confidencialidade, preservando a identidade dos usuários do sistema público de saúde.
Resultados
Na Região Metropolitana de Porto Alegre, no período estudado (2010-2016), foram realizadas 1.249 internações em hospitais da rede pública (SUS), identificadas como de residentes na mesma região, em que o diagnóstico principal foi obesidade - CID-10: E66 - e que realizaram cirurgia bariátrica. Esse total correspondeu a 178,4±23,7 internações/ano (média±desvio-padrão) ou 5,4 internações/100 mil habitantes/ano (4,8/100 mil em 2010 a 5,2/100 mil em 2016, com um máximo de 6,5/100 mil em 2014). A média de idade dos pacientes foi de 41,3±10,3 anos.
Ocorreram 1.062 internações de pacientes do sexo feminino (85,0%), cuja média de idade foi de 41,5±10,2 anos, enquanto os 187 pacientes do sexo masculino (15%) apresentaram média de idade de 40,0±10,8 anos. A faixa etária de 35 a 39 anos foi a que concentrou maior número de casos, 234 (18,7%; 10,8/100 mil hab./ano), seguida pela de 30 a 34 anos, com 207 internações (16,6%; 8,2/100 mil hab./ano) (Tabela 1). Observa-se que a maior concentração de internações correspondeu a pacientes dos 30 aos 49 anos (802 internações; 64,2%). Entre os pacientes do sexo feminino, o maior coeficiente de internação foi encontrado na faixa de 35 a 39 anos de idade, com 18,3/100 mil hab./ano (201 internações; 18,9%). Em relação aos pacientes do sexo masculino, o maior coeficiente de internação apresentou-se na faixa de 40-44 anos, com 3,4/100 mil hab./ano (32 internações; 17,1%).
Faixa etária (em anos) | Feminino | Masculino | Total | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
n | % | Coeficiente | n | % | Coeficiente | n | % | Coeficiente | |
15-19 | 3 | 0,3 | 0,3 | 3 | 1,6 | 0,2 | 6 | 0,5 | 0,3 |
20-24 | 28 | 2,6 | 2,4 | 9 | 4,8 | 0,8 | 37 | 3,0 | 1,6 |
25-29 | 92 | 8,7 | 7,4 | 16 | 8,6 | 1,3 | 108 | 8,6 | 4,3 |
30-34 | 170 | 16,0 | 13,4 | 37 | 19,8 | 2,9 | 207 | 16,6 | 8,2 |
35-39 | 201 | 18,9 | 18,3 | 33 | 17,6 | 3,1 | 234 | 18,7 | 10,8 |
40-44 | 155 | 14,6 | 15,5 | 32 | 17,1 | 3,4 | 187 | 15,0 | 9,6 |
45-49 | 155 | 14,6 | 15,0 | 19 | 10,2 | 2,0 | 174 | 13,9 | 8,8 |
50-54 | 118 | 11,1 | 11,5 | 16 | 8,6 | 1,8 | 134 | 10,7 | 7,0 |
55-59 | 99 | 9,3 | 11,2 | 12 | 6,4 | 1,6 | 111 | 8,9 | 6,8 |
60-64 | 33 | 3,1 | 4,6 | 7 | 3,7 | 1,2 | 40 | 3,2 | 3,1 |
65-69 | 7 | 0,7 | 1,3 | 3 | 1,6 | 0,7 | 10 | 0,8 | 1,1 |
70-74 | 1 | 0,1 | 0,3 | - | - | - | 1 | 0,1 | 0,2 |
Total | 1.062 | 100,0 | 8,7 | 187 | 100,0 | 1,7 | 1.249 | 100,0 | 5,4 |
a) Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - 10a Revisão (CID-10): E66.
O procedimento mais frequente foi a gastroplastia com derivação intestinal (1.198 intervenções; 95,9%) e o menos realizado foi a gastrectomia vertical em manga (sleeve) (18; 1,4%). Não foram realizados procedimentos de gastroplastia vertical com banda.
O município com mais residentes internados foi Porto Alegre, com 613 internações (49,1%), seguido do município de Canoas, com 177 (14,2%), Alvorada, com 43 (3,4%), e Viamão, com 38 (3,0%) (Tabela 2).
