Contribuições do estudo
Principais resultados
Foi identificada elevada prevalência de doenças crônicas, sedentarismo e uso de antidepressivo/ansiolítico em agentes comunitários de saúde (ACS) de Vitória, ES. Cerca de 40% apresentaram três ou mais morbidades.
Implicações para os serviços
Profissionais que atuam na promoção da saúde e prevenção de doenças encontram-se adoecidos e necessitando de tratamento e cuidados. Essa condição impacta na qualidade de vida dos ACS, bem como no desempenho de seu trabalho nos serviços de saúde.
Perspectivas
Nossos achados reforçam a necessidade do cuidado de quem cuida, especialmente dos que se encontram em maior vulnerabilidade social e econômica, como é o caso dos ACS. Melhorar as condições de saúde dos ACS é fundamental para o fortalecimento do SUS.
Introdução
O agente comunitário de saúde (ACS) compõe a equipe da Estratégia Saúde da Família do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil1 e atua na linha de frente da atenção primária à saúde (APS), constituindo um elo entre a comunidade e o serviço de saúde. Destacam-se, entre as atribuições dos ACS, o cuidado de famílias residentes em determinada área geográfica, a vigilância em saúde e a realização de ações educativas entre a população.1
Estudos desenvolvidos nas regiões Sudeste, Sul e Nordeste do país mostraram que os ACS se encontravam, majoritariamente, na faixa etária de 24 a 45 anos, eram do sexo feminino, apresentavam ensino médio completo e renda familiar mensal de dois a quatro salários mínimos.2,3 No Rio Grande do Sul, 21,9% dos 564 ACS estudados referiram ter recebido diagnóstico de hipertensão arterial (HA) e 5,5%, de diabetes mellitus (DM).4 Tais resultados são semelhantes aos encontrados para 80 ACS de um município do estado do Rio Grande do Norte.5 Tanto no Rio Grande do Sul4 quanto na capital da Paraíba, João Pessoa (163 ACS),6 observou-se elevado percentual de ACS com excesso de peso, 69,7% e 37,5% respectivamente, diferença possivelmente relacionada ao fato de um desses estudos ter utilizado informações autorreferidas,4 e o outro, medidas diretas.6
A ocorrência simultânea de duas ou mais doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) em um indivíduo, ou seja, multimorbidade, aumenta o risco de morte, a demanda por cuidados de saúde e, consequentemente, os custos impostos ao setor.7 Dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013 apontaram que 24,2% dos adultos brasileiros apresentavam duas ou mais morbidades.8 A relevância do tema recomenda investigar a ocorrência de multimorbidade em trabalhadores da saúde.
A atuação cotidiana dos ACS na comunidade, provavelmente, aumenta a exposição a situações de vulnerabilidade, como a cobrança por parte da população assistida e a insegurança proveniente da atuação em bairros periféricos, as quais podem afetar a qualidade de vida e as condições de saúde desses trabalhadores.9 Nesse sentido, estudos com ACS foram realizados no Brasil, principalmente, para identificar os processos de trabalho envolvidos em suas funções, a realidade sociodemográfica e econômica e o impacto desses aspectos na qualidade de vida e saúde mental desses trabalhadores.2,10 Apesar do número limitado desses estudos e respectivas amostras de ACS, claramente restritas, há evidências de que se trata de um grupo de trabalhadores com a saúde física e mental comprometida, embora vivenciem o contexto da APS e desenvolvam ações de promoção da saúde e prevenção de doenças e agravos.4-6,10
Até o momento, não se identificaram pesquisas voltadas à investigação das condições de saúde dos ACS com base em informações de saúde objetivas, somente aquelas utilizando dados autorreferidos de um número limitado de DCNTs. Informações sobre a presença de multimorbidade nesses servidores da saúde são escassas, para todas as Unidades da Federação brasileira. Diante desse cenário, o estudo em tela objetivou avaliar condições de saúde, cuidados com a saúde e hábitos de vida de ACS em Vitória, estado do Espírito Santo, Brasil.
Métodos
Desenho do estudo
Estudo transversal, sobre dados da linha de base de um estudo de intervenção cujo objetivo foi avaliar o impacto de uma capacitação de ACS em educação alimentar.11
Vitória, capital do estado do Espírito Santo, abrange uma área de 96,5 km2 e tem cerca de 362 mil habitantes, dos quais 245.516 se encontravam cadastrados nas unidades de saúde participantes, no período do estudo. O município dispõe de 23 unidades de Saúde da Família e duas unidades básicas de saúde (UBS).
