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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.28 no.2 Brasília jun. 2019  Epub 27-Jun-2019

http://dx.doi.org/10.5123/s1679-49742019000200005 

ARTIGO ORIGINAL

Prevalência da prática de bullying referida por estudantes brasileiros: dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, 2015

Prevalencia de la práctica de acoso escolar por estudiantes brasileños: datos de la Investigación Nacional de Salud del Escolar, 2015

Jorge Luiz da Silva (orcid: 0000-0002-3727-8490)1  , Wanderlei Abadio de Oliveira (orcid: 0000-0002-3146-8197)2  , Flávia Carvalho de Malta Mello (orcid: 0000-0001-5019-8316)3  , Rogério Ruscitto do Prado (orcid: 0000-0003-1038-7555)4  , Marta Angélica Iossi Silva (orcid: 0000-0002-9967-8158)3  , Deborah Carvalho Malta (orcid: 0000-0002-8214-5734)5 

1Universidade de Franca, Pós-Graduação em Promoção de Saúde, Franca, SP, Brasil

2Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, SP, Brasil

3Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Ribeirão Preto, SP, Brasil

4Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina, São Paulo, SP, Brasil

5Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Enfermagem, Belo Horizonte, MG, Brasil

Resumo

Objetivo:

identificar a prática de bullying referida por estudantes brasileiros, segundo o sexo, a idade e a localização geográfica.

Métodos:

estudo transversal, estruturado em duas amostras nacionais da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) de 2015; participaram do estudo 102.301 estudantes, amostra nacionalmente representativa; a coleta de dados ocorreu mediante questionário autoaplicável.

Resultados:

a prevalência de prática de bullying foi de 19,8% (IC95% - 19,2;20,3), com maior ocorrência na região Sudeste do país (22,2% - IC95% 21,1;23,4) e no estado de São Paulo (24,2% - IC95% 22,3;26,2), embora a cidade com maior prevalência tenha sido Boa Vista (25,5% - IC95% 22,9;28,1), capital do estado de Roraima; meninos (24,2% - IC95% 23,4;25,0) praticaram mais bullying que meninas (15,6% - IC95% 14,9;16,2), assim como os estudantes mais jovens, de 13 a 15 anos (22,0% - IC95% 20,4;23,6).

Conclusão:

observou-se maior prática referida de bullying por adolescentes da região Sudeste, indivíduos do sexo masculino, e entre os mais jovens.

Palavras-chave: Bullying; Serviços de Saúde Escolar; Saúde do Adolescente; Estudos Transversais

Resumen

Objetivo:

identificar la práctica de acoso escolar por estudiantes brasileños, según sexo, edad y localización geográfica.

Métodos:

estudio transversal, estructurado en dos muestras nacionales de la Investigación Nacional de Salud del Escolar (PeNSE) de 2015; participaron del estudio 102.301 estudiantes, muestra nacionalmente representativa; la recolección de datos ocurrió mediante cuestionario autoaplicable.

Resultados:

la prevalencia de la práctica de acoso fue del 19,8% (IC95% 19,2;20,3), con mayor incidencia en la región Sudeste del país (22,2% - IC95% 21,1;23,4) y en el Estado de São Paulo (24,2% - IC95% 22,3;26,2), aunque la ciudad con mayor prevalencia fue Boa Vista (25,5% - IC95% 22,9;28,1), capital del Estado de Roraima; los niños (24,2% - IC95% 23,4;25,0) practicaron más acoso que las niñas (15,6% - IC95% 14,9;16,2), así como los estudiantes más jóvenes, de 13 a 15 años (22,0% - IC95% 20,4;23,6).

Conclusión:

se observó mayor práctica de acoso moral por adolescentes de la región Sudeste, de sexo masculino, y entre los más jóvenes.

