Introdução
As intoxicações exógenas são manifestações patológicas, causadas pela interação do sistema biológico com substâncias tóxicas, e podem ocorrer pela ingestão ou contato do agente tóxico com a pele, os olhos ou as mucosas.1 Os agrotóxicos, substâncias desenvolvidas para intervir em processos biológicos naturais, são produtos tóxicos, eminentemente danosos à saúde humana e ao meio ambiente. Os agrotóxicos estão envolvidos em muitos dos casos de intoxicação exógena, principalmente nos países de renda média e baixa em desenvolvimento e/ou emergentes.2
O Brasil é um dos principais consumidores de agrotóxicos no mundo. Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), de 2005 até metade de 2019, foram registrados 2.940 produtos classificados como agrotóxicos.3 O setor da Agricultura é o que mais utiliza esses compostos químicos, além da própria Saúde Pública no controle de vetores e doenças, na medicina veterinária e no ambiente doméstico, principalmente no controle de insetos e pragas.4
No Rio Grande do Sul, as atividades agropecuárias são de grande relevância para a economia. O modelo de produção agrícola predominante, de monocultura e convencional, agroquímico, utiliza grande volume de agrotóxicos, sendo o estado um dos líderes na comercialização de agrotóxicos no país.5 Esse extenso uso de agrotóxicos no sistema produtivo rural aumenta não só a exposição do trabalhador aos agentes tóxicos senão também da população, pela contaminação da água, do solo, do ar e dos alimentos.6
A vigilância em saúde nas intoxicações exógenas por agrotóxicos tem, entre seus objetivos principais, reduzir a morbimortalidade pelo agravo nas populações expostas, mediante ações de promoção e proteção à saúde e prevenção do adoecimento. Por meio da notificação de um caso exposto ao agente tóxico, é possível realizar o monitoramento da ocorrência do agravo para o planejamento de ações estratégicas de controle.7 Não obstante, há escassez de estudos recentes que incluam fatores relacionados à exposição humana aos agrotóxicos no Rio Grande do Sul que possam subsidiar as ações da vigilância em saúde.
O presente estudo objetivou descrever o perfil das notificações de intoxicação exógena por agrotóxicos no estado, no período de 2011 a 2018.
Métodos
Estudo descritivo de análise sobre dados secundários de notificação de intoxicação exógena por agrotóxicos no estado do Rio Grande do Sul, Brasil, no período de 2011 a 2018.
O Rio Grande do Sul possui mais de 11 milhões de habitantes, distribuídos em 497 municípios. Situado na região Sul do país, o estado dispõe de uma área territorial de 281.707,151km.2,8 Com a maior parte da economia baseada na agricultura e pecuária, em 2014, o Rio Grande do Sul era o quinto estado brasileiro com maior volume de comercialização de agrotóxicos e letalidade de intoxicação por esses produtos: 3,77 casos por 100 mil hab., superior à taxa média nacional.9
O Ministério da Saúde integrou a intoxicação exógena (incluindo a intoxicação por agrotóxicos) à lista de notificação compulsória, com a publicação da Portaria GM/MS no 2.472, em 31 de agosto de 2010, tornando obrigatório o registro, no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), de todo caso suspeito de intoxicação por agrotóxicos. Esta notificação deve ser realizada em qualquer caso suspeito, definido como todo aquele indivíduo que tenha sido exposto a substâncias químicas, apresente sinais e sintomas clínicos de intoxicação e/ou alterações laboratoriais provavelmente ou possivelmente compatíveis.10
Para a coleta de dados, foi utilizado o programa Tabnet, um tabulador genérico do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), do Ministério da Saúde, que disponibiliza, publicamente, dados das notificações de intoxicação exógena do Sinan. Os dados são gerados a partir do preenchimento das fichas de investigação de intoxicação exógena e são alimentados pelas secretarias municipais de saúde, unificados em nível estadual e consolidados em um banco de dados nacional. Para a tabulação, a partir dessa base de dados, foram selecionados os registros de casos suspeitos de intoxicações exógenas em que o agente tóxico relacionado à intoxicação se classificava em um dos cinco grupos de agrotóxicos (agrotóxico de uso agrícola; agrotóxico de uso doméstico; agrotóxico de uso na Saúde Pública; produto veterinário; raticida). Foram analisados os registros de casos ocorridos no Rio Grande do Sul, no período de 1° de janeiro de 2011 a 31 de dezembro de 2018. Todos os dados foram extraídos no dia 27 de julho de 2019 (atualizados no sistema no dia 25 de julho de 2019) e acessados na página eletrônica http://200.198.173.165/scripts/deftohtm.exe?snet/iexogrs.
