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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.30 no.4 Brasília dez. 2021  Epub 24-Nov-2021

http://dx.doi.org/10.1590/s1679-49742021000400008 

Artigo Original

Insegurança alimentar e fatores sociodemográficos em crianças de São José dos Pinhais, Paraná, 2017: estudo transversal*

Inseguridad alimentaria y factores sociodemográficos en niños de São José dos Pinhais, Paraná, Brasil, 2017: estudio transversal

Vanessa da Rocha Chapanski (orcid: 0000-0003-2362-760X)1  , Maria Dalla Costa (orcid: 0000-0001-9780-183X)2  , Gabriela Macedo Fraiz (orcid: 0000-0002-9183-2130)3  , Doroteia Aparecida Hӧfelmann (orcid: 0000-0003-1046-3319)4  , Fabian Calixto Fraiz (orcid: 0000-0001-5290-7905)5 

1Universidade Federal do Paraná, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Curitiba, PR, Brasil

2Universidade Federal do Paraná, Programa de Pós-Graduação em Odontologia, Curitiba, PR, Brasil

3Universidade de Viçosa, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Nutrição, Viçosa, MG, Brasil

4Universidade Federal do Paraná, Departamento de Nutrição, Curitiba, PR, Brasil

5Universidade Federal do Paraná, Departamento de Estomatologia, Curitiba, PR, Brasil

Resumo

Objetivo

Analisar a associação entre insegurança alimentar (IA) e fatores sociodemográficos em crianças.

Métodos

Estudo realizado no período maio-novembro de 2017, com mães de crianças (18-35 meses) matriculadas na rede pública de ensino de São José dos Pinhais, Paraná, Brasil. A IA foi acessada pela Escala Brasileira de Insegurança Alimentar. Utilizou-se regressão logística multinomial com modelo hierárquico.

Resultados

Participaram 395 mães/crianças. A prevalência da IA foi de 34,7% (IC95% 28,5;41,5), sendo 25,7% (IC95% 19,2;32,3) para IA leve (IAL) e 9,0% (IC95% 8,5;9,4) para IA moderada/grave (IAMG). Famílias pertencentes ao menor tercil de renda tiveram maior chance de IAL (OR=3,06 - IC95% 1,26;7,41) ou IAMG (OR=6,35 - IC95% 1,89;21,4), comparadas ao maior tercil. Maior prevalência de IAL foi identificada em meninos (OR=2,34 - IC95% 1,49;3,68).

Conclusão

IA foi associada a menor renda; e IAL, ao sexo masculino da criança. Políticas públicas de aumento de renda devem ser incluídas nas estratégias de redução da IA.

Palavras-chave: Segurança Alimentar; Fatores Socioeconômicos; Lactente; Criança; Estudos Transversais

Resumen

Objetivo

Analizar la asociación entre inseguridad alimentaria (IA) y factores sociodemográficos en niños.

Métodos

Estudio realizado de mayo a noviembre (2017) con madres de niños (18 - 35 meses) de escuelas públicas de São José dos Pinhais, Paraná, Brasil. AI fue medida por la Escala Brasileña de Inseguridad Alimentaria. Se utilizó regresión logística multinomial, con un modelo jerárquico.

Resultados

395 madres/niños participaron. La prevalencia de IA fue 34,7% (IC95% 28,5;41,5), con 25,7% (IC95% 19,2;32,3) para IA leve (IAL) e 9,0% (IC95% 8,5;9,4) para IA moderada/grave (IAMG). Familias en el tercil de ingresos más bajo tenían mayor IAL (RO=3,06 - IC95% 1,26;7,41) o IAMG (RO=6,35 - IC95% 1,89;21,4) en comparación con el mayor tercil. Hubo mayor prevalencia de IAL en varones (RO=2,34 - IC95% 1,49;3,68).

Conclusión

La IA se asoció con menores ingresos y la IAL con el sexo masculino del niño. Las políticas públicas para aumentar los ingresos deben incluirse en las estrategias de reducción de la IA.

Palabras clave: Seguridad Alimentaria; Factores Socioeconómicos; Lactante; Niño; Estudios Transversales

Introdução

Embora o direito à alimentação, ainda em construção no Brasil, tenha se fortalecido com a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional1 e a inserção da alimentação entre os direitos sociais positivados na Constituição Federal (Emenda Constitucional nº 64, de 4 de fevereiro de 2010),2 cerca de 52 milhões de pessoas ainda conviviam com a insegurança alimentar (IA) domiciliar em 2013, das quais 34% eram crianças entre zero e 4 anos de idade.3

Este quadro se agravou nos últimos anos e, segundo dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a prevalência nacional de IA chegou a pouco mais de 36%, com a metade das crianças menores de 5 anos de idade vivendo em domicílios com algum grau de IA.4

IA é a violação do direito ao acesso a alimentos de qualidade e em quantidade suficiente para manter as atividades diárias de forma regular e permanente.1 Ela deve ser compreendida como a expressão das desigualdades e das relações de poder no contexto em que os indivíduos se encontram.5 Crises financeiras e políticas deterioram a segurança alimentar6 e, ademais, situações adversas graves podem ser especialmente desafiadoras para as famílias com crianças que dependem da alimentação escolar, como ficou demonstrado na presente crise sanitária causada pela COVID-19.7 Esta pandemia, determinada pelo avanço do novo coronavírus (SARS-CoV-2), evidenciou uma rápida exacerbação da condição de IA em grupos com maior vulnerabilidade socioeconômica, nos quais essa situação já estava instalada.8

