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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.30 no.1 Brasília  2021  Epub 22-Dez-2020

http://dx.doi.org/10.1590/s1679-49742021000100025 

Artigo original

Medidas de contenção de tipo lockdown para prevenção e controle da COVID-19: estudo ecológico descritivo, com dados da África do Sul, Alemanha, Brasil, Espanha, Estados Unidos, Itália e Nova Zelândia, fevereiro a agosto de 2020

Medidas de contención tipo lockdown para prevención y control del COVID-19: estudio ecológico descriptivo con datos de febrero a agosto de 2020 en Sudáfrica, Alemania, Brasil, España, Estados Unidos, Italia y Nueva Zelanda

Gbènankpon Mathias Houvèssou (orcid: 0000-0003-3401-2547)1  , Tatiana Porto de Souza (orcid: 0000-0002-6423-1110)2  , Mariângela Freitas da Silveira (orcid: 0000-0002-2861-7139)1 

1Universidade Federal de Pelotas, Faculdade de Medicina, Pelotas, RS, Brasil

2Universidade Federal de Pelotas, Faculdade de Agronomia, Pelotas, RS, Brasil

Resumo

Objetivo

Descrever as medidas de contenção de tipo lockdown e a incidência da COVID-19 em sete países: África do Sul, Alemanha, Brasil, Espanha, Estados Unidos, Itália e Nova Zelândia.

Métodos

Estudo ecológico descritivo, com dados da incidência diária dos casos confirmados de COVID-19 entre 22 de fevereiro e 31 de agosto de 2020, e informações sobre medidas de lockdown implementadas pelo governo de cada país.

Resultados

Os países que implementaram lockdown tiveram diminuição da incidência diária de COVID-19 (casos por milhão de habitantes) no período de três semanas, a contar do início da medida: África do Sul (3,7 a 1,7), Alemanha (37,5 a 33,7), Espanha (176,3 a 82,0), Itália (92,0 a 52,1) e Nova Zelândia (7,5 a 1,7). O Brasil e os Estados Unidos, que não implementaram lockdown, não apresentaram uma diminuição considerável.

Conclusão

Após a implementação de lockdown, houve uma diminuição considerável do número de casos confirmados.

Palavras-Chave: Infecções por Coronavirus; Distância Social; Incidência; Pandemias; Prevenção de Doenças

Resumen

Objetivo

Describir las medidas de contención tipo lockdown y la incidencia de COVID-19 en los países de Sudáfrica, Alemania, Brasil, España, Estados Unidos, Italia y Nueva Zelanda.

Métodos

Estudio ecológico descriptivo con datos de la incidencia diaria de los casos confirmados de COVID-19, del 22 de febrero al 31 de agosto de 2020 e informaciones sobre medidas de contención lockdown implementadas por los gobiernos de cada uno de los países.

Resultados

Los países que implementaron lockdown, desde el inicio de su implementación hasta tres semanas después, tuvieron una disminución en la incidencia diaria (casos por millón de habitantes): Sudáfrica (3,7 a 1,7), Alemania (37,5 a 33,7), España (176,3 a 82,0), Italia (92,0 a 52,1) y Nueva Zelanda (7,5 a 1,7). Brasil y Estados Unidos, que no implementaron lockdown, no tuvieron una disminución considerable

Conclusión

Luego de la implementación del lockdown, hubo una disminución considerable en el número de casos confirmados.

Palabras-clave: Infecciones por Coronavirus; Distancia Social; Incidencia; Pandemias; Prevención de Enfermedades

Introdução

Em 31 de dezembro de 2019, 27 casos de pneumonia de etiologia desconhecida foram identificados em Wuhan, capital da província de Hubei, China.1 Em janeiro de 2020, a análise de amostras do trato respiratório inferior identificou o novo coronavírus da síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV-2) como agente causador do cluster observado,2 sendo a doença denominada COVID-19 pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

O primeiro caso fora da China foi confirmado em Bangkok, Tailândia, no dia 13 do mesmo mês de janeiro.3 No dia 30 de janeiro de 2020, a OMS declarou o surto de COVID-19 como emergência de Saúde Pública de interesse internacional, alertando sobre o alto risco representado pela infecção para países com sistemas de saúde vulneráveis.4 Naquele momento, todavia, o comitê de emergência considerou que a disseminação da COVID-19 poderia ser interrompida pela detecção precoce, isolamento, tratamento imediato e implementação de um sistema robusto para rastrear contatos.5 Afinal, a OMS declarou estado de pandemia em 11 de março de 2020.6

