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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.29 no.3 Brasília jun. 2020  Epub 20-Maio-2020

http://dx.doi.org/10.5123/s1679-49742020000300002 

ARTIGO ORIGINAL

Fatores associados à insatisfação dos usuários dos centros de especialidades odontológicas do Brasil em 2014: estudo transversal*

Factores asociados con la insatisfacción de usuarios de los centros de especialidades odontológicas brasileños en 2014: estudio transversal

Fabíola Bof de Andrade (orcid: 0000-0002-3467-3989)1  , Rafaela da Silveira Pinto (orcid: 0000-0002-6169-7708)2 

1Fundação Oswaldo Cruz, Instituto René Rachou, Belo Horizonte, MG, Brasil

2Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento de Odontologia Social e Preventiva, Belo Horizonte, MG, Brasil

Resumo

Objetivo

avaliar os fatores associados à insatisfação dos usuários dos centros de especialidades odontológicas (CEOs) do Brasil.

Métodos

estudo transversal, com dados do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade dos CEOs; realizado em 2014, o estudo incluiu amostra não probabilística de usuários; foram classificados como insatisfeitos aqueles que responderam ser o atendimento por eles recebido regular, ruim ou muito ruim.

Resultados

foram incluídos 8.730 usuários, dos quais 4,8% relataram insatisfação; maior tempo de deslocamento até o serviço (OR=1,38 – IC95% 1,10;1,74) e maior tempo de espera (OR=1,37 – IC95% 1,07;1,75) associaram-se positivamente à insatisfação; encontrou-se associação negativa com o acolhimento (OR=0,12 – IC95% 0,09;0,16), a possibilidade de tirar dúvidas (OR=0,37 IC95% 0,24;0,58) e o recebimento de orientações (OR=0,33 – IC95% 0,25;0,44).

Conclusão

a insatisfação dos usuários teve baixa prevalência e foi associada a fatores relativos à organização dos serviços e ao recebimento de informação e apoio.

Palavras-Chave: Satisfação do Paciente; Saúde Bucal; Atenção Secundária à Saúde; Especialidades Odontológicas; Estudos Transversais

Resumen

Objetivo

evaluar los factores asociados con la insatisfacción de los usuarios de los centros de especialidades dentales (CEO) de Brasil.

Métodos

estudio transversal con datos del Programa de Mejoramiento de Acceso y Calidad de los Centros de Especialidad Dental de 2014, que incluyó una muestra no probabilística de usuarios; los que respondieron que el servicio recibido era regular, malo o muy malo fueron clasificados como insatisfechos.

Resultados

se incluyeron 8.730 usuarios, 4,8% reportaron insatisfacción; mayor tiempo de viaje (OR=1,38 – IC95% 1,10;1,74) y espera (OR=1,37 – IC95% 1,07;1,75) se asociaron positivamente con la insatisfacción; hubo asociación negativa con la recepción (OR=0,12 – IC95% 0,09;0,16), la posibilidad de despejar dudas (OR=0,37 – IC95% 0,24;0,58) y recibir orientación (OR=0,33 – IC95% 0,25;0,44).

Conclusión

la prevalencia de insatisfacción fue baja y se asoció con factores relacionados con la organización de los servicios y la recepción de información y apoyo.

Palabras-clave: Satisfacción del Paciente; Salud Bucal; Atención Secundaria de Salud; Especialidades Dentales; Estudios Transversales

Introdução

A satisfação do usuário é um importante marcador da qualidade dos serviços de saúde, 1 pois fornece informações sobre expectativas individuais em relação a diferentes fatores que integram o processo de avaliação dos serviços de saúde (e.g. estrutura e organização dos serviços; relações interpessoais entre profissionais/pacientes).1 O marcador ‘satisfação do usuário’ é útil para a avaliação da qualidade, elaboração e gestão de sistemas e serviços.(1 Nesse sentido, a insatisfação do usuário está relacionada a menor adesão ou interrupção dos tratamentos, menor procura pelos serviços e, consequentemente, piores desfechos.6

