Introdução
As doenças cardiovasculares constituem uma das principais causas de mortalidade no mundo, tendo sido responsáveis por 17,9 milhões das mortes em 2016. Naquele ano, as doenças que afetam o coração ou os vasos sanguíneos corresponderam a 28% das mortes por doenças crônicas não transmissíveis, no Brasil.1 Estudos no país2,3 e internacionais4,5 apontam aumento na ocorrência de fatores de risco entre crianças e adolescentes. Esse aumento está associado ao desenvolvimento precoce de doenças crônicas onerosas, tais como doença coronariana, insuficiência cardíaca, diabetes e doença renal crônica.1,6
Em 2008, resultados preliminares de estudo de coorte desenvolvido com crianças e adolescentes brasileiros já direcionavam para um crescimento na prevalência de comportamentos sedentários, obesidade, sobrepeso e baixos níveis de colesterol de lipoproteína de alta densidade (HDL-c).7 Associações entre comportamentos de estilo de vida modificáveis e fatores de risco cardiometabólico na população infanto-juvenil são descritas em numerosas pesquisas.8 A despeito das evidências, nem todas as crianças e adolescentes adotam os níveis recomendados para comportamentos positivos de saúde, sendo observadas condutas prejudiciais; por exemplo, baixa ou ausente participação em atividades físicas no lazer, maior tempo dedicado aos comportamentos sedentários, associado ao maior tempo de uso de tela - de atenção na tela da TV/computador/telefone -, e elevado consumo de alimentos ultraprocessados.8,9 Mais de 80% dos adolescentes norte-americanos de 12 a 19 anos encontram-se abaixo das recomendações ideais para uma alimentação saudável.9 Dados internacionais também revelaram níveis insuficientes de prática de atividade física diária em mais de 80% dos adolescentes de 13 a 15 anos.10
Dados do Health Behaviour of School-Aged Children 2013/2014, estudo patrocinado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a saúde de 219.810 jovens de 42 países da Europa e América do Norte, acrescentam que não apenas padrões de comportamento, senão também aspectos do contexto socioeconômico, como renda familiar, nível educacional, convivência familiar com os pares e na escola, residir com os pais, além de sexo e idade, podem influenciar o nível de saúde dos adolescentes. O estudo da OMS mostrou que geralmente, circunstâncias sociais desfavoráveis e aumento da idade são fatores associados ao risco aumentado de comportamentos de risco à saúde, incluindo hábitos dietéticos inadequados, menor cumprimento das recomendações para prática de atividade física, consumo de cigarro e bebida alcoólica. Esses comportamentos se diferenciam quanto ao sexo: meninas são mais propensas a menor prática de atividade física, enquanto meninos apresentam maior tendência para adquirir hábitos alimentares menos saudáveis, uso de tela, consumo de cigarro e álcool. Os autores também chamam a atenção para a escassez de pesquisas dessa natureza e destacam a importância de investigar determinantes socioeconômicos de saúde em diferentes contextos.11
No Brasil, em atendimento às recomendações da OMS, o Ministério da Saúde, em parceria com o Ministério da Educação e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), desenvolveu a Pesquisa Nacional da Saúde do Escolar (PeNSE), com o intuito de avaliar e monitorar aspectos da saúde de escolares brasileiros, além de fornecer informações aos gestores e profissionais de saúde para a elaboração de políticas de saúde específicas para esses adolescentes. Trata-se de um inquérito trienal, iniciado em 2009, cuja edição mais recente aconteceu em 2015.12
Pesquisas como a PeNSE permitem monitorar comportamentos de risco adotados por crianças e adolescentes e identificar, precocemente, a exposição a fatores que podem influenciar negativamente sua situação de saúde e, consequentemente, sua qualidade de vida. Todavia, são escassos os estudos nacionais voltados à análise detalhada da relação entre aspectos sociodemográficos e comportamentos de risco à saúde cardiovascular de adolescentes brasileiros, o que permitiria a recomendação de medidas estratégicas mais eficazes para a promoção da saúde dessa população.
O presente estudo objetivou analisar fatores sociodemográficos associados aos comportamentos de risco à saúde cardiovascular de adolescentes brasileiros com 13 a 17 anos de idade.
Métodos
Estudo com delineamento transversal analítico, utilizando dados da terceira edição da PeNSE, realizada em 2015 pelo IBGE em parceria com o Ministério da Saúde. A PeNSE 2015 possui duas amostras distintas: Amostra 1, composta por escolares cursando o 9º ano do ensino fundamental; e Amostra 2, por escolares de 13 a 17 anos de idade, frequentando o 6º ano do ensino fundamental até a 3ª série do ensino médio. Em ambas as amostras, incluíram-se apenas alunos do ensino regular, de escolas públicas e privadas, nas zonas urbanas e rurais de todo o território brasileiro.12,13 Neste artigo, utilizaram-se dados da Amostra 2.