Palabras clave: Acoso Escolar; Servicios de Salud Escolar; Salud del Adolescente; Estudios Transversales

Introdução

O bullying é um problema generalizado em escolas de todo o mundo.1,2 Trata-se de uma violência intencional e repetitiva, praticada por um ou mais estudantes e dirigida a outros, manifestando uma relação de desigualdade de poder.2,3 O bullying exerce efeito negativo sobre a escolarização, a saúde e o desenvolvimento psicossocial, atingindo, além de suas vítimas, dos próprios agressores e das testemunhas.4-6 Essas agressões podem ser praticadas de forma reativa, como defesa contra alguma provocação ou agressão sofrida, ou de forma proativa, como uma ação deliberada e planejada, com o propósito de atingir algum objetivo, não necessitando de estímulos para se efetivar.7

A literatura indica que a presença de bullying modifica negativamente o clima escolar e transmite aos estudantes presentes uma sensação de insegurança e de desorganização institucional da escola.8 Em contextos assim caracterizados, também é possível que os estudantes não envolvidos passem a agredir colegas como forma de autoproteção - agressão reativa - ou para não serem identificados como vítimas potenciais - agressão proativa -, fazendo com que as situações de bullying se reproduzam.9 A exposição ao bullying ainda pode estimular a crença de que o comportamento agressivo constitui uma maneira aceitável e eficaz de alcançar determinados objetivos, além de insensibilizar os alunos acerca dos efeitos emocionais dessa forma de violência.10 Medidas destinadas a seu enfrentamento e prevenção devem ser instituídas nas escolas, para se evitar que a agressão seja normatizada nas interações entre os estudantes.11

Desde as investigações pioneiras sobre bullying desenvolvidas por Dan Olweus na década de 1970, na Suécia e na Noruega, a literatura tem demonstrado o interesse pelo fenômeno, em estudos desenvolvidos por pesquisadores de diferentes países.8 No Brasil, entretanto, as investigações sobre o tema tiveram maior impulso a partir de 2010.12 A literatura nacional indica uma convergência de abordagem das vítimas, havendo poucas investigações direcionadas aos agressores, ou exclusivamente a eles.5,12 Ainda mais raros são os estudos realizados com amostras representativas, ou nacionalmente representativas.

O presente estudo objetivou identificar a prática de bullying referida por estudantes brasileiros, segundo o sexo, a idade e a localização geográfica.

Métodos

A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) consiste de um inquérito cujo objetivo é mapear os comportamentos de risco e proteção relacionados à saúde dos estudantes brasileiros do ensino fundamental e do ensino médio. A PeNSE é realizada pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em parceria com o Ministério da Saúde.

Na edição da PeNSE 2015, foram coletadas informações com base em duas amostras de estudantes. A amostra 1 representou os alunos do 9º ano do ensino fundamental, e a Amostra 2, alunos do 6º ao 9º ano do ensino fundamental e do 1º ao 3º ano do ensino médio.

Para composição da amostra 1, foram selecionadas as escolas públicas e privadas que informaram, no Censo Escolar 2013, atender a alunos do 9º ano do ensino fundamental na faixa etária dos 13 aos 15 anos. Foram excluídas do cadastro de seleção as turmas com menos de 15 alunos matriculados no 9º ano em 2013, e as do período noturno. A amostra 1 representa alunos do 9º ano de escolas públicas e privadas, localizadas nas capitais das 27 Unidades da Federação (UFs) distribuídas entre as cinco grandes regiões do Brasil (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste). Os critérios para inclusão no estudo foram: (i) ser um estudante devidamente matriculado no 9º ano do ensino fundamental; (ii) estar presente no dia da coleta de dados; e (iii) concordar em participar da pesquisa.

A amostra 2 representa alunos de 13, 14, 15, 16 e 17 anos, matriculados em escolas públicas e privadas do 6º ao 9º ano do ensino fundamental e do 1º ao 3º ano do ensino médio. Na amostra 2, também foram incluídos municípios-capitais das 27 UFs das cinco regiões. Mais detalhes das amostras 1 e 2 podem ser consultados em outra publicação.13

A coleta de dados ocorreu entre os meses de abril e setembro de 2015, utilizando-se um mesmo questionário para as amostras 1 e 2. Esse questionário foi aplicado de forma coletiva nas escolas, durante o horário de aula. Agentes do IBGE devidamente treinados administraram a aplicação do instrumento, instalado em smartphones, composto por módulos temáticos que variavam em número de questões. Os estudantes recebiam as orientações necessárias para responder às questões. O tempo médio gasto nas respostas era de 50 minutos. A mensuração do bullying praticado foi obtida da seguinte questão proposta aos estudantes:

Nos últimos 30 dias, você esculachou, zombou, mangou, intimidou ou caçoou algum de seus colegas da escola tanto que ele ficou magoado, aborrecido, ofendido ou humilhado?