Em 21 de agosto de 2020, havia-se registrado um total de 21.294.845 casos confirmados de COVID-19 e 761.779 mortes pela doença, em 216 países, áreas ou territórios.7 Regiões asiáticas e europeias tornaram-se epicentros da pandemia, e o crescimento e a disseminação acelerada da infecção, em escala global, levaram aos 24.257.989 casos registrados em 28 de agosto de 2020.8

Infelizmente, não houve uma resposta global padronizada no combate à pandemia. Cada país tem enfrentado a crise na medida de suas possibilidades, conhecimentos e hipóteses levantadas por suas vigilâncias epidemiológicas.10 Considerando-se a inexistência de tratamento eficaz e a ausência de vacina disponível, a implementação de diferentes intervenções não farmacológicas, incluindo medidas de contenção, mostraram ser as melhores alternativas disponíveis para evitar a infecção e controlar a propagação do vírus.11

Como consequência das diferentes respostas, os países experimentaram diferentes velocidades de propagação do vírus: alguns, com relativo êxito no controle da transmissão, enquanto outros não, apesar das medidas de contenção adotadas.

Este estudo buscou descrever as medidas de contenção de tipo lockdown e a incidência da COVID-19 em sete diferentes países: África do Sul, Alemanha, Brasil, Espanha, Estados Unidos, Itália e Nova Zelândia.

Métodos

Realizou-se estudo ecológico descritivo sobre a incidência de COVID-19, informações acerca das medidas de contenção de tipo lockdown implementadas pelos governos dos sete países pesquisados e seus reflexos na incidência diária de casos confirmados, no período entre 22 de fevereiro e 31 de agosto de 2020.

A maioria dos países incluídos – Alemanha, Espanha, Estados Unidos, Itália e Nova Zelândia – encontram- -se no estrato de renda alta. A África do Sul e o Brasil, considerados emergentes, são classificados como países de renda média alta.12 A África do Sul localiza-se no extremo sul do continente africano e soma 59.308.690 habitantes,13 sendo 70% negros.14 Alemanha, Espanha e Itália, países da Europa, contam com populações de 83.783.942, 46.754.778 e 60.461.826 habitantes, respectivamente.13 O Brasil, na América do Sul, e os Estados Unidos, na América do Norte, têm populações de 212.559.417 e 331.002.651 hab.,13 respectivamente, ambas constituídas de forte imigração desde variados locais do mundo. A Nova Zelândia, no continente da Oceania, conta com 4.822.233 habitantes.13

As medidas de contenção usadas pelo governo de cada um desses países para prevenção da COVID-19 foram obtidas no sítio eletrônico do Assessment Capacities Project (ACAPS). O ACAPS descreveu as medidas tomadas por cada país e o dia de sua implementação, a partir de um compilado de publicações dos principais meios de comunicação ou de sítios eletrônicos oficiais dos respectivos governos. Essas medidas foram divididas pelo ACAPS em cinco categorias: (i) restrição de movimento; (ii) medidas de Saúde Pública; (iii) medidas socioeconômicas e de governança; (iv) distanciamento social; e (v) lockdown (Figura 1).15

Figura 1 – Taxonomia de medidas governamentaisFonte: traduzido do Assessment Capacities Project (ACAPS). 

O lockdown pode ser classificado em confinamento total ou parcial. O confinamento total é definido como ‘suspensão total das atividades não essenciais com restrição de circulação de pessoas’16 e o funcionamento exclusivamente dos serviços cruciais, de saúde e de abastecimento, por exemplo. No lockdown parcial, alguns serviços não essenciais podem funcionar, sob rigorosas medidas de vigilância.

A incidência diária de COVID-19 foi obtida junto ao European Centre for Disease Prevention and Control;17 quando não disponível, foram utilizadas informações do relatório diário da OMS sobre a COVID-19.18 A população de cada país foi obtida das estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU) para 2020.13

A frequência relativa de cada país foi descrita pela taxa de incidência diária, calculada dividindo- -se o número de casos confirmados de COVID-19 diariamente, em cada país, por sua população total, multiplicado por 1.000.000 (casos por milhão de habitantes). Os dados foram analisados com uso do aplicativo Microsoft Excel versão 2016.