Foram avaliadas as seguintes variáveis:
-
Sociodemográficas
faixa etária (em anos: menor de 10; 10 a 19; 20 a 39; 40 a 59; 60 ou mais);
sexo (masculino; feminino);
raça/cor da pele (branca; preta; amarela; parda; indígena);
escolaridade (não estudou; 1 a 4ᵃ série, incompleta; 4ᵃ série completa; 5ᵃ a 8ᵃ série, incompleta; ensino fundamental completo; ensino médio incompleto; ensino médio completo; educação superior incompleta; educação superior completa; não se aplica).
-
Relacionadas à exposição ao agrotóxico
local de ocorrência (residência; ambiente de trabalho; ambiente externo; outros);
zona de exposição (urbana; rural; periurbana);
grupo do agente tóxico (classificação geral) envolvido na intoxicação (agrotóxico agrícola; agrotóxico de uso doméstico; agrotóxico de uso na Saúde Pública; raticida; produto veterinário);
finalidade de utilização do agrotóxico (inseticida; herbicida; carrapaticida; raticida; fungicida; preservante de madeira; outra);
atividade exercida com o agrotóxico na exposição atual (diluição; pulverização; tratamento de sementes; armazenagem; colheita; transporte; desinsetização; produção; outras; não se aplica);
circunstância da exposição/contaminação com agrotóxico (uso habitual; acidental; ambiental; tentativa de suicídio; outras [uso terapêutico, prescrição médica inadequada, erro de administração, automedicação, abuso, ingestão de alimento ou bebida, tentativa de aborto, violência, homicídio ou outra circunstância descritiva]);
tipo de exposição (aguda-única; aguda-repetida; crônica; aguda sobre crônica).
Critério de confirmação da intoxicação (laboratorial; clínico-epidemiológico; clínico)
Mês de ocorrência da intoxicação.
Foram calculadas as completudes das variáveis e as frequências absolutas e relativas (%), utilizando-se o programa Microsoft Office Excel® versão 2007.
A taxa de notificação, por ano do período estudado (2011-2018), foi calculada dividindo-se o número total de notificações de intoxicação exógena por agrotóxicos no Rio Grande do Sul pela população residente, expressos por 100 mil hab. Os dados populacionais do estado foram obtidos de projeções intercensitárias, realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e utilizadas pelo Tribunal de Contas da União.
O estudo foi realizado exclusivamente com dados secundários, sem identificação dos sujeitos, obtidos de uma base de dados de acesso público, não sendo necessária, portanto, a submissão do projeto a um Comitê de Ética em Pesquisa.
Resultados
No Rio Grande do Sul, no período de 2011 a 2018, foram notificados 3.122 casos suspeitos de intoxicação exógena por agrotóxicos. Na Figura 1, é possível acompanhar o aumento da incidência das notificações de intoxicação por agrotóxicos ao longo dos anos, com um crescimento expressivo a partir de 2015. A maior taxa de notificação foi verificada em 2018: 7,56 casos por 100 mil hab.
A completitude das informações com relação às variáveis analisadas variou de 66 a 100%. A maioria dos casos era do sexo masculino (1.987; 64%), sendo o intervalo entre os 20 e os 49 anos a faixa etária com maior frequência, correspondendo a 56% dos casos (1.740). Com relação à raça/cor da pele, os indivíduos brancos representaram 87% das notificações (2.574). Quanto à escolaridade, a maior frequência foi observada entre pessoas que haviam cursado até entre a 5ᵃ e a 8ᵃ séries, correspondendo a 23% (524); 1,5% dos casos não estudou (Tabela 1).