As respostas a esta pergunta foram classificadas em uma de duas categorias: ‘não’ (nunca, raramente, às vezes); ou ‘sim’ (a maior parte do tempo, sempre).

Os dados das amostras 1 e 2 foram analisados a partir do cálculo da prevalência da variável ‘praticar bullying’ e seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%), segundo o sexo, as regiões geográficas do país, as UFs e suas respectivas capitais. As análises foram realizadas com o uso do aplicativo SAS (Statistical Analysis Software), considerando-se os ‘pesos’ das amostras.

A construção do peso amostral levou em conta os pesos das escolas, das turmas e dos alunos. O peso dos alunos foi corrigido pelo número de alunos da turma com questionários válidos, ou seja, aqueles que concordaram em participar da pesquisa e informaram sua idade e sexo. Os pesos amostrais possibilitaram estimar o número de alunos matriculados que frequentavam as aulas.

O projeto da pesquisa recebeu dispensa de apresentação de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado pelos pais dos estudantes, uma vez que o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990) prevê autonomia do adolescente para tomar iniciativas, como responder a um questionário que não ofereça risco a sua saúde e tenha como objetivo claro subsidiar políticas de proteção à saúde para essa faixa etária. Em atendimento às recomendações da Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) no 466, de 12 de dezembro de 2012, o projeto foi submetido à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e aprovado, conforme o Parecer nº 1.006.467, de 30 de março de 2015. As Secretarias de Estado e Municipais de Educação e a direção de cada escola também autorizaram a realização da pesquisa. Um Termo de Assentimento foi apresentado na página de entrada do aplicativo, instalado no smartphone pelo qual seria respondido o questionário. Participaram da pesquisa todos os estudantes que, voluntariamente, decidiram contribuir com suas respostas. Os resultados são apresentados a seguir.

Resultados

Na amostra 1, participaram 102.301 estudantes, 85,2% do total de 120.122 indivíduos elegíveis para o estudo. Os participantes pertenciam a 4.159 turmas de 9º ano do ensino fundamental de 3.040 escolas, sendo 51,3% do sexo feminino e 88,6% com idades compreendidas entre 13 e 15 anos. A proporção de escolas públicas representadas foi de 88,6%; e de escolas privadas, 11,4%. Do segundo grupo amostral, participaram 10.926 estudantes de 652 turmas pertencentes a 380 escolas, sendo 50,3% do sexo masculino. A proporção representativa de escolas públicas foi de 87,1%; e de escolas privadas, 12,9%. Quanto à idade dos participantes, identificou-se a seguinte distribuição: 13 (19,7%), 14 (20,7%), 15 (21,6%), 16 (20,3%) e 17 anos (17,8%) (dados não apresentados em tabela).

Na Tabela 1, é apresentada a prevalência da prática de bullying a partir dos dados coletados da amostra 1, na faixa etária de 13 a 15 anos, representativos das grandes regiões do país, estados e Distrito Federal (UFs). A prevalência nacional de prática de bullying foi de 19,8% (IC95% 19,2;20,3), com maior ocorrência para o sexo masculino (24,2% - IC95% 23,4;25,0) em relação ao feminino (15,6% - IC95% 14,9;16,2). Os maiores percentuais foram identificados no Sudeste do Brasil (22,2% - IC95% 21,1;23,4), sendo pequena a variação da prática de bullying nos estados da região. O destaque entre as UFs ficou para o estado de São Paulo, com a maior prevalência nacional (24,2% - IC95% 22,3;26,2).

Tabela 1 - Prevalência da prática de bullying na amostra 1 segundo as cinco regiões, Unidades da Federação e Distrito Federal (n=102.301), Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), Brasil, 2015 