Amostra e seleção dos participantes
Foram elegíveis para o estudo todos os 375 ACS que, segundo a Prefeitura Municipal de Vitória, atuavam no momento do recrutamento desses profissionais em unidades de Saúde da Família ou UBS do município. Por se tratar de uma pesquisa destinada a caracterizar as condições e os cuidados com a saúde, ACS grávidas foram excluídas da análise, em razão das alterações metabólicas decorrentes da gestação.
Os ACS foram contatados pelos pesquisadores para apresentação do estudo, convite para participação e agendamento da coleta de dados.
Coleta de dados
A condução dos exames e as entrevistas aconteceram na Clínica de Investigação Cardiovascular, vinculada ao Hospital Universitário da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). A coleta de dados aconteceu no período de outubro de 2018 a março de 2019.
As entrevistas e os exames - clínicos e bioquímicos - foram realizados por pesquisadores treinados, em dia pré-agendado e no período da manhã. A metodologia da coleta e tratamento dos dados encontra-se detalhada a seguir.
a) Avaliação socioeconômica e de hábitos de vida
Os dados demográficos, socioeconômicos e de hábitos de vida foram obtidos durante a entrevista, mediante aplicação de questionários dispondo de escalas validadas e perguntas elaboradas pelos pesquisadores. A idade dos entrevistados foi categorizada em dois grupos, conforme a mediana (<45 anos; ≥45 anos). Apesar de não haver definição consensual para meia idade, sugere-se uma faixa etária para os ACS entre os 40 e os 59 anos,12 o que inclui a mediana da amostra. Foi questionado a cada participante o número de anos de trabalho no desempenho da função de ACS, assim como o grau de escolaridade do indivíduo, mediante a pergunta “Até que ano o(a) sr.(a) estudou?”, cuja variável foi categorizada: ensino fundamental completo; ensino médio completo; ensino superior completo.
Para a classificação socioeconômica, foram utilizados os critérios da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP)13 de classes socioeconômicas: A e B; C; D e E. A raça/cor da pele referida foi categorizada como branca, preta ou parda; e o estado civil, classificado como casado, solteiro ou separado/viúvo. A autopercepção do estado de saúde foi registrada da seguinte forma: muito bom; bom; e regular/ruim/muito ruim. O tabagismo e o consumo de bebidas alcoólicas foram obtidos por perguntas diretas (não; sim).
A realização de atividade física (AF) foi estimada utilizando-se o International Physical Activity Questionnaire (IPAQ), em sua versão longa, nos domínios ‘lazer no tempo livre’ e ‘deslocamento’.14 O padrão de atividade física, em seus diferentes domínios, foi relatado em minutos/semana, consistindo na multiplicação da frequência semanal pela duração de cada uma das atividades realizadas. Os participantes foram considerados ativos quando praticavam ≥150 minutos/semana de AF fraca/moderada/vigorosa, insuficientemente ativos quando a prática de AF fraca/moderada/vigorosa era de <150 a >10 minutos/semana, e sedentários quando a AF somava ≤10 minutos/semana.15
O tempo sentado (TS) foi avaliado utilizando-se duas questões do domínio de TS do IPAQ para identificar quantas horas por dia, nos dias úteis e no fim de semana, o indivíduo permanecia sentado. A soma das horas do TS na semana foi dividida por 7 e expressa como média de horas/dia. O tempo de tela (TT) foi obtido com perguntas sobre o uso de dispositivos com tela no trabalho/estudo e tempo livre (considerou-se, entre esses dispositivos, smartphone, televisão, computador e videogame), e calculado pela soma do TT no trabalho/estudo e tempo livre, dividida por 7, para expressar o TT em horas/dia.
b) Exames bioquímicos, clínicos e cuidados com a saúde
Os exames bioquímicos foram feitos com amostra de sangue coletada em jejum noturno (10-14 horas), por punção venosa. Foram realizadas dosagens de glicemia (mg/dL), insulina (mcUI/mL), colesterol total e frações (mg/dL) e triglicerídeos (mg/dL). Após a coleta de sangue, os participantes que declararam não ter diabetes mellitus (DM) e/ou não foram submetidos a cirurgia bariátrica ingeriram solução contendo 75 g de dextrose flavorizada, para nova coleta de sangue duas horas após a sobrecarga. Todas as amostras foram enviadas ao laboratório central credenciado (Laboratório Tommasi, Vitória, ES).