Utilizou-se amostragem de conglomerados em dois estágios, a partir do cadastro do Censo Escolar 2015. Visando estimar indicadores para os escolares de 13 a 17 anos, foi comparada a distribuição dessa população por idade em cada estrato geográfico no qual se encontrava matriculado o jovem. Realizou-se a calibração dos pesos por idade e macrorregião nacional, perfazendo uma amostra representativa das cinco grandes regiões brasileiras - Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste -, das 26 capitais dos estados brasileiros e do Distrito Federal; e de municípios selecionados, entre os demais. Os cálculos amostrais estimaram um erro máximo aproximado de 3 pontos percentuais, em valor absoluto, no nível de confiança de 95%, considerando-se uma prevalência (proporção) da ordem de 0,5 (ou 50%).2,13
Os dados foram coletados entre abril e setembro de 2015, por meio de questionário eletrônico preenchido em sala de aula pelos escolares, utilizando-se smartphones para o registro automático das informações. Também foram medidos peso e altura de cada um, para cálculo do índice de massa corporal (IMC).12,13
A seguir, são descritas as variáveis dependentes estudadas (comportamentos de risco), seus indicadores e respectivas perguntas:
a) Consumo de alimento não saudável
- Consumo regular de guloseimas: consumo de guloseimas em cinco dias ou mais, nos sete dias anteriores à pesquisa.
Resposta à pergunta: “Nos últimos sete dias, em quantos dias você comeu guloseimas (doces, balas, chocolates, chicletes, bombons ou pirulitos)?”
- Consumo regular de salgados fritos: consumo de salgados fritos em cinco dias ou mais nos sete dias anteriores à pesquisa.
Resposta à pergunta: “Nos últimos sete dias, em quantos dias você comeu salgados fritos? Exemplo: batata frita (sem contar a batata de pacote) ou salgados fritos como coxinha de galinha, quibe frito, pastel frito, acarajé etc.”
- Consumo regular de refrigerantes: consumo de refrigerantes em cinco dias ou mais nos sete dias anteriores à pesquisa.
Resposta à pergunta: “Nos últimos sete dias, em quantos dias você tomou refrigerante?”
- Consumo regular de alimentos industrializados/ultraprocessados: consumo de alimentos industrializados/ultraprocessados em cinco dias ou mais nos sete dias anteriores à pesquisa.
Resposta à pergunta: “Nos últimos sete dias, em quantos dias você comeu alimentos industrializados/ultraprocessados salgados, como hambúrguer, presunto, mortadela, salame, linguiça, salsicha, macarrão instantâneo, salgadinho de pacote, biscoitos salgados?”
- Consumo regular de alimentos em restaurante fast-food: consumo de alimentos em restaurante fast-food em cinco dias ou mais nos sete dias anteriores à pesquisa.
Resposta à pergunta: “Nos últimos sete dias, em quantos dias você comeu em restaurantes fast-food, tais como lanchonetes, barracas de cachorro-quente, pizzaria etc.?”
b) Inatividade ou baixo nível de atividade física: realização de atividades físicas por pelo menos 60 minutos em menos de cinco dias (até 299 minutos) nos sete dias anteriores à pesquisa, conforme classificação do International Physical Activity Questionnaire (IPAQ).14
Resposta à pergunta: “Nos últimos sete dias, em quantos dias você fez atividade física por pelo menos 60 minutos (1 hora) por dia? (Some todo o tempo que você gastou em qualquer tipo de atividade física em cada dia).”
c) Consumo de bebida alcoólica: experimentação de bebida alcoólica alguma vez na vida.
Resposta à pergunta: “Alguma vez na vida você tomou uma dose de bebida alcoólica? (Uma dose equivale a uma lata de cerveja ou uma taça de vinho ou uma dose de cachaça ou uísque etc.).”
d) Uso de cigarro: experimentação de cigarro alguma vez na vida.
Resposta à pergunta: “Alguma vez na vida, você já fumou cigarro, mesmo uma ou duas tragadas?”
As variáveis independentes (aspectos sociodemográficos) foram:
Sexo (masculino; feminino);
Idade (em anos: 13 a 15; 16 a 17);
Escolaridade da mãe (até o ensino fundamental incompleto [menos de 8 anos de estudo, incluindo-se as analfabetas]; ensino fundamental completo a maior [8 anos ou mais de estudo);
Com quantas pessoas reside (até 3; 4 ou mais);
Mora com o pai (sim; não); e
Mora com a mãe (sim; não);
Os dados coletados foram analisados no módulo survey do programa Stata versão 14.0, adequado para análise de dados de amostras complexas. A caracterização dos estudantes contemplou aspectos sociodemográficos e comportamentos de risco, apresentando-se prevalências (%) e respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%).
Consideraram-se como desfechos da presença dos comportamentos de risco à saúde cardiovascular: (i) consumo regular de alimento não saudável; (ii) inatividade ou baixo nível de atividade física; (iii) experimentação de cigarro; e (iv) experimentação de bebida alcoólica. Inicialmente, realizou-se a análise bivariável com o propósito de identificar associações entre cada um dos desfechos (comportamentos de risco à saúde cardiovascular) e cada aspecto sociodemográfico, mediante o teste do qui-quadrado de Pearson no nível de significância estatística de 5%. Posteriormente, realizou-se a análise multivariável, segundo a qual foi desenvolvido um modelo para cada desfecho. Cada modelo era composto por um comportamento de risco à saúde cardiovascular (desfecho) e todas as variáveis independentes (aspectos sociodemográficos). Os ajustes foram feitos mediante a inserção de todos os aspectos sociodemográficos (sexo; idade; escolaridade materna; mora com o pai; mora com a mãe; com quantas pessoas reside), independentemente do valor de p na análise bivariável. Em seguida, as variáveis com valor de p maior que 0,05 foram retiradas, uma por vez, do modelo construído para cada comportamento de risco, permanecendo apenas aquelas que apresentaram p valor <0,05. Utilizou-se a regressão de Poisson para o cálculo das razões de prevalência bruta (RP) e ajustada (RPa), com seus respectivos IC95%.