Sabe-se que o nível de IA domiciliar é um fator determinante para o aparecimento de doenças agudas ou crônicas não transmissíveis, na vida adulta.9 Em crianças, a IA apresenta associação com piores padrões de saúde, alterações no desenvolvimento cognitivo e no desempenho escolar.10 Portanto, o combate à IA é importante nessa fase da vida, de grande impacto no futuro, como na inteligência, escolaridade e nível de renda na vida adulta.11

A literatura mostra que os fatores sociais, demográficos e econômicos influenciam na IA.12 Apesar disso, são escassos os trabalhos que avaliaram a frequência e os fatores associados à IA em domicílios com crianças abaixo de 3 anos de idade, especialmente no Brasil. Wight et al. alertam que poucos estudos investigaram as causas da insegurança alimentar entre crianças. Esses autores conduziram um amplo estudo, envolvendo crianças norte-americanas, e apresentaram evidências de forte associação entre pobreza e IA na infância.13

Conhecer e monitorar a distribuição da IA e seus fatores associados permitirá não só o estabelecimento de ações que diminuam sua frequência, mas também ajudará a determinar as estratégias de ação adequadas para os momentos de agravamento dessa condição. Embora o município de São José dos Pinhais seja considerado de grande porte e possua o segundo maior produto interno bruto (PIB) do Paraná, desde 2016 ele vem apresentando uma importante redução na arrecadação de impostos sobre a circulação de economias e prestação de serviços.14 Esta situação, também observada no restante do país, tem ocasionado o aumento na desocupação do mercado de trabalho, com a consequente ampliação das desigualdades sociais e das vulnerabilidades de grupos populacionais específicos. Isto, seguramente, gera impactos no acesso e na capacidade de aquisição de alimentos, assim como sua disponibilidade para todos os membros da família.6

O objetivo deste estudo foi analisar a associação entre IA e fatores sociodemográficos, em crianças, no município de São José dos Pinhais.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal, com amostra de crianças de 18 a 35 meses de idade matriculadas e frequentadoras da rede pública de ensino de São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba, Paraná, Brasil. A pesquisa foi realizada entre maio e novembro de 2017.

O município de São José dos Pinhais possuía, até o ano de 2012, o segundo maior PIB do Paraná e um índice de desenvolvimento humano de 0,758. Em 2017, sua população, estimada pelo IBGE, era de 307.530 habitantes.14

O cálculo amostral foi realizado por meio de fórmula de estimativa para proporção finita, considerando-se que 2.667 crianças com idade entre 18 e 35 meses se encontravam matriculadas na rede pública de ensino do município no início de 2017. Considerou-se a prevalência do desfecho de 50%, visando maximizar o tamanho amostral, e adotou-se um nível de confiança de 95% e erro máximo aceitável de 5%, calculando-se uma amostra mínima de 337 crianças, a qual foi acrescida em 30%, para compensar o efeito de delineamento do estudo, e mais 20%, para compensar as possíveis perdas e recusas, totalizando 526 crianças. Com a amostra calculada, mantido o nível de confiança de 95% e poder do estudo de 80%, seria possível detectar uma prevalência de 50% nos expostos e de 37,9% entre não expostos, equivalente a uma razão de chances (odds ratio, ou OR) de 1,64. Para análises estratificadas por sexo, com os mesmos parâmetros, seria possível identificar prevalência de 29,6% para expostos e de 32,1% para não expostos; e OR de 2,38 e 2,12 para os sexos masculino e feminino, respectivamente.

Realizou-se uma amostragem aleatória por conglomerado em dois estágios: unidades educacionais e crianças. Para garantir a representatividade da amostra, primeiramente, foram sorteadas 20 unidades educacionais das 43 existentes no município. A amostra foi distribuída respeitando-se a proporcionalidade das crianças matriculadas em cada Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI). Em cada CMEI selecionado, as crianças foram numeradas em sequência, a partir da lista fornecida pela escola e, posteriormente, sorteadas até se esgotar o número de crianças previstas para cada escola. Caso a criança sorteada não estivesse presente ou não preenchesse os critérios de inclusão, realizava-se o sorteio de outra criança.

Os critérios de elegibilidade das crianças para participar do estudo foram: ter entre 18 meses e 35 meses e 29 dias, independentemente do sexo; e estar matriculada no CMEI. Foram excluídas do estudo aquelas crianças que apresentavam necessidades especiais de alimentação, bem como síndromes ou doenças sistêmicas que poderiam apresentar alterações na alimentação e que necessitariam de atenção nutricional específica. Também foram excluídos os questionários que apresentaram respostas incompletas na Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA) ou que não foram respondidos pelas mães das crianças.

