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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.29 no.3 Brasília jun. 2020  Epub 12-Maio-2020

http://dx.doi.org/10.5123/s1679-49742020000300003 

ARTIGO ORIGINAL

Tendência temporal e distribuição espacial da mortalidade relacionada à hanseníase no estado do Tocantins, 2000-2015

Las tendencias temporales y la distribución espacial de la mortalidad relacionada con la lepra en el estado de Tocantins, Brasil, 2000-2015

Lorena Dias Monteiro (orcid: 0000-0002-2246-3490)1  , Francisco Rogerlândio Martins-Melo (orcid: 0000-0003-3690-5023)2  , Bruno Sousa Pires (orcid: 0000-0002-3260-017X)1 

1Fundação Escola de Saúde Pública de Palmas, Palmas, TO, Brasil

2Instituto Federal de Ciência, Educação e Tecnologia do Ceará, Caucaia, CE, Brasil

Resumo

Objetivo

relatar descrever as tendências temporais e padrões de distribuição espacial dos óbitos relacionados à hanseníase no estado do Tocantins, Brasil, 2000-2015.

Métodos

estudo baseado em dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM); realizou-se análise de tendência temporal dos coeficientes de mortalidade pela regressão joinpoint e análise espacial descritiva utilizando-se os 139 municípios do estado como unidades geográficas de análise.

Resultados

foram identificados 201 óbitos relacionados à hanseníase no Tocantins; o coeficiente médio de mortalidade foi de 0,7 óbitos/100 mil habitantes; a mortalidade apresentou tendência de aumento significativo (annual percentual change (APC) de 5,4% – IC95% 2,0;8,9); o coeficiente de mortalidade bruto médio anual variou de 0,00 a 6,83 óbitos/100 mil hab., enquanto o indicador suavizado variou de 0,00 a 2,42 óbitos/100 mil hab.

Conclusão

a mortalidade por hanseníase apresentou tendência de aumento e distribuição espacial heterogênea no Tocantins, com a necessidade de fortalecimento das medidas de vigilância e controle da doença.

Palavras-Chave: Epidemiologia; Hanseníase; Análise Espacial; Estudos de Séries Temporais; Mortalidade

Resumen

Objetivo

describir las tendencias temporales y los patrones de distribución espacial de las muertes relacionadas con la lepra en el estado de Tocantins, Brasil, 2000-2015.

Métodos

estudio basado en datos del Sistema de Información de Mortalidad (SIM); análisis de la tendencia temporal de los coeficientes de mortalidad mediante la regresión de los puntos de inflexión y el análisis espacial descriptivo utilizando las 139 municipalidades del estado como unidades geográficas de análisis.

Resultados

se identificaron 201 muertes relacionadas con la lepra en Tocantins; el coeficiente de mortalidad promedio fue de 0.7 muertes/100 mil habitantes; la mortalidad tendió a aumentar significativamente (Cambio porcentual anual de 5.4% - IC 95% 2.0; 8.9); el coeficiente de mortalidad bruto anual promedio varió de 0.00 a 6.83 muertes/100 mil habitantes, mientras que el indicador suavizado varió de 0.00 a 2.42 muertes/100 mil habitantes.

Conclusión

la mortalidad por lepra mostró una tendencia de aumento y una distribución espacial heterogénea y la necesidad de fortalecer las medidas de control de la enfermedad.