Município de residência | Feminino | Masculino | Total | |||
---|---|---|---|---|---|---|
n | Coeficiente | n | Coeficiente | n | Coeficiente | |
Alvorada | 37 | 6,7 | 6 | 1,2 | 43 | 4,0 |
Araricá | 3 | 21,3 | - | - | 3 | 10,6 |
Arroio dos Ratos | 1 | 2,6 | - | - | 1 | 1,4 |
Cachoeirinha | 17 | 4,7 | 4 | 1,2 | 21 | 3,0 |
Campo Bom | 12 | 6,3 | 3 | 1,6 | 15 | 4,0 |
Canoas | 152 | 15,7 | 25 | 2,8 | 177 | 9,5 |
Capela de Santana | 7 | 21,1 | - | - | 7 | 10,6 |
Charqueadas | 13 | 14,0 | 2 | 1,4 | 15 | 7,0 |
Dois Irmãos | 4 | 4,2 | - | - | 4 | 2,1 |
Eldorado do Sul | 12 | 12,0 | - | - | 12 | 6,1 |
Estância Velha | 20 | 15,2 | 1 | 0,8 | 21 | 8,1 |
Esteio | 14 | 5,8 | 3 | 1,4 | 17 | 3,7 |
Glorinha | 7 | 36,5 | - | - | 7 | 17,8 |
Gravataí | 26 | 3,4 | 4 | 0,6 | 30 | 2,0 |
Guaíba | 17 | 6,0 | 5 | 1,9 | 22 | 4,1 |
Igrejinha | 11 | 11,6 | 2 | 2,1 | 13 | 6,9 |
Ivoti | 8 | 11,7 | 1 | 1,6 | 9 | 6,7 |
Montenegro | 9 | 5,2 | 1 | 0,6 | 10 | 2,9 |
Nova Hartz | 3 | 5,9 | 1 | 1,8 | 4 | 3,9 |
Nova Santa Rita | 5 | 7,5 | - | - | 5 | 3,8 |
Novo Hamburgo | 26 | 3,6 | 7 | 1,0 | 33 | 2,4 |
Parobé | 11 | 7,0 | 2 | 1,3 | 13 | 4,2 |
Portão | 6 | 6,4 | 2 | 2,2 | 8 | 4,3 |
Porto Alegre | 518 | 11,8 | 95 | 2,5 | 613 | 7,5 |
Rolante | 6 | 10,7 | - | - | 6 | 5,4 |
Santo Antônio da Patrulha | 8 | 6,8 | 3 | 3,0 | 11 | 4,9 |
São Jerônimo | 5 | 8,0 | 1 | 1,6 | 6 | 4,7 |
São Leopoldo | 7 | 1,1 | 2 | 0,3 | 9 | 0,7 |
São Sebastião do Caí | 7 | 11,0 | 2 | 3,0 | 9 | 7,2 |
Sapiranga | 19 | 8,5 | 2 | 1,0 | 21 | 4,9 |
Sapucaia do Sul | 12 | 3,1 | 1 | 0,3 | 13 | 1,7 |
Taquara | 19 | 12,3 | 6 | 4,0 | 25 | 8,3 |
Triunfo | 6 | 8,4 | 2 | 3,0 | 8 | 5,7 |
Viamão | 34 | 4,9 | 4 | 0,6 | 38 | 2,9 |
Total | 1.062 | 8,7 | 187 | 1,7 | 1.249 | 5,4 |
a) Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - 10a Revisão (CID-10): E66
Nota:
Coeficientes padronizados pelo método direto, calculados tendo como população-padrão indivíduos com 15 anos ou mais de idade (agrupada de 5 em 5 anos), segundo sexo, residentes na Região Metropolitana de Porto Alegre, RS.
Entretanto, o maior coeficiente de internação foi observado no município de Glorinha (17,8/100 mil hab./ano), seguido dos municípios de Capela de Santana e Araricá, ambos com o coeficiente de 10,6/100 mil hab./ano, e Canoas (9,5/100 mil hab./ano). O município que apresentou o menor coeficiente foi São Leopoldo (0,7/100 mil hab./ano).