As variáveis demográficas, socioeconômicas e de IA domiciliar foram coletadas por meio de um questionário desenhado para autopreenchimento, encaminhado ao domicílio da criança. O instrumento foi previamente testado, em estudo-piloto realizado em um CMEI não incluído no sorteio do estudo principal, envolvendo 34 mães de crianças na mesma faixa etária. As variáveis de exposição socioeconômicas e demográficas foram: sexo (feminino; masculino) e idade da criança (<24 meses; ≥24 meses); escolaridade (anos de estudo: ≤8; >8), situação conjugal (com ou sem relação estável) e situação formal de trabalho (sim; não) da mãe; e renda familiar per capita, coletada em reais, posteriormente categorizada em tercis (1º tercil, R$ 19,50 a R$ 366,66; 2º tercil, R$ 366,67 a R$ 625,00; 3º tercil, R$ 625,01 a R$ 2.250,00).

A insegurança alimentar foi mensurada utilizando-se a EBIA, traduzida e validada para o português,15 em sua versão de 2009. A escala é utilizada na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo IBGE,16 e contempla 14 questões para famílias compostas por adultos e indivíduos menores de 18 anos de idade, abordando a experiência dos últimos três meses em relação à preocupação com a falta de dinheiro para compra de alimentos, alterações na aquisição qualitativa de alimentos e, por fim, alterações quantitativas na aquisição de alimentos. A classificação da segurança alimentar obedeceu aos critérios propostos por Reichenheim et al.17 Famílias com 0 ou 1 resposta afirmativa eram classificadas em segurança alimentar (SA); quando obtinham 2 a 5 pontos, com IA leve; com 6 a 10 pontos, IA moderada; e com 11 a 14 respostas afirmativas, IA grave.

A análise descritiva das variáveis categóricas incluiu cálculo de número e percentual (%), com respectivo intervalo de confiança de 95% (IC95%). Para as variáveis numéricas, foram calculadas médias e desvios-padrão (DP). Para testar a associação da IA com variáveis independentes, foram utilizadas as seguintes categorias: SA (segurança alimentar), quando ‘EBIA com valor igual ou menor que 1’; IA leve (IAL), quando ‘EBIA com valor de 2 a 5’; e agrupadas IA moderada com IA grave (IAMG), quando ‘EBIA com valor igual ou maior que 6’. Análises de regressão logística multinomial bruta e ajustada permitiram estimar as ORs com IC95% da associação dos níveis de insegurança alimentar (leve e moderada/grave) com as variáveis de exposição. A presença de segurança alimentar foi a categoria de referência (versus: IA leve; IA moderada/grave). As variáveis com p-valor <0,25 na regressão multinomial bruta, em qualquer das categorias de IA, foram incluídas nos modelos, e permaneceram para ajuste quando mantiveram p-valor até 0,25,18 sendo consideradas estatisticamente significativas quando p-valor <0,05.

A entrada das variáveis na análise ajustada seguiu o modelo hierárquico com três blocos explicativos: distal (características demográficas maternas: escolaridade e situação conjugal); intermediário (características socioeconômicas: situação de trabalho materna e renda familiar per capita); e proximal (características demográficas das crianças: sexo e idade). Foram testadas interações entre IA e sexo, de acordo com as variáveis de exposição, sendo consideradas significativas quando o p-valor foi <0,10. As análises foram replicadas para a amostra estratificadas por sexo. O desenho do estudo e os pesos amostrais foram considerados nas análises (comando survey). Os pesos amostrais foram estimados a partir da combinação das probabilidades inversas de sorteio em cada nível amostral: CMEI e criança. Com o objetivo de identificar diferenças entre o grupo que preencheu completamente o questionário e aqueles que foram excluídos por preenchimento incompleto para o desfecho, foram realizadas comparações das covariáveis por meio do teste qui-quadrado de Pearson. As análises foram realizadas com o auxílio do programa Stata versão 12.0 (StataCorp LP., Texas, Estados Unidos).

Este estudo é parte da pesquisa intitulada ‘Práticas alimentares, cárie dentária e insegurança alimentar domiciliar’. Conforme preconizado pela Declaração de Helsinque e pela Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 466, de 12 de dezembro de 2012, o projeto foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa do Setor de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Paraná (CEP/SD/UFPR), sob o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 65621417.0.0000.0102, sendo aprovado com a emissão do Parecer nº 2.033.588. Somente crianças cujos responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foram incluídas no estudo.

Resultados

Nos 20 CMEIs sorteados, 629 crianças foram elegíveis para o estudo, sendo sorteadas 526. Destas, três crianças foram excluídas por apresentarem necessidades alimentares específicas, 16 responsáveis não concordaram com sua participação no estudo, 68 não retornaram o questionário, 21 retornaram os questionários incompletos quanto às questões de IA, e 23 questionários não foram respondidos pelas mães. Afinal, 395 mães/crianças participaram da pesquisa (24,9% de perdas e recusas).

A ausência de preenchimento do desfecho no questionário foi maior entre (i) as mães com mais de 8 anos de estudo (11,3%), quando comparadas àquelas com menos de 8 anos de estudo (3,3%; p=0,003), (ii) as mães classificadas no tercil de maior renda familiar per capita (9,8%), quando comparadas àquelas no segundo (2,7%) e no primeiro tercis (3,4%; p=0,034), e (iii) as mães com crianças do sexo masculino (7,2%), comparadas àquelas com crianças do sexo feminino (2,2%; p=0,049). A ausência desse dado preenchido não diferiu segundo a faixa etária da criança ou a situação de trabalho formal materno.

