No contexto da pandemia da COVID-19, o fenômeno denominado “infodemia” tem se destacado. O termo se refere a “um grande aumento no volume de informações associadas a um assunto específico, que podem se multiplicar exponencialmente em pouco tempo devido a um evento específico, como a pandemia atual. Nessa situação, surgem rumores e desinformação, além da manipulação de informações com intenção duvidosa. Na era da informação, esse fenômeno é amplificado pelas redes sociais e se alastra mais rapidamente, como um vírus”.1
O excesso de informações, muitas vezes conflitantes, torna difícil encontrar aquelas que são verdadeiramente úteis para orientar as pessoas, e pode dificultar a tomada de decisão por gestores e profissionais da saúde, especialmente quando não há tempo hábil para avaliar as evidências disponíveis. Ademais, o constante bombardeio de informações que alcança as pessoas por diversos meios e mídias (como televisão, rádio, computador, tablets, smartphones, jornais impressos ou eletrônicos, blogs, mídias sociais, aplicativos de conversas) acaba por sobrecarregá-las.3 Com isso, muitas vezes, as pessoas se tornam ansiosas, deprimidas, ou até mesmo exauridas e incapazes de responder às demandas que se apresentam.1
A divulgação de informações claras, consistentes e baseadas em evidências é fundamental para o enfrentamento à pandemia. Contudo, nas mídias sociais, qualquer pessoa pode manifestar ideias ou compartilhar notícias, muitas vezes sem embasamento científico ou fonte confiável, nem qualquer controle sobre o conteúdo. Só recentemente, proprietários e responsáveis por grandes plataformas de mídia social começaram a privilegiar fontes oficiais de informações sobre a pandemia e a bloquear conteúdo inadequado.4
De fato, a divulgação de informações falsas pode trazer consequências desastrosas para indivíduos e comunidades. No Reino Unido, foram compartilhadas massivamente teorias infundadas que atribuíam à tecnologia de telefonia móvel 5G a responsabilidade pela propagação do novo coronavírus. Como consequência, pessoas que acreditaram em tal falácia incendiaram quase 100 torres de telefonia móvel e agrediram funcionários das operadoras.5 No Irã, onde circularam notícias falsas de que beber álcool forneceria alguma proteção contra a COVID-19 ou mataria o coronavírus, mais de 700 pessoas morreram após tomarem álcool de origem desconhecida e contaminado com metanol.7
No Brasil, não foram observadas situações tão extremas. Contudo, a circulação de notícias falsas é intensa. Principalmente por meio das mídias sociais – WhatsApp, Facebook e Instagram –, são disseminadas informações falsas, como a inexistência de casos de COVID-19, inclusive com imagens de leitos hospitalares desocupados, e aquelas que relatam métodos caseiros para a prevenção do contágio pelo coronavírus, tratamentos sem comprovação científica de eficácia, e teorias conspiratórias que atribuem a pandemia a uma estratégia política, com posicionamentos contrários às medidas de distanciamento social necessárias à contenção da propagação da doença.8
Tal situação é preocupante, tendo em vista que essas mídias alcançam elevada parcela da população. Ademais, a internet é importante fonte de busca de informações sobre as medidas de prevenção da COVID-19 no cenário nacional. Estudo revelou que os períodos de aumento do interesse sobre a COVID-19 ocorreram após a divulgação dos principais marcos epidemiológicos da doença no país pelos meios de comunicação.9 Além disso, os resultados sugerem possíveis lacunas de informação sobre algumas das principais formas de prevenção, o que contribui para a propagação de informações falsas.
Desde o início da pandemia, o Ministério da Saúde (MS) tem atuado no sentido de enfrentar as notícias falsas e fornecer informações confiáveis para a população e a imprensa.10 O site do MS (https://www.saude.gov.br/fakenews) traz uma lista de notícias falsas, o que se sabe realmente sobre o assunto em questão, e recomendações para a prevenção da COVID-19. Exemplos são apresentados na Figura 1. O MS também disponibilizou um número de WhatsApp (61 - 99289 4640) para envio de mensagens recebidas nas mídias sociais contendo informações duvidosas, cuja veracidade deverá ser apurada pelas áreas técnicas, dando-se retorno oficial, em seguida, a tais mensagens. A principal forma de minimizar a infodemia é orientar as pessoas para que verifiquem a fonte e a veracidade das informações antes de compartilhá-las ou de as utilizarem como orientação. Ou seja, deve ser priorizada a qualidade, em vez da quantidade de informações.
Em julho de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS), reconhecendo a importância de responder à infodemia, promoveu a primeira conferência científica sobre o tema.11 Foram reunidos 110 especialistas, os quais concluíram que tal epidemia de desinformação requer uma resposta coordenada e multidisciplinar. Do mesmo modo que as autoridades sanitárias se apoiam na ciência da epidemiologia para a tomada de decisões na resposta à pandemia, são necessárias ferramentas e intervenções baseadas em evidências para o enfrentamento à infodemia, baseadas na ciência da gestão de infodemias, denominada “infodemiologia”.12 Nesse contexto, foram definidos quatro pilares para a gestão das infodemias: (1) monitoramento de informações (vigilância); (2) fortalecimento da capacidade de alfabetização em saúde digital e ciência; (3) incentivo a processos de aprimoramento da qualidade das informações, como verificação de fatos e revisão por pares; e (4) tradução precisa e oportuna do conhecimento, minimizando fatores de distorção, como influências políticas ou comerciais.13
A OMS destaca, também, o papel dos cientistas e das revistas científicas, que têm o dever de divulgar os resultados das pesquisas de forma ampla e oportuna, e devem buscar comunicar os resultados das pesquisas de modo compreensível para a população.1 Ainda, no contexto da pandemia da COVID-19, são amplificados problemas relacionados ao desperdício em pesquisa, abrangendo perguntas de pesquisa frágeis, desenhos de pesquisa inadequados, diversas formas de ineficiência nos estudos, e relatos deficientes dos resultados, que podem contribuir para o agravamento da infodemia.15 Tal situação reforça a relevância do papel dos periódicos na triagem e aprimoramento da qualidade das publicações científicas.
Em alinhamento com as boas práticas na publicação científica e com as recomendações da OMS, a Epidemiologia e Serviços de Saúde: revista do Sistema Único de Saúde do Brasil (RESS) está empreendendo esforços com o intuito de publicar conteúdo de qualidade relacionado à vigilância, prevenção e controle da COVID-19 de forma oportuna e com ampla divulgação. Entre as iniciativas adotadas, destacam-se o lançamento de uma chamada para artigos sobre o tema, a aceleração do processamento de tais artigos (fast tracking) e a criação de uma página específica no sítio eletrônico da revista (https://bit.ly/30Gu7Dg). Além disso, os artigos têm sido divulgados no blog SciELO em Perspectiva (https://blog.scielo.org/), com a publicação de press releases.