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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.29 no.3 Brasília jun. 2020  Epub 07-Jul-2020

http://dx.doi.org/10.5123/s1679-49742020000300023 

Editorial

Dimensões de sexo, gênero e raça na pesquisa sobre COVID-19

Dimensiones del sexo, género y raza en la investigación sobre COVID-19

Leila Posenato Garcia (orcid: 0000-0003-1146-2641)1 

1Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Diretoria de Estudos e Políticas Sociais, Brasília, DF, Brasil

A COVID-19, doença que emergiu na China, no final de 2019, rapidamente se espalhou pelos cinco continentes e foi declarada pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 11 de março de 2020. O enfrentamento desta doença totalmente nova demanda a produção de conhecimento epidemiológico e clínico, assim como o desenvolvimento de testes diagnósticos, tratamentos e vacinas. Nesse contexto, a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico devem ser priorizados, assim como a rápida divulgação de seus resultados.(1)

A literatura científica relacionada à COVID-19 apresentou crescimento exponencial, acompanhando a evolução do número de casos e óbitos pela doença no mundo. De janeiro a meados de maio de 2020, a literatura sobre COVID-19 incluiu 31 mil artigos, e se aproximou de 50 mil na metade de junho.(2)

Contudo, pesquisas sobre a COVID-19 que incorporem a perspectiva de sexo, gênero e raça são escassas, apesar das evidências de que estas características desempenham papel expressivo na conformação dos riscos de doença, morte e outros danos associados. Iniciativas internacionais, como a liderada pela organização GENDRO, chamam a atenção para esse fato, e clamam por um compromisso renovado com a pesquisa sensível ao gênero e a outras dimensões de desigualdade para a equidade em saúde e os direitos humanos no contexto da pandemia da COVID-19.(3) Tais iniciativas alinham-se às diretrizes sobre Equidade de Sexo e Gênero em Pesquisa (Sex and Gender Equity in Research – SAGER) que, entre outros aspectos, enfatizam o papel de todos os envolvidos na pesquisa e na publicação científica – incluindo-se pesquisadores, editores, revisores e financiadores – para a promoção da equidade, em benefício de toda a sociedade.(4)

Ademais, estudos têm evidenciado o acirramento das desigualdades de sexo e gênero na pesquisa e na publicação científica no contexto da pandemia. Em periódicos médicos, foi observada baixa representação de mulheres como primeiras autoras de artigos sobre COVID-19 publicados em março e abril de 2020.(6) Nesses meses, autoras do sexo feminino publicaram menos artigos nos servidores de preprints, em comparação ao mesmo período do ano anterior,(7) e o número de autores do sexo masculino cresceu mais rapidamente que do feminino.(8) Além das causas preexistentes de tais desigualdades, principalmente relacionadas ao sexismo, tem sido relatada menor dedicação das mulheres ao desenvolvimento de suas pesquisas, em decorrência do aumento do tempo com a realização de atividades domésticas e de cuidado durante o isolamento, especialmente entre as mulheres que têm filhos em casa.(9)

A raça/cor da pele de pesquisadores e autores não é facilmente identificável a partir das informações publicadas nos artigos. Todavia, é conhecida a sub-representação da população negra e o racismo na ciência.(10) Tal situação tem sido evidenciada na onda de protestos contra o racismo em resposta às mortes de homens negros por policiais nos Estados Unidos, em junho de 2020.(11) É importante reconhecer que as mulheres negras enfrentam desafios ainda maiores e desenvolver ações estruturais que apoiem sua participação na pesquisa e na publicação científica.(9)

A participação limitada de mulheres e de pessoas negras na condução de pesquisas sobre a COVID-19 pode alterar a ênfase em aspectos relevantes para populações específicas.(7) Garantir sua presença é fundamental para o enfrentamento à pandemia, uma vez que tais minorias na academia relatam, com maior frequência, resultados de pesquisa desagregados por sexo, gênero e raça. Isso contribui para melhorar a compreensão dos aspectos clínicos e epidemiológicos da COVID-19, particularmente face a evidências de disparidades segundo sexo e raça na incidência, na mortalidade e nos impactos socioeconômicos da doença.(12)