A média de idade das crianças foi de 28,8 meses (DP=4,8 meses), sendo que 80,2% se encontravam com mais de 24 meses de idade. A maioria das crianças era do sexo masculino (55,7%). Com relação às mães, a média de idade foi de 28,6 anos (DP=6,4 anos), a maioria (80,3%) havia estudado mais de 8 anos, 71,5% referiram se encontrar em uma relação conjugal estável e metade delas (50,4%) estavam em situação de trabalho formal (Tabela 1).

Tabela 1 Distribuição da amostra de acordo com características demográficas e socioeconômicas de mães e de suas crianças matriculadas na rede pública de ensino (n=395), São José dos Pinhais, Paraná, 2017 

Características Total Sexo masculino Sexo feminino p-valorb
n %a n %a n %a
Demográficas maternas
Escolaridade (anos de estudo) 0,920
≤8 76 19,7 140 80,0 174 80,6
>8 314 80,3 34 20,0 92 19,4
Situação conjugal 0,575
Com relação estável 276 71,5 51 29,8 59 27,4
Sem relação estável 110 28,5 123 70,2 153 72,6
Socioeconômicas
Situação de trabalho formal materno 0,345
Sim 197 50,4 93 52,9 104 48,4
Não 193 49,6 82 47,1 111 51,6
Renda familiar per capita 0,966
1º tercil 107 32,4 52 33,6 64 34,3
2º tercil 113 33,6 52 34,3 61 33,1
3º tercil 116 34,0 49 32,1 58 32,6
Demográficas das crianças
Sexo
Masculino 219 55,7 - - - -
Feminino 176 44,3 - - - -
Idade 0,238
18 a 23 meses 77 19,8 40 23,1 37 17,1
24 a 35 meses 318 80,2 136 76,9 182 82,9

a) Corrigido para efeito do delineamento e pesos amostrais; valores menores que 395 devidos a dados ausentes; b) Teste qui-quadrado de Pearson, corrigido para efeito do delineamento e comparação por sexo.

A prevalência de IA foi de 34,7% (IC95% 28,5;41,5): 25,7% (IC95% 19,2;32,3) em sua forma leve, 5,5% (IC95% 3,1;7,8) moderada e 3,5% (IC95% 1,5;5,6) grave (Figura 1). Na análise bivariada, a presença da IA apresentou associação com a renda familiar per capita: quanto menor o tercil de renda, maior a chance de ocorrência de IAL e IAMG. Verificou-se maior chance de IAL em crianças do sexo masculino (Tabela 2).

Legenda: SA, segurança alimentar; IAL, insegurança alimentar leve; IAMG, insegurança alimentar moderada ou grave.

Figura 1 Prevalência e intervalo de confiança de 95% de segurança alimentar, insegurança alimentar leve e moderada ou grave em mães e crianças (n=395), São José dos Pinhais, Paraná, 2017 

Tabela 2 Características da amostra, regressão logística multinomial bruta e ajustada entre a insegurança alimentar leve e moderada/grave e as variáveis independentes em crianças matriculadas (grupo total: masculino e feminino) na rede pública de ensino (n=330), São José dos Pinhais, Paraná, 2017 

Características Insegurança alimentar
SAa n (%)f IALb n (%)f IAMGc n (%)f Modelo bruto Modelo ajustado
ORd (IC95%)e (IAL)b p-valorg ORd (IC95%)e (IAMG)c p-valorg ORd (IC95%)e (IAL)b p-valorg ORd (IC95%)e (IAMG)c p-valorg
Demográficas maternas
Escolaridade (anos de estudo)
≤8 33 (52,1) 22 (35,3) 9 (12,6) 1,90 (0,96;3,75) 0,063 1,86 (0,82;4,21) 0,127 1,90 (0,96;3,75) 0,063i 1,86 (0,82;4,21) 0,127i
>8 181 (67,3) 63 (24,0) 22 (8,7) 1,00 1,00 1,00 1,00
Situação conjugal
Com relação estável 146 (64,1) 60 (27,0) 20 (8,9) 1,00 0,817 1,00 0,601 - - - -
Sem relação estável 63 (63,6) 24(25,0) 11(11,4) 1,07 (0,57;2,01) 0,70 (0,27;2,17) - - - -
Socioeconômicas
Situação de trabalho formal materno
Sim 118 (69,4) 40 (24,7) 10 (5,9) 1,00 0,318 1,00 0,020 1,00 0,904j 1,00 0,211j
Não 96 (59,1) 45 (27,8) 21 (13,1) 1,32 (0,75;2,32) 2,58 (1,18;5,65) 0,97 (0,51;1,83) 1,64 (0,74;3,63)
Renda familiar per capita
1º tercil 94 (80,7) 17 (15,1) 5 (4,2) 3,37 (1,59;7,15) 0,002h 7,30 (2,24;23,8) 0,003h 3,06 (1,26;7,41) 0,017h,j 6,35 (1,89;21,4) 0,006h,j
2º tercil 69 (61,1) 36 (32,8) 7 (6,1) 2,87 (1,44;5,69) 1,93 (0,37;10,0) 2,77 (1,40;5,48) 1,78 (0,35;9,17)
3º tercil 51 (49,7) 32 (31,4) 19 (18,9) 1,00 1,00 1,00 1,00
Demográficas das crianças
Sexo
Masculino 107 (70,6) 28 (18,1) 17 (11,3) 1,00 0,004 1,00 0,633 1,00 0,001k 1,00 0,713k
Feminino 107 (59,0) 57 (33,0) 14 (8,0) 2,18 (1,33;3,58) 0,84 (0,40;1,77) 2,34 (1,49;3,68) 0,88 (0,41;1,87)
Idade
18 a 23 meses 42 (59,3) 21 (30,0) 8 (10,7) 1,00 0,394 1,00 0,460 1,00 0,388k 1,00 0,605k
24 a 35 meses 172 (65,7) 64 (25,2) 23 (9,1) 0,76 (0,40;1,48) 0,77 (0,37;1,60) 0,73 (0,35;1,53) 0,82 (0,37;1,81)

