Introdução
Em vários países do mundo, as chamadas arboviroses têm sido motivo de grande preocupação para a Saúde Pública. No Brasil, além dos quatro sorotipos do vírus da dengue (DENV) circulantes, a população está sob o risco de infecção pelo vírus chikungunya (CHIKV), vírus Zika (ZIKV) e vírus da febre amarela (VFA), este último capaz de acometer indivíduos não imunizados.1
Segundo boletim do Ministério da Saúde, em 2017 foram registrados no país 249.056 casos suspeitos de dengue. A região Nordeste apresentou o maior número de casos prováveis - 86.110 -, em relação ao total do país.2 Do total de municípios da Bahia, 277 (66,4%) notificaram 9.736 casos suspeitos de dengue, dos quais 515 foram registrados pelo município de Itabuna.3
O controle da incidência das referidas arboviroses baseia-se naquele que é o único elo vulnerável de sua cadeia de transmissão: os mosquitos vetores. Entre os vetores envolvidos na transmissão, a espécie de maior relevância é o Aedes aegypti, que apresenta ciclo de vida holometabólico com imaturos aquáticos e adultos alados.4 Fundamentalmente, as ações de controle do Ae. aegypti são dirigidas às formas imaturas (larvas e pupas), utilizando-se de larvicidas com a finalidade de reduzir os índices de infestação.5 A escolha dos tipos de inseticidas utilizados deriva, principalmente, da identificação de populações de Ae. aegypti resistentes a produtos inseticidas.6 Desta forma, torna-se de grande importância o monitoramento da suscetibilidade do Ae. aegypti aos novos larvicidas, para diagnosticar precocemente populações resistentes e garantir a eficácia desses produtos no controle vetorial.
A partir de 1999, no Brasil, iniciou-se o monitoramento da susceptibilidade do Ae. aegypti a distintos produtos inseticidas.5 Os testes eram realizados pela Rede Nacional de Monitoramento da Resistência do Ae. aegypti a inseticidas (MoReNa), responsável por avaliar a resistência desse vetor aos produtos químicos utilizados em seu controle. Os resultados do trabalho da rede, bem como estudos isolados, mostraram que o temefós (organofosforado), produto que vinha sendo adotado há mais de 30 anos no país, passou a apresentar, a partir de 1998, baixa eficácia no combate ao Ae. aegypti em diversos municípios brasileiros.5-7 Estes achados levaram o Ministério da Saúde a interromper o uso de organofosforados, uma vez que a aquisição de inseticidas para uso no controle da malária, dengue, Zika e chikungunya é atribuição da esfera federal.8 Assim, o temefós foi substituído pelos chamados ‘inseticidas alternativos’, pertencentes, principalmente, aos grupos dos inseticidas biológicos e dos reguladores de crescimento.5 Em Itabuna, por exemplo, o temefós foi substituído por inibidores de síntese de quitina, inicialmente o diflubenzuron, de 2012 até final de 2013. Ao longo de 2014, foi adotado o novaluron (inibidor de síntese de quitina), e de 2015 até o presente momento, tem-se utilizado o pyriproxyfen,9 um análogo de hormônio juvenil, que atua sobre o desenvolvimento dos insetos inibindo a emergência dos adultos.5
Apesar das substituições dos produtos, as taxas de incidência da dengue continuaram elevadas no município de Itabuna.3 Equipes de vigilância locais relataram, por exemplo, a ocorrência de larvas vivas pós-tratamento com o pyriproxyfen.9 Diante desse panorama, a Diretoria de Vigilância Epidemiológica do Estado da Bahia (DIVEP/BA), juntamente com o Laboratório Central de Saúde Pública Prof. Gonçalo Moniz (Lacen/BA), identificou a necessidade de se avaliar a efetividade dos larvicidas utilizados na rotina do Programa Nacional de Controle da Dengue.