Características sociodemográficas | n | % | |
---|---|---|---|
Faixa etária, em anos (n=3.122) | |||
<10 | 345 | 11,0 | |
10-19 | 253 | 8,1 | |
20-29 | 633 | 20,3 | |
30-39 | 558 | 17,9 | |
40-49 | 549 | 17,6 | |
50-59 | 466 | 14,9 | |
≥60 | 318 | 10,2 | |
Sexo (n=3.121)a | |||
Masculino | 1.987 | 63,7 | |
Feminino | 1.134 | 36,3 | |
Raça/cor da pele (n=2.961)a | |||
Branca | 2.574 | 86,9 | |
Preta | 121 | 4,1 | |
Amarela | 4 | 0,2 | |
Parda | 249 | 8,4 | |
Indígena | 13 | 0,4 | |
Escolaridade (n=2.263)ᵃ | |||
Não estudou | 34 | 1,5 | |
1ᵃ a 4ᵃ série incompleta | 318 | 14,0 | |
4ᵃ série completa | 193 | 8,5 | |
5ᵃ a 8ᵃ série incompleta | 524 | 23,2 | |
Ensino fundamental completo | 237 | 10,5 | |
Ensino médio incompleto | 212 | 9,4 | |
Ensino médio completo | 314 | 13,9 | |
Educação superior incompleta | 45 | 2,0 | |
Educação superior completa | 53 | 2,3 | |
Não se aplica | 333 | 14,7 |
a)Variáveis para as quais os campos preenchidos como ‘ignorado’ foram excluídos do cálculo da frequência.
Os meses de maior ocorrência de registros foram os do verão (Figura 2). Ao se comparar a ocorrência de casos no mês de junho e julho (inverno) com as ocorrências apenas no mês de dezembro (verão), observou-se que o número de registros em dezembro foi quase quatro vezes maior.
Na Tabela 2, vê-se que grande número de registros referiu como agente tóxico as substâncias classificadas como ‘agrotóxico de uso agrícola’, correspondendo a aproximadamente 60% (1.860) do total dos casos investigados. Quando se fez um recorte para as crianças menores de 10 anos, o principal agente tóxico foi o raticida, correspondendo a 51% dos casos (176). Em relação à finalidade de uso dos agrotóxicos, identificou-se incompletude da ficha de investigação em mais de um terço dos registros (36%). Não obstante, verificou-se que os herbicidas (47%; 936) e os inseticidas (36%; 731) foram as principais classes de agrotóxicos relacionadas com a intoxicação exógena. Ao se examinar a atividade desenvolvida com agrotóxico em que houve a suspeita de caso de intoxicação, a pulverização (42%; 860) e a diluição (18%; 374) foram as principais.
Características do agente tóxico | Total de casos (3.222) | Crianças <10 anos (345) | ||
---|---|---|---|---|
Grupo do agente tóxico | n | % | n | % |
Agrotóxico de uso agrícola | 1.860 | 59,6 | 48 | 13,9 |
Agrotóxico de uso doméstico | 375 | 12,0 | 62 | 18,0 |
Agrotóxico de uso na Saúde Pública | 68 | 2,2 | 1 | 0,3 |
Raticida | 545 | 17,4 | 176 | 51,0 |
Produto de uso veterinário | 274 | 8,8 | 58 | 16,8 |
Finalidade de uso (2.010)a | n | % | ||
Inseticida | 731 | 36,4 | ||
Herbicida | 936 | 46,6 | ||
Carrapaticida | 34 | 1,7 | ||
Raticida | 14 | 0,7 | ||
Fungicida | 149 | 7,4 | ||
Preservante de madeira | 1 | 0,0 | ||
Outro | 129 | 6,4 | ||
Não se aplica | 16 | 0,8 | ||
Atividade de exposição (2.071)a | n | % | ||
Diluição | 374 | 18,1 | ||
Pulverização | 860 | 41,5 | ||
Tratamento de sementes | 65 | 3,1 | ||
Armazenagem | 29 | 1,4 | ||
Colheita | 236 | 11,4 | ||
Transporte | 22 | 1,1 | ||
Desinsetização | 127 | 6,1 | ||
Produção | 14 | 0,7 | ||
Outros | 213 | 10,3 | ||
Não se aplica | 131 | 6,3 |
a)Variáveis para as quais os campos preenchidos como ‘ignorado’ foram excluídos do cálculo da frequência.
Com relação ao local de ocorrência da intoxicação, as maiores frequências foram encontradas na residência e no ambiente de trabalho, correspondendo a 59% (1.785) e 34% (1.021), respectivamente (Tabela 3). Quanto à circunstância em que ocorreu a contaminação com o agrotóxico, destacaram-se a proporção da intoxicação acidental (40%; 1.230) e a tentativa de suicídio (26%; 801). O maior número de notificações foi atribuído às intoxicações do tipo aguda-única (82%; 2.387), ou seja, decorrente de uma única exposição.