A falta da visão do usuário no processo avaliativo enviesa o resultado em direção à visão do gestor ou dos profissionais do serviço,4 pois a avaliação técnica é diferente da avaliação promovida pelo usuário.13Blendon et al.13 verificaram uma correlação negativa entre a avaliação subjetiva dos usuários dos serviços e o ranking de qualidade para sistemas de saúde estimado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Os dois países mais bem avaliados pela OMS foram classificados em décimo e décimo quinto lugares na apreciação de seus respectivos usuários.13 Diferenças entre avaliações de usuários e de profissionais de saúde também foram observadas, tendo como objeto os serviços odontológicos da Atenção Básica.14

Têm-se realizado pesquisas de avaliação da satisfação dos usuários com a qualidade dos serviços de saúde prestados a eles, especialmente nos países de alta renda. No Brasil, esses estudos tiveram início na década de 1990, particularmente comprometidos com a efetivação do Controle Social, pautado na participação da sociedade na avaliação e planejamento dos serviços prestados pelo sistema.7 São estudos incipientes, mais ainda quando centram seu foco nos serviços odontológicos especializados. Não há uma estimativa nacional sobre a satisfação dos usuários dos serviços da Atenção Secundária no âmbito dos centros de especialidades odontológicas (CEOs). Os estudos disponíveis sobre esse tema envolveram CEOs de capitais9 ou estados da região Nordeste,10 além de um estado do Sudeste.12 A despeito das diferenças na mensuração dos desfechos, o que dificulta a comparabilidade das prevalências encontradas, os resultados desses trabalhos coincidem quanto à elevada satisfação dos usuários consultados.

Estudo realizado no ano de 2013, com usuários assistidos em CEOs do estado de Minas Gerais,12 verificou que a melhor autopercepção de saúde bucal e o menor tempo de espera no consultório aumentaram as chances de satisfação com o atendimento.

A criação do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade dos Centros de Especialidades Odontológicas (PMAQ-CEO), em 2014, significa o reconhecimento da Saúde Pública à importância da avaliação da qualidade desse serviço odontológico de caráter público, em suas diferentes etapas e níveis. O PMAQ-CEO foi desenhado para subsidiar a definição de parâmetros e certificação da qualidade, com vistas à melhoria e expansão das ações de atenção e prevenção em saúde bucal para todo o território nacional, inclusive da avaliação da satisfação dessas ações com base em amostra de usuários.15

O presente estudo teve por objetivo avaliar os fatores associados à insatisfação dos usuários dos centros de especialidades odontológicas – CEOs – do Brasil.

Métodos

Foi realizado um estudo transversal, com dados do PMAQ-CEO, realizado em 2014.

O programa avaliou os usuários de serviços habilitados pelo Ministério da Saúde. Chegou-se a uma amostra final de 930 CEOs, definida depois de excluídos 54 (5%) centros cadastrados, mais precisamente, (i) os fechados, (ii) aqueles em reforma, (iii) os desabilitados pelo Ministério da Saúde ou (iv) os que recusaram participar da etapa de avaliação externa.16 A coleta de dados foi feita por entrevistadores devidamente treinados. Em cada serviço, foram entrevistados dez usuários com idade igual ou superior a 18 anos, em tratamento ou que tiveram o tratamento concluído no último ano.17 O procedimento de amostragem foi não probabilístico. Neste estudo foram incluídos todos os indivíduos com informações completas para as variáveis de interesse (n=8.730), e excluídos 167 (1,9%).

A coleta de dados foi feita nos serviços, mediante aplicação de um questionário com o objetivo de avaliar a percepção dos usuários sobre os serviços especializados de saúde bucal, seu acesso e utilização.

A variável dependente foi a satisfação dos usuários com os serviços prestados pelos CEOs do Brasil. Esta avaliação foi feita por meio da seguinte pergunta constante do questionário do PMAQ-CEO:

Na sua opinião, de forma geral o atendimento que o(a) senhor(a) recebe neste CEO é:

A questão previa cinco opções de resposta – muito bom; bom; regular; ruim; muito ruim –, dicotomizadas entre ‘satisfeito’ (muito bom/bom) e ‘não satisfeito’ (regular/ruim/muito ruim).