Ainda em jejum e com a bexiga vazia, os participantes foram submetidos a exames antropométricos e hemodinâmicos, segundo protocolo padronizado. A estatura foi aferida por estadiômetro de parede (Seca®, Hamburg, BRD) com escala de 0,1 cm, em que o indivíduo se encontrava na posição supina, descalço e com o olhar fixo no horizonte. A estatura foi verificada no período inspiratório do ciclo respiratório. O peso e a porcentagem de gordura corporal (PGC) foram aferidos com o participante ainda descalço, trajando roupas leves, sobre balança Inbody® 230 - Body Composition Analyzer. Naqueles com marcapasso e/ou próteses metálicas em membros superiores e/ou inferiores, aferiu-se apenas o peso corporal, utilizando-se balança eletrônica (Toledo®) com capacidade de 200 kg e precisão de 50 g.16
A partir do peso e da estatura, foi calculado o índice de massa corporal (IMC), dividindo-se o peso (kg) pela altura (m) elevada à segunda potência. Foram adotados os pontos de corte recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para classificação do estado nutricional: baixo peso e eutrofia (IMC <25,0 kg/m2); sobrepeso (IMC ≥25,0 e <30,0 kg/m2); e obesidade (IMC ≥30,0 kg/m2).17
A circunferência da cintura (CC) foi medida com o participante em posição ereta e respiração normal, com os pés juntos, a parte da vestimenta superior erguida e os braços cruzados à frente do tórax. Essa medida foi realizada com uma fita métrica inextensível, no ponto médio entre a borda inferior do arco costal e a crista ilíaca. Quando não foi possível seguir esse protocolo, realizou-se a medida na cicatriz umbilical.16 A obesidade abdominal (OA) foi definida quando CC ≥88 cm para o sexo feminino e ≥102 cm para o masculino.17
A pressão arterial (PA) foi aferida após repouso de 5 minutos, com o auxílio de aparelho automático validado, da marca Omron® - HEM 705CPINT. Para tanto, o participante manteve-se sentado, sem cruzar as pernas, com os pés apoiados no chão, em ambiente silencioso e com a temperatura controlada (20 a 24ºC). Três medidas foram obtidas no braço esquerdo, a intervalos de 1 minuto, sendo a média das duas últimas considerada a PA casual.18 Para classificação de hipertensão arterial (HA), considerou-se (i) o uso de anti-hipertensivo e/ou (ii) a pressão arterial sistólica (PAS) ≥140 mmHg e/ou (iii) a pressão arterial diastólica (PAD) ≥90 mmHg.19
A definição dos casos de DM pautou-se na presença de pelo menos um dos três seguintes critérios: (i) o relato de uso de hipoglicemiante (insulina ou hipoglicemiante oral) e/ou (ii) a glicemia de jejum ≥126 mg/dL e/ou (iii) a glicemia após 120 minutos de solução glicosada ≥200 mg/dL.19 O índice Homeostases Model Assessment (HOMA) foi calculado pela seguinte fórmula:
A presença de pré-diabetes foi definida a partir de glicemia em jejum ≥100 e <126 mg/dL.19 Para calcular o número de morbidades associadas e, assim, classificar a multimorbidade, foi considerada a presença das seguintes condições clínicas: DM, HA, IMC ≥30,0 kg/m2, OA, hipercolesterolemia (colesterol total ≥190 mg/dL)20 e hipertrigliceridemia (triglicerídeos ≥150 mg/dL).20
A síndrome metabólica (SM) foi definida pela presença de ao menos três dos seguintes critérios:21 OA; High Density Lipoproteine ou HDL-colesterol <50 mg/dL para o sexo feminino e <40 mg/dL para o masculino; triglicerídeos ≥150 mg/dL; PAS ≥130 mmHg e/ou PAD ≥85 mmHg (ou uso de medicação para HA); e glicemia em jejum ≥100 mg/dL (ou uso de medicação para DM).