A média de permanência hospitalar foi de 5,1±3,2 dias, sendo de 5,3±3,7 dias para o sexo masculino e de 5,1±3,1 dias para o feminino. O menor tempo médio de hospitalização correspondeu à faixa etária de 20 a 24 anos, com 4,2±1,5 dias; e o pico de internações hospitalares, de 7,2±7,0 dias, à idade de 65 a 69 anos.
O gasto total das internações para o SUS, referente aos procedimentos analisados no período de 2010 a 2016, foi de R$7.516.812,03, o que correspondeu a R$1.073.830,29±223.791,48 (média±desvio-padrão) por ano, ou 0,33% dos gastos do sistema público de saúde com hospitalizações na mesma faixa etária na área estudada. O gasto médio por internação atingiu R$6.018,26±851,34 (Tabela 3), ou R$1.171,03 por dia. Gastrectomia com ou sem desvio duodenal custou, em média, R$5.921,88±613,28; gastrectomia vertical em manga (sleeve), R$5.986,29±73,09; e gastroplastia com derivação intestinal, R$6.021,40±863,08.
Faixa etária (em anos) | Feminino | Masculino | Total | |||
---|---|---|---|---|---|---|
Gasto médio | Desvio-padrão | Gasto médio | Desvio-padrão | Gasto médio | Desvio-padrão | |
15-19 | 5.775,80 | 431,44 | 5.814,03 | 429,44 | 5.794,92 | 430,87 |
20-24 | 5.782,86 | 507,97 | 5.838,26 | 471,70 | 5.796,34 | 499,96 |
25-29 | 5.923,65 | 798,94 | 5.934,71 | 705,83 | 5.925,29 | 785,86 |
30-34 | 6.016,69 | 895,94 | 6.190,28 | 650,76 | 6.047,71 | 859,85 |
35-39 | 5.976,32 | 834,95 | 6.242,17 | 793,80 | 6.013,81 | 834,41 |
40-44 | 6.164,11 | 1.048,15 | 5.922,09 | 733,24 | 6.122,70 | 1.005,45 |
45-49 | 5.945,78 | 739,19 | 6.022,33 | 1.486,57 | 5.954,14 | 853,59 |
50-54 | 6.061,78 | 925,37 | 6.026,01 | 425,31 | 6.057,51 | 880,80 |
55-59 | 6.035,02 | 794,77 | 6.308,87 | 623,36 | 6.064,62 | 782,70 |
60-64 | 5.858,72 | 592,37 | 5.935,96 | 340,25 | 5.872,24 | 557,33 |
65-69 | 6.153,56 | 797,49 | 6.232,00 | 38,70 | 6.177,09 | 668,53 |
70-74 | 6.034,16 | 0,00 | - | - | 6.034,16 | 0,00 |
Total | 6.008,04 | 860,19 | 6.076,34 | 796,71 | 6.018,26 | 851,34 |
a) Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - 10a Revisão (CID-10): E66.
Dos 1.249 pacientes que realizaram cirurgia bariátrica, 527 (42,2%) internaram em um hospital (hospital ‘A’) e os demais distribuíram-se por outros três (Tabela 4). Houve necessidade de utilização de UTI em 227 internações (18,2%) e ocorreram apenas 2 (0,2%) óbitos, ambos de pacientes do sexo feminino e em hospitais diferentes (‘B’ e ‘D’).
Hospital | Internações (A) | Utilização de UTIa (B) | % de utilização de UTIa (B/A) | ||
---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | ||
Hospital A | 527 | 42,2 | 44 | 19,3 | 8,3 |
Hospital B | 273 | 21,9 | 1 | 0,4 | 0,4 |
Hospital C | 265 | 21,2 | 35 | 15,4 | 13,2 |
Hospital D | 184 | 14,7 | 147 | 64,7 | 79,9 |
Total | 1.249 | 100,0 | 227 | 100,0 | 18,2 |
a) UTI: unidade de terapia intensiva.
b) Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - 10a Revisão (CID-10): E66.