As variáveis independentes foram classificadas da seguinte forma:

a) características sociodemográficas

  • sexo (masculino; feminino);

  • idade (em anos: 18-39; 40-64; 65 ou mais);

  • escolaridade (ensino fundamental incompleto; ensino médio incompleto; ensino superior incompleto; ensino superior completo); e

  • macrorregião do país (Norte; Nordeste; Sudeste; Sul; Centro-Oeste).

b) indicadores de insatisfação, conforme estudos prévios – organização dos serviços(14 (tempo de deslocamento até o serviço [até 20 minutos; ≥21 minutos]), tempo de espera para início do tratamento (até um mês; mais de um mês), atendimento com hora marcada (não; sim), acolhimento (bom; ruim)], informação e apoio14 (orientação sobre o tratamento durante a consulta [sim; não], orientação durante o tratamento [sim; não] e esclarecimento de dúvidas [não; sim]); e estrutura do serviço14 (avaliação das instalações do serviço [bom; ruim]).

As perguntas referentes a cada indicador de insatisfação são apresentadas na Figura 1.

Figura 1 – Perguntas referentes aos indicadores de insatisfação dos usuários com o serviço prestado nos centros de especialidades odontológicas, com base nos dados do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade dos Centros de Especialidades Odontológicas (PMAQ-CEO) 

Foi realizada análise bruta, e análise multivariável por regressão logística. As variáveis que apresentaram nível de significância inferior a 0,20 na análise bruta foram incluídas no modelo multivariado. As estimativas do modelo foram apresentadas por meio de razões de chances (odds ratios), com os respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). Foram incluídos na análise de dados os participantes do estudo que dispunham informações completas para todas as variáveis de interesse. Todas as análises foram realizadas comuso do programa Stata/SE versão 14.0.

A coleta de dados do PMAQ-CEO foi conduzida dentro dos padrões exigidos pela Declaração de Helsinque. O PMAQ-CEO foi aprovado pelo Conselho de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco (CEP/CCS/UFPE), sob o registro nº 740.974; e recebeu o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) no 23458213.0.0000.5208, em 6 de agosto de 2014. Os dados do PMAQ-CEO são de domínio público.

Resultados

Foram entrevistados 8.730 usuários dos centros de especialidades odontológicas; a prevalência de insatisfação com o serviço, entre eles, foi de 4,8% (IC95% 4,4;5,3).

A Tabela 1 apresenta a distribuição da amostra segundo as variáveis independentes. A maior parte dos entrevistados era do sexo feminino (69,9%), a maior parcela de atendidos por faixa etária se encontrava entre os 18 e os 39 anos (48,9%), mais de um terço tinha o ensino fundamental incompleto (37,5%) e uma proporção ligeiramente maior residia na região Nordeste (38,2%). Quanto à organização dos serviços, a maioria dos respondentes teve um tempo de deslocamento ao CEO de até 20 minutos (59,3%), esperou até um mês pelo atendimento (70,9%), foi atendido sem hora marcada (52,7%) e considerou-se bem acolhido (95,1%).

Tabela 1 – Descrição das variáveis para a amostra total e para o subgrupo de indivíduos insatisfeitos com o atendimento recebido, entre usuários dos centros de especialidades odontológicas, com base nos dados do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade dos Centros de Especialidades Odontológicas (PMAQ-CEO), Brasil, 2014 