A PeNSE 2015 obteve aprovação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP)/Conselho Nacional de Saúde (CNS), sob o Parecer nº 1.006.467, de 30 de março de 2015. Todas as informações, tanto do aluno como da escola, foram confidenciais e não identificadas.12
Resultados
Na Amostra 2 da PeNSE 2015, participaram 16.608 escolares com 11 a 19 anos de idade. Com o intuito de fazer comparação com indicadores populacionais internacionais, os dados do presente estudo compreenderam apenas as informações fornecidas por escolares da faixa etária de 13 a 17 anos, o que perfez um total de 10.926 adolescentes investigados. As recusas e os questionários considerados inválidos, por falta de informações sobre sexo e idade, compreenderam 52 casos.
A maioria dos adolescentes era do sexo masculino (50,3% - IC95% 48,7;51,9), com idade de 13 a 15 anos (61,9% - IC95% 58,1;65,6), morava com a mãe (61,6% - IC95% 60,2;63,1) e/ou com o pai (88,4% - IC95% 87,5;89,3) e residia no domicílio com quatro pessoas ou mais (73,2% - IC95% 72,0;74,5). A distribuição da amostra segundo a escolaridade materna apontou que 67,3% (IC95% 64,9;69,7) dos estudantes referiram maiores níveis de escolaridade materna (do ensino fundamental completo a maior: 8 anos ou mais de escolaridade), embora 23,6% (IC95% 21,9;25,4) dos escolares não soubessem informar essa variável (Tabela 1).
Caracterização dos adolescentes escolares | %b | IC95% c |
---|---|---|
Aspectos sociodemográficos | ||
Sexo (n=10.926) | ||
Masculino | 50,3 | 48,7;51,9 |
Feminino | 49,7 | 48,1;51,3 |
Idade (em anos) (n=10.926) | ||
13-15 | 61,9 | 58,1;65,6 |
16-17 | 38,1 | 34,4;41,9 |
Mora com o pai (n=10.919) | ||
Sim | 88,4 | 87,5;89,3 |
Não | 11,6 | 10,7;12,5 |
Mora com a mãe (n=10.918) | ||
Sim | 61,6 | 60,2;63,1 |
Não | 38,4 | 36,9;39,8 |
Com quantas pessoas reside (n=10.916) | ||
Até 3 | 26,8 | 25,5;28,0 |
4 ou mais | 73,2 | 72,0;74,5 |
Escolaridade materna (em anos de estudo) (n=10.907) | ||
<8 | 32,7 | 30,3;35,1 |
≥8 | 67,3 | 64,9;69,7 |
Comportamentos de risco cardiovascular | ||
Consumo de salgados fritos nos últimos 7 dias (n=10.900) | ||
Nenhum dia | 31,0 | 29,8;32,1 |
1 a 4 dias | 55,2 | 53,9;56,4 |
5 dias ou mais | 13,9 | 13,0;14,8 |
Consumo de guloseimas nos últimos 7 dias (n=10.902) | ||
Nenhum dia | 10,9 | 10,2;11,7 |
1 a 4 dias | 48,5 | 47,3;49,8 |
5 dias ou mais | 40,6 | 39,3;41,8 |
Consumo de refrigerante nos últimos 7 dias (n=10.908) | ||
Nenhum dia | 17,6 | 16,7;18,6 |
1 a 4 dias | 55,2 | 53,9;56,4 |
5 dias ou mais | 27,2 | 26,1;28,4 |
Consumo de alimentos industrializados nos últimos 7 dias (n=10.894) | ||
Nenhum dia | 14,6 | 13,7;15,5 |
1 a 4 dias | 53,7 | 52,5;55,0 |
5 dias ou mais | 31,7 | 30,5;32,8 |
Consumo de alimentos em restaurantes fast-food nos últimos 7 dias (n=10.903) | ||
Nenhum dia | 52,9 | 51,6;54,1 |
1 a 4 dias | 41,6 | 40,3;42,8 |
5 dias ou mais | 5,6 | 5,0;6,2 |
Tempo total gasto em atividade física nos últimos 7 diasd (n=10.913) | ||
Até 299 minutos | 68,4 | 67,2;69,5 |
300 minutos ou mais | 31,6 | 30,5;32,8 |
Experimentação de cigarro alguma vez (n=10.910) | ||
Sim | 22,9 | 21,8;23,9 |
Não | 77,1 | 76,1;78,2 |
Experimentação de bebida alcoólica alguma vez (n=10.903) | ||
Sim | 59,2 | 58,0;60,4 |
Não | 40,8 | 39,6;42,0 |
a) PeNSE: Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar.
b) Estimativa corrigida para peso amostral e efeito de delineamento.
c) IC95%: intervalo de confiança de 95%.
d) Tempo total gasto em minutos pelos adolescentes em atividades físicas, nos sete dias anteriores à pesquisa, considerando-se os seguintes domínios: ir e voltar da escola; aulas de educação física; outras atividades extraescolares.