O percentual mais elevado de utilização de UTI (79,9%) foi encontrado no hospital ‘D’, que executou o menor número de procedimentos. O hospital ‘A’ representou o maior gasto total para o SUS (R$3.072.785,89), realizando a maior parcela de cirurgias, embora apresentasse o segundo maior valor médio por internação (R$5.830,71). O menor gasto total ocorreu no hospital ‘D’ (R$1.343.344,48) (Tabela 5), com 14,7% dos procedimentos, não obstante esse hospital houvesse apresentado o maior valor médio por internação (R$7.300,79).
Hospital | Internações com utilização de UTIb | Internações sem utilização de UTIb | Total | |||
---|---|---|---|---|---|---|
Gasto por internação | Desvio-padrão | Gasto por internação | Desvio-padrão | Gasto por internação | Desvio-padrão | |
Hospital A | 5.906,38 | 415,99 | 5.823,82 | 558,76 | 5.830,71 | 548,74 |
Hospital B | 6.828,96 | 0,00 | 5.736,54 | 480,20 | 5.740,54 | 483,85 |
Hospital C | 6.132,80 | 1.111,94 | 5.734,20 | 444,48 | 5.786,85 | 594,12 |
Hospital D | 7.579,92 | 1.072,24 | 6.191,81 | 425,61 | 7.300,79 | 1.124,50 |
Total | 7.029,10 | 1.238,36 | 5.793,74 | 517,47 | 6.018,26 | 851,34 |
a) Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - 10a Revisão (CID-10): E66.
b) UTI: unidade de terapia intensiva.
Examinando-se o gasto médio por internação com e sem utilização de UTI por hospital, o hospital ‘D’, com a menor quantidade de procedimentos realizados e o maior percentual de utilização de UTI, apresentou os valores mais elevados: R$7.579,92 com utilização de UTI; e R$6.191,81 sem utilização de UTI (Tabela 5).
Discussão
No período estudado, 2010 a 2016, as 1.249 internações realizadas em hospitais da rede pública (SUS) por residentes da Região Metropolitana de Porto Alegre representaram, em média, 178,4 internações/ano (5,4/100 mil hab./ano), apontando um crescimento de 40,1% em relação à média anual do triênio 2008-2010, de 127,3 internações/ano (3,1/100 mil hab./ano),18 e de 74,2% sobre a taxa por 100 mil hab./ano.
A predominância do sexo feminino (85,0%) foi compatível com outros estudos, os quais demonstram que a maioria das internações para realização de cirurgia bariátrica se refere a mulheres.18)-(23
Porto Alegre, sede da Região Metropolitana, está entre as capitais com maior prevalência da população adulta com sobrepeso ou obesidade (54,1%), atingindo 62,1% no sexo masculino e 47,5% no feminino. Já a prevalência de adultos obesos na capital do Rio Grande do Sul foi de 17,7%, sendo 18,5% homens e 17,1% mulheres.4 É de se supor que esse padrão se repita na Região Metropolitana.
Não obstante as prevalências de sobrepeso e de obesidade serem maiores na população masculina de Porto Alegre, representando 49,1% das cirurgias estudadas, as internações para realização de cirurgia bariátrica foram cinco vezes mais frequentes em pacientes do sexo feminino (8,7 x 1,7/100 mil hab./ano). Estudo realizado nos Estados Unidos, onde 1.368 pacientes candidatos a cirurgia bariátrica foram acompanhados ao longo de quatro anos, revelou que mulheres apresentaram quatro vezes mais propensão a procurar a cirurgia bariátrica do que homens.23
A média de permanência hospitalar (5,1 dias) no período 2010-2016 reduziu-se em 15% quando comparada à do triênio 2008-2010,18 de 6,0 dias. Estudo abrangendo todas as regiões brasileiras, com dados de 2001 a 2010, encontrou uma média de permanência hospitalar mais próxima a esta - 6,1 dias -, em pacientes que realizaram a cirurgia bariátrica pelo SUS.13 É possível que essa redução decorra de melhorias nas técnicas cirúrgicas e/ou maior experiência das equipes.