Variáveis Amostra total % (IC95%)a Insatisfeitos % (IC95%)a
Sociodemográficas
Sexo    
Masculino 30,1(29,1;31,0) 5,2(3,3;4,8)
Feminino 69,9(69,0;70,9) 4,0(4,6;5,7)
Idade (em anos)
18; 39 48,9(47,8;49,9) 5,9(5,2;6,6)
40; 64 42,9(41,9;44,0) 4,1(3,5;4,8)
≥65 8,2(7,7;8,8) 2,2(1,4;3,6)
Escolaridade
Ensino fundamental incompleto 37,5(36,5;38,5) 4,3(3,6;5,0)
Ensino médio incompleto 21,1(20,3;22,0) 5,3(4,4;6,4)
Ensino superior incompleto 34,8(33,8;35,8) 5,2(4,5;6,1)
Ensino superior completo ou mais 6,6(6,1;7,2) 3,6(2,4;5,5)
Macrorregião do país
Norte 5,5(5,1;6,0) 9,3(7,1;12,3)
Nordeste 38,2(37,2;39,3) 6,6(5,8;7,5)
Sudeste 37,2(36,2;38,2) 3,2(2,6;3,8)
Sul 12,7(12,0;13,4) 2,4(1,6;3,5)
Centro-Oeste 6,3(5,8;6,8) 4,3(2,9;6,3)
Organização dos serviços
Tempo de deslocamento até o serviço
Até 20 minutos 59,3(58,2;60,3) 4,0(3,5;4,6)
21 minutos ou mais 40,7(39,7;41,8) 5,9(5,1;6,7)
Tempo de espera para início do tratamento
Até um mês 70,9(69,9;71,8) 4,0(3,5;4,5)
Um mês ou mais 29,1(28,2;30,1) 6,8(5,9;7,8)
Atendimento com hora marcada
Não 52,7(51,7;53,8) 6,5(5,8;7,2)
Sim 47,3(46,2;48,3) 2,9(2,5;3,5)
Acolhimento
Ruim 4,9(4,5;5,4) 3,8(3,4;4,3)
Bom 95,1(94,6;95,5) 3,1(2,7;3,5)
Informação e apoio
Orientação sobre o tratamento durante a consulta
Não 11,8(11,2;12,5) 15,3(13,3;17,6)
Sim 88,2(87,5;88,9) 3,4(3,0;3,8)
Orientação durante o tratamento
Não 10,6(10,0;11,3) 13,0(11,0;15,3)
Sim 89,4(88,7;90,0) 3,8(3,4;4,3)
Esclarecimento de dúvidas
Não 2,5(2,2;2,9) 28,4(22,9;34,7)
Sim 42,5(41,5;43,6) 3,4(2,9;4,1)
Não precisou tirar 55,0(53,9;56,0) 4,7(4,2;5,4)
Estrutura do serviço
Avaliação das instalações
Boas 81,4(80,5;82,2) 1,8(1,6;2,2)
Ruins 18,6(17,8;19,5) 17,7(15,9;19,6)

a) IC95%: intervalo de confiança de 95%.

Na análise bruta, todas as variáveis independentes incluídas mostraram-se associadas à insatisfação com os serviços recebidos, exceto a escolaridade (Tabela 2). Na análise multivariável (Tabela 2; Figura 2), a insatisfação com os serviços não se associou a características sociodemográficas. A chance de insatisfação foi maior entre aqueles que relataram maior tempo de deslocamento até o serviço (OR=1,38 – IC95% 1,10;1,74), que esperaram um mês ou mais pelo atendimento (OR=1,37 – IC95% 1,07;1,75), e os que avaliaram a estrutura do serviço como ruim (OR=6,94 – IC95% 5,49;8,77). Os participantes que relataram bom acolhimento apresentaram 88% menos chances de insatisfação (OR=0,12 – IC95%0,09;0,16), comparados aos que não se sentiram bem acolhidos. Menores chances de insatisfação também foram observadas entre os indivíduos que tiveram suas dúvidas sobre o tratamento esclarecidas (OR=0,37 – IC95% 0,24;0,58) e os que foram orientados sobre o tratamento durante a consulta (OR=0,33 – IC95% 0,25;0,44).