Quando analisados os comportamentos de risco à saúde cardiovascular, verificou-se que parcela considerável consumia guloseimas (40,6% - IC95% 39,3;41,8), alimentos industrializados/ultraprocessados (31,7% - IC95% 30,5;32,8) e refrigerantes (27,2% - IC95% 26,1;28,4) em cinco ou mais dias da semana. A maioria (68,4% - IC95% 67,2;69,5) informou até 299 minutos semanais de atividade física e experimentação de bebida alcoólica (59,2% - IC95% 58,0;60,4), enquanto menor proporção experimentou cigarro (22,9% - IC95% 21,8;23,9) alguma vez na vida (Tabela 1).
Nas análises brutas, observou-se que o consumo regular de guloseimas foi mais prevalente no sexo feminino (RP=1,32 - IC95% 1,22;1,43); o consumo regular de refrigerantes prevaleceu no sexo masculino (RP=1,15 - IC95% 1,04;1,28) e entre adolescentes com escolaridade materna de 8 anos ou mais de estudo (RP=1,15 - IC95% 1,02;1,29); o consumo regular de alimentos industrializados/ultraprocessados foi mais prevalente entre adolescentes com escolaridade materna de 8 anos ou mais (RP=1,24 - IC95% 1,11;1,38); e o consumo regular de alimentos em restaurante fast-food prevaleceu entre aqueles que não moravam com o pai (RP=1,34 - IC95% 1,00;1,79). Não foram verificadas associações entre consumo regular de salgados fritos e as variáveis independentes do estudo (Tabelas 2 e 3).
Variáveis | Hábitos alimentares não saudáveis | ||||
---|---|---|---|---|---|
%b | RPc (IC95% d) | pe | RPa,f (IC95% d) | pe | |
Guloseimas | |||||
Sexo | <0,001 | <0,001 | |||
Feminino | 45,3 | 1,32 (1,22;1,43) | 1,37 (1,25;1,50) | ||
Masculino | 33,5 | 1,00 | 1,00 | ||
Idade (em anos) | 0,932 | 0,030 | |||
13-15 | 39,1 | 1,00 | 1,11 (1,00;1,22) | ||
16-17 | 39,9 | 1,00 (0,92;1,09) | 1,00 | ||
Escolaridade materna (em anos de estudo) | 0,051 | ||||
<8 | 36,6 | 1,09 (0,99;1,21) | - | ||
≥8 | 40,0 | 1,00 | - | ||
Mora com o pai | 0,182 | ||||
Não | 42,2 | 1,06 (0,97;1,17) | - | ||
Sim | 39,0 | 1,00 | - | ||
Mora com a mãe | 0,489 | ||||
Não | 40,9 | 1,02 (0,95;1,10) | - | ||
Sim | 38,4 | 1,00 | - | ||
Com quantas pessoas reside | 0,605 | ||||
4 ou mais | 39,2 | 1,02 (0,94;1,11) | - | ||
Até 3 | 39,9 | 1,00 | - | ||
Refrigerantes | |||||
Sexo | 0,007 | 0,001 | |||
Feminino | 25,1 | 1,00 | 1,00 | ||
Masculino | 28,3 | 1,15 (1,04;1,28) | 1,17 (1,03;1,31) | ||
Idade (em anos) | 0,741 | ||||
13-15 | 27,1 | 1,00 | - | ||
16-17 | 26,1 | 1,01 (0,90;1,14) | - | ||
Escolaridade materna (em anos de estudo) | 0,019 | 0,025 | |||
<8 | 25,0 | 1,00 | 1,00 | ||
≥8 | 26,5 | 1,15 (1,02;1,29) | 1,14 (1,01;1,31) | ||
Mora com o pai | 0,899 | ||||
Não | 28,7 | 1,00 | - | ||
Sim | 26,5 | 1,00 (0,87;1,16) | - | ||
Mora com a mãe | 0,071 | ||||
Não | 28,1 | 1,08 (0,99;1,17) | - | ||
Sim | 25,9 | 1,00 | - | ||
Com quantas pessoas reside | 0,676 | ||||
4 ou mais | 26,5 | 1,02 (0,92;1,12) | - | ||
Até 3 | 27,4 | 1,00 | - | ||
Salgados fritos | |||||
Sexo | 0,468 | ||||
Feminino | 13,6 | 1,05 (0,91;1,22) | - | ||
Masculino | 13,5 | 1,00 | - | ||
Idade (em anos) | 0,890 | ||||
13-15 | 13,6 | 1,00 (0,88;1,15) | - | ||
16-17 | 13,5 | 1,00 | - | ||
Escolaridade materna (em anos de estudo) | 0,224 | ||||
<8 | 13,7 | 1,00 | - | ||
≥8 | 13,4 | 1,24 (1,11;1,38) | - | ||
Mora com o pai | 0,572 | ||||
Não | 14,4 | 1,05 (0,88;1,25) | - | ||
Sim | 13,5 | 1,00 | - | ||
Mora com a mãe | 0,074 | ||||
Não | 14,2 | 1,13 (0,98;1,30) | - | ||
Sim | 13,2 | 1,00 | - | ||
Com quantas pessoas reside | 0,878 | ||||
4 ou mais | 13,5 | 1,00 | - | ||
Até 3 | 13,9 | 1,01 (0,86;1,17) | - |
a) PeNSE: Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar.
