Introdução
No Brasil, desde 2004, políticas públicas foram instituídas com o objetivo de melhorar o acesso e a qualificação do Sistema Único de Saúde (SUS). Nesse sentido, o Ministério da Saúde tem ampliado a orientação para os gestores no processo de planejamento, execução, avaliação e monitoramento de suas ações. Diferentes programas e projetos foram instituídos, acompanhados de indicadores de saúde adequados a eles.1-3
A partir da primeira década dos anos 2000, é crescente a importância dedicada à saúde bucal no cenário da Saúde Pública, e o processo de descentralização do SUS tem favorecido o planejamento das ações para a realidade local, requerendo de seus gestores o conhecimento da situação de saúde e do desempenho do sistema antes da tomada de decisões.4
Nesse contexto, questiona-se a efetividade dos indicadores disponibilizados para avaliar as políticas, as ações e o desempenho do sistema. São escassos os estudos acerca deles, incluindo os dados necessários para seu cálculo e sua fonte. Uma publicação anterior analisou a evolução dos indicadores de saúde bucal presentes nos Pactos Interfederativos do SUS entre 1998 e 2016.5
Este estudo teve como objetivo apresentar os indicadores de monitoramento e avaliação das ações de saúde bucal para a qualificação do SUS, propostos pelo Ministério da Saúde entre 2000 e 2017.
Métodos
Foi realizada uma pesquisa documental das diretrizes governamentais, ou seja, projetos, programas e índices disponíves sobre os sistemas de monitoramento e avaliação para a qualificação do SUS, editados no período de 2000 a 2017 e que apresentavam indicadores de saúde bucal.
Inicialmente, os dados foram obtidos pela ferramenta de busca do sítio eletrônico do Ministério da Saúde (http://portalsaude.saude.gov.br/), em agosto de 2017 e outubro de 2018, utilizando-se os seguintes descritores, em conjunto, e seus correlatos: indicadores; e saúde bucal. Novas buscas foram realizadas na referida fonte, a partir das referências encontradas. À medida que se fazia a leitura das referências, verificava-se se elas citavam outras publicações do Ministério que abordassem a avaliação para a qualificação do SUS; em seguida, nova busca era realizada para identificar se estas publicações continham informação sobre indicadores de saúde bucal. Quando não localizadas no referido sítio eletrônico, realizava-se a pesquisa no instrumento de busca virtual Google.
As diretrizes foram analisadas quanto aos seguintes aspectos:
dos documentos - denominação e ano de publicação; e
dos indicadores - categoria, método de cálculo, fonte de coleta e propósitos.
Como algumas diretrizes apresentavam indicadores classificados em categorias e outras não, optou-se por reclassificar e/ou agrupar todos os indicadores em três categorias gerais: acesso ao cuidado; oferta de serviços; resolutividade e continuidade. Os dados coletados e objeto desta análise foram classificados segundo essas três categorias e apresentados em tabelas.
A pesquisa não foi submetida à apreciação de um comitê de ética, pois os documentos analisados estavam disponíveis em endereço eletrônico de domínio público.
Resultados
Na busca realizada, foram identificadas 186 publicações do tipo de portarias, informações e diretrizes governamentais. As diretrizes do Ministério da Saúde que compõem os sistemas de monitoramento e avaliação para a qualificação do SUS, e que apresentaram indicadores de saúde bucal entre 2000 e 2017, foram: Projeto de Metodologia de Avaliação de Desempenho dos Serviços de Saúde (PROADESS); Programa de Avaliação para a Qualificação do SUS; Programa Nacional de Melhoria do Acesso de Qualidade da Atenção Básica (PMAQ), seus 1º, 2º e 3º Ciclos; e Índice de Desempenho do SUS (IDSUS).
Os indicadores referentes a cada uma dessas diretrizes encontram-se nas Tabelas 1, 2 e 3.
Projeto de Metodologia de Avaliação de Desempenho dos Serviços de Saúde (PROADESS)
Para avaliação do desempenho dos serviços de saúde bucal, o PROADESS6 apresentou quatro indicadores (Tabela 1). Com base nas categorias propostas no presente estudo, três indicadores foram classificados na categoria de acesso ao cuidado e um na de oferta de serviços.