Regiões e Unidades da Federação Total Sexo
Masculino Feminino
% IC95% a % IC95% a % IC95% a
Norte 17,9 16,9;18,8 21,5 20,1;22,9 14,5 13,4;15,6
Rondônia 16,7 14,9;18,5 20,6 18,0;23,2 13,0 11,0;15,0
Acre 19,9 18,0;21,8 25,2 22,7;27,8 14,7 12,4;16,9
Amazonas 21,0 19,0;23,1 25,3 22,8;27,8 16,8 14,5;19,0
Roraima 22,8 21,0;24,7 24,9 22,3;27,6 20,7 18,2;23,1
Pará 16,0 14,2;17,8 19,2 16,5;21,9 13,1 11,1;15,2
Amapá 18,6 17,2;19,9 22,8 20,5;25,2 14,5 13,1;15,9
Tocantins 16,4 14,6;18,3 18,4 16,0;20,9 14,5 12,2;16,9
Nordeste 16,9 16,1;17,6 21,6 20,6;22,6 12,8 12,0;13,6
Maranhão 16,8 15,2;18,5 19,7 17,2;22,2 14,4 12,1;16,7
Piauí 14,0 12,8;15,3 17,3 15,2;19,4 11,2 9,6;12,8
Ceará 18,7 17,3;20,1 23,6 21,5;25,8 14,0 12,0;15,9
Rio Grande do Norte 14,8 13,4;16,2 19,5 17,4;21,5 10,8 9,2;12,3
Paraíba 17,9 16,4;19,3 22,3 20,3;24,3 14,3 12,5;16,0
Pernambuco 18,0 16,3;19,8 23,2 20,6;25,8 13,1 11,5;14,6
Alagoas 15,4 13,1;17,7 20,0 16,7;23,2 11,3 9,2;13,5
Sergipe 14,7 13,4;15,9 19,7 17,8;21,7 10,6 9,3;12,0
Bahia 16,5 14,2;18,7 22,1 19,2;25,0 12,1 9,9;14,4
Sudeste 22,2 21,1;23,4 26,4 24,8;28,0 18,1 16,7;19,5
Minas Gerais 20,2 18,4;21,9 25,7 23,3;28,1 14,8 12,7;16,9
Espírito Santo 20,2 18,3;22,1 25,5 22,7;28,3 15,3 13,1;17,4
Rio de Janeiro 19,8 18,4;21,2 22,2 20,3;24,1 17,7 15,7;19,7
São Paulo 24,2 22,3;26,2 28,1 25,4;30,9 20,2 17,8;22,6
Sul 18,9 17,9;19,9 23,8 22,3;25,3 14,1 12,7;15,4
Paraná 20,2 18,6;21,8 24,7 22,4;27,0 15,5 13,1;17,8
Santa Catarina 18,8 16,8;20,8 24,5 21,4;27,6 13,9 11,9;16,0
Rio Grande do Sul 17,0 15,4;18,7 21,8 19,2;24,3 12,3 9,9;14,7
Centro-Oeste 20,2 19,2;21,1 25,0 23,7;26,3 15,4 14,3;16,6
Mato Grosso do Sul 20,0 18,0;22,0 25,4 22,4;28,3 14,8 12,6;17,1
Mato Grosso 19,9 17,5;22,3 23,2 20,4;26,0 16,5 13,6;17,4
Goiás 18,6 17,4;19,9 23,6 21,5;25,7 13,6 11,9;15,2
Distrito Federal 23,6 21,5;25,7 29,7 27,0;32,5 18,2 15,5;20,9
Brasil 19,8 19,2;20,3 24,2 23,4;25,0 15,6 14,9;16,2

a) IC95%: intervalo de confiança de 95%.

Nota: As estimativas apresentadas foram corrigidas para pesos amostrais.

Ainda sobre as regiões, os menores percentuais foram encontrados no Norte (17,9% - IC95% 16,9;18,8) e Nordeste (16,9% - 16,1;17,6), regiões onde a prática de bullying variou de 14,0% no estado do Piauí (IC95% 12,8;15,3) a 22,8% em Roraima (IC95% 21,0;24,7), conforme apresenta a Tabela 1. Chama a atenção Roraima, onde a prática de bullying se mostrou similar à de São Paulo.

Na Tabela 2, também referente à amostra 1, encontram-se as prevalências de prática de bullying na faixa etária de 13 a 15 anos, nas capitais dos 26 estados brasileiros e em Brasília, Distrito Federal (n=51.303), com um percentual médio autorreferido de 20,5% (IC95% 19,7;21,2). Em relação ao sexo, foi identificada uma maior prevalência de bullying praticado por meninos (25,6% - IC95% 24,5;26,7). Considerando-se os dados totais, independentemente do sexo do praticante, o destaque ficou para Boa Vista (25,5% - IC95% 22,9;28,1), capital do estado de Roraima. O menor percentual foi encontrado em Palmas (16,6% - IC95% 14,5;18,7), capital do estado do Tocantins.