Foi identificado o uso de medicação nas últimas duas semanas antes da entrevista. O participante foi estimulado a detalhar essa informação, fornecendo o nome comercial e a posologia do medicamento. Assim, os critérios para avaliar o cuidado com a saúde foram: HA controlada (PA <140/90 mmHg20 e uso de anti-hipertensivos); e DM controlada (glicemia de jejum <130 mg/dL19 e uso de antidiabéticos).
Análise estatística
Para a análise de dados, aplicou-se a estatística descritiva, mediante frequência simples e percentual, além de medidas de tendência central e dispersão. A normalidade dos dados foi verificada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. O teste qui-quadrado de Pearson e o teste exato de Fisher foram utilizados para comparação de proporções, segundo sexo e faixa etária. Variáveis contínuas foram apresentadas por meio de mediana (intervalo interquartil) ou média (desvio-padrão). A comparação das médias de amostras independentes foi feita pelo teste t de Student e teste de Mann-Whitney, para avaliar associação entre parâmetros bioquímicos e clínicos, segundo sexo e faixa etária.
Todas as análises foram conduzidas utilizando-se o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 21.0. A significância estatística foi estabelecida em p-valor <0,05.
Aspectos éticos
O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Espírito Santo (CEP/CCS/UFES) (Certificado de Apresentação para Apreciação Ética nº 88008418.6.0000.5060; Parecer nº 2.669.734), após autorizações concedidas pela Secretaria Municipal de Saúde de Vitória e Secretaria de Estado da Saúde do Espírito Santo. O projeto foi registrado na OMS (UTN - U1111-1232-4086) e no Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos (REQ: RBR-4z26bv). Os ACS que aceitaram participar do estudo assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Resultados
Dos 375 ACS elegíveis para o estudo, 263 (70,1%) compareceram para realização dos exames e entrevistas, e tiveram seus dados coletados. Após exclusão de uma gestante, dados de 262 ACS foram incluídos na análise. As características sociodemográficas dos participantes, segundo sexo e faixa etária, são apresentadas na Tabela 1.
Variáveis | Total | Sexo | p-valor | Faixa etária (anos) | p-valor | ||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Feminino | Masculino | <45 | ≥45 | ||||
n (%) | n (%) | n (%) | n (%) | n (%) | |||
262 | 247 (94,3) | 15 (5,7) | 130 (49,6) | 132 (50,4) | |||
Idade (anos)a | 46,1±9,3 | 46,4±9,2 | 40,6±8,6 | 0,023b | 38,2±3,8 | 53,8±5,9 | <0,001b |
Raça/cor da pele | 0,774d | 0,012c | |||||
Branca | 49 (18,7) | 47 (19,0) | 2 (13,3) | 18 (13,8) | 31 (23,5) | ||
Preta | 82 (31,3) | 76 (30,8) | 6 (40,0) | 51 (39,2) | 31 (23,5) | ||
Parda | 131 (50,0) | 124 (50,2) | 7 (46,7) | 61 (46,9) | 70 (53,0) | ||
Escolaridade | 0,418d | 0,034d | |||||
Ensino fundamental completo | 11 (4,2) | 10 (4,0) | 1 (6,7) | 6 (4,6) | 5 (3,8) | ||
Ensino médio completo | 213 (81,3) | 202 (81,8) | 11 (73,3) | 98 (75,4) | 115 (87,1) | ||
Ensino superior completo | 38 (14,5) | 35 (14,2) | 3 (20,0) | 26 (20,0) | 12 (9,1) | ||
Estuda atualmente | 27 (10,3) | 23 (9,3) | 4 (26,7) | 0,055d | 22 (16,9) | 5 (3,8) | <0,001d |
Classe socioeconômica | 0,473d | 0,547d | |||||
A e B | 103 (39,3) | 95 (38,5) | 8 (53,3) | 47 (36,2) | 56 (42,4) | ||
C | 154 (58,8) | 147 (59,5) | 7 (46,7) | 81 (62,3) | 73 (55,3) | ||
D e E | 5 (1,9) | 5 (2,0) | - | 2 (1,5) | 3 (2,3) | ||
Estado civil | 0,015d | <0,001c | |||||
Solteiro | 45 (17,2) | 38 (15,4) | 7 (46,7) | 32 (24,6) | 13 (9,8) | ||
Casado | 174 (66,4) | 167 (67,6) | 7 (46,7) | 87 (66,9) | 87 (65,9) | ||
Separado ou viúvo | 43 (16,4) | 42 (17,0) | 1 (6,7) | 11 (8,5) | 32 (24,3) |
a) Dados expressos em média ± desvio-padrão; b) Teste de Mann-Whitney; c) Teste qui-quadrado de Pearson; d) Teste exato de Fisher.