O presente estudo surgiu com o objetivo de avaliar, em condições simuladas de campo, a eficácia do pyriproxyfen (hormônio juvenil), novaluron (inibidor de quitina) e spinosad (biolarvicida) no controle do Ae. aegypti.
Métodos
Trata-se de um estudo experimental simulando condições de campo. Para avaliar a ação dos larvicidas, foram utilizados exemplares de Ae. aegypti obtidos a partir de amostragem de ovos na área urbana do município baiano de Itabuna. Para os controles, foram utilizados ovos oriundos de linhagens susceptíveis (Rockefeller) de Ae. aegypti, fornecidos pelo Center for Disease Control and Prevention de Porto Rico, Estados Unidos. Os testes foram realizados entre agosto e outubro de 2015, nas instalações do Lacen, Salvador/BA.
Itabuna possui 61.555 domicílios e uma população residente de 199.643 pessoas, distribuídas em 57 bairros.10 A área de estudo foi dividida geograficamente, em 20 quadrantes, cada quadrante abrangendo em média dois bairros, onde foram selecionados aleatoriamente quatro imóveis. Em cada um dos imóveis sorteados foi instalada uma ovitrampa com três palhetas, adaptando a metodologia proposta pela Rede MoReNa, da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde.11 A instalação das armadilhas ocorreu no mês de julho e as coletas das palhetas foram realizadas semanalmente, durante três meses, entre julho e setembro de 2015.
As palhetas retiradas das armadilhas eram acondicionadas individualmente, em recipientes plásticos, para secagem. Os ovos de Ae. aegypti presentes nas palhetas eram contados por estereoscópio, pela equipe do Núcleo Regional de Saúde Sul-Base Itabuna; quinzenalmente, as palhetas positivas eram enviadas ao Lacen/BA, onde ficavam armazenadas até o início dos testes. O período de armazenamento dos ovos, desde o início da coleta até a realização dos testes, variou de 30 a 60 dias.
Uma semana antes do início de cada exposição (teste), as palhetas selecionadas eram submersas em copo plástico (500mL) com água de torneira. As larvas eclodidas eram transferidas para bandejas plásticas, alimentadas com ração de peixe (Tetramin®), sob temperatura de 25ºC, até atingirem a fase L3. Ao final, 600 larvas, oriundas de todos os 20 quadrantes, eram mantidas para compor o lote de exposição aos produtos (Tabela 1) seguindo as doses e concentrações recomendadas pelos fabricantes12 (Tabela 2). O total de 600 larvas foi oriundo do número de 30 larvas por quadrante, designado como valor de corte, uma vez que, em um dos quadrantes, o número máximo de larvas que eclodiram foi de 30.
Larvicida | Fabricante | Nome comercial | Formulação | Lote | Recomendação para uso em água potável |
---|---|---|---|---|---|
Novalurona | Bayer | Mosquiron Ready 5 ME® | Microemulsão | 2012-12-2600 | Não (uso somente na formulação CE 0,01mg/L) |
Pyriproxifenb | Sumitomo | Sumilarv® | Grânulos | 4946F4 | Sim |
Spinosadc | Clarke | Natular DT® | Comprimidos | 1408260010 | Sim |
a) Novaluron: inibidor da síntese da quitina - Lote usado: 2012.
b) Pyriproxifen: análogo do hormônio juvenil.
c) Spinosad: biolarvicida.
Nome comercial | Concentração | Dose |
---|---|---|
Mosquiron Ready 5 ME® | 0,50% | 0,01mg/L |
Sumilarv® | 0,50% | 0,01mg/L |
Natular DT® | 7,48% | 1 comprimido: 1,35g para 1 a 200L |
Das 600 larvas mantidas em cada fase de pré-exposição, 100 eram separadas aleatoriamente para identificação da espécie. Das 500 larvas restantes, 360 eram selecionadas de modo aleatório para os testes, tendo sido compostos 12 grupos, cada um com 30 larvas de Ae. aegypti. Cada grupo era colocado em um balde plástico com capacidade de 30 litros, somando-se nove baldes para os grupos-teste (triplicata para cada larvicida) e três baldes-controle (1 para cada grupo-teste). O procedimento de seleção e identificação das larvas foi repetido a cada 15 dias, com novas larvas L3 para cada exposição.