Resultados

O primeiro caso de COVID-19 na África do Sul foi registrado em 6 de março de 2020. Logo, o país africano apresentou progressivo aumento de casos e em 27 de março, com 918 registros, decretou seu primeiro lockdown total, previsto para até 16 de abril (Figura 2 e Tabela 1). Em 9 de abril, entretanto, o prazo inicial do bloqueio foi estendido para 30 de abril. No dia do primeiro decreto (27 de março), o país apresentava incidência de 3,7/1 milhão hab.; quatro dias após o estabelecimento do lockdown, ela se reduzira a 1,7/1 milhão hab., mantendo-se abaixo do reportado – no dia da aplicação do lockdown – até o dia 17 de abril. Após essa data, a incidência aumentou, a despeito de a medida de distanciamento social ter sido mantida, chegando a 6,0/1 milhão hab. em 30 de abril. A partir de 1º de maio, entretanto, foi programado o relaxamento do lockdown total com a recuperação gradual das atividades econômicas. Desde então, observou-se um aumento gradativo de casos, e em 24 de maio, o país registrou 20,4/1 milhão hab.; em 31 de maio, já eram 29,1/1 milhão hab. confirmados, enquanto o país continuava com o processo de restabelecimento das atividades. Em junho, as medidas de contenção às quais estava condicionado o restabelecimento de atividades foram relaxadas e, como decorrência, observou-se um aumento da taxa de incidência, registrando-se 103,4 casos por 1 milhão hab. no dia 30. O mês seguinte, julho, foi marcado pela manutenção de casos e dos protocolos de distanciamento e higiene, além de campanhas de sensibilização. Em agosto, houve uma diminuição continua dos casos, com uma taxa de incidência de 40,2/1 milhão hab. em 31 de agosto.

Figura 2 – Incidência diária de casos confirmados de COVID-19 (por milhão de habitantes) na África do Sul, Alemanha, Brasil, Espanha, Estados Unidos, Itália e Nova Zelândia, 22 de fevereiro a 31 de agosto de 2020 

Tabela 1 – Incidência diária de casos confirmados de COVID-19 (por milhão de habitantes) a partir do início de implementação de lockdown, por países estudados 

País Tipo de lockdown implementado Dia de implementação do lockdown Extensão Taxa de incidência no dia da implementação do lockdown Taxa de incidência 14 dias após implementação do lockdown Taxa de incidência 25 dias após implementação do lockdown
África do Sul Total 27/03/2020 País inteiro 3,7 1,2 2,4
Alemanha Parcial 22/03/2020 País inteiro 37,5 70,8 34,2
Brasil

Parcial

Parcial

08/04/2020a

16/05/2020b

Algumas cidades

Algumas cidades

7,8

72,0

11,8

126,7

23,4

151,0

Espanha

Total

Parcial

Total

13/03/2020

16/03/2020

28/03/2020

Algumas cidades

País inteiro

País inteiro

32,7

36,5

176,3

196,4

124,3

97,3

111,4

97,0

49,4

Estados Unidos Parcial
Itália

Parcial

Parcial

Total

08/03/2020c

20/03/2020

23/03/2020

Algumas cidades

País inteiro

País inteiro

20,6

88,0

92,0

108,4

77,2

71,4

79,1

52,2

62,6

Nova Zelândia Total 23/03/2020 País inteiro 7,5 8,1 0,4

a) Dia em que foi decretado lockdown parcial na maior cidade do país, São Paulo, SP.

b) Dia em que foi decretado lockdown parcial nas seguintes cidades: São Luis, MA; Fortaleza, CE; Recife, PE; Rio de Janeiro, RJ; e São Paulo, SP.

c) Dia em que foi decretado lockdown parcial nas regiões do norte da Itália (Lombardia e Vêneto).