a) SA: segurança alimentar; b) IAL: insegurança alimentar leve; c) IAMG: insegurança alimentar moderada ou grave; d) OR: odds ratio (ou razão de chances), relativa à categoria de referência (segurança alimentar); e) IC95%: intervalo de confiança de 95%; f) Corrigido para efeito do delineamento e pesos amostrais - valores menores que 330 devidos a missing; g) Teste de Wald para heterogeneidade; h) Teste de Wald de tendência linear; i) Valor ajustado ao bloco distal (características demográficas maternas); j) Valor ajustado ao bloco distal (características demográficas maternas) e ao bloco intermediário (características socioeconômicas); k) Valor ajustado ao bloco distal (características demográficas maternas), ao bloco intermediário (características socioeconômicas) e ao bloco de características demográficas das crianças.

No modelo ajustado da regressão logística multinomial, observou-se que, no bloco intermediário, a renda familiar per capita se manteve significativamente associada com IAL e IAMG. As chances de IAL e IAMG foram maiores no primeiro tercil de renda familiar per capita [OR=3,06 (IC95% 1,26;7,41)] e [OR=6,35 (IC95% 1,89;21,4)], respectivamente, na comparação com o terceiro tercil. Entre as características demográficas das crianças, apenas o sexo permaneceu associado com IAL: os meninos apresentaram 2,34 (IC95% 1,49;3,68) vezes maior chance de vivenciar essa situação, em relação às meninas (Tabela 2).

Foram identificadas interações da insegurança alimentar com o sexo da criança e as variáveis ‘situação de trabalho formal materno’ (p=0,06) e ‘renda familiar per capita’ (p=0,04). Na análise estratificada segundo o sexo da criança, no bloco intermediário, a renda familiar per capita, quando ajustada pela escolaridade materna, manteve associação significativa com IAL [OR=4,03 (IC95% 1,23;13,13)] e IAMG [OR=4,95 (IC95% 1,30;18,19)] no sexo masculino (Tabela 3), e com IAL [OR=3,35 (IC95% 1,47;7,66)] no sexo feminino (Tabela 4).

Tabela 3 Características da amostra, regressão logística multinomial bruta e ajustada entre a insegurança alimentar leve e moderada/grave e as variáveis independentes em crianças do sexo masculino matriculadas na rede pública de ensino (n=152), São José dos Pinhais, Paraná, 2017 

Características Insegurança alimentar
SAa n (%)f IALb n (%)f IAMGc n (%)f Modelo bruto Modelo ajustado
ORd (IC95%)e (IAL)b p-valorg ORd (IC95%)e (IAMG)c p-valorg ORd (IC95%)e (IAL)b p-valorg ORd (IC95%)e (IAMG)c p-valorg
Demográficas maternas
Escolaridade (anos de estudo)
≤8 17 (58,0) 9 (28,1) 5 (13,9) 2,31 (0,99;5,41) 0,053 1,67 (0,39;7,19) 0,472 2,31 (0,99;5,41) 0,053i 1,67 (0,39;7,19) 0,472i
>8 90 (73,9) 19 (15,5) 12 (10,6) 1,00 1,00 1,00 1,00
Situação conjugal
Com relação estável 35 (73,7) 6 (13,0) 6 (13,3) 1,00 0,404 1,00 0,771 - - - -
Sem relação estável 71 (68,9) 22 (20,6) 11 (10,5) 1,69 (0,47;6,14) 0,85 (0,26;2,75)
Socioeconômicas
Situação de trabalho formal materno
Sim 59 (72,1) 19 (22,6) 4 (5,3) 1,00 0,258 1,00 0,022 1,00 0,086j 1,00 0,218j
Não 48 (68,9) 9 (12,7) 13 (18,4) 0,59 (0,23;1,53) 3,60 (1,23;10,56) 0,35 (0,11;1,07) 2,46 (0,75;8,07)
Renda familiar per capita
1º tercil 44 (84,7) 5 (9,4) 3 (5,9) 3,42 (1,17;9,94) 0,012h 6,78 (1,76;26,2) 0,011h 4,03 (1,23;13,13) 0,019h,j 4,95 (1,30;18,19) 0,023h,j
2º tercil 37 (72,1) 13 (24,4) 2 (3,5) 3,04 (0,63;14,75) 0,69 (0,11;4,23) 3,51 (0,74;16,66) 0,53 (0,09;3,06)
3º tercil 26 (53,9) 10 (20,5) 12 (25,6) 1,00 1,00 1,00
Demográficas das crianças
Idade da criança
18 a 23 meses 27(73,9) 6(16,3) 4(9,8) 1,00 0,684 1,00 0,761 - - - -
24 a 35 meses 80(69,5) 22(18,7) 13(11,8) 1,21 (0,46;3,24) 1,27 (0,25;6,52) - - - -