Os recipientes foram mantidos em ambiente sombreado, tratados e identificados com o nome dos produtos e distribuídos em galpão coberto, na área externa do Laboratório de Entomologia.
Os baldes foram preenchidos com 24 litros de água proveniente da rede de abastecimento local. Adicionaram-se, também, os larvicidas-teste e fez-se a exposição direta das larvas. No momento da exposição, em cada um dos recipientes foi adicionado 0,5g de ração de peixe (Tetramin®) para servir de alimento às larvas. A fim de simular as condições de campo, duas vezes por semana, ocorria troca de água em cada um dos baldes, retirando-se e repondo-se 1/3 do volume do recipiente. Semanalmente, era realizada leitura de temperatura e pH da água. Os recipientes permaneceram tampados com uma malha de nylon, para impedir a entrada de insetos e eventuais detritos durante todo o período experimental.
Após a exposição, a primeira leitura foi realizada em 48 horas, entendendo-se por leitura a quantificação das larvas e pupas, vivas ou mortas. As larvas e pupas mortas eram retiradas, e aquelas com estruturas morfológicas preservadas eram identificadas, sendo as informações lançadas em boletim específico.
Após a primeira leitura, a cada 24 horas uma nova leitura era realizada e as pupas vivas eram transferidas para um copo plástico com tampa, contendo água do recipiente de origem. Os copos eram identificados com o código do tambor de origem, data da leitura e quantidade de pupas, enumerados sequencialmente; em seguida, eram encaminhados ao laboratório para verificação da emergência de adultos, identificação de espécie e sexo.
Os experimentos foram realizados de modo pareado, para a população de Itabuna e para as linhagens Rockefeller.
Finalizada a emergência dos adultos nos recipientes não tratados (controle), as observações eram imediatamente encerradas nos recipientes tratados, sendo computados os números de larvas e pupas vivas e inibidas/mortas em todos os recipientes.
O efeito larvicida dos produtos foi analisado calculando-se a inibição da emergência de insetos adultos, utilizando-se como parâmetro o percentual de emergência do grupo-controle. Foi calculado o percentual médio de inibição, considerando-se, para a média, todos os valores obtidos nas réplicas dos recipientes para um mesmo larvicida.
No cálculo de inibição da emergência, aplicou-se a seguinte formula:
Onde:
% IE = percentual de inibição de emergência
% EC = percentual de emergência nos recipientes-controle
% ET = percentual de emergência nos recipientes tratados
Os testes foram repetidos a cada 15 dias, com novas larvas L3. As avaliações quinzenais persistiram por 60 dias, simulando o intervalo entre as visitas domiciliares realizadas pelos agentes, período previsto para que o efeito letal do larvicida seja superior a 80%.13
Os percentuais de mortalidade e de inibição de emergência no controle serviram de parâmetros para a validação dos ensaios, de acordo com o critério adotado pelo método de Abbott, segundo o qual uma mortalidade superior a 20,0% seria indicativa de manipulação dos testes e, por conseguinte, de sua inviabilização. Mortalidades entre 5,0 e 19,9% nos recipientes-controle foram indicativos de correção da mortalidade observada nos recipientes tratados pela formula de Abbott.14
Onde:
% C = percentual de mortalidade nos recipientes-controle
% E = percentual de mortalidade nos recipientes tratados (expostos)
Para aferir diferenças de efetividade e persistência entre as formulações testadas nas populações de Ae. aegypti (Itabuna e Rockefeller), em condições simuladas, foi realizada análise de variância (ANOVA)15 com o auxílio do software estatístico Prism (GraphPad Software, Inc., 1999). Para a aplicação das análises, os valores de percentual de inibição da emergência foram convertidos em valores de arco seno.13 Também foi comparada a resposta da população de Itabuna com a obtida da Rockefeller para cada larvicida, pelo teste não paramétrico de Kruskal Wallis, com uso do programa GraphPad Prism 3.0, sendo considerada estatisticamente significativa quando p<0,05 (nível de significância de 95%).16
No intuito de estimar o número de dias pós-tratamento para se obter um nível de controle igual ou superior a 80% em cada tratamento, foi utilizado o pacote estatístico Polo-PC,17 a partir dos dados de inibição de emergência, por tempo de exposição.