A Alemanha registrou o primeiro caso em 28 de janeiro. As medidas de distanciamento social foram recomendadas a partir do dia 10 de março, quando tinham sido registrados 1.139 casos. Em 22 de março (taxa de incidência de 37,5/1 milhão hab.), foi aplicado lockdown parcial no país inteiro, com previsão de duração até 15 de abril (Figura 2 e Tabela 1). A partir do estabelecimento do lockdown, houve decréscimo da taxa de incidência, que, em 25 de abril, baixou para cerca de 26,0/1 milhão hab. Não obstante a diminuição nos casos confirmados, o lockdown parcial foi estendido até 3 de maio. Apenas em 30 de maio, quando o país registrou uma taxa de incidência de 8,8/1 milhão hab., passaram a ser permitidas cerimônias religiosas, funcionamento de academias e prática de esportes ao ar livre. Dia 24 de junho (taxa de incidência de 7,0/1 milhão hab.), foi decretado lockdown parcial em dois distritos da Renânia do Norte-Vestfália, após um surto de COVID-19, com duração até 6 de julho (taxa de incidência de 2,6/1 milhão hab.). Após essa data, a maior taxa de incidência foi registrada no dia 21 de agosto (27,8/1 milhão hab.), sem novas medidas reportadas.

O Brasil registrou o primeiro caso da COVID-19 em 26 de fevereiro. Em 15 de abril, com 25.262 casos confirmados, o Supremo Tribunal Federal atribuiu aos estados, Distrito Federal e municípios a competência da decisão de implementar as medidas de distanciamento social.19 Poucas ações foram encaminhadas pelo nível federal, enquanto a implementação de diferentes medidas de distanciamento social variou entre estados e datas.20 Em 8 de abril, quando a taxa de incidência era de 7,8/1 milhão hab., o país decidiu pela restrição de viagens domésticas, suspensão de voos internacionais e fechamento de fronteiras (Figura 2 e Tabela 1).

Após a abertura do comércio, determinada de alguma forma definida em cada localidade, o uso de máscara tornou-se obrigatório para acessar ambientes comerciais, transportes coletivos e serviços essenciais em quase todas as cidades do país. Ainda assim, houve aumento progressivo da taxa de incidência, de 17,6 em 25 de abril para 97,9/1 milhão hab. em 24 de maio. Em 19 de junho, com taxa de incidência de 107,1/1 milhão hab., foram publicadas diretrizes de orientação com medidas de distanciamento social, etiqueta respiratória, uso de máscara, higienização das mãos, limpeza de ambientes e isolamento domiciliar de casos suspeitos e confirmados. Em 6 de julho (122,6 casos por 1 milhão de habitantes), foi permitida, para todo o país, a abertura de restaurantes, bares e salões de beleza. Esta medida, entretanto, não foi adotada em algumas localidades. Não foram implementadas novas medidas de alcance nacional até o final de agosto, quando a taxa média de incidência de COVID-19 chegou a 190,0/1 milhão hab.

O primeiro caso registrado na Espanha data de 1o de fevereiro. No dia 13 de março, quando o país registrava 5.958 casos confirmados, algumas localidades implementaram lockdown total (Figura 2 e Tabela 1). No dia 16, o lockdown parcial foi implementado em todo o país, permitindo a um cidadão espanhol sair de sua residência desde que cumprisse as medidas preventivas básicas: higienização das mãos e uso de máscaras. Em 28 de março (taxa de incidência de 176,3/1 milhão hab.), o lockdown total (apenas locais de trabalho essencial abertos) foi imposto a todo o território nacional, com previsão de duração até 9 de abril. Em 4 de abril, com taxa de incidência de 142,5/1 milhão hab., o lockdown total foi prorrogado até 26 de abril. Entre os dias 4 e 12 de abril, houve decréscimo na taxa de incidência diária de 168,3 para 103,3/1 milhão hab. (Figura 2). O confinamento total foi relaxado em 13 de abril, autorizando alguns setores a retomarem suas funções. Em 25 de maio, as praias começaram a reabrir e, em 8 de junho (taxa de incidência de 3,6/1 milhão hab.), diversos estabelecimentos comerciais e locais públicos puderam reabrir, com capacidade limitada. Em 21 de junho, com taxa de incidência de 7,1/1 milhão hab., foi decretada a obrigatoriedade do uso de máscaras e medidas de higiene. Nos meses de julho e agosto, observou-se um aumento progressivo da taxa de incidência, chegando a 209,2/1 milhão hab. em 28 de agosto; não foram reportadas novas medidas nesses meses.