Tabela 2 – Análises bruta e ajustada dos fatores associados à insatisfação quanto ao atendimento recebido pelos usuários dos centros de especialidades odontológicas, com base nos dados do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade dos Centros de Especialidades Odontológicas (PMAQ-CEO), Brasil, 2014 

Variáveis Análise bruta Análise ajustada
ORa (IC95%) b p-valorc ORa (IC95%) b p-valorc
Sociodemográficas
Sexo   0,021   0,761
Masculino 1,00   1,00  
Feminino 1,31(1,04;1,64)   1,04(0,80;1,36)  
Idade (em anos)   <0,001   0,237
18-39 1,00   1,00  
40-64 0,69(0,56;0,85)   0,86(0,68;1,09)  
≥65 0,37(0,22;0,61)   0,67(0,38;1,18)  
Escolaridade   0,138    
Fundamental incompleto 1,00      
Médio incompleto 1,24(0,95;1,61)   -  
Superior incompleto 1,22(0,96;1,53)   -  
Superior completo 0,83(0,52;1,32)   -  
Macror região do país   <0,001   0,002
Norte 1,00   1,00  
Nordeste 0,67(0,48;0,94)   0,77(0,52;1,14)  
Sudeste 0,32(0,22;0,46)   0,56(0,36;0,86)  
Sul 0,22(0,13;0,36)   0,40(0,23;0,71)  
Centro-Oeste 0,41(0,25;0,69)   0,42(0,23;0,77)  
Organização dos serviços 0,162
Hora marcada   <0,001    
Não 1,00   1,00  
Sim 0,42(0,34;0,53)   0,82(0,62;1,08)  
Tempo de deslocamento até o serviço   <0,001   0,006
Até 20 minutos 1,00   1,00  
21 minutos ou mais 1,51(1,24;1,84)   1,38(1,10;1,74)  
Tempo de espera para início do tratamento <0,001   0,011
Até um mês 1,00   1,00  
Um mês ou mais 1,72(1,41;2,10)   1,37(1,07;1,75)  
Acolhimento   <0,001   <0,001
Ruim 1,00   1,00  
Bom 0,05(0,04;0,06)   0,12(0,09;0,16)  
Informação e apoio        
Dúvidas   <0,001   <0,001
Não 1,00   1,00  
Sim 0,09(0,07;0,13)   0,37(0,24;0,58)  
Não precisou tirar 0,13(0,09;0,18)   0,41(0,27;0,63)  
Orientação durante o tratamento <0,001   0,095
Não 1,00   1,00  
Sim 0,27(0,22;0,34)   0,77(0,56;1,05)  
Orientação sobre o tratamento durante a consulta <0,001   <0,001
Não 1,00   1,00  
Sim 0,19(0,16;0,24)   0,33(0,25;0,44)  
Estrutura do serviço        
Avaliação das instalações <0,001   <0,001
Boas 1,00   1,00  
Ruins 11,50(9,28;14,25)   6,94(5,49;8,77)  

a) Odds ratio: razão de chances.

b) IC95%: intervalo de confiança de 95%.

c) Valor de p obtido pelo teste de Wald.

Figura 2 – Resultados do modelo múltiplo de regressão logística para os fatores associados à insatisfação quanto ao atendimento recebido pelos usuários dos centros de especialidades odontológicas, com base nos dados do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade dos Centros de Especialidades Odontológicas (PMAQ-CEO), Brasil, 2014 

Discussão

O estudo demostrou baixa prevalência de insatisfação entre os usuários do serviço prestado pelos CEOs brasileiros, associada à organização dos serviços, ao recebimento de informação e apoio, e à avaliação geral das instalações dessas unidades odontológicas, embora não se mostrasse relacionada a fatores sociodemográficos individuais.

A elevada prevalência de satisfação entre usuários de serviços públicos de saúde no Brasil tem sido consistentemente descrita na literatura.9 A prevalência de satisfação com os serviços dos CEOs no país revelou-se superior à relatada por Kitamura et al.12 para a região sudeste de Minas Gerais (86,78%). Outro estudo, realizado na rede pública de saúde do Rio Grande do Norte em 2009, observou 90,9% de satisfação entre usuários dos CEOs.21As diferenças nas prevalências reveladas – entre os poucos estudos disponíveis – refletem distintos métodos de aferição. Igualmente, têm-se observado diferenças entre serviços segundo a região do país, conforme demonstra este trabalho. A maior prevalência de satisfação entre os usuários dos serviços odontológicos especializados, quando comparada à satisfação com a Atenção Básica,20 confirma resultado de estudo anterior;23 todavia, os motivos para a diferença encontrada entre os níveis da atenção à saúde não foram objeto de estudos.