Tabela 2 - Prevalência da prática de bullying na amostra 1 segundo as capitais das Unidades da Federação e o Distrito Federal (n=51.303), Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), Brasil, 2015 

Capitais Total Sexo
Masculino Feminino
% IC95% a % IC95% a % IC95% a
Porto Velho 20,0 17,7;22,3 27,3 23,8;30,8 13,5 11,3;15,7
Rio Branco 21,4 18,8;24,0 27,3 23,8;30,8 15,7 12,7;18,7
Manaus 20,4 17,7;23,1 24,7 21,1;28,4 15,9 13,1;18,7
Boa Vista 25,5 22,9;28,1 28,2 24,3;32,1 22,8 19,5;26,1
Belém 16,8 15,0;18,7 20,5 17,7;23,3 13,4 11,1;15,7
Macapá 19,7 17,8;21,6 24,6 21,2;28,1 15,0 13,2;16,8
Palmas 16,6 14,5;18,7 20,9 17,0;24,7 12,9 10,5;15,2
São Luís 18,0 15,9;20,0 20,0 16,7;23,3 16,0 13,4;18,6
Teresina 17,2 15,4;18,9 21,4 18,1;24,7 13,4 11,3;15,6
Fortaleza 19,9 18,1;21,7 26,3 23,3;29,2 13,8 11,5;16,1
Natal 17,3 15,6;19,0 22,1 19,1;25,1 12,6 10,6;14,6
João Pessoa 18,5 16,6;20,5 23,9 21,2;26,6 13,7 11,3;16,2
Recife 17,7 15,5;19,8 22,9 19,8;25,9 13,0 10,9;15,0
Maceió 18,5 16,4;20,7 24,6 21,7;27,6 13,1 10,1;16,1
Aracaju 16,8 14,7;18,9 21,4 18,5;24,2 12,7 10,2;15,2
Salvador 17,3 15,4;19,3 20,6 18,0;23,2 14,6 12,1;17,1
Belo Horizonte 19,8 17,7;21,9 23,8 21,1;26,5 15,7 13,2;18,2
Vitória 21,0 18,5;23,4 23,8 20,8;26,8 18,3 15,5;21,0
Rio de Janeiro 19,9 17,7;22,1 23,7 20,9;26,6 16,6 13,8;19,4
São Paulo 23,0 20,6;25,3 29,1 25,8;32,5 16,7 14,0;19,4
Curitiba 19,4 17,9;21,0 26,4 23,5;29,3 12,6 10,4;14,8
Florianópolis 17,1 14,7;19,5 22,3 18,7;25,8 12,6 9,5;15,6
Porto Alegre 20,6 17,5;23,7 24,4 20,3;28,4 16,3 11,7;20,8
Campo Grande 20,1 17,5;22,6 25,5 21,5;29,6 14,7 12,0;17,3
Cuiabá 19,6 17,4;21,9 24,2 21,2;27,2 15,3 12,9;17,7
Goiânia 19,7 17,7;21,7 24,4 21,7;27,2 14,7 12,7;16,7
Brasília 23,6 21,5;25,7 29,7 27,0;32,5 18,2 15,5;20,9
Total 20,5 19,7;21,2 25,6 24,5;26,7 15,6 14,7;16,4

a) IC95%: intervalo de confiança de 95%.

Nota: As estimativas apresentadas foram corrigidas para pesos amostrais.

Observa-se que Boa Vista apresentou alta prevalência de bullying entre meninas (22,8 - IC95%19,5;26,1), não significativamente diferente dos meninos. Essa capital da região Norte referiu a maior frequência do país, significativamente diferente da prática de bullying feminino, por exemplo, referida pelas estudantes de Natal (12,6 - IC95% 10,6;14,6), Curitiba (12,6 - IC95% 10,4;14,8) e Florianópolis (12,6 - IC95% 9,5;15,6).

Entre os meninos, evidenciou-se maior prevalência de bullying em Brasília, Distrito Federal (29,7 - IC95% 27,0;32,5), bastante diferente da capital do Maranhão, São Luís, cuja prevalência foi a menor entre as cidades-sede dos estados brasileiros (20,0 - IC95% 16,7;23,3) (Tabela 2).