a) SA: segurança alimentar; b) IAL: insegurança alimentar leve; c) IAMG: insegurança alimentar moderada ou grave; d) OR: odds ratio (ou razão de chances), relativa à categoria de referência (segurança alimentar); e) IC95%: intervalo de confiança de 95%; f) Corrigido para efeito do delineamento e pesos amostrais - valores menores que 152 devidos a missing; g) Teste de Wald para heterogeneidade; h) Teste de Wald de tendência linear; i) Valor ajustado ao bloco distal (características demográficas maternas); j) Valor ajustado ao bloco distal (características demográficas maternas) e ao bloco intermediário (características socioeconômicas).

Tabela 4 Características da amostra, regressão logística multinomial bruta e ajustada entre a insegurança alimentar leve e moderada/grave e as variáveis independentes em crianças do sexo feminino matriculadas na rede pública de ensino (n=181), São José dos Pinhais, Paraná, 2017 

Características Insegurança alimentar
SAa n (%)f IALb n (%)f IAMGc n (%)f Modelo bruto Modelo ajustado
ORd (IC95%)e (IAL)b p-valorg ORd (IC95%)e (IAMG)c p-valorg ORd (IC95%)e (IAL)b p-valorg ORd (IC95%)e (IAMG)c p-valorg
Demográficas maternas
Escolaridade (anos de estudo)
≤8 17 (48,1) 13 (40,9) 4 (11,0) 1,64 (0,82;3,27) 0,153 1,98 (0,80;4,91) 0,131 1,64 (0,82;3,27) 0,153i 1,98 (0,80;4,91) 0,131i
>8 91 (61,1) 46 (31,8) 10 (7,1) 1,00 1,00 1,00 1,00
Situação conjugal
Com relação estável 28 (54,3) 18 (35,9) 5 (9,8) 1,00 0,652 1,00 0,530 - - - -
Sem relação estável 76 (59,6) 40 (33,1) 9 (7,3) 0,84 (0,38;1,86) 0,68 (0,20;2,37) - - - -
Socioeconômicas
Situação de trabalho formal materno
Sim 59 (66,8) 21 (26,7) 6 (6,5) 1,00 0,095 1,00 0,324 - - - -
Não 48 (52,0) 36 (38,7) 8 (9,3) 1,86 (0,89;3,91) 1,82 (0,53;6,31) - - - -
Renda familiar per capita
1º tercil 26(46,2) 23 (41,0) 7 (12,8) 3,50 (1,63;7,51) 0,002h 7,60 (1,09;52,87) 0,050h 3,35 (1,47;7,66) 0,005h,j 7,41 (0,97;56,7) 0,075h,j
2º tercil 32 (50,9) 24 (40,8) 5 (8,3) 3,15 (1,41;7,07) 4,46 (0,46;43,44) 3,12 (1,42;6,88) 4,44 (0,48;41,2)
3º tercil 50 (77,5) 12 (19,7) 2 (2,8) 1,00 1,00 1,00 1,00
Demográficas das crianças
Idade da criança
18 a 23 meses 15 (42,2) 16 (46,4) 4 (11,4) 1,00 0,068 1,00 0,245 1,00 0,121k 1,00 0,299k
24 a 35 meses 93 (62,6) 43 (30,4) 10 (7,0) 0,44 (0,18;1,07) 0,42 (0,09;1,92) 0,46 (0,17;1,25) 0,45 (0,09;2,15)

a) SA: segurança alimentar; b) IAL: insegurança alimentar leve; c) IAMG: insegurança alimentar moderada ou grave; d) OR: odds ratio (ou razão de chances), relativa à categoria de referência (segurança alimentar); e) IC95%: intervalo de confiança de 95%; f) Corrigido para efeito do delineamento e pesos amostrais - valores menores que 181 devidos a missing -; g) Teste de Wald para heterogeneidade; h) Teste de Wald de tendência linear; i) Valor ajustado ao bloco distal (características demográficas maternas); j) Valor ajustado ao bloco distal (características demográficas maternas) e ao bloco intermediário (características socioeconômicas). k) Valor ajustado ao bloco distal (características demográficas maternas), ao bloco intermediário (características socioeconômicas) e ao bloco de características demográficas das crianças.