Categoria | Indicadores e fontes | Diretriz | Fórmula de cálculo | |
---|---|---|---|---|
Numerador | Denominador | |||
Acesso ao cuidado | Consulta odontológica Fontes: PNAD e PNS | PROADESS | No de pessoas que foram ao dentista nos últimos 12 meses x 100 | População total residente |
Percentual de pessoas que nunca foram ao dentista Fontes: PNAD e PNS | PROADESS | No de pessoas que referem nunca ter ido ao dentista x 100 | População total residente | |
Percentual da população que referiu uso de serviços de saúde nos últimos 15 dias, em determinado espaço geográfico. Fontes: PNAD e PNS | PROADESS | No de pessoas que procuraram serviços de saúde nos últimos 15 dias e foram atendidas x 100 | População total residente | |
Cobertura de primeira consulta odontológica programática a Fontes: SIA/SUS e IBGE | Programa de Avaliação para a Qualificação do SUS | No total de primeiras consultas odontológicas programáticas a realizadas em determinado local e período x 100 | População no mesmo local e período | |
Oferta de serviços | Número de cirurgiões-dentistas, por 100 mil habitantes, em determinado espaço geográfico, no ano considerado. Fonte: CNES | PROADESS | No de cirurgiões-dentistas x 100 mil | População total residente |
Cobertura populacional estimada das equipes de Saúde Bucal da Estratégia Saúde da Família Fontes: FCES e IBGE | Programa de Avaliação para a Qualificação do SUS | Nº de equipes de Saúde Bucal da Estratégia Saúde da Família implantadas (Modalidades I e II) x 3.450 pessoas | População no mesmo local e período x 100 |
Fontes: Ministério da Saúde; 2011a6; 2011b7.
a) Considera-se ‘primeira consulta odontológica’ quando o plano preventivo terapêutico for elaborado. Os atendimentos de urgência/emergência não são considerados.
Legenda:
PNAD: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios.
PNS: Pesquisa Nacional de Saúde.
CNES: Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde.
SIA/SUS: Sistema de Informações Ambulatoriais do Sistema Único de Saúde.
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
FCES: Ficha do Cadastro de Estabelecimento de Saúde.
Programa de Avaliação para a Qualificação do Sistema Único de Saúde
O Programa de Avaliação para a Qualificação do SUS7 é constituído de diversos indicadores, dispostos em duas dimensões: acesso e qualidade. Neste estudo, esses indicadores foram classificados em dois grupos: acesso ao cuidado; e oferta de serviços (Tabela 1).
Programa Nacional de Melhoria do Acesso de Qualidade da Atenção Básica (PMAQ)
Três ciclos do PMAQ foram instituídos no período analisado: o 1º Ciclo, em 2011;8 o 2º, em 2013;9 e o 3º Ciclo, em 2015.10 Diferentes indicadores de saúde bucal foram identificados. O 1º e o 2º Ciclos contemplaram os mesmos indicadores11,12 (Tabela 2), a maioria deles classificada na categoria de acesso ao cuidado.
Categoria | Indicadores | Fórmula de cálculo (e fontes consultadas) | Parâmetro | |
---|---|---|---|---|
Numerador a | Denominador | |||
1 e 2o Ciclos | ||||
Acesso ao cuidado | Cobertura de primeira consulta odontológica programática | No de primeiras consultas odontológicas programáticas em determinado local e período x 100 | População cadastrada no mesmo local e período Fonte: Ficha A do SIAB | Não apresenta |
Cobertura de primeira consulta de atendimento odontológico à gestante | No de gestantes atendidas em primeira consulta pelo cirurgião-dentista da equipe de Saúde Bucal em determinado local e período x 100 | No de gestantes cadastradas no mesmo local e período Fonte: Relatório SSA2 do SIAB | Não apresenta | |
Média de atendimento de urgência odontológica por habitante | No de atendimentos de urgência realizados pelo cirurgião-dentista da equipe de Saúde Bucal em determinado local e período | População cadastrada no mesmo local e período Fonte: Ficha A do SIAB | Não apresenta | |
Taxa de incidência de alterações da mucosa oral | No de diagnósticos de alteração da mucosa oral de usuários atendidos pela equipe de Saúde Bucal em determinado local e período x 1.000 | População cadastrada no mesmo local e período Fonte: Ficha A do SIAB | Não apresenta | |
Oferta de serviços | Média da ação coletiva de escovação dental supervisionada | No de pessoas participantes na ação coletiva de escovação dental supervisionada realizada em determinado local e período x 100 | População cadastrada no mesmo local e período Fonte: Ficha A do SIAB | Não apresenta |
Resolutividade e continuidade | Média de instalação de próteses dentárias | No de instalações de próteses dentárias realizada pela equipe de Saúde Bucal em determinado local e período | População cadastrada no mesmo local e período x 0,03 Fonte: Ficha A do SIAB | Não apresenta |
Razão entre tratamentos concluídos e primeiras consultas odontológicas programáticas | No de tratamentos concluídos pelo cirurgião-dentista da equipe de Saúde Bucal em determinado local e período | No de primeiras consultas odontológicas programáticas realizadas pelo cirurgião-dentista da equipe de Saúde Bucal no mesmo local e período Fonte: Relatório PMA2 - Complementar do SIAB | Não apresenta | |
3º Ciclo | ||||
Acesso ao cuidado | Cobertura de primeira consulta odontológica programática | No de atendimentos de primeira consulta odontológica programática x 100 | População cadastrada | 15% de atendimento de primeira consulta odontológica programática/ano 1,25% de atendimento de primeira consulta odontológica programática/mês |
Oferta de serviços | Percentual de serviços ofertados pela equipe de Saúde Bucal | Quantitativo de ações e serviços realizados pela equipe de Saúde Bucal x 100 | Total de ações e serviços esperados pela equipe de Saúde Bucal | 70%/mês |
Resolutividade e continuidade | Razão entre tratamentos concluídos e primeiras consultas odontológicas programáticas | No de tratamentos concluídos pelo cirurgião-dentista | No de primeiras consultas odontológicas programáticas | 0,5-1,0 de tratamento concluído/mês |
Fontes: Ministério da Saúde, 20171; Brasil, 2011c8; Brasil, 2013a9; Brasil, 201510; Ministério da Saúde, 201211; Ministério da Saúde, 2013b12.