Os Estados Unidos registraram o primeiro caso em 21 de janeiro. Medidas de contenção locais também antecederam as determinações nacionais. As medidas de restrição de movimento e distanciamento social, nas regiões mais afetadas pela COVID-19, foram recomendadas pelo governo federal nos dias 31 de janeiro e 10 de abril, quando o país registrava 6 e 466.033 casos respectivamente. Em 26 de março, com 42,2/1 milhão hab., os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (Centers for Disease Control and Prevention) recomendaram a autoquarentena para trabalhadores de transporte e entrega da cidade de Nova Iorque. Apesar das medidas adotadas, não foi observada diminuição considerável na incidência da doença ao longo do tempo. Em 6 de maio (taxa de incidência de 72,0/1 milhão hab.), acordou-se em manter o comércio fluindo e os mercados abertos. As orientações para acesso a eventos e encontros foram publicadas em 12 de junho (taxa de incidência de 69,1/1 milhão hab.). A taxa de incidência permaneceu estável do início do mês de maio até meados de junho, com média de 69,2/1 milhão hab. Apesar do aumento contínuo da incidência a partir de meados de junho (pico em 25 de julho: 236,9/1 milhão hab.), em 20 de julho, foram suspensas algumas políticas de isolamento domiciliar. Em agosto, não foram registradas novas medidas de contenção e observou-se pequena diminuição na taxa de incidência, com a menor taxa registrada de 104,2/1 milhão hab. em 24 de agosto.

A Itália registrou os dois primeiros casos em 31 de janeiro. Medidas de distanciamento social e políticas de Saúde Pública foram recomendadas em 21 de fevereiro, quando o país registrava quatro casos. Ainda assim, observou-se aumento da incidência diária. Em 8 de março, quando foi implementado lockdown parcial, o país registrava 20,6 casos por milhão de habitantes (Figura 2 e Tabela 1). No mesmo dia, as regiões da Lombardia e do Vêneto foram bloqueadas. A incidência continuou a aumentar, e em 20 de março, à medida de confinamento parcial foram adicionadas restrições, com os habitantes obrigados a justificar qualquer saída de suas residências. Em 23 de março, foi implementado o confinamento total (incidência diária de 92,0/1 milhão hab.), encerrando totalmente a atividade econômica – exceto os serviços essenciais. Esse confinamento, inicialmente previsto para durar 21 dias (até 13 de abril), foi prorrogado até 3 de maio. Passadas duas semanas da implementação do lockdown (7 de abril), observou-se uma incidência diária de 59,5/1 milhão hab. Uma vez controlada a propagação do vírus, no dia 4 de maio, o país declarou o relaxamento do confinamento total.

No dia 17 de maio (14,5 casos por milhão habitantes), foram legalmente estabelecidas diretrizes para reabertura de setores econômicos; no entanto, permanecia a restrição para os italianos se reunirem em público. No dia 21 de maio, foram definidas e divulgadas normas para a prática de esportes, e quatro dias depois, foram reabertas instalações desportivas.

Em 3 de junho (taxa de incidência de 5,3/1 milhão hab.), o deslocamento entre regiões do país voltou a ser permitido, e a Itália abriu suas fronteiras a outras nações da União Europeia. Em 10 de julho (taxa de incidência de 3,5/1 milhão hab.), foi proibida a entrada de pessoas vindas de 13 países considerados de risco. Em 14 de julho (taxa de incidência de 2,8/1 milhão hab.), anunciou- -se a extensão das restrições destinadas a limitar a disseminação da COVID-19, até 31 de julho, a exemplo da obrigatoriedade do uso de máscaras nos estabelecimentos públicos e comerciais. Após relaxamento dessas medidas, agosto registrou um pequeno aumento, alcançando uma taxa de incidência de 24,1/1 milhão hab. no dia 29 daquele mês.

A Nova Zelândia reportou seu primeiro caso em 28 de fevereiro. Medidas de restrição de movimento e de distanciamento social foram adotadas nos dias 13 e 19 de março, respectivamente. Em 23 de março, foi implementado lockdown total, previsto para durar 28 dias (20 de abril) (Figura 2 e Tabela 1). No dia 31 de março, oito dias após a aplicação do confinamento total, chegou-se ao pico da incidência da COVID-19, com taxa de 19,7/1 milhão hab. (Figura 2). Em 27 de abril, último dia de confinamento total, o país contava 0,2 caso por milhão de habitantes. No dia 28 de abril, a medida de confinamento total transformou-se em parcial.