b) Estimativa corrigida para peso amostral e efeito de delineamento.
c) RP: razão de prevalência bruta.
d) IC95%: intervalo de confiança de 95%.
e) Teste do qui-quadrado de Pearson.
f) RPa: razão de prevalência ajustada aos aspectos sociodemográficos (sexo; idade; escolaridade materna; mora com o pai; mora com a mãe; com quantas pessoas reside).
Variáveis | Hábitos alimentares não saudáveis | ||||
---|---|---|---|---|---|
%b | RPc (IC95% d) | pe | RPa,f (IC95% d) | pe | |
Industrializados/ultraprocessados | |||||
Sexo | 0,063 | ||||
Feminino | 66,7 | 1,09 (0,99;1,19) | - | ||
Masculino | 69,5 | 1,00 | - | ||
Idade (em anos) | 0,072 | ||||
13-15 | 69,0 | 1,00 | - | ||
16-17 | 66,6 | 1,10 (0,99;1,23) | - | ||
Escolaridade materna (em anos de estudo) | < 0,001 | <0,001 | |||
<8 | 71,5 | 1,00 | 1,00 | ||
≥8 | 65,6 | 1,24 (1,11;1,38) | 1,24 (1,11;1,38) | ||
Mora com o pai | 0,380 | ||||
Não | 68,3 | 1,00 | - | ||
Sim | 68,1 | 1,06 (0,92;1,21) | - | ||
Mora com a mãe | 0,326 | ||||
Não | 68,6 | 1,00 | - | ||
Sim | 67,9 | 1,04 (0,95;1,13) | - | ||
Com quantas pessoas reside | 0,813 | ||||
4 ou mais | 68,6 | 1,00 | - | ||
Até 3 | 67,0 | 1,01 (0,91;1,11) | - | ||
Fast-food | |||||
Sexo | 0,151 | ||||
Feminino | 5,4 | 1,00 | - | ||
Masculino | 6,0 | 1,20 (0,93;1,55) | - | ||
Idade (em anos) | 0,212 | ||||
13-15 | 5,5 | 1,00 | - | ||
16-17 | 6,2 | 1,21 (0,89;1,63) | - | ||
Escolaridade materna (em anos de estudo) | 0,326 | ||||
<8 | 5,3 | 1,00 | - | ||
≥8 | 6,0 | 1,17 (0,85;1,61) | - | ||
Mora com o pai | 0,049 | 0,049 | |||
Não | 8,0 | 1,34 (1,00;1,79) | 1,34 (1,00;1,79) | ||
Sim | 5,4 | 1,00 | 1,00 | ||
Mora com a mãe | 0,417 | ||||
Não | 5,6 | 1,00 | - | ||
Sim | 5,8 | 1,10 (0,86;1,42) | - | ||
Com quantas pessoas reside | 0,848 | ||||
4 ou mais | 5,5 | 1,00 | - | ||
Até 3 | 6,3 | 1,02 (0,81;1,29) | - |
a) PeNSE: Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar.
b) Estimativa corrigida para peso amostral e efeito de delineamento.
c) RP: razão de prevalência bruta.
d) IC95%: intervalo de confiança de 95%.
e) Teste do qui-quadrado de Pearson.
f) RPa: razão de prevalência ajustada aos aspectos sociodemográficos (sexo; idade; escolaridade materna; mora com o pai; mora com a mãe; com quantas pessoas reside).
As associações se mantiveram no modelo multivariável e mostraram que o consumo regular de guloseimas foi mais prevalente entre meninas (RPa=1,37 - IC95% 1,25;1,50) e na faixa etária de 13 a 15 anos (RPa=1,11 - IC95% 1,00;1,22); o consumo de refrigerantes prevaleceu entre meninos (RPa=1,17 - IC95% 1,03;1,31) e adolescentes cuja escolaridade materna correspondeu a 8 anos ou mais de estudo (RPa=1,14 - IC95% 1,01;1,31); o consumo de alimentos industrializados/ultraprocessados prevaleceu entre adolescentes cujas mães tinham 8 anos ou mais de estudo (RPa=1,24 - IC95% 1,11;1,38); e o consumo de alimentos em restaurantes fast-food, entre os que não moravam com o pai (RPa=1,34 - IC95% 1,00;1,79) (Tabelas 2 e 3).