A amostra compôs-se, majoritariamente, de participantes do sexo feminino (94,3%), raça/cor da pele parda (50,0%), ensino médio completo (81,3%), pertencimento à classe socioeconômica C (58,8%), estado civil de casado(a) (66,4%) e média de idade de 46,1±9,3 anos (Tabela 1). O tempo médio dedicado ao desempenho da função de ACS foi de 16,2±4,8 anos.
Foram encontradas diferenças significativas para idade e estado civil segundo sexo (p-valor=0,023 e p-valor=0,015, respectivamente). Todas as variáveis sociodemográficas apresentadas na Tabela 1 foram estatisticamente diferentes em relação à faixa etária, à exceção da classe socioeconômica.
Na amostra total, 60,9% eram sedentários (Tabela 2). Maior percentual de fumantes atuais foi observado entre aqueles com idade ≥45 anos (p-valor<0,001). Participantes do sexo masculino apresentaram maior percentual de consumo de bebida alcoólica e média mais elevada de TS, quando comparados ao sexo feminino (respectivamente, p-valor=0,050 e p-valor=0,001). Indivíduos mais jovens apresentaram maiores médias de TT e TS (p=0,021 e 0,007, respectivamente), comparados àqueles com idade ≥45 anos (Tabela 2).
Variáveis | Total | Sexo | p-valor | Faixa etária (anos) | p-valor | ||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Feminino | Masculino | <45 | ≥45 | ||||
n (%) | n (%) | n (%) | n (%) | n (%) | |||
262 | 247 (94,3) | 15 (5,7) | 130 (49,6) | 132 (50,4) | |||
Autopercepção do estado de saúde | 0,210d | 0,736d | |||||
Muito bom | 44 (16,8) | 39 (15,8) | 5 (33,3) | 24 (18,5) | 20 (15,2) | ||
Bom | 136 (51,9) | 129 (52,2) | 7 (46,7) | 65 (50,0) | 71 (53,8) | ||
Regular, ruim ou muito ruim | 82 (31,3) | 79 (32,0) | 3 (20,0) | 41 (31,5) | 41 (31,0) | ||
Tabagismo | 10 (3,8) | 8 (3,2) | 2 (13,3) | 0,100d | 1 (0,8) | 9 (6,8) | <0,001d |
Consumo de bebida alcoólica | 111 (42,4) | 101 (40,9) | 10 (66,7) | 0,050c | 58 (44,6) | 53 (40,2) | 0,465c |
Atividade físicaa | 0,166d | 0,372c | |||||
Ativos | 76 (29,1) | 69 (28,0) | 7 (46,7) | 43 (33,1) | 33 (25,2) | ||
Insuficientemente ativos | 26 (10,0) | 24 (9,8) | 2 (13,3) | 12 (9,2) | 14 (10,7) | ||
Sedentários | 159 (60,9) | 153 (62,2) | 6 (40,0) | 75 (57,7) | 84 (64,1) | ||
Atividade física (minutos/semana)b | 107,6±174,1 | 103,2±169,9 | 179,3±228,3 | 0,099f | 123,9±187,5 | 91,4±158,8 | 0,195f |
Tempo de tela (horas/dia)b | 3,6±2,2 | 3,6±2,2 | 3,8±1,8 | 0,473f | 3,9±2,2 | 3,3±2,2 | 0,021f |
Tempo sentado (horas/dia)b | 3,7±1,9 | 3,7±1,9 | 4,2±1,9 | 0,001e | 3,9±1,9 | 3,6±1,9 | 0,007e |
Diabetes mellitus | 45 (17,2) | 42 (17,0) | 3 (20,0) | 0,727d | 14 (10,8) | 31 (23,5) | 0,006c |
Hipertensão arterial | 97 (37,0) | 91 (36,8) | 6 (40,0) | 0,806c | 29 (22,3) | 68 (51,5) | <0,001c |
Hipercolesterolemia (≥190 mg/dL) | 150 (57,3) | 145 (58,7) | 5 (33,3) | 0,063d | 60 (46,2) | 90 (68,2) | <0,001c |
Hipertrigliceridemia (≥150 mg/dL) | 71 (27,1) | 68 (27,5) | 3 (20,0) | 0,766d | 27 (20,8) | 44 (33,3) | 0,022c |