Palabras-clave: Epidemiología; Lepra; Análisis Espacial; Estudios de Series Temporales; Mortalidad

Introdução

A hanseníase, causada pela bactéria por Mycobacterium leprae ou bacilo de Hansen, permanece como uma doença negligenciada e importante problema de Saúde Pública no Brasil.1 Em 2017, foram registrados aproximadamente 211 mil casos novos de hanseníase no mundo, cerca de 13,8% deles nas Américas; o Brasil foi responsável por 92,3% dos casos no continente.3 O coeficiente de detecção geral foi de 12,9 casos novos por 100 mil habitantes no país, em 2017.4 Os coeficientes de detecção de hanseníase são heterogêneos e hiperendêmicos em muitos estados das regiões Norte e Centro-Oeste.4 O estado do Tocantins apresenta alta incidência da doença e seus municípios, em sua maioria, são considerados hiperendêmicos.1

Entre os anos de 2000 e 2011, a hanseníase foi responsável por 7.732 óbitos no país, sendo Tocantins responsável por importante carga de mortalidade específica pela doença. No Brasil como um todo, a carga de mortes foi maior entre os homens, os idosos e as pessoas da raça/cor da pele negra, e, quanto a sua distribuição espacial, nas regiões endêmicas do Norte e Nordeste.2O fato de ser uma enfermidade crônica, com potencial de complicações e efeitos adversos causados pelas medicações de uso prolongado, pode ocasionar mortes, principalmente em populações negligenciadas, embora a letalidade da doença seja considerada baixa.2 Em áreas hiperendêmicas, a falta de monitoramento dos indicadores de mortalidade por hanseníase aponta para negligência dos serviços de saúde, em especial da vigilância epidemiológica, e de pesquisadores.2A mortalidade por hanseníase é um assunto ainda pouco estudado. Particularmente, não há estudos voltados para uma melhor compreensão da mortalidade da doença no estado do Tocantins, a despeito de se tratar de uma área hiperendêmica. No sentido de preencher essa lacuna do conhecimento, o objetivo deste artigo foi analisar as tendências temporais e os padrões de distribuição espacial de óbitos relacionados à hanseníase no estado do Tocantins, no período de 2000 a 2015.

Métodos

Foi realizado um estudo descritivo de série temporal, com dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde. Incluíram-se todas as mortes ocorridas no estado do Tocantins entre os anos de 2000 e 2015, em que a hanseníase foi mencionada nos atestados de óbito como causa básica ou associada de morte (causas múltiplas de morte).10 As causas de morte relacionadas à hanseníase foram detectadas tendo por referência a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – 10ª Revisão (CID-10): A30 Hanseníase [doença de Hansen] [lepra]; A30.0 Hanseníase [lepra] indeterminada; A30.1 Hanseníase [lepra] tuberculoide; A30.2 Hanseníase [lepra] tuberculoide borderline; A30.3 Hanseníase [lepra] dimorfa; A30.4 Hanseníase [lepra] lepromatosa borderline; A30.5 Hanseníase [lepra] lepromatosa; A30.8 Outras formas de hanseníase [lepra]; A30.9 Hanseníase [lepra] não especificada (NE); e B92 Sequelas de hanseníase [lepra].11

Tocantins está localizado na região Norte do Brasil. É o mais novo estado do país (fundado em 1988), faz parte da região da Amazônia Brasileira e apresenta uma vegetação predominante de cerrado; sobre sua extensão territorial de 277.622km2, assenta-se uma população estimada em 1.532.902 habitantespara 2017. Composto por 139 municípios, o estado se divide em oito regiões de saúde criadas pela Comissão Intergestores Bipartite (CIB) em 2012: Capim Dourado, Ilha do Bananal, Sudeste, Cerrado Tocantins Araguaia, Médio Norte Araguaia, Amor Perfeito, Cantão e Bico do Papagaio.12 Esta divisão considerou os municípios com suas populações e densidades demográficas, visando à oferta de ações e serviços mínimos em cada território12. A taxa de urbanização do Tocantins cresceu de 40% em 1980 para 80% em 2010. Os dados sociodemográficos apontam para uma melhoria importante das condições de vida da população do estado nas duas últimas décadas.13