Na análise bruta, verificou-se maior prevalência de inatividade ou baixo nível de atividade física no sexo feminino (RP=1,32 - IC95% 1,26;1,38) e entre adolescentes com mães com 8 anos ou mais de escolaridade (RP=1,05 - IC95% 1,00;1,10), sendo mantida na análise ajustada apenas a associação com o sexo feminino ((RPa=1,32 - IC95% 1,26;1,38). Quanto à experimentação de cigarro, identificou-se na análise bruta maior prevalência entre os escolares do sexo masculino (RP=1,09 - IC95% 0,98;1,23), naqueles com idade de 16 a 17 anos (RP=1,53 - IC95% 1,43;1,74), que não moravam com o pai (RP=1,45 - IC95% 1,28;1,64), que não moravam com a mãe (RP=1,30 - IC95% 1,18;1,44), e que residiam com até três pessoas no domicílio (RP=1,16 - IC95% 1,02;1,32). Quando submetidos à análise ajustada, residir com até três pessoas não se manteve estatisticamente significativo e portanto, não permaneceu no modelo multivariável (Tabela 4).
Variáveis | Comportamentos de risco à saúde cardiovascular | ||||
---|---|---|---|---|---|
%b | RPc (IC95% d) | pe | RPc (IC95% d) | pe | |
Inatividade ou baixo nível de atividade física | |||||
Sexo | <0,001 | <0,001 | |||
Feminino | 76,6 | 1,32 (1,26;1,38) | 1,32 (1,26;1,38) | ||
Masculino | 58,8 | 1,00 | 1,00 | ||
Idade (em anos) | 0,189 | ||||
13-15 | 67,3 | 1,00 | - | ||
16-17 | 68,2 | 1,03 (0,98;1,08) | - | ||
Escolaridade materna (em anos de estudo) | 0,036 | ||||
<8 | 69,0 | 1,00 | - | ||
≥8 | 66,9 | 1,05 (1,00;1,10) | - | ||
Mora com o pai | 0,069 | ||||
Não | 67,7 | 1,05 (0,99;1,11) | - | ||
Sim | 67,5 | 1,00 | - | ||
Mora com a mãe | 0,050 | ||||
Não | 69,0 | 1,00 | - | ||
Sim | 66,8 | 1,04 (0,99;1,08) | - | ||
Com quantas pessoas reside | 0,991 | ||||
4 ou mais | 67,4 | 1,00 | - | ||
Até 3 | 68,3 | 1,00 (0,95;1,04) | - | ||
Cigarro | |||||
Sexo | 0,099 | 0,042 | |||
Feminino | 21,4 | 1,00 | 1,00 | ||
Masculino | 23,1 | 1,09 (0,98;1,23) | 1,12 (1,00;1,25) | ||
Idade (em anos) | <0,001 | <0,001 | |||
13-15 | 18,2 | 1,00 | 1,00 | ||
16-17 | 29,9 | 1,53 (1,43;1,74) | 1,51 (1,33;1,72) | ||
Escolaridade materna (em anos de estudo) | 0,997 | ||||
<8 | 24,3 | 1,00 | - | ||
≥8 | 22,4 | 1,00 (0,87;1,14) | - | ||
Mora com o pai | <0,001 | <0,001 | |||
Não | 30,9 | 1,45 (1,28;1,64) | 1,36 (1,20;1,53) | ||
Sim | 21,2 | 1,00 | 1,00 | ||
Mora com a mãe | <0,001 | <0,001 | |||
Não | 26,6 | 1,30 (1,18;1,44) | 1,25 (1,13;1,37) | ||
Sim | 19,6 | 1,00 | 1,00 | ||
Com quantas pessoas reside | 0,018 | ||||
4 ou mais | 21,4 | 1,00 | - | ||
Até 3 | 24,6 | 1,16 (1,02;1,32) | - | ||
Bebida alcoólica | |||||
Sexo | 0,012 | 0,040 | |||
Feminino | 60,1 | 1,06 (1,01;1,11) | 1,05 (1,00;1,10) | ||
Masculino | 56,5 | 1,00 | 1,00 | ||
Idade (em anos) | <0,001 | <0,001 | |||
13-15 | 49,1 | 1,00 | 1,00 | ||
16-17 | 27,9 | 1,39 (1,30;1,48) | 1,38 (1,29;1,47) | ||
Escolaridade materna (em anos de estudo) | 0,324 | ||||
<8 | 59,6 | 1,00 | - | ||
≥8 | 60,8 | 1,03 (0,96;1,10) | - | ||
Mora com o pai | <0,001 | 0,012 | |||
Não | 66,6 | 1,12 (1,05;1,18) | 1,07 (1,01;1,14) | ||
Sim | 57,2 | 1,00 | 1,00 | ||
Mora com a mãe | <0,001 | 0,018 | |||
Não | 62,5 | 1,10 (1,05;1,16) | 1,07 (1,02;1,12) | ||
Sim | 55,7 | 1,00 | 1,00 | ||
Com quantas pessoas reside | <0,001 | <0,001 | |||
4 ou mais | 56,5 | 1,00 | 1,00 | ||
Até 3 | 62,9 | 1,10 (1,05;1,16) | 1,05 (1,01;1,11) |
a) PeNSE: Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar.
b) Estimativa corrigida para peso amostral e efeito de delineamento.
c) RP: razão de prevalência bruta.
d) IC95%: intervalo de confiança de 95%.
e) Teste do qui-quadrado de Pearson.
f) RPa: razão de prevalência ajustada aos aspectos sociodemográficos (sexo; idade; escolaridade materna; mora com o pai; mora com a mãe; com quantas pessoas reside).