Pode-se atribuir a elevada satisfação de usuários dos serviços públicos de saúde, ainda que parcialmente, ao viés de seleção. Este estaria relacionado ao fato de que a maioria dos estudos, incluído o presente, avaliaram o desfecho ao final do tratamento e nos próprios serviços, aumentando assim a probabilidade de superestimação da medida, pois pacientes insatisfeitos tendem a descontinuar o tratamento ou a não procurar mais o serviço.24 O viés de gratidão também está entre as explicações para a elevada prevalência dessa satisfação nos países em desenvolvimento:25 o receio de perder o direito ao tratamento,1 ou o entendimento do serviço público como favor e não como direito civil, pode aumentar a chance de avaliações positivas pelos usuários, impedindo um posicionamento mais crítico sobre o atendimento recebido.17 Este segundo viés, contudo, deve ser mais bem avaliado no que se refere aos serviços públicos no Brasil: estudos recentes não encontraram diferenças entre o tipo de serviço odontológico, seja ele público ou privado, e a satisfação de seus usuários, independentemente da idade – à exceção dos adolescentes.

Com relação aos fatores associados, a ausência de relação entre as condições socioeconômicas e a insatisfação dos usuários corrobora achados de outros estudos, realizados sob o mesmo enfoque deste trabalho, tenham eles como objeto os CEOs10 ou os serviços odontológicos oferecidos pela Atenção Básica do Sistema Único de Saúde (SUS).19 Revisão sistemática recente26 demonstrou que a associação entre as condições sociodemográficas e a satisfação com os serviços de saúde é fraca e inconsistente. As associações mais consistentes foram aquelas relativas às características de qualidade do serviço, especialmente das relações interpessoais paciente/profissional de saúde, e os fatores ligados à organização dos serviços.

Vale destacar que a ausência de desigualdade socioeconômica em relação à insatisfação com os serviços é um resultado positivo para os serviços de saúde avaliados e indica que o SUS está atingindo parte de seus objetivos, que incluem a promoção da equidade.

O presente estudo ressalta a importância da organização do serviço e das medidas de informação e apoio relacionadas à comunicação entre profissional/paciente. Indivíduos que não receberam orientação sobre o tratamento e não esclareceram suas dúvidas nas consultas ao CEO apresentaram maiores chances de insatisfação. Estes achados não correspondem aos de Kitamura et al.,12 cujas diferenças na categorização do desfecho e das medidas de informação e apoio dificultam a comparação de seus resultados com os deste trabalho. Porém, no que se refere à Atenção Básica, tanto para o tratamento odontológico20 quanto para outras condições de saúde,22 a comunicação e inter-relação com o profissional tem sido um importante marcador da satisfação do paciente com o serviço. Roberto et al.,20 em pesquisa realizada no ano de 2009, no município de Montes Claros, estado de Minas Gerais, observaram que indivíduos com acesso à informação sobre prevenção e promoção da saúde bucal apresentaram 67% menos chances de insatisfação com os serviços odontológicos. De acordo com os resultados deste estudo, os brasileiros que receberam orientação sobre o tratamento durante a consulta odontológica apresentaram 71% menos chances de insatisfação com o serviço. Segundo Donabedian,1 a relação interpessoal é o veículo pelo qual o cuidado técnico é implementado, e dela depende seu êxito.