Os dados de mortalidade foram obtidos do SIM. São dados oriundos da Declaração de Óbito (DO) e estão disponíveis, para domínio público, no sítio eletrônico do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus).14 A DO é um documento padronizado, cujo preenchimento é de responsabilidade do profissional médico. Os dados foram baixados e processados da base do SIM; logo, foram selecionadas as mortes ocorridas no estado do Tocantins no período de 2000 a 2015. Os dados foram verificados quanto a sua completude, e os códigos com campos diferentes foram padronizados. Os registros de óbito podem ter mais de uma causa de morte na mesma linha, e nem todas as linhas foram preenchidas. Assim, criaram-se novas variáveis para causas de morte, se mais de uma causa estivesse registrada na mesma linha da DO. Dessa forma, foram identificados todos os óbitos em que a hanseníase foi registrada como causa básica – ou associada – de morte notificados no SIM.15

Os dados populacionais foram obtidos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base nos censos demográficos de 2000 e 2010 e nas estimativas das projeções populacionais para os anos intercensitários (2001-2009 e 2011-2015), disponibilizadas no sítio eletrônico do Datasus.14

Realizou-se a descrição das variáveis disponíveis no SIM:

  1. sexo (masculino; feminino);

  2. faixa etária (em anos: <15; 15-29; 30-39; 40-49; 50-59; 60-69; ≥70);

  3. raça/cor da pele (branca; preta; amarela; parda; indígena);

  4. estado civil (solteiro; casado; viúvo; separado/dirvorciado; outro; ignorado);

  5. escolaridade (em anos: nenhum; 1-3; 4-7; 8-11; ≥12);

  6. local de ocorrência do óbito (hospital; domicílio; via pública; outros estabelecimentos de saúde; outros); e

  7. região de saúde de residência (local/região de saúde);

  8. causas de morte (básica e associada).

Foi criada a variável ‘porte do município’ a partir da variável ‘região de saúde de residência’, categorizada em: pequeno porte I (<20 mil habitantes); pequeno porte II (20 a 49 mil hab.); médio porte (50 a 99 mil hab.); e grande porte (acima de 100 mil hab.). Os municipios foram agregados nas respectivas regiões de saúde, quais sejam: Capim Dourado, Ilha do Bananal, Sudeste, Cerrado Tocantins Araguaia, Médio Norte Araguaia, Amor Perfeito, Cantão e Bico do Papagaio.12

O coeficiente de mortalidade por hanseníase foi calculado pela divisão entre o número de óbitos por hanseníase e a população do Tocantins, por ano, e o resultado multiplicado por 100 mil.

A análise das tendências temporais dos coeficientes de mortalidade por hanseníase para o período de estudo foi realizada mediante aplicação do Programa de Regressão Joinpoint versão 4.1.0 (Joinpoint Trend Analysis Software version 4.1.0, US National Cancer Institute, Bethesda, MD, USA). As unidades geográficas para análise foram as regiões de saúde do estado. O objetivo dessa análise foi identificar uma mudança significativa na tendência linear (em uma escala de logarítmos [log]) durante o período de estudo.17 Foi considerado o ano de ocorrência como variável independente, e como variáveis dependentes, os indicadores de mortalidade por hanseníase segundo regiões de saúde. Os anos de avaliação com zero (0) registro de óbitos por região de saúde foram substituídos pelo valor 0,5 para que fosse possível executar a análise no modelo de regressão linear. A análise começou com o número mínimo de joinpoints (por exemplo: 0 joinpoint foi representado por uma linha reta); em seguida, testou-se um ou mais joinpoints para verificar se eram significativos e, caso o fossem inclusos no modelo. Nesse teste, chegou-se até 1 (um) joinpoint. Cada joinpoint significativo, indicativo de uma mudança na inclinação, foi retido no modelo final. Para descrever as tendências lineares por período, a annual percent change (APC) foi calculada para cada uma dessas tendências, com uma linha de regressão ajustada para o logaritmo natural dos indicadores. A APC foi estimada como a média geométrica ponderada das APCs, com os pesos iguais ao comprimento de cada segmento no intervalo de tempo.17 Um aumento nos indicadores foi considerado quando a tendência foi de crescimento e o valor mínimo do intervalo de confiança maior do que 0 (zero). Inversamente, uma redução foi considerada quando houve um declínio na tendência e o valor máximo do intervalo de confiança mostrou-se abaixo de 0 (zero). Uma situação de estabilidade foi definida quando o intervalo de confiança incluiu zero. As análises de regressão foram realizadas utilizando-se o modelo de regressão joinpoint referido.