A experimentação de bebida alcoólica foi maior no sexo feminino (RPa=1,05 - IC95% 1,00;1,31), entre escolares com idade de 16 a 17 anos (RPa=1,38 - IC95% 1,29;1,47), que não moravam com o pai (RPa=1,07 - IC95% 1,01;1,14), que não moravam com a mãe (RPa=1,07 - IC95% 1,02;1,12), e que conviviam com até três pessoas no domicílio (RPa=1,05 - IC95% 1,01;1,11). Estes aspectos mostraram-se associados, tanto na análise bruta como na análise multivariável (Tabela 4).
Discussão
Adolescentes brasileiros de 13 a 17 anos apresentaram comportamentos considerados inadequados para uma boa saúde cardiovascular: experimentação de cigarro e bebida alcoólica; consumo regular de alimentos não saudáveis, que incluem guloseimas, refrigerantes e alimentos industrializados/ultraprocessados; e prática insuficiente de atividade física semanal. Verificou-se, também, que a maior prevalência desses comportamentos estava associada a aspectos do contexto sociodemográfico, destacando-se: o sexo feminino, associado ao consumo regular de guloseimas, prática insuficiente de atividade física e experimentação de bebida alcoólica; o sexo masculino, associado ao consumo regular de refrigerante e experimentação de cigarro; maior nível de escolaridade materna, associado ao consumo regular de refrigerantes e alimentos industrializados; não conviver no lar com o pai, ao consumo regular de alimentos em restaurante fast-food; ter idade de 13 a 15 anos, ao consumo regular de guloseimas; ter idade de 16 a 17 anos, à experimentação de cigarro e bebida alcoólica; não conviver no lar com nenhum dos genitores, à experimentação de cigarro e bebida alcoólica; além de residir com até três pessoas, situação associada à experimentação de bebida alcoólica.
Investigações sobre dieta e estilo de vida entre adolescentes mostram que hábitos alimentares saudáveis e práticas ideais de atividade física têm contribuído para a redução de comorbidades cardiovasculares nessa população. Hábito e práticas contrários têm sido associados a um perfil cardiometabólico menos favorável, com incremento do risco cardiovascular.15 Essas evidências apontam para a elaboração de estratégias de promoção de saúde que enfatizem a redução de comportamentos de risco à saúde cardiovascular na infância e na adolescência, haja vista que, ao longo do tempo, vivencia-se um declínio em comportamentos ideais de saúde nessa população, como apontam estudos envolvendo adolescentes europeus e norte-americanos.9,15
No Brasil, o período de transição alimentar identificado a partir da década de 1980, com a substituição de alimentos mais saudáveis consumidos tradicionalmente (feijão, arroz, frutas, vegetais e carnes) por alimentos prontos para o consumo, a exemplo dos industrializados,16 expõe a vulnerabilidade de adolescentes ao consumo de uma dieta menos saudável. Em diversos países, entre os alimentos cada vez mais consumidos por adolescentes, estão sobremesas, guloseimas e bebidas ricas em açúcares.11 Este mesmo comportamento pode ser observado entre os adolescentes brasileiros: cerca de dois quintos dos pesquisados consumiam regularmente guloseimas, e cerca de um terço consumia regularmente refrigerante. Ademais, desde a PeNSE 2012,17 o consumo regular de guloseimas permanece maior no sexo feminino, ao passo que o consumo regular de refrigerantes tem-se mostrado mais prevalente no sexo masculino.
Ainda não está bem elucidada a maneira como o sexo influencia o consumo de alimentos ricos em açúcares e a preferência por tipos específicos desse gênero alimentício entre adolescentes, como também não o estão os resultados observados em estudos realizados em diversos países, incluindo o Brasil, todavia contraditórios.8,11,18,19 A falta de evidências robustas, capazes de explicar essa influência, parece decorrer da diversidade de contextos nos quais as populações pesquisadas estão inseridas. Uma variedade de aspectos vêm sendo associados ao consumo alimentar dessa população, e entre eles, o padrão socioeconômico familiar, aspectos emocionais, influências midiáticas, convivência familiar e com os pares, disponibilidade de produtos em casa e na escola, quantidade de tempo gasto em comportamentos sedentários, além de uma série de outros fatores.8,11
A influência de aspectos relacionados ao contexto familiar sobre comportamentos de saúde, dieta e nutrição de adolescentes tem sido amplamente reconhecida. Estudos afirmam que maiores níveis de educação dos pais, convívio com os pais e apoio familiar são preditores de resultados de saúde positivos.20 Contudo, no que se refere aos hábitos alimentares, os resultados da presente investigação sugerem uma influência negativa do melhor nível de escolaridade materna: adolescentes com mães de maior escolaridade apresentaram maior prevalência de consumo de refrigerantes e alimentos industrializados. A este achado somam-se os de outros pesquisadores,17,18 os quais sugerem que mulheres com melhor nível educacional têm maior probabilidade de estarem inseridas no mercado de trabalho, o que dificultaria o preparo de refeições no domicílio e o monitoramento dos alimentos consumidos pelos filhos, aumentando, assim, o consumo de alimentos não saudáveis.18 Ressalta-se que mais de 50% dos adolescentes investigados tinham mães com melhor nível educacional, o que aumenta a probabilidade de exercerem atividades de trabalho fora do domicílio.