a) Fontes dos numeradores do 1º e 2º Ciclos: Relatório PMA2 - Complementar do SIAB.
Legenda:
SIAB: Sistema de Informação da Atenção Básica.
No 3º Ciclo do PMAQ,1 apesar do reduzido número - quando comparado com os dos ciclos anteriores -, diferentes indicadores foram incorporados e classificados em três eixos: acesso ao cuidado; oferta de serviços; resolutividade e continuidade (Tabela 2).
Índice de Desempenho do SUS (IDSUS)
Na área da Saúde Bucal, o IDSUS apresenta indicadores nas dimensões de acesso potencial (mede a oferta de atendimento) ou acesso obtido (mede os atendimentos realizados), e de efetividade (avalia o resultado obtido).13 Esses indicadores foram classificados em duas categorias: oferta de serviços; resolutividade e continuidade (Tabela 3).
Categoria | Indicadores simples e fontes | Fórmula de cálculo | Parâmetro | |
---|---|---|---|---|
Numerador | Denominador | |||
Oferta de serviços | Cobertura populacional estimada pelas equipes de Saúde Bucal Fontes: CNES e IBGE | No médio mensal de equipes de Saúde Bucal da Estratégia Saúde da Família somado ao no médio mensal de equivalentes formados por cada 60 horas semanais de cirurgiões-dentistas não integrantes de ESB x 3.000 habitantes | População residente no município | 50% de cobertura considerando-se uma equipe de Saúde Bucal da Atenção Básica para cada grupo de 3.000 habitantes no ano avaliado |
Média da ação coletiva de escovação dental supervisionada Fontes: SIA/SUS e IBGE | No de pessoas participantes na ação coletiva de escovação dental supervisionada no período de 12 meses, em um munícipio, dividido por 12 x 100 | População do município no período avaliado | 8 participantes por 100 habitantes - média dos municípios cobertos por equipes de Saúde Bucal ou equipes de THD/ACD maior que 60% | |
Resolutividade e continuidade | Proporção de exodontia em relação aos procedimentos Fontes: SIA/SUS e IBGE | No de extrações dentárias realizadas em um município e ano avaliado x 100 | Total de procedimentos individuais preventivos e curativos, selecionados por município e ano avaliado. | 8% (percentual próximo da média de 2010: 8,6%) de todas as cidades brasileiras que realizaram procedimentos odontológicos pelo SUS |
Fontes: Ministério da Saúde; 2013c13.
Legenda:
ACD: auxiliar de consultório dentário.
CNES: Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde.
IBGE: Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
SIA/SUS: Sistema de Informações Ambulatoriais do Sistema Único de Saúde.
THD: técnico de higiene dental.
Discussão
Os resultados evidenciaram diversos indicadores para a qualificação da saúde no SUS. Os indicadores de saúde bucal foram apresentados, em sua maioria, na categoria de acesso ao cuidado. Ao longo dos anos analisados, poucos indicadores de resolutividade e continuidade dos serviços foram propostos, e, nos programas instituídos por mais de um ciclo, alguns foram excluídos.