Em seguida, analisaram-se os padrões de distribuição espacial de mortalidade relacionada à hanseníase, tendo os municípios de residência dos óbitos como unidades geográficas de análise (n=139). Os coeficientes de mortalidade médios para hanseníase foram calculados (por 100 mil hab.) para o período dos 16 anos selecionados pelos pesquisadores. Com o propósito de reduzir as variações aleatórias e proporcionar uma maior estabilidade dos coeficientes de mortalidade em municípios com pequenas populações e eventos raros, foram calculados os coeficientes de mortalidade suavizados (por 100 mil hab.) por meio do método bayesiano empírico local.19 Os óbitos com registros de residência em municípios de outros estados ou com município de residência desconhecido foram excluídos.

Os softwares ArcGIS versão 9.3 (Environmental Systems Research Institute [ESRI], Redlands, CA, USA) e TerraView versão 4.1 (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais [INPE], São José dos Campos, SP, Brasil) foram utilizados para o processamento e organização dos dados, cálculo dos indicadores brutos e suavizados e construção de mapas temáticos.

O estudo foi baseado em dados secundários de mortalidade de domínio público, disponíveis para acesso no sítio eletrônico do Datasus, cuja base de dados, anônimos, não permite a identificação de pessoas. Nesse sentido, não foi necessária a submissão do projeto do estudo à apreciação de um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP).

Resultados

No período de 2000 a 2015, foram registrados 93.021 óbitos no estado do Tocantins. Destes, a hanseníase foi identificada em 201 óbitos (0,2%), sendo 73 (36,3%) como causa básica e 128 (63,7%) como causa associada de morte (Tabela 1). O coeficiente médio de mortalidade relacionada à hanseníase foi de 0,7 óbitos/100 mil hab.

Tabela 1 – Características dos óbitos relacionados à hanseníase (n=201) no estado do Tocantins, 2000-2015 

Variáveis N %
Forma clínica/causa básica (n=73)    

Hanseníase não especificada (A30.9) 41 20,4
Sequelas de hanseníase (B92) 17 8,5
Hanseníase lepromatosa (A30.5) 5 2,5
Hanseníase indeterminada (A30.0) 4 2,0
Hanseníase tuberculoide (A30.1) 1 0,5
Outras formas de hanseníase (A30.8) 2 1,0
Hanseníase dimorfa (A30.3) 3 1,5

Sexo

Masculino 143 71,1
Feminino 58 28,9

Faixa etária (em anos)

<15 2 1,0
15-29 10 5,0
30-39 16 8,0
40-49 26 12,9
50-59 35 17,4
60-69 29 14,4
≥70 83 41,3

Raça/cor da pele

Branca 38 18,9
Preta 30 14,9
Amarela 1 0,5
Parda 124 61,7
Indígena 8 4,0

Estado civil

Solteiro 81 40,3
Casado 71 35,3
Viúvo 27 13,4
Separado/divorciado 13 6,5
Outro 5 2,5
Ignorado 4 2,0

Escolaridade (em anos de estudo completos)

Nenhum 84 41,7
1-3 56 27,9
4-7 27 13,4
8-11 13 6,5
≥12 2 1,0
Ignorado 19 9,5

Porte do município

Pequeno porte I 98 48,7
Pequeno porte II 17 8,5
Médio porte 20 10,0
Grande porte 66 32,8

Local de ocorrência

Hospital 136 67,6
Outros estabelecimentos de saúde 1 0,5
Domicílio 58 28,9
Via pública 1 0,5
Outros 5 2,5