Em 18 de maio, sem casos reportados nessa data, a Nova Zelândia decretou a reabertura de estabelecimentos de ensino e, em 29 de maio, passou a autorizar reuniões com até 100 pessoas. Os habitantes do país puderam voltar a suas atividades de rotina, sem restrições, no dia 9 de junho, ainda sem casos confirmados. No entanto, as autoridades sanitárias mantiveram as medidas básicas de higiene recomendadas. Em julho, sem novas medidas reportadas, a média da taxa de incidência foi de 0,2/1 milhão hab.

Em 12 de agosto, devido a novos casos de transmissão comunitária, a região de Auckland implantou novas medidas, como a saída de casa restrita à realização de atividades essenciais na localidade. No restante da Nova Zelândia, as medidas não foram tão restritas e as empresas puderam reabrir, seguindo as orientações de Saúde Pública. No mês de agosto, a taxa média de incidência aumentou para 1,2 caso por milhão de habitantes.

Discussão

Os efeitos positivos da medida de contenção de tipo lockdown foram observados na África do Sul, Alemanha, Espanha, Itália e Nova Zelândia, com redução dos casos confirmados após sua implementação. Na Alemanha, a incidência de COVID-19 começou a diminuir um mês após a implementação de lockdown. O Brasil e os Estados Unidos seguiram com aumento de casos; contudo, em nenhum momento, decidiu-se pelo lockdown total nos dois países. No caso do Brasil, o governo federal não adotou, tampouco encorajou a adoção de medidas de lockdown em nível subnacional. Cada estado implantou confinamento parcial, segundo a necessidade e as ordens de seus respectivos governos, sem uma coordenação e controle da situação sanitária no conjunto do país, pelo governo federal.20

Estudos sugerem que o período de incubação pode ser superior a duas semanas;21 porém, de modo geral, observou-se redução na incidência da doença passados 14 dias desde a implementação de lockdown. A medida mostrou-se extremamente capaz de reduzir a transmissão, quando tomada precocemente, com poucos casos confirmados. O efeito positivo de lockdown poderia ser explicado pelo fato de a medida obrigar os indivíduos ao isolamento total (presumida a adesão dos indivíduos), impedindo a propagação do vírus a partir de infectados, tanto sintomáticos como assintomáticos.22 Apesar disso, ressalta-se que a África do Sul, quatro dias depois do primeiro decreto, e a Espanha, sete dias após o decreto de lockdown total, reduziram suas taxas de incidência. Essas quedas não podem ser unicamente atribuídas ao lockdown; elas também podem refletir outras medidas de contenção, anteriormente implementadas, em nível nacional ou em diferentes regiões desses países.

Todos os países incluídos neste estudo, desde quando reportaram seus primeiros casos confirmados de COVID-19, adotaram medidas como suspensão das aulas nas escolas, limitações de reuniões, fechamento de fronteiras e outras;16 e ainda assim, seguiam com aumento de casos, obrigando-se – não todos – a adotar a medida de contenção de tipo lockdown.

A Espanha e a Itália só aplicaram confinamento total quando registraram elevada incidência de casos diários da doença: 183,5/1 milhão hab. na Espanha e 108,4/1 milhão hab. na Itália. Possivelmente, se os dois países houvessem implementado o confinamento total antes de reportarem tantos casos, reduziriam a incidência da COVID-19 e alcançariam mais cedo o controle da doença em seus territórios. Wilder-Smith et al.23 concluíram serem necessárias medidas precoces para conter ou, pelo menos, diminuir significativamente a propagação do vírus.

Entre os países estudados, os únicos que decretaram confinamento quando tinham poucos casos confirmados foram a África do Sul e a Nova Zelândia. Ambos, com poucos casos diários por milhão de habitantes, implementaram o confinamento total e, observa-se, registraram sua maior incidência, até 27 de maio, de 20,9 (África do Sul) e 19,7 casos por milhão (Nova Zelândia).

No entanto, a África do Sul relaxou o lockdown no dia 1o de maio e, novamente, passou a registrar aumento da incidência. O estudo de Moris e Schizas, realizado na Grécia, revelou que a adoção de lockdown precocemente, em resposta à pandemia de COVID-19, resultou na menor mortalidade por milhão de habitantes já registrada, em um prazo de 30 dias,24 demonstrando que essa medida não só tem efeito positivo na redução dos casos como, também, na redução de mortalidade pela doença.