Quanto à prática de atividade física, o percentual significativo de meninas inativas e com baixo nível de atividade física coincide com estudos internacionais de base populacional realizados com adolescentes chineses,21 norte-americanos19 e europeus.11 A menor participação de meninas em atividades físicas parece envolver aspectos relacionados a disparidades socioculturais, biológicas e de percepção corporal, ademais de questões de gênero. É comum observar que na infância, além de menos liberdade para brincar na rua, meninas são estimuladas a desempenhar atividades que requerem pouco esforço físico e, na adolescência, não raras vezes, assumem funções relacionadas aos cuidados domésticos.22
Nas análises da experimentação de bebida alcoólica e cigarro, observou-se que a exposição ao consumo de álcool é maior que a de cigarro. A experimentação de cigarro mostrou-se associada ao sexo masculino, enquanto a experimentação de bebida alcoólica, ao sexo feminino e a residir com até três pessoas no domicílio. Maior idade do escolar (16-17 anos) e não residir com o pai foram fatores associados aos dois comportamentos. O envolvimento de adolescentes com álcool e cigarro tem sido retratado em diversos estudos, representando um problema de grande magnitude mundial e muitas consequências à saúde.23,24 Risco aumentado para o tabagismo e para o consumo de bebida alcoólica tem sido observado em estudos que abordam uma única experimentação na vida, sugerindo que a experimentação precoce aumenta o risco de uma futura dependência.25,26
Chama atenção, neste trabalho, a experimentação de bebida alcoólica ser mais prevalente no sexo feminino, dado que difere de pesquisas internacionais.19,11 Estudos que tentam explicar aspectos relacionados à diferença de gêneros sobre o consumo de álcool ainda são pouco conclusivos. Sabe-se que, na adolescência, o consumo dessas substâncias é fortemente influenciado por fatores genéticos e pelo exemplo familiar, potencializado por fatores afetivos, biológicos e sociais que interferem de maneira diferente sobre os gêneros.27 Além disso, outros aspectos do contexto familiar, como o divórcio dos pais e as boas relações familiares, parecem exercer influência sobre o uso excessivo de álcool e cigarro nesse período.28 As meninas estão mais suscetíveis a situações de conflito familiar, estresse, depressão e outros comportamentos internalizantes, problemas cada vez mais crescentes na sociedade contemporânea, o que as torna mais vulneráveis, aumentando assim o risco para o consumo precoce, especialmente do álcool.27
A experimentação de álcool e cigarro entre adolescentes que não residem com os pais parece sugerir que a ausência desse convívio influencia tal comportamento. Boa comunicação com os pais vem sendo apontada como um dos principais meios de proteção contra comportamentos de vulnerabilidade à saúde dos filhos adolescentes, preparando-os para o enfrentamento de situações estressantes e resguardando-os de influências negativas, seja das mensagens da mídia, seja da companhia de seus pares.29 Em 2007, um estudo realizado com adolescentes argentinos destacou o convívio com os pais como contributivo para a adoção de hábitos saudáveis de vida e redução da experimentação de bebidas alcoólicas e cigarro, enquanto o convívio com amigos ou companheiros fumantes influenciou a experimentação dessas substâncias.29
A presença de vieses nos resultados desta investigação não deve ser descartada, considerando-se tratar de um estudo cujos dados foram obtidos mediante informações autodeclaradas e envolvendo somente adolescentes matriculados em instituições de ensino. Esse contingente correspondia a 85% dos adolescentes brasileiros em 2015.30 Nesse caso, as medidas de prevalência dos comportamentos de risco analisados podem ter sido subestimadas, caso os adolescentes que não frequentam o ambiente escolar apresentem maior probabilidade de inserção em um contexto de pior condição socioeconômica e maior risco à saúde.
Investigações como a PeNSE são fundamentais. As informações por ela disponibilizadas permitem a definição de estratégias e políticas de Saúde Pública voltadas à saúde dos escolares. Sugere-se, pois, a realização de estudos futuros, dada a necessidade de se realizar monitoramento periódico dos comportamentos de risco para doenças cardiovasculares entre adolescentes, visando à redução do impacto desses agravos na vida adulta.
Os resultados apresentados permitiram concluir que muitos adolescentes brasileiros de 13 a 17 anos apresentam comportamentos de risco à saúde cardiovascular, como hábitos alimentares inadequados, níveis insuficientes de atividade física, experimentação de bebida alcoólica e cigarro. O cenário dos adolescentes brasileiros foi similar ao descrito para os resultados de estudos desenvolvidos em países de alta renda, com população semelhante.11,19 São comportamentos influenciados por aspectos sociodemográficos - sexo, escolaridade materna, morar ou não com os pais e faixa etária - e devem ser considerados na elaboração de estratégias mais eficazes, voltadas à promoção da saúde cardiovascular dessa população.