Região de saúde de residência

Capim Dourado 35 17,4
Sudeste 12 6,0
Ilha do Bananal 28 13,9
Cerrado Tocantins Araguaia 25 12,4
Médio Norte Araguaia 51 25,3
Amor Perfeito 19 9,5
Cantão 16 8,0
Bico do Papagaio 15 7,5

Houve maior proporção de óbitos registrados nos anos de 2010 e 2013, com 10,0% para ambos. A idade mínima dos óbitos por hanseníase foi de 9 anos e a máxima de 98 anos, com uma média de 61 anos. Os coeficientes médios de óbitos por faixa etária foram de 0,03/100 mil hab. na faixa etária <15 anos, 0,17 entre 15 e 29, 0,50 entre 30 e 39, 1,17 entre 40 e 49, 2,51 entre 50 e 59 anos e 3,27 em >70 anos, esta última a mais elevada. Também se destacaram os óbitos acima de 70 anos (41,3%) e entre 50 e 59 anos (17,4%). Sobressaíram os óbitos para o sexo masculino (71,1%), com um coeficiente médio de 1,28 óbitos por 100 mil habitantes ao longo de todo o período analisado, de 2000 a 2015. Prevaleceram óbitos de pessoas na raça/cor da pele parda (61,7%), em registrados como solteiros (40,3%) e nos indivíduos sem nenhum ano de estudo (41,7%). Quanto ao local de ocorrência, 67,6% dos óbitos aconteceram em hospital. A região de residência predominante dos óbitos foi o Médio Norte Araguaia (25,3%) (Tabela 1).

Na análise de tendência temporal, o coeficiente bruto de mortalidade relacionado à hanseníase apresentou aumento significativo em nível estadual, no período 2000-2015 (APC=5,4 – IC95% 2,0;8,9), assim como nas regiões de saúde Sudeste (APC=9,7 – IC95% 3,1;16,8) e Capim Dourado (APC=10,1 – IC95% 4,7;15,8). As demais regiões de saúde apresentaram estabilidade para o indicador (Tabela 2).

Tabela 2 – Tendência temporal dos coeficientes brutos de mortalidade (por 100 mil hab.) relacionados à hanseníase segundo análise de regressão joinpoint no estado do Tocantins e suas regiões de saúde, 2000-2015 

Regiões de saúde (estado do Tocantins) APCa IC95%b
Tocantins 5,4c 2,0;8,9

Cantão -2,7 -9,5;4,5
Bico do Papagaio 1,3 -6,4;9,7
Médio Norte Araguaia -1,6 -9,5;6,9
Amor Perfeito 7,7 -3,1;19,7
Cerrado Tocantins Araguaia 4,1 -3,2;11,9
Ilha do Bananal 5,9 -0,4;12,6
Sudeste 9,7c 3,1;16,8
Capim Dourado 10,1c 4,7;15,8

a) APC: annual percentage change.

b) IC95%: intervalo de confiança de 95%.

c) Significativamente diferente de 0 (p<0,05).

No período 2000-2015, 48,9% dos municípios do estado do Tocantins registraram pelo menos um óbito relacionado à hanseníase (Figura 1A). O método bayesiano empírico local gerou indicadores corrigidos mais estáveis. O coeficiente de mortalidade bruto médio anual variou de 0,00 a 6,30 óbitos/100 mil hab., enquanto o indicador suavizado foi de 0,00 a 2,42 óbitos/100 mil hab. (Figuras 1A e 1B). Observou-se que 30,9% dos municípios apresentaram elevados coeficientes de mortalidade relacionados à hanseníase, em todas as regiões de saúde do estado, com maior concentração no Norte Araguaia e no Médio Araguaia.