A falta da implementação de lockdown com confinamento total simultaneamente, em todas as unidades federadas ou localidades afetadas, seja no Brasil, seja nos Estados Unidos, poderia explicar o aumento na incidência nos dois países, que afinal decidiram pelo fechamento de fronteiras, restrição de viagens, uso de máscaras e outras medidas; e, a despeito dessas medidas, não se identificou redução considerável de casos confirmados. No Brasil, o aumento de casos foi observado inclusive em algumas cidades que adotaram lockdown parcial (isolamento social), como São Paulo, SP. Contudo não se pode descartar a baixa proporção da adesão à medida, em um índice médio de isolamento de 54%,25 o que dificulta a observação de seus efeitos positivos. Estudo realizado com modelagens matemáticas, sobre o impacto de um conjunto de medidas pelo distanciamento social na região metropolitana de São Paulo, aponta que poderiam evitar a sobrecarga do sistema de saúde e a morte de quase 90 mil pessoas ao longo da epidemia.26 Além disso, a combinação das medidas de distanciamento social – isolamento de casos suspeitos, quarentena dos contatos e distanciamento social de idosos e pessoas com maior risco de doença grave – poderia diminuir o pico da demanda de assistência médica em dois terços, e reduzir pela metade as mortes.27 Sjödin et al. chamam a atenção para a importância da alta adesão à quarentena comunitária (política total de permanência em casa) e da baixa densidade de habitantes por domicílio, para conter o surto em uma cidade fechada. De acordo com esses autores, quanto maior o tamanho da família e a quantidade e tempo em público, maior o período de bloqueio necessário.22

Estudo realizado na China, visando avaliar as medidas rigorosas de lockdown implementadas, evidenciou seu potencial para retardar a propagação do vírus e, além de haver encontrado resultados similares, aponta os efeitos positivos de lockdown na redução de incidência de casos de COVID-19.28 Resultados parecidos foram encontrados na França, evidenciando o efeito positivo do lockdown.29

Este trabalho apresenta limitações quanto à busca dos dados. Sua principal fonte foi o ACAPS, instituição que compila informações dos principais meios de comunicação e oficiais de governos.30 Assim, informações relevantes não identificadas pela ACAPS podem ter sido suprimidas. Outra limitação do estudo é a consideração dos indicadores somente para os países como um todo, enquanto, reconhecidamente, existem diferenças subnacionais, tanto nos indicadores como nas medidas de restrição adotadas – especialmente no Brasil e nos Estados Unidos, países continentais, onde as medidas contra a pandemia não foram implementadas em nível nacional. Os dados nacionais, portanto, não refletem as medidas de contenção adotadas em algumas localidades. Sendo assim, muitos decretos estaduais e municipais foram desconsiderados. Outrossim, esta pesquisa não trata das questões culturais e de costumes, educação e comportamentos, que podem modificar as situações decorrentes do distanciamento social e das políticas de isolamento e quarentena implementadas. Por fim, o desenho descritivo do estudo não permite testar a hipótese levantada.

Países como África do Sul, Alemanha, Espanha, Itália e Nova Zelândia, ao implementarem o lockdown, tiveram redução considerável na incidência diária de casos confirmados por seus sistemas de vigilância, a despeito de todas as demais medidas adotadas anteriormente. É possível que a falta das políticas de lockdown por parte do Brasil e dos Estados Unidos fosse um fator determinante para a não redução de casos confirmados diários, daí a maior curva de incidência e, por conseguinte, mais óbitos por COVID-19 notificados. Os achados do estudo podem contribuir com a reflexão sobre as políticas e medidas adotadas pelos governos para a prevenção e controle desse tipo de epidemia. Conclui-se que a implementação prévia de lockdown é uma medida efetiva para minimizar o impacto da COVID-19 sobre a população geral.

Referências

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Recebido: 10 de Julho de 2020; Aceito: 27 de Outubro de 2020

Endereço para correspondência: Gbènankpon Mathias Houvèssou – Rua Marechal Deodoro, nº 1160, 3º piso, Centro, Pelotas, RS, Brasil. CEP: 96020-220. Caixa Postal 464. E-mail:gbemathg@gmail.com

Editora associada: Luciana Guerra Gallo - orcid.org/0000-0001-8344-9951

Contribuição dos autores

Todos os autores participaram da concepção e planejamento do estudo, análise e interpretação de dados, elaboração e revisão do manuscrito e aprovação da versão final, e assumem responsabilidade pública pelo conteúdo do artigo.

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