Discussão

O principal achado deste estudo foi a associação da maior chance de IA domiciliar com a menor renda familiar per capita e o sexo masculino da criança. A associação da IA com fatores sociodemográficos tem sido amplamente relatada12,13,19-23 e pode ser observada no último levantamento nacional brasileiro, a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018, realizado IBGE.4,21

Estudos transversais, conduzidos com famílias de pré-escolares brasileiros, foram desenvolvidos em 2011, no município de Viçosa, Minas Gerais; em 2009, no município de Maranguape, Ceará; no ano de 2017, em dois municípios da Paraíba, Cabedelo e Bayeux; e em 2008, em oito municípios do estado da Paraíba. Em todos esses estudos, as prevalências de insegurança alimentar encontradas sempre foram superiores a 60%,19,22-24 a IA foi avaliada pela EBIA e as famílias que responderam negativamente a todas as questões do instrumento foram consideradas em segurança alimentar. Além das características sociodemográficas e geográficas das populações avaliadas nessas pesquisas, a grande diferença na prevalência, comparada à observada no presente estudo, foi parcialmente determinada pelos pontos de corte adotados para as famílias de pré-escolares de São José dos Pinhais, onde a classificação de SA incluiu, além das famílias que não responderam positivamente a nenhuma das questões, aquelas que pontuaram em uma única questão da EBIA, de acordo com o proposto por Reichenheim et al.17

Os autores dos estudos citados no parágrafo anterior argumentam que o perfil da família que responde positivamente a apenas uma questão estaria mais próximo da segurança alimentar que da IA leve.17 Assim, no presente estudo, a prevalência de IA entre as crianças seria mais elevada se fossem utilizados os pontos de corte dos levantamentos nacionais brasileiros,3,4 nos quais SA é atribuída apenas às famílias que não responderam positivamente a nenhuma das questões da EBIA. Portanto, na comparação entre estudos que utilizaram a EBIA, deve-se ter atenção especial com os pontos de corte adotados para a classificação da IA, visto que sua prevalência difere em função desse aspecto. Cabe salientar que a comparação dos resultados desta pesquisa com levantamentos que não discriminaram faixas etárias deve ser realizada com igual atenção, visto que, neste estudo, foram incluídas somente famílias com crianças, o que também pode ter influenciado em uma maior prevalência, já que a ocorrência de IA aumenta em domicílios com indivíduos menores de 18 anos.3,4

Hoffmann21, em 2021, analisou os dados de IA de amostras representativas do Brasil provenientes das PNADs 2004, 2009 e 2013, e da POF 2017-2018. Esse autor mostrou que a IA diminuiu no período de 2004 a 2013; entretanto, no levantamento de 2017-2018, houve um crescimento na prevalência de IA quando comparado a todos os períodos anteriores.21 Além disso, a aumento da IA apresentou forte associação com a distribuição da renda e medidas de pobreza (proporção de pobres, insuficiência de renda e índice de Foster, Greer e Thorbeck).21 No presente estudo, a renda familiar permaneceu associada à IA, mesmo após ajuste para as variáveis demográficas investigadas. Estudo realizado em 2017, em duas cidades da Paraíba, com famílias de crianças menores de 5 anos de idade, encontrou que a insegurança alimentar moderada/grave esteve associada com receber o benefício do Programa Bolsa Família, presença no núcleo familiar de crianças menores de 2 anos, menor nível socioeconômico e disfunção familiar.19 Contudo, foi observado que, em comunidades vulneráveis do semiárido do Nordeste brasileiro, os programas de transferência de renda adotados entre 2011 e 2014 apresentaram importante impacto na redução da insegurança alimentar.20

Em 2011, Kepple e Segall-Correia25 propuseram um marco conceitual de segurança alimentar e nutricional em que os determinantes macrossocioeconômicos, regionais, locais (estes, no âmbito da comunidade) e domiciliares se relacionam de forma hierárquica. Cada nível dessa hierarquia afeta o próximo e tem como referência o acesso a uma alimentação adequada em nível domiciliar, favorecida por um contexto sem restrição financeira.25 A associação entre renda e IA também foi discutida em recente revisão sistemática, publicada no ano de 2020, que avaliou a relação entre indicadores sociais e IA em famílias brasileiras: incluídos apenas estudos que utilizaram a EBIA para verificar a prevalência de IA, identificou-se (i) uma relação direta da IA com menor renda e (ii) um papel mediador da renda na relação entre os demais indicadores sociais e a insegurança alimentar.12

Além da renda familiar, observou-se maior chance de IA leve entre as famílias com meninos. A IA leve reflete a qualidade da alimentação e/ou o receio de sofrer IA no futuro.15 Entretanto, o sexo da criança não se mostrou associado aos quadros mais importantes de IA (moderada ou grave), indicativos de restrição na quantidade de alimentos ou fome. Apesar de a literatura ser inconclusiva sobre uma associação entre o sexo da criança e a IA, alguns estudos sugerem maior prevalência de IA entre as famílias com crianças do sexo masculino.26,27 Um estudo retrospectivo conduzido em 2016, com pacientes pediátricos, especialmente latinos, em um centro de saúde federal de Nova Jersey, Estados Unidos, encontrou maior prevalência de IA entre meninos.26