Uma revisão de literatura14 identificou os estudos acerca da avaliação da atenção odontológica em serviços de saúde no Brasil publicados até junho de 2010. Na maioria dos 23 estudos cuja publicação se deu entre 2002 e 2010, o objeto de avaliação foi a Atenção Básica, enquanto a qualidade da atenção e o acesso aos serviços constituíram o enfoque de quatro e três trabalhos, respectivamente.14
Indicadores de acesso demonstram a facilidade ou dificuldade na obtenção dos cuidados de saúde.15 A presente pesquisa identificou diferentes indicadores nessa categoria. Uma revisão de literatura sobre os indicadores utilizados em saúde bucal no Brasil, referentes ao período de 2000 a 2012,16 identificou que o indicador de acesso a consulta odontológica foi um dos mais frequentes.
A categoria de oferta de serviços corresponde aos recursos disponíveis para satisfazer a demanda do usuário.17 Nessa categoria, o indicador mais frequente foi a cobertura populacional estimada das equipes de Saúde Bucal da Estratégia Saúde da Família. O Programa de Avaliação para a Qualificação do Sistema Único de Saúde, proposto em 2011 para avaliar o desempenho do SUS,8 incluiu esse indicador.
A categoria de resolutividade e continuidade refere-se à capacidade de identificar riscos, necessidades e demandas de saúde até a resolução do problema.1 Nessa categoria, um dos indicadores identificados foi a proporção de exodontia entre os procedimentos. A exodontia permite avaliar o quanto as práticas odontológicas são mutiladoras.16 Outro indicador identificado com essa categoria foi a razão entre tratamentos concluídos e primeiras consultas odontológicas programáticas, representativa da adesão ao tratamento e sua conclusão.
Instituído em 2001, o PROADESS6 tem por missão a avaliação do desempenho dos serviços de saúde com base no princípio da equidade, contemplando uma matriz com indicadores categorizados em quatro dimensões: determinantes da saúde; condições de saúde; estrutura do sistema de saúde; e desempenho dos serviços de saúde.
O princípio da equidade tem sido avaliado em duas dimensões principais: condições de saúde; e acesso e utilização dos serviços de saúde.18 No PROADESS, os indicadores de saúde bucal foram classificados nesta segunda dimensão. Com relação à implementação de políticas de saúde equânimes, destacam-se três de seus aspectos: distribuição dos recursos; oferta ou oportunidade de acesso; e utilização dos serviços.19
Para avaliação dos serviços de saúde, são propostos modelos com matrizes incluindo dimensões, subdimensões, indicadores e, em alguns casos, fórmulas de cálculo e parâmetros para os indicadores.20 Neste estudo, foram identificadas diretrizes com diferentes modelos e indicadores, alguns com parâmetros. O PMAQ, instituído em 2011,8 propõe a avaliação e o monitoramento dos processos e resultados alcançados na Atenção Primária, para garantir o acesso e qualificar a atenção em saúde oferecida à população.9 No 3º Ciclo do PMAQ, ressalta-se a incorporação de parâmetros para os indicadores, bem como um indicador que contempla a carteira mínima de serviços da saúde bucal.1 Essa incorporação pode contribuir com a gestão e a organização do processo de trabalho da equipe de saúde bucal.
Em 2011, foi instituído o IDSUS, com o propósito de ‘avaliar o desempenho do SUS, quanto ao cumprimento de seus princípios e de suas diretrizes’.2 Porém, foram propostos indicadores de saúde bucal somente nas categorias de oferta de serviços e de resolutividade e continuidade, insuficientes para esta avaliação.
Os parâmetros dos indicadores foram apresentados no último ciclo do PMAQ e no IDSUS. Contudo, poucos estudos sobre avaliação da atenção odontológica especificaram os critérios, os indicadores e os parâmetros utilizados. Os parâmetros, quando apresentados, eram baseados em metas locais do serviço, ou de desempenho do Ministério da Saúde, se não estabelecidas pelos autores.20 A literatura apresenta diferentes modelos de avaliação da saúde bucal, abordando diversas dimensões, denominações e fórmula de cálculo dos indicadores.20-26 Uma proposta metodológica de avaliação e monitoramento das ações e do desempenho dos serviços deve conter elementos que favoreçam a análise do cumprimento dos princípios do SUS, para que a gestão fortaleça e qualifique o sistema. No campo da Saúde Bucal, entretanto, os indicadores contemplam poucas dimensões.
Conclui-se que indicadores de saúde bucal foram propostos em quatro diretrizes governamentais, no período de 2000 a 2017. Embora constituam subsídios importantes para a gestão em Saúde Bucal, faz-se necessária a incorporação de novos indicadores, capazes de ampliar o foco de avaliação da qualidade das ações prestadas e o desempenho do sistema de Saúde Pública.