A Tabela 3, referente à amostra 2, constituída de estudantes do 6º ao 9º ano do ensino fundamental e do 1º ao 3º ano do ensino médio, apresenta a prevalência de prática de bullying pela idade e o sexo desses jovens, cujos dados foram consolidados por grandes regiões. O bullying foi mais praticado pelos estudantes de 13 a 15 anos, cuja prevalência para o Brasil foi de 22,0% (IC95% 20,4;23,6), em comparação com a prevalência de 17,7% (IC95% 16,2;19,3) dos escolares com 16 e 17 anos. Nas regiões Nordeste e Centro-Oeste, os alunos de 13 a 15 anos também relataram maior prevalência de bullying. Em relação ao sexo, os meninos de 13 a 15 anos praticaram mais bullying (26,8% - IC95% 24,4;29,2) que as meninas da mesma idade (17,0% - IC95% 15,4;18,5), em todas as regiões. Escolares mais velhos, de 16 e 17 anos, do sexo masculino, também praticaram mais bullying (23,5% - IC95% 21,4;25,9) do que escolares do sexo feminino na mesma idade (12,2% - IC95% 10,0;14,4), achado que se repetiu em todas as regiões.

Tabela 3 - Prevalência da prática de bullying na amostra 2 segundo a idade nas cinco regiões do Brasil (n=10.926), Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), Brasil, 2015 

Faixa etária Total Sexo
Masculino Feminino
% IC95% a % IC95% a % IC95% a
13 a 15 anos
Brasil 22,0 20,4;23,6 26,8 24,4;29,2 17,0 15,4;18,5
Norte 17,7 14,2;21,2 21,4 17,9;24,9 13,8 9,4;18,2
Nordeste 21,8 18,4;25,2 28,2 23,6;32,9 15,0 11,8;18,2
Sudeste 24,1 21,3;26,9 27,9 23,3;32,6 20,2 17,6;22,7
Sul 19,9 17,3;22,5 24,8 21,3;28,4 14,7 11,4;18,0
Centro-Oeste 20,5 18,0;23,0 25,6 21,4;29,8 15,4 13,0;17,9
16 e 17 anos
Brasil 17,7 16,2;19,3 23,5 21,0;25,9 12,2 10,0;14,4
Norte 17,9 13,8;22,0 25,2 18,7;31,6 9,5 5,0;14,0
Nordeste 15,2 12,1;18,3 19,8 15,7;24,0 10,5 6,4;14,7
Sudeste 19,3 16,6;22,0 25,0 20,2;29,7 14,2 10,2;18,2
Sul 19,4 16,1;22,8 26,7 21,9;31,6 12,5 8,8;16,2
Centro-Oeste 15,2 12,5;17,9 21,6 16,6;26,6 9,2 6,1;12,2

a) IC95%: intervalo de confiança de 95%.

Nota: As estimativas apresentadas foram corrigidas para pesos amostrais.

Discussão

O percentual de adolescentes que referiram praticar bullying (19,8% - IC95% 19,2;20,3) identificado na terceira edição da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, realizada em 2015, apresenta-se praticamente o mesmo em relação ao identificado na segunda edição da PeNSE, de 2012 (20,8% - IC95% 19,5;22,2), em amostra de 109.104 estudantes.4 A esse respeito, a possibilidade de comparação das prevalências de bullying entre ambas as edições constitui um grande avanço na investigação desse fenômeno no Brasil. Até então, a ausência de estudos nacionais com amostras representativas dificultava a comparação de resultados de pesquisas realizadas sobre amostras menores, ademais assinaladas por diferenças locais e regionais. Por exemplo, uma investigação com 5.300 estudantes de 87 escolas do estado de Minas Gerais identificou um percentual de jovens praticantes de bullying de 9,8%.14 Na cidade de Ribeirão Preto/SP, em uma amostra de 232 participantes, identificou-se um percentual de agressores de 17,4%.9 Outra pesquisa, esta realizada na cidade de Santa Maria/RS, com 95 estudantes, verificou que 24,2% da amostra selecionada se enquadravam no perfil de praticantes de bullying.15

Para além das influências envolvendo sexo, idade e local de residência dos estudantes, com poder de interferir na ocorrência de bullying,16 verificou-se neste estudo, nas diferenças existentes entre os estados e as capitais, a possibilidade de a prevalência também variar de acordo com a definição de bullying adotada, forma de coleta de dados (questionário, entrevista, indicação de pares, observação direta, etc.), ciclo escolar investigado (ensino fundamental ou médio) e/ou tipo de agressão praticada (física, verbal psicológica).9 A despeito das diferenças culturais, teóricas e metodológicas presentes nos estudos sobre bullying, a quantidade de estudantes brasileiros que, sistematicamente, agridem os colegas na escola é considerada alta, em comparação a outros países.