Figura 1 – Distribuição espacial dos coeficientes médios de mortalidade relacionados à hanseníase (por 100 mil hab.), por município de residência, no estado do Tocantins, 2000-2015 

Discussão

Este estudo possibilitou uma compreensão abrangente dos padrões epidemiológicos da mortalidade por hanseníase no estado do Tocantins. Os resultados mostram um cenário de ocorrência relevante da mortalidade por hanseníase, uma doença negligenciada e considerada de baixa letalidade. Foi evidenciada maior magnitude de óbitos em homens, nos indivíduos das faixas etárias mais elevadas, em pessoas de raça/cor da pele parda e naqueles sem nenhuma ou com baixa escolaridade. As regiões de saúde Sudeste e Capim Dourado apresentaram incremento significativo nos casos de morte por hanseníase. A identificação espacial e temporal das áreas de risco permitiu a identificação de municípios prioritários na atenção à doença, entre as regiões de saúde com elevada mortalidade.

A condição de baixa letalidade, o longo período de latência, o estigma social, a observação direcionada para a causa básica de morte e os sub-registros podem contribuir para a abordagem da doença como condição aguda e favorecer o aumento de óbitos a ela atribuídos, dada a falta de manejo da hanseníase como condição crônica.9 As mudanças sistêmicas do organismo são as mais relacionadas ao óbito, nos estudos consultados, possivelmente relacionadas aos episódios reacionais, efeitos adversos às medicações e grau de infiltrações pela elevada carga bacilar, além de outras infecções.6Ressalta-se que o potencial letal da doença está associado às complicações dos episódios reacionais, e pode estar relacionado a insuficiência renal e sepse.21

É fato que a elevada mortalidade por hanseníase em idosos no Tocantins remete aos aspectos crônicos da doença, a uma possível relação com a menor capacidade de resposta ao tratamento poliquimioterápico (PQT) e a maior vulnerabilidade desse grupo etário, associada à gravidade da doença e a comorbidades preexistentes.9 Chama a atenção a magnitude dos anos potenciais de vida perdidos, decorrentes de mortes por hanseníase: quase metade dos óbitos ocorreu em idade economicamente ativa, indicando um importante impacto social e econômico.22 Apesar do predomínio de óbitos em faixas etárias mais elevadas, houve registro de mortes em crianças. Mortes de crianças relacionadas à hanseníase não são esperadas, diante do padrão de evolução e cronicidade da doença. Estes achados apontam para uma relação com o padrão de hiperendemicidade dessa faixa etária no estado do Tocantins, e consequentemente, transmissão ativa da doença e fragilidade dos programas de controle quanto à detecção precoce de fontes bacilíferas. Trata-se de uma relação que também envolve, especialmente, adultos migrantes e homens.1

A vulnerabilidade de adoecimento predominante da população masculina3 não só era esperada como foi constatada neste estudo. As razões explicativas desse fenômeno estão atreladas (i) às questões culturais, (ii) à maior exposição a ambiente de risco, (iii) à baixa procura por cuidados médicos e, ademais, (iv) às falhas dos serviços de saúde na adoção de estratégias específicas para o alcance desse público.25 O que era sabido, e foi confirmado por esta análise, é que a maior proporção de casos nas formas avançadas da doença ocorre na população masculina, favorecendo complicações graves e maior chance de mortalidade.2

Outro aspecto que marcou a vulnerabilidade para óbitos por hanseníase foi seu predomínio em pessoas da raça/cor da pele parda. Este achado pode-se dever à relação entre desigualdade social e condições de vida e saúde nesse grupo, corroborando resultados de outras pesquisas.2 O fato de quase 70% dos óbitos registrados contarem menos de 3 anos de escolaridade também configura – e reafirma – o caráter negligenciado da doença nas populações em situação de vulnerabilidade social8 Também foi identificada maior proporção de óbitos em cidades de pequeno porte, com menos de 20 mil habitantes; e recentemente, um estudo realizado no mesmo estado do Tocantins mostrou que a pobreza foi fator determinante para a ocorrência e transmissão da hanseníase, especialmente em municípios com menos de 50 mil habitantes.24 Todavia, não se pode descartar que a maior proporção de óbitos registrados por hanseníase nas regiões de saúde Amor Perfeito e Médio Norte Araguaia fosse influenciada pela maior e melhor capacidade de diagnose e de manejo clínico.