Resultados
Ao longo do estudo, 100,0% das formas adultas e imaturas analisadas aleatoriamente foram da espécie Ae. aegypti, totalizando 500 larvas e 295 adultos identificados.
Nos ensaios, a temperatura e o pH não sofreram grande oscilação, tanto para os recipientes tratados como para os não tratados. A temperatura variou entre 29,5 e 31,2°C; e o pH, entre 7,1 e 7,6.
O parâmetro de validação do ensaio mostrou que a mortalidade nos recipientes não tratados foi menor que 20,0% em todas as semanas de exposição. Houve, entretanto, a necessidade de correção da mortalidade (fórmula de Abbott) das formas larvais não tratadas para a primeira exposição (1º dia) na população de Itabuna, na qual foi observado percentual de mortalidade de 16,7%, e para a última exposição (60º dia) na linhagem Rockefeller, que apresentou percentual de mortalidade igual a 13,3 (Tabela 3).
Exposição (em dias) | Recipientes não tratados | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
Percentual de mortalidade larval | Percentual de mortalidade de pupa | Percentual de emergência de adultos | ||||
Rockefellera | Itabunab | Rockefellera | Itabunab | Rockefellera | Itabunab | |
1 | 5,0 | 16,7 | 0,0 | 1,6 | 95,0 | 81,7 |
15 | 2,2 | 3,3 | 0,0 | 0,0 | 97,8 | 96,7 |
30 | 0,0 | 3,3 | 3,3 | 0,0 | 96,7 | 96,7 |
45 | 1,7 | 0,0 | 1,6 | 0,0 | 96,7 | 100,0 |
60 | 13,3 | 5,0 | 8,4 | 0,0 | 78,3 | 95,0 |
a) Ovos oriundos de cepas susceptíveis (Rockefeller) de Ae. aegypti fornecidos pelo Center for Disease Control and Prevention de Porto Rico, Estados Unidos.
b) Amostra de ovos obtidos na área urbana do município de Itabuna/BA.
As exposições que ocorreram entre 1 e 60 dias mostram uma variação na mortalidade das larvas de Ae. aegypti nos recipientes não tratados: de 0,0 a 13,3% para a linhagem Rockefeller, e de 0,0 a 16,7% para a amostra de Itabuna. Em relação às pupas provenientes dos recipientes não tratados, a mortalidade variou de 0,0 a 8,4% para a linhagem Rockefeller e de 0,0 a 1,6% para a população de Itabuna. Quanto ao percentual de emergência de insetos adultos nos recipientes não tratados, houve uma variação de 78,3 a 97,8% para Rockefeller e de 81,7 a 100,0% para Itabuna (Tabela 3).
Os três produtos avaliados, Mosquiron Ready 5 ME® (novaluron), Sumilarv® (pyriproxyfen) e Natular DT® (spinosad), aplicados nas doses recomendadas pelos fabricantes em condições de campo simulado, foram eficazes na inibição da emergência dos adultos de Ae. aegypti. Para o larvicida Sumilarv® (população de Itabuna), foi estimado que, no 57º dia (intervalo de confiança [IC]: 52;64), a inibição na emergência de adultos foi de 80,0%; para os demais tratamentos, o percentual de inibição de emergência variou de 89,5 a 100,0% ao longo dos 60 dias (Tabela 4), não tendo sido observada diferença estatística significativa na ação dos três larvicidas (tratamentos) para a linhagem Rockefeller (p=0,451), ou na ação desses produtos sobre a população de Itabuna (p=0,412); tampouco houve diferença significativa entre a população de Ae. aegypti de Itabuna e a linhagem Rockefeller (p<0,05).