As características multiculturais e étnico-raciais presentes no território brasileiro podem corroborar as diferenças entre as regiões geográficas, como um marcador de vulnerabilidade para a ocorrência do bullying entre pares. Estudos apontam que minorias étnicas, diferenças regionais e socioeconômicas, raça/cor da pele, aparência física, comportamentos individuais, nível de desempenho escolar, aspectos religiosos, questões de gênero e orientação sexual são fatores preditores de situações de vitimização por bullying.17,18

Impõe-se considerar que o estabelecimento dessa relação implica questões culturais, sociais e outras, refletidas na dinâmica das relações na escola, na família e na sociedade. Nesse sentido, a desigualdade e a diversidade, as formas de convivência e (re)construção das relações se materializam na violência, exclusão e segregação do próximo ou daquele diferente de si.

Um estudo transnacional, realizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 40 países - não incluído o Brasil -, identificou uma taxa média de prática de bullying de 10,7%,2 quase metade da prevalência brasileira encontrada no presente estudo (19,8%), indicando o quão é importante a implementação de intervenções escolares destinadas à prevenção e ao enfrentamento do fenômeno na realidade nacional.

Em relação ao sexo, os dados apontaram que os meninos praticam mais bullying do que as meninas. Esta relação se observa no Brasil6,15 e em diferentes países, como por exemplo, Coreia do Sul,19 Espanha,20 Grécia21 e Reino Unido.22 Possivelmente, o resultado se justifique pelo fato de os meninos cultivarem estilos de interação mais agressivos com seus pares, e por exigências culturais relacionadas à imagem hegemônica de masculinidade, dominação e poder que os estimula a praticar e sofrer mais agressões.4,9

A idade é uma das variáveis mais estudadas em relação ao bullying. A literatura nacional e internacional indica que a probabilidade de ser um agressor apresenta um pico de ocorrência na transição escolar do quinto ao sexto ano (11-12 anos), e passa a diminuir com o avanço da idade.5 Os dados referentes à amostra 2 do presente estudo confirmaram as informações da literatura: a prática de bullying foi maior entre os estudantes mais novos, a partir do sexto ano escolar. Uma possível explicação para esse resultado estaria no transcurso da adolescência, quando determinados tipos de agressão, como a física, são menos aceitáveis socialmente, pelos pares ou autoridades escolares.23 Assim, mesmo que os estudantes mais velhos possuam maior desenvolvimento físico, as agressões por eles praticadas costumam ser interpretadas como de maior gravidade, situando-os como mais propensos a rejeição pelos pares e punição pelas autoridades escolares. Por sua vez, o maior desenvolvimento cognitivo e a melhoria das habilidades sociais nos estudantes mais velhos podem facilitar sua socialização com os colegas, e a elaboração de estratégias mais adequadas de resolução de conflitos, em vez de se utilizar de agressão reativa, por exemplo.5,9

Conforme indicam os resultados apresentados pelos autores deste relato, suas principais conclusões são de que a prevalência de prática de bullying no Brasil se coloca acima da média mundial, com diferenças regionais (maior prevalência na região Sudeste), demarcadas pela diversidade social e econômica do país. Majoritariamente praticado por meninos de 13 a 15 anos, o bullying é uma realidade nas escolas brasileiras: além de impactar negativamente a escolaridade, a saúde e a qualidade de vida de crianças e adolescentes,24 esse comportamento não faz distinção de sexo - embora os meninos sejam mais associados a ele -, idade ou diferenças culturais/regionais. Por se apresentar universalmente distribuído, o conhecimento e a investigação das principais características do bullying também devem ser do interesse da área da Saúde, cujos profissionais podem, a partir destas informações, planejar e implementar estratégias de prevenção e redução de sua ocorrência. O contexto escolar, onde os estudantes exercitam sua consciência de mundo, subjetividade e autonomia, mostra-se como lócus privilegiado para ações de promoção da saúde e combate à violência.9