As diferenças na prevalência de IA quanto ao sexo da criança necessitam de mais estudos, para aprofundar seu entendimento. Contudo, podem estar relacionadas a estratégias familiares de enfrentamento da dificuldade de acesso aos alimentos, bem como à alocação dos alimentos disponíveis para determinados membros da família.27 Um amplo estudo realizado no período de 1999 a 2005, com 1.600 famílias residentes em três cidades dos Estados Unidos, observou diferenças significativas nos níveis de fornecimento de alimentos entre crianças de diferentes sexos e idades, em famílias de menor nível econômico. Os dados de segurança alimentar foram obtidos a partir de escala utilizada pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, contemplando 18 questões cujas respostas positivas indicavam insegurança alimentar. Os níveis de insegurança alimentar (definidos por ao menos duas respostas positivas) foram bastante elevados entre as crianças de maior idade (11,5% no grupo de 12 a 18 anos; 5,6% no grupo de 0 a 5 anos), atingindo os maiores percentuais no grupo de meninos de 12 a 18 anos de idade (13,8%). As diferenças na insegurança alimentar por idade e sexo da criança foram muito mais fortes entre as famílias com mães solteiras e sem o hábito de alimentar-se em família, comparadas a famílias com mães casadas e que apresentavam esse hábito em sua rotina.27

Este estudo apresenta limitações. A generalização de seus resultados deve ser realizada com cuidado, visto que a amostra investigada representa uma faixa etária e um grupo populacional específicos. Ressalta-se que o autopreenchimento do questionário pode ter gerado viés de informação, dada a dificuldade dos respondentes na interpretação das questões. Também se deve considerar a ocorrência de viés de seleção, devido à possibilidade de não participação de mães não alfabetizadas, o que subestimaria as prevalências de IA.

Além disso, foram encontradas diferenças entre os grupos com preenchimento completo e preenchimento incompleto da EBIA. Porém, ao contrário do que seria esperado, a ausência de preenchimento completo para classificação do desfecho foi maior entre as mães com maior renda e escolaridade, o que pode ter superestimado a prevalência de IA, e aquelas com filhos do sexo masculino, o que também pode ter influenciado os resultados. Finalmente, deve-se considerar a possibilidade de ocorrência de confusão residual: dado o caráter multifatorial que a IA apresenta, outros potenciais fatores, que podem agir como confundidores, podem não ter sido coletados, o que contribuiria no sentido de melhor explorar as diferenças encontradas entre os sexos.

A prevalência de IA encontrada no grupo estudado apresentou valores maiores do que aqueles disponibilizados pela PNAD 2013.3 Os dados mais recentes sobre a situação da IA domiciliar brasileira, divulgados pela POF em 2020, também apresentaram um aumento em sua prevalência quando comparados aos obtidos nas PNADs 2004, 2009 e 2013.21

Esses dados apontam a IA como uma situação a ser constantemente monitorada, que apresenta grande variabilidade em função das condições que cada família enfrenta em seu contexto socioeconômico.3,4 A IA pode afetar a saúde infantil, em razão da deficiência de micronutrientes, como a anemia ferropriva26,28 e a deficiência de vitamina A.29 Nas crianças que se encontram em transição da fase lactente para a fase pré-escolar, a ocorrência de IA pode ocasionar déficits importantes em seu crescimento e desenvolvimento,10 associados a uma menor escolaridade e produtividade econômica na vida adulta.30

A prevalência de IA encontrada entre as famílias de crianças da rede pública de ensino de São José dos Pinhais foi alta, e esteve associada a fatores demográficos e socioeconômicos. É interessante salientar que, mesmo utilizando-se os novos pontos de corte propostos, a associação entre IA, escolaridade materna e renda familiar per capita se manteve, enquanto importantes fatores relacionados com o acesso a alimentos de qualidade e em quantidade suficiente. Por fim, o presente estudo teve como finalidade contribuir para o grande esforço de conhecimento da realidade alimentar de crianças que se encontram entre a fase lactente e a pré-escolar, com a consciência de que a produção de informação é requisito indispensável para o acompanhamento das políticas que visam garantir o direito à segurança alimentar e nutricional.1,2

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* Artigo derivado de dissertação de mestrado acadêmico intitulada ‘Práticas alimentares e insegurança alimentar domiciliar em pré-escolares’, defendida por Vanessa da Rocha Chapanski junto ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Paraná em 2018. Estudo parcialmente financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)/Ministério da Educação (MEC) - Código de Financiamento 001.

Recebido: 05 de Fevereiro de 2021; Aceito: 21 de Junho de 2021

Correspondência: Fabian Calixto Fraiz - Avenida Lothário Meissner nº 632, Jardim Botânico, Curitiba, PR, Brasil. CEP: 80210-170. E-mail: fabianfraiz@gmail.com

Editora associada

Thaynã Ramos Flores - 0000-0003-0098-168

Contribuição dos autores

Chapanski VR, Costa MD, Fraiz GM, Höfelmann DA e Fraiz FC participaram da concepção e delineamento do estudo, análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito e declaram-se responsabilidade por todos os aspectos do trabalho, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

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