Quanto à organização dos serviços, verificou-se associação da insatisfação com todos os fatores avaliados, salvo o atendimento com hora marcada. Kitamura et al.12 também observaram que o tempo despendido na sala de espera do CEO se associou a um menor escore de satisfação entre seus usuários. O maior tempo de deslocamento para chegar ao serviço e o maior tempo de espera pelo início do tratamento aumentaram em 40% as chances de insatisfação. Semelhantemente aos resultados deste trabalho, um estudo anterior, sobre a Atenção Básica no Brasil, verificou que usuários de serviços muito distantes ou moderadamente distantes de sua residência referiram insatisfação com maior frequência.22 A demora para conseguir o atendimento pelo CEO reflete o descompasso entre a ampliação dos serviços da Atenção Básica e da Atenção Secundária à saúde bucal,20 com possível impacto nos desfechos clínicos. Conforme proposto anteriormente,27 o tempo de espera afeta a disposição dos pacientes para retornarem aos serviços.

Ainda com relação às medidas de organização dos serviços, aqueles que classificaram o acolhimento como ruim apresentaram maior chance de insatisfação. Segundo Souza et al.,28 o acolhimento pela Atenção Básica é fundamental para atender às necessidades do usuário, criar um vínculo entre ele e a equipe de saúde, desencadear o cuidado integral e modificar o atendimento clínico, além de permitir a avaliação do processo a partir da experiência do beneficiário. Assim, é mister destacar a oportunidade de ação para melhoria da qualidade dos serviços, representada pelo acolhimento dos usuários.

Entre os pontos fortes do estudo, cabe mencionar o fato de ser o primeiro a avaliar os fatores associados à insatisfação com os serviços odontológicos prestados nos CEOs do Brasil com base nos dados do PMAQ-CEO, coletados segundo métodos padronizados. A baixa proporção de casos excluídos devido a não resposta (1,9%) pode ser considerada outro ponto forte da pesquisa em tela. Não obstante, existem limitações inerentes ao desenho do PMAQ-CEO capazes de influenciar os resultados, entre elas o uso de uma amostra não probabilística de usuários, selecionados no próprio serviço, o que, conforme exposto, pode ter subestimado a medida de insatisfação. Ademais, a diferença entre o número de usuários entrevistados em alguns serviços deve ser considerada ao se interpretar os resultados.

Apesar dessas limitações, a extensão do PMAQ-CEO e a inexistência de outro estudo que tenha a sua disposição dados do país tão abrangentes, tornam estes achados importantes enquanto fonte de informação para a avaliação da qualidade do serviço, e possíveis de serem comparados com as próximas fases do estudo, possibilitando a avaliação desses indicadores de qualidade.

Concluiu-se que é baixa a insatisfação dos usuários dos CEOs do Brasil com o serviço recebido, não havendo associação desse desfecho com características sociodemográficas. Os fatores associados à insatisfação ressaltam a importância de esforços para a garantia da qualidade, voltados para a própria organização do serviço, por meio da melhoria da eficiência administrativa e também para o aprimoramento das abordagens de informação e apoio que garantam a interação entre paciente/profissional de saúde.

Referências

1. Donabedian A. The Quality of Care: How Can It Be Assessed? JAMA. 1988;260(12):1743-8. [ Links ]

2. De Geyndt W. Managing the quality of health care in developing countries [Internet]. The World Bank; 1995. Report No.: WTP258. Available in: http://documents.worldbank.org/curated/en/898741468739761841/Managing-the-quality-of-health-care-in-developing-countriesLinks ]

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Editor associado: Bruno Pereira Nunes - orcid.org/0000-0002-4496-4122

*Estudo financiando com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), órgão vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC): Processo no403049/2016-4.

Recebido: 17 de Outubro de 2019; Aceito: 01 de Abril de 2020

Endereço para correspondência: Fabiola Bof de Andrade – Av. Av. Augusto de Lima, no 1715, Barro Preto, Belo Horizonte, MG, Brasil. CEP: 30190-002 E-mail: fabiola.bof@fiocruz.br

Contribuição das autoras

Andrade FB contribuiu com a concepção e delineamento do artigo, análise e interpretação dos dados e redação do manuscrito. Pinto RS contribuiu com a concepção e delineamento do artigo, interpretação dos dados e redação do manuscrito. Ambas as autoras aprovaram a versão final e declaram-se responsáveis por todos os aspectos do trabalho, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

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