Variável | n | % | |
---|---|---|---|
Local de ocorrência (n=3.027)a | |||
Residência | 1.785 | 59,0 | |
Ambiente de trabalho | 1.021 | 33,7 | |
Ambiente externo | 120 | 4,0 | |
Outros | 101 | 3,3 | |
Zona de exposição (n=2.727)a | |||
Urbana | 1.286 | 47,2 | |
Rural | 1.410 | 51,7 | |
Periurbana | 31 | 1,1 | |
Contaminação (n=3.065)ᵃ | |||
Uso habitual | 588 | 19,2 | |
Acidental | 1.230 | 40,1 | |
Ambiental | 262 | 8,6 | |
Tentativa de suicídio | 801 | 26,1 | |
Outros | 184 | 6,0 | |
Tipo de exposição (n=2.917)ᵃ | |||
Aguda-única | 2.387 | 81,8 | |
Aguda-repetitiva | 423 | 14,5 | |
Crônica | 78 | 2,7 | |
Aguda sobre crônica | 29 | 1,0 | |
Critério de confirmação (n=2.799)ᵃ | |||
Clínico-laboratorial | 226 | 8,1 | |
Clínico-epidemiológico | 868 | 31,0 | |
Clínico | 1.705 | 60,9 |
a)Variáveis para as quais os campos preenchidos como ‘ignorado’ foram excluídos do cálculo da frequência.
Discussão
Entre 2011 e 2018, no Rio Grande do Sul, verificou-se aumento das notificações de intoxicação por agrotóxicos no Sinan, com crescimento acentuado a partir de 2015. Os registros de intoxicações por agrotóxicos foram predominantes no sexo masculino, em adultos economicamente ativos, com agrotóxico do tipo agrícola (herbicidas e inseticidas) e em decorrência de atividades ocupacionais.
O aumento no registro de intoxicações por agrotóxicos pode estar associado ao aumento da comercialização dessas substâncias no Rio Grande do Sul e, também, ao incremento das ações de vigilância em saúde para captação dos registros. Em 2018, o estado ocupava o terceiro lugar no ranking de área plantada ou destinada à colheita, entre todas as Unidades da Federação, com 9.071.056 hectares ocupados.11 Apesar de tão grande área destinada à agricultura, em 2014, o estado ocupava o 21o lugar em relação à taxa de notificação de intoxicação por agrotóxicos, sugerindo uma subnotificação para o agravo.12 O cenário atual ainda é preocupante, pois, de acordo com estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), para cada registro de intoxicação por agrotóxicos realizado, há outros 50 não notificados.13
Visando sensibilizar os profissionais de saúde para o reconhecimento e notificação dos casos de intoxicação por agrotóxicos no Rio Grande do Sul, foi criado em 2015, no âmbito do Centro Estadual de Vigilância em Saúde, um Grupo Técnico (GT Agrotóxicos) cuja proposta é discutir, elaborar e propor ações do Programa Estadual de Vigilância em Saúde de Populações Expostas aos Agrotóxicos (Portaria Estadual n° 514, de 20 de abril de 2015).14
A distribuição das notificações de intoxicação por agrotóxicos nos meses do ano coincide com a sazonalidade da safra das principais culturas produzidas no Rio Grande do Sul: soja, milho e arroz. Estas lavouras adaptam-se melhor aos meses mais quentes e, por conseguinte, possuem maior aplicação de agrotóxicos, em larga escala, em monocultivos de grandes extensões.15 Em contrapartida, os meses de inverno costumam ser o período de entressafra, com menor presença de insetos devido ao frio, o que reduz a utilização de agrotóxicos classificados como inseticidas.
A pulverização e a diluição foram as atividades de exposição com o maior risco de intoxicação. Ambas as atividades possibilitam maior contato com os agrotóxicos, um fato possivelmente agravado pela carência de orientação técnica, informação sobre a correta utilização desses produtos e uso de equipamento de proteção individual (EPI). Um estudo que avaliou os procedimentos de segurança do trabalho, em pequenos e médios agricultores no município de Araras, estado de São Paulo, demonstrou que 22% dos produtores não utilizavam nenhum tipo de EPI, comprovando a necessidade de aumento de informação, entre os agricultores, sobre os problemas de saúde aos quais estão expostos em seu ambiente laboral e a importância do uso de EPI como medida preventiva.16
A maioria das intoxicações notificadas ocorreu em residências, seguidas do ambiente de trabalho, sugerindo a existência de problemas no armazenamento e de descumprimento da distância mínima recomendada entre a lavoura e a residência, para a aplicação dos agrotóxicos. É comum que pequenos produtores armazenem seus insumos, incluindo os agrotóxicos, em galpões adjacentes ou mesmo no interior de seus domicílios. Outrossim, Agostinetto et al. concluem que a aplicação de agrotóxicos, a depender da velocidade do vento, provoca a ‘deriva’, uma das principais circunstâncias de intoxicação do aplicador e contaminação de ambientes próximos, motivo da importância de manter um distanciamento mínimo da residência até a plantação, e assim, evitar tais prejuízos.17 Monquero et al. mostraram que as residências dos aplicadores de pequenas e médias propriedades estavam muito próximas às lavouras: em 75% dos casos, essa distância era menor que 50 metros.14 Acrescenta-se o fato de os agrotóxicos estarem presentes dentro das residências, sejam do meio urbano ou do meio rural, para serem usados como inseticidas, raticidas e produtos destinados ao tratamento de piolhos e outros parasitas, aumentando ainda mais o risco de intoxicação no ambiente doméstico.