O Brasil é um país marcado por grandes iniquidades sociais e regionais, que se sobrepõem a desigualdades no acesso aos serviços de saúde. Nesse contexto, é ainda mais importante investigar aspectos da pandemia que possam levar ao recrudescimento das disparidades existentes. A Epidemiologia e Serviços de Saúde: revista do Sistema Único de Saúde do Brasil reitera seu compromisso com a equidade de sexo, gênero e raça na pesquisa e na publicação científica, reforçando que as pesquisas clínicas e epidemiológicas sobre a COVID-19, assim como aquelas sobre o impacto social, econômico e de direitos humanos da pandemia, devam ser desenhadas, conduzidas e relatadas de modo a se considerarem sistematicamente o sexo, o gênero, a raça e outras dimensões de desigualdade.

Referências

1. Oliveira WK, Duarte E, França GV, Garcia LP. Como o Brasil pode deter a COVID-19. Epidemiol Serv Saúde [Internet]. 2020 abr [citado 2020 jun 20];29(2):e2020044. Disponível em: https://doi.org/10.5123/s1679-49742020000200023Links ]

2. Brainard J. New tools aim to tame pandemic paper tsunami. Science [Internet]. 2020 May [cited 2020 jun 20];368(6494):924-5. Available from: https://doi.org/10.1126/science.368.6494.924Links ]

3. Advancing Sex and Gender Equity in Research – GENDRO. A call for urgent action: a renewed commitment to gender responsive research for health equity and human rights in the context of COVID-19 pandemic [Internet]. [S.l.]: Advancing Sex and Gender Equity in Research; 2019 [cited 2020 Jun 20]. Available from: https://www.gendro.org/statementsLinks ]

4. Heidari S, Babor TF, Castro P, Tort S, Curno M. Equidade de sexo e gênero na pesquisa: fundamentação das diretrizes SAGER e uso recomendado. Epidemiol Serv Saúde [Internet]. 2017 jul-set [citado 2020 jun 20];26(3):665-76. Disponível em: https://doi.org/10.5123/s1679-49742017000300025. [ Links ]

5. Garcia LP, Duarte E. Equidade de sexo e gênero na pesquisa e na publicação científica. Epidemiol Serv Saúde [Internet]. 2017 jul-set [citado 2020 jun 20];26(3):431-2. Disponível em: https://doi.org/10.5123/s1679-49742017000300001Links ]

6. Andersen JP, Nielsen MW, Simone NL, Lewiss RE, Jagsi R. Meta-research: COVID-19 medical papers have fewer women first authors than expected. eLife [Internet]. 2020 May [cited 2020 Jun 20]. Available from: https://doi.org/10.7554/eLife.58807Links ]

7. Vincent-Lamarre P, Sugimoto CR, Lariviere V. The decline of women's research production during the coronavirus pandemic. Nature Index [Internet]. 2020 May [cited 2020 Jun 20]. Available from: https://www.natureindex.com/news-blog/decline-women-scientist-research-publishing-production-coronavirus-pandemicLinks ]

8. Frederickson M. COVID-19’s gendered impact on academic productivity [Internet]. 2020 May [cited 2020 Jun 20]. Available from: https://github.com/drfreder/pandemic-pub-biasLinks ]

9. Gabster BP, von Daalen K, Dhatt R, Barry M. Challenges for the female academic during the COVID-19 pandemic. Lancet [Internet]. 2020 Jun [cited 2020 Jun 20]. Available from: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)31412-4Links ]

10. The Cell e ditorial team. Science has a racism problem. Cell [Internet]. 2020 Jun [cited 2020 Jun 20]. Available from: https://doi.org/10.1016/ j.cell.2020.06.009Links ]

11. Subbaraman N. Grieving and frustrated: black scientists call out racism in the wake of police killings. Nature [Internet]. 2020 Jun [cited 2020 Jun 20]. Available from: https://www.nature.com/articles/d41586-020-01705-xLinks ]

12. Pinho-Gomes AC, Peters S, Thompson K, Hockham C, Ripullone K, Woodward M, et al. Where are the women? Gender inequalities in COVID-19 research authorship. BMJ Glob Health [Internet]. 2020 [cited 2020 Jun 20];5(7):e002922. Available from: https://doi.org/10.1136/bmjgh-2020-002922 https://gh.bmj.com/content/bmjgh/5/7/e002922.full.pdfLinks ]

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