No que concerne à tendência temporal, encontrou-se um padrão de aumento significativo do coeficiente de mortalidade por hanseníase ao longo dos 16 anos observados, tanto no conjunto do estado como em suas regiões de saúde Sudeste e Capim Dourado, enquanto as demais regiões apresentaram estabilidade para esse coeficiente. Coincidentemente, os indicadores de incremento significativo de mortes encontrados para o estado também apresentaram estabilidade para o coeficiente de detecção de casos, com grau 2 de incapacidade física, e para o coeficiente de detecção em menores de 15 anos, conforme apontado em resultados de estudos de séries temporais realizados anteriormente no Tocantins.27

A análise espacial com indicadores brutos demonstrou heterogeneidade entre os elevados coeficientes de mortalidade por hanseníase nos municípios do estado. Os aglomerados encontrados pela suavização dos indicadores para óbitos por hanseníase corroboraram os aglomerados encontrados para o coeficiente de incidência da doença em pesquisas recentes.1 Um achado interessante foi a presença, dentro de uma mesma região de saúde, de municípios com elevados e baixos coeficientes suavizados, muito embora compartilhassem das mesmas características ambientais e sociodemográficas, além de esses municípios possuírem as mesmas pactuações de ofertas de serviços na regionalização da Saúde. Esse achado pode-se explicar pela melhor ou pior capacidade operacional dos serviços de saúde em cada localidade.13 A identificação espacial e temporal das áreas de risco ou hiperendêmicas permitiu a identificação de municípios prioritários entre as regiões de saúde com elevada mortalidade, o que pode servir de subsídio científico à organização e planejamento de ações para melhoria da atenção à saúde.

O estudo em tela pode apresentar limitações, por envolver a análise de bases de dados secundários do Sistema de Informações em Saúde (SIM), alimentados a partir do preenchimento da Declaração de Óbito (DO). Foram coletadas informações baseadas em múltiplas causas de morte, ou seja, a menção de hanseníase em qualquer campo, ao invés de apenas a causa subjacente, para permitir uma estimativa mais confiável da verdadeira magnitude da mortalidade relacionada ao bacilo de Hansen.

A tendência e distribuição espacial da mortalidade por hanseníase foi heterogênea, entre as diferentes regiões do estado, e permitiu a seleção de municípios prioritários na atenção à infecção. A hanseníase representa uma causa de morte negligenciada, uma vez que as medidas de controle podem ser fortalecidas, e o tratamento, disponibilizado. O estado deve empreender esforços para o alcance de indicadores aceitáveis, o que é possível mediante a implementação de medidas de controle sustentáveis, com a adoção do manejo apropriado e o monitoramento sistemático das complicações relacionadas à hanseníase, como reações graves da doença e efeitos adversos à poliquimioterapia.

Referências

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Editora associada: Suele Manjourany Duro - orcid.org/0000-0001-5730-0811

Recebido: 25 de Setembro de 2018; Aceito: 09 de Fevereiro de 2020

Endereço para correspondência: Lorena Dias Monteiro – Fundação Escola de Saúde Pública de Palmas, Quadra 405 Sul, Avenida LO 09, HM 06, Lote 11, S/N, Plano Diretor Sul, Palmas, TO, Brasil. CEP: 77015-418 E-mail: lorenamonteiro3@hotmail.com

Contribuição dos autores

Monteiro LD, Martins-Melo FR e Pires BS contribuíram com a concepção e delineamento do artigo, análise e interpretação dos dados e redação da primeira versão do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final e são responsáveis por todos os aspectos do trabalho, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

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