Entre os fatores que contribuem para a ocorrência da intoxicação por causas acidentais, estão o fácil acesso de crianças aos locais de depósito dessas substâncias, o manejo inadequado e o não uso de EPI.18 Cabe lembrar, ademais, a reutilização de embalagens de agrotóxicos, um dos fatores contributivos para intoxicações acidentais.18
A tentativa de suicídio representou a segunda maior causa de intoxicação por agrotóxico no Rio Grande do Sul, no período estudado. Evidências científicas associam a exposição aos inseticidas, especialmente os organofosforados, com sintomas de ansiedade e depressão.(19),(20) Nessa perspectiva, Faria et al., ao conduzirem um estudo nos municípios de Antônio Prado e Ypê, ambos do Rio Grande do Sul, verificaram uma prevalência elevada de transtornos psiquiátricos menores em trabalhadores rurais que faziam uso intensivo de agrotóxicos.21 A esta abordagem, Bombardi acrescentou a hipótese de uma relação entre o suicídio e o endividamento financeiro imposto à aquisição do pacote agroquímico, a que os agricultores estão subordinados, causando uma pressão psicológica nesses trabalhadores a ponto de os levar ao ato da tentativa de suicídio.22
A maior parte das intoxicações por agrotóxicos registradas no Rio Grande do Sul foram do tipo aguda, ou seja, quando os sintomas aparecem imediatamente após contato excessivo com o agente tóxico em um curto período de tempo. Nesses casos, é mais provável a procura por atendimento no serviço de saúde motivada pela busca emergencial da cessação dos sintomas; o que não ocorre nos casos crônicos, em que os quadros clínicos são indefinidos, inespecíficos, sutis, de longa evolução e, muitas vezes, irreversíveis, podendo se manifestar na forma de inúmeras doenças ao longo do tempo.10
Apesar de a relação causa-efeito ser mais visível nas intoxicações agudas, o diagnóstico ainda é deficiente e se baseia, na maioria das vezes, nas condições dos sinais e sintomas clínicos apresentados e na história pregressa. Há uma enorme limitação para a confirmação do diagnóstico de intoxicação por agrotóxicos mediante exames laboratoriais, os quais ajudariam a prescrever um tratamento mais específico. Não existem biomarcadores disponíveis para as principais substâncias utilizadas na agricultura. Somente o grupo químico dos organofosforados e carbamatos possui diagnóstico laboratorial disponível na rede de serviços de saúde, por dosagem da colinesterase plasmática e/ou eritrocitária, cujo resultado é fortemente influenciado por exposição ao álcool, outras drogas, comorbidades e hepatopatias; além do que, o diagnóstico laboratorial específico para esse grupo químico é indicado apenas para exposições recentes.23,24
Entre as limitações do estudo, a subnotificação é uma das fragilidades nos sistemas de informações, e alcançar uma completude satisfatória dos campos do formulário de notificação do Sinan ainda é um objetivo a ser alcançado, o que dificulta uma análise mais profícua dos registros. Os resultados apresentados tampouco expressam a dimensão real do problema, pois os registros de intoxicação para os casos crônicos são escassos, dado o pouco conhecimento e a dificuldade de diagnóstico.
No Rio Grande do Sul, a maior parte das notificações de intoxicação por agrotóxicos está relacionada ao uso indiscriminado e disseminado desses produtos, pujança do agronegócio no estado, que afeta principalmente os trabalhadores rurais envolvidos no uso direto dessas substâncias. Como o controle da exposição não é de atribuição exclusiva do setor Saúde, as ações devem sempre estar articuladas com a sociedade em geral e, especialmente, com os demais setores envolvidos, para sua maior efetividade. Da mesma forma, um modelo sustentável de agricultura e desenvolvimento deve ser buscado.