É importante reconhecer e contextualizar a atuação dos profissionais da saúde, sua relação com a sociedade, a saúde coletiva e o ambiente escolar nos dias atuais, de maneira a viabilizar um compromisso e um agir diante do quadro de violência, do qual as situações de bullying são um exemplo cada vez mais presente e frequente na escola. A partir de um cuidado integral, sob uma perspectiva intersetorial e interdisciplinar, articulado pela Atenção Básica do Sistema Único de Saúde (SUS) com a contribuição das competências e especificidades de outras áreas, como Educação, Assistência Social e Psicologia, o profissional enfermeiro pode definir possibilidades de atuação educativa, na promoção da saúde na escola, com o objetivo de minimizar e prevenir o bullying. Tal perspectiva se realiza na ação, atitude e envolvimento cotidiano da equipe e dos serviços de assistência, na diversificação e otimização das formas de interação ‘eu-outro’ e no ‘enriquecimento dos horizontes de saberes e fazeres’ em saúde.25

Melhorias na qualidade das interações sociais dos escolares podem representar um estímulo ao estabelecimento de uma cultura de prevenção da violência e promoção de uma cultura de paz, visando: (i) à redução da ocorrência de bullying e seus impactos à saúde física e mental; e (ii) a uma melhor qualidade de vida para as crianças e adolescentes no ambiente escolar, tal como proposto pelo Programa Saúde na Escola (PSE).26 Mais além da diretriz do PSE, a literatura internacional tem reforçado a necessidade da inserção de profissionais da Saúde na escola, seja em pesquisa, seja em ações de promoção do bem-estar psicossocial dos estudantes. Combinada a essas medidas, é oportuna a disseminação de uma mensagem unificada de enfrentamento do bullying.27 O modelo de atenção à saúde, frente às situações de violência e bullying na escola, necessita de profissionais que ampliem seus conhecimentos, apropriando-se de novas teorias e práticas capazes de responder ao desafio e compromisso técnico e ético de garantir equidade, proteção e melhor qualidade de vida na infância e adolescência, seja na internalidade das unidades de saúde, seja no contexto da escola.28

A pesquisa em tela não representa o comportamento de adolescentes fora da escola, o que significaria uma limitação do estudo, objeto a ser explorado em novas investigações pela área da Saúde. Trata-se de estudo transversal, o que condiciona o estudo de uma relação de temporalidade e causalidade entre as variáveis consideradas. Outras variáveis associadas ao evento tampouco foram incluídas, podendo ser contempladas em outras investigações epidemiológicas de caráter nacional. Futuras pesquisas também podem se utilizar de instrumentos diversos, validados para coleta de dados sobre bullying.

Apesar dessas limitações, espera-se que os resultados conseguidos com este estudo proporcionem uma melhor compreensão da prevalência e das especificidades da prática de bullying em diferentes regiões do território nacional; e reforcem a necessidade de as escolas diagnosticarem, previrem e enfrentarem o bullying, e a possibilidade de parceria com equipes de saúde em atuação intersetorial, de modo a se promover e estimular comportamentos não violentos entre os estudantes brasileiros.

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Recebido: 02 de Julho de 2018; Aceito: 24 de Fevereiro de 2019

Endereço para correspondência: Wanderlei Abadio de Oliveira - Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Av. Bandeirantes, no 3900, Sala 75, Monte Alegre, Ribeirão Preto, SP, Brasil. CEP: 14040-900 E-mail: wanderleio@us.br; wanderleio@hotmail.com

Contribuição dos autores

Silva JL coordenou o grupo de trabalho, contribuiu na concepção, análise e interpretação dos dados, elaborou o texto-base e final do manuscrito. Oliveira WA coordenou as discussões sobre o estudo e realizou revisão crítica do manuscrito. Mello FCM e Silva MAI contribuíram na análise, interpretação dos dados e revisão crítica do manuscrito. Prado RR foi responsável pela análise estatística dos dados. Malta DC orientou a investigação, contribuiu na análise, interpretação e revisão crítica dos dados do estudo. Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito e declaram ser responsáveis por todos os aspectos do trabalho, garantindo sua precisão e integridade.

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