Exposição (em dias) | Percentuais médios de morte/inibição da emergência de insetos adultos (%) | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
Rockefellera | Itabunab | |||||
Natular® | Mosquiron® | Sumilarv® | Natular® | Mosquiron® | Sumilarv® | |
1 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 97,9 |
15 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 |
30 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 |
45 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 95,0 | 100,0 | 95,0 |
60 | 99,9 | 100,0 | 95,7 | 89,5 | 96,5 | 75,4 |
a) Ovos oriundos de cepas susceptíveis (Rockefeller) de Ae. aegypti fornecidos pelo Center for Disease Control and Prevention de Porto Rico, Estados Unidos.
b) Amostra de ovos obtidos na área urbana do município de Itabuna/BA.
Para os produtos Natular DT® e Mosquiron®, a mortalidade em ambas as populações estudadas (Rockefeller e Itabuna) ocorreu, predominantemente, no estádio de larva. Em relação à população de Itabuna, observou-se que o Natular DT® e o Mosquiron® apresentaram percentual de mortalidade na fase larval de 98,8% e 97,9%, respectivamente, enquanto para a linhagem Rockefeller, a mortalidade na fase de larva foi de 99,7% para o Natular DT® e de 100,0% para o Mosquiron®. Para o produto Sumilarv®, a mortalidade foi maior na fase de pupa, em ambas as populações (Tabela 5).
População | Natular DT® | Mosquiron® | Sumilarv® | |||
---|---|---|---|---|---|---|
Larva % | Pupa % | Larva % | Pupa % | Larva % | Pupa % | |
Rockefellera | 99,7 | 0,3 | 100,0 | 0,0 | 2,1 | 97,9 |
Itabunab | 98,8 | 1,3 | 97,9 | 2,1 | 4,9 | 95,1 |
a) Ovos oriundos de cepas susceptíveis (Rockefeller) de Ae. Aegypti fornecidos pelo Center for Disease Control and Prevention de Porto Rico, Estados Unidos.
b) Amostra de ovos obtidos na área urbana do município de Itabuna/BA.
Discussão
Os três larvicidas testados neste trabalho mostraram-se eficazes no controle de Ae. aegypti. Entretanto, uma evidência em relação ao pyriproxifen deve ser considerada: o produto age, quase exclusivamente, na fase pupal do inseto. Esta particularidade deve significar um alerta para o Ministério da Saúde, no sentido de a instituição repensar a utilização do pyriproxifen como larvicida para o controle da espécie, uma vez que as ações de combate ao vetor adotam a fase larval do inseto como indicador de infestação. Além disso, o uso continuado e indiscriminado de inseticidas em concentrações não adequadas tem provocado a seleção de populações de insetos vetores resistentes, causando dificuldades para o controle da transmissão de patógenos.18 Vários estudos têm demonstrado a resistência de populações de Ae. aegypti a inseticidas, dificultando o controle das arboviroses.7,9,10
A amostra representativa de ovos de Ae. aegypti coletados no município de Itabuna, e a regularidade dos parâmetros de temperatura e pH ao longo dos testes de exposição, contribuíram para as análises e consistência dos resultados. O parâmetro de validação do ensaio mostrou que a mortalidade nos recipientes não tratados foi inferior a 20% em todas as semanas de exposição, demonstrando condições adequadas de manutenção dos experimentos. Isto porque, de acordo com o critério proposto pelo método de Abbott, mortalidade de larvas superior a 20% é um resultado indicativo de manipulação do teste e, como decorrência, de sua inviabilização. O percentual de mortalidades entre 5,0 e 19,9 nos recipientes-controle é indicativo de correção, segundo o mesmo método. No presente estudo, em apenas duas condições para larvas em recipientes não tratados, no 1o e aos 60 dias, da linhagem Rockfeller e da população de Itabuna respectivamente, houve a necessidade de realizar a correção pelo método de Abbott.