O procedimento mais frequente foi a gastroplastia com derivação intestinal (484; 92,5%), assim como no triênio 2008-2010, na mesma área geográfica.18 Os achados corroboram os dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, segundo a qual a técnica se destaca como a mais utilizada no Brasil, representando 75% das cirurgias realizadas. Nos Estados Unidos, a mesma técnica também se sobressai como a mais utilizada: 88% dos procedimentos realizados no país.24 Atualmente, essa intervenção é considerada o padrão ouro do tratamento cirúrgico da obesidade mórbida,25 sendo a técnica mais utilizada no mundo.26),(27
O percentual de utilização de unidades de terapia intensiva não se distribuiu uniformemente, entre os hospitais analisados. O hospital que realizou menos intervenções respondeu por 64,7% dos casos de internação em UTI, e apresentou 147 (79,9%) utilizações de UTI em 184 internações. Possivelmente, esses achados devem-se ao efeito do volume de procedimentos na experiência da equipe cirúrgica, senão a alguma rotina própria dessa instituição. Tal variação entre as instituições mereceria investigação específica.
Estudos que relatam as indicações para internação em UTI no pós-operatório de cirurgia bariátrica e sua prevalência são escassos. Alguns deles demonstram variabilidade de 6 a 24% de pacientes submetidos a cirurgia bariátrica com necessidade de UTI por mais de 24 horas.28
O gasto médio das internações para o SUS com os procedimentos analisados de 2010 a 2016 foi de R$6.018,26, ou 18,6% maior que o do triênio 2008-2010 (R$5.075,73).18 O gasto por internação no hospital ‘A’ (R$5.830,71) foi maior que o verificado na mesma instituição por outro estudo, realizado em 2011, sobre pacientes submetidos a gastroplastia com derivação intestinal pelo SUS (R$5.179,00).19 Estudo realizado com dados de todas as regiões do país para o decênio 2001-2010 obteve, como valor médio por internação no SUS em 2010, R$5.467,99.13 Não foram localizados estudos que permitissem comparar os gastos com cirurgia bariátrica e os gastos com ações de promoção e prevenção da obesidade no SUS, denotando a dificuldade de investigação nesse campo.
Em relação à letalidade, o presente estudo identificou tão somente 2 óbitos (0,2%). No triênio 2008-2010, na mesma região geográfica, foi registrado 1 óbito (0,3%), também de paciente do sexo feminino, na faixa etária de 45-49 anos, após a realização de gastroplastia com derivação intestinal.18 Em estudo dirigido a todas as regiões brasileiras, a taxa de mortalidade intra-hospitalar no SUS foi de 0,55% no período de 2001 a 2010.13 A mortalidade perioperatória da cirurgia bariátrica encontra-se entre 0,3 e 1,6%,29 corroborando os achados nos dois períodos estudados na Região Metropolitana de Porto Alegre, 2008-201018 e 2010-2016.
Quanto às limitações deste trabalho, devem ser destacadas as decorrentes do uso de bases de dados do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS), elaboradas para funções administrativas. Reinternações e/ou manipulações são possíveis, tendo em vista o objetivo administrativo/contábil do sistema, bem como erros de codificação ou de diagnóstico.
O número de internações no SUS para realização de cirurgia bariátrica tende a aumentar cada vez mais, nos próximos anos, devido a diversos fatores, como mudanças epidemiológicas e ampliação do acesso por modificações na normatização. Entre essas alterações, destacam-se a Portaria GM/MS nº 424 de 19/03/2013,12 que redefiniu as diretrizes para a organização da prevenção e do tratamento do sobrepeso e obesidade como linha de cuidado prioritária da Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas; a Portaria GM/MS nº 425 de 19/03/2013,17 que aumentou os limites mínimo e máximo da idade permitida para a cirurgia, além de incluir novos procedimentos; e a Portaria GM/MS nº 5, de 31/01/2017,30 à qual coube incorporar o procedimento de cirurgia bariátrica por videolaparoscopia no SUS.
É mister ressaltar que o tratamento cirúrgico constitui apenas parte do tratamento integral da obesidade, a priori baseado na promoção da saúde e no cuidado clínico longitudinal.17 Portanto, o planejamento de políticas públicas voltadas à promoção da saúde, prevenção, tratamento e recuperação da obesidade mórbida mostra-se essencial.