A eficácia dos três produtos alternativos - Mosquiron Ready 5 ME®, Sumilarv® e Natular DT® -, sem diferença estatística entre eles (p=0,412) para o controle do Ae. aegypti, confirma resultados de outros estudos.19-22 O achado é importante: os três larvicidas alternativos testados estão presentes na lista de produtos passíveis de serem adquiridos pela Secretaria de Vigilância em Saúde/Ministério da Saúde, enquanto alternativas a outros inseticidas químicos utilizados pelos programas de controle de doenças de transmissão vetorial, que, dada sua toxicidade, podem afetar organismos não alvos e o meio ambiente.
Os resultados obtidos mostraram que os larvicidas testados apresentaram um efeito residual adequado. Esta informação pode ser útil para estudos adicionais em campo, pois é possível que as condições dos testes (local sombreado, recipiente de plástico) tenham contribuído para a não degradação e biodisponibilidade do produto.23
O efeito residual do pyriproxyfen (Sumilary®), do novaluron (Mosquiron Ready 5 ME®) e do spinosad (Natular DT®) declinou entre 45 e 60 dias. Neste estudo, o efeito residual do pyriproxyfen declinou a partir de 45 dias, sendo condizente com o observado por autores em Minas Gerais.22 Do mesmo modo, os efeitos residuais do Mosquiron Ready 5 ME® e do Natular DT® obtidos assemelham-se aos achados de outros estudos, segundo os quais a eficácia dos larvicidas teve a duração de 6 a 8 semanas.20,21
Nas populações Rockfeller e Itabuna, a ação do pyriproxyfen ocorreu notadamente na fase de pupa, com mortalidade de 97,9% e 95,1%, respectivamente, enquanto a mortalidade das larvas foi de 2,1% e 4,9%. O impedimento de emergência do Aedes adulto, provocado pelo pyriproxyfen, tem como mecanismo de ação a inibição do desenvolvimento de características do inseto adulto (asas, maturação dos órgãos reprodutivos e genitália externa),24 agindo quase que exclusivamente em fase pupal. Resultado similar foi encontrado por Braga et al. (2005), em seu estudo realizado em laboratório, onde observaram uma mortalidade maior de pupas de Ae. aegypti.19
Os resultados obtidos neste trabalho, mediante simulação das condições de campo, apresentam suas limitações. Seria valioso aprofundar estas análises com um trabalho desenvolvido diretamente no campo. Fatores bióticos e abióticos podem influenciar no desenvolvimento do ciclo biológico do inseto: por exemplo, sabe-se que competição larval intra e interespecífica, ou variações atmosféricas como temperatura, pluviosidade e luminosidade, podem flutuar no campo de tal maneira que sua reprodutibilidade não seja integralmente alcançada pelos experimentos de simulação.25 No sentido de minimizar essas limitações, ao longo do estudo, foram realizadas trocas de água, para simular as chuvas e/ou sistemas de abastecimento de água; também foram mantidas a periodicidade de luz (dia e noite) e a temperatura ambiente.
Embora torne as pupas inviáveis para se transformarem em adultos alados, o pyriproxyfen permite uma falsa impressão de positividade nos recipientes tratados, pois as larvas, ao permanecerem vivas, podem sugerir índices equivocados de infestação do Ae. aegypti, comprometendo o direcionamento das ações de controle: no Brasil, as taxas de infestação de Ae. aegypti são medidas por índices larvários.
Este estudo conclui que os produtos testados são eficazes para o controle de Ae. aegypti. Não obstante, seus autores recomendam o uso preferencial de larvicidas que atuem notadamente na fase larval, que seu efeito residual acompanhe o período do ciclo de visitas dos agentes, que não acarretem dificuldade operacional e tenham baixo impacto ambiental.