Estado nutricionala | 0,562d | 0,677c | |||||
Eutrofia e baixo peso | 68 (26,1) | 63 (25,6) | 5 (33,3) | 37 (28,4) | 31 (23,7) | ||
Sobrepeso | 89 (34,1) | 83 (33,7) | 6 (40,0) | 43 (33,1) | 46 (35,1) | ||
Obesidade | 104 (39,8) | 100 (40,7) | 4 (26,7) | 50 (38,5) | 54 (41,2) | ||
Obesidade abdominal | 132 (50,4) | 128 (51,8) | 4 (26,7) | 0,067d | 59 (45,4) | 73 (55,3) | 0,138c |
Síndrome metabólica | 79 (30,2) | 75 (30,4) | 4 (26,7) | 1,000d | 26 (20,0) | 53 (40,2) | <0,001c |
a) Variável com dado faltante (n=261); b) Dados expressos em média ± desvio-padrão; c) Teste qui-quadrado de Pearson; d) Teste exato de Fisher; e) Teste t de Student; f) Teste de Mann-Whitney.
Ainda na Tabela 2, são apresentados os percentuais de DM (17,2%), HA (37,0%), hipercolesterolemia (57,3%), hipertrigliceridemia (27,1%), obesidade (39,8%), OA (50,4%) e SM (30,2%). Todas estas, com exceção da obesidade e OA, foram significativamente mais elevadas entre indivíduos com idade ≥45 anos. Foram identificados 60 ACS (22,9%) com pré-diabetes.
Na Figura 1, encontram-se os percentuais mais frequentes de multimorbidade. Dos ACS estudados, 40,8% apresentaram três ou mais morbidades, sendo a mais frequente a combinação entre IMC ≥30kg/m2, OA e hipercolesterolemia (22,0%). Não foram observadas diferenças estatisticamente significativas entre frequência de multimorbidade e sexo (p-valor=0,061); no entanto, 66,4% dos indivíduos com três ou mais morbidades tinham idade ≥45 anos (p-valor<0,001).
A Tabela 3 apresenta os parâmetros bioquímicos e clínicos, segundo sexo e faixa etária. ACS do sexo feminino apresentaram valores mais elevados de colesterol total (p-valor=0,049), HDL-colesterol (p-valor=0,004) e PGC (p-valor<0,001). Comparando-se os parâmetros bioquímicos e clínicos segundo as faixas etárias, colesterol total (p-valor<0,001), Lower Density Lipoprotein ou LDL-colesterol (p-valor<0,001), triglicerídeos (p-valor=0,008), PGC (p-valor=0,047) e CC (p-valor=0,040) foram mais elevados nos indivíduos com idade ≥45 anos.
Variáveis | Total | Sexo | p-valor | Faixa etária (anos) | p-valor | ||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Feminino | Masculino | <45 | ≥45 | ||||
(n=262) | (n=247) | (n=15) | (n=130) | (n=132) | |||
Colesterol total (mg/dL)a | 198,9±37,7 | 200,1±38,0 | 180,3±27,7 | 0,049c | 188,4±31,5 | 209,3±40,5 | <0,001c |
HDL-colesterol (mg/dL)b | 48,5 (43,0;58,0) | 49,0 (43,0;58,0) | 42,0 (36,0;49,0) | 0,004d | 49,0 (42,7;59,2) | 48,0 (43,0;56,7) | 0,388d |
LDL-colesterol (mg/dL)a | 121,7±35,0 | 122,4±35,5 | 110,8±23,0 | 0,209c | 111,6±28,0 | 131,6±38,2 | <000,1c |
Triglicerídeos (mg/dL)b | 114,5 (85,7;154,2) | 115,0 (85,0;155,0) | 111,0 (93,0;144,0) | 0,911d | 103,5 (81,5;140,0) | 99,0 (92,0;110,0) | 0,008d |
Glicemia em jejum (mg/dL) | 96,0 (88,0;105,0) | 96,0 (88,0;105,0) | 96,0 (92,0;104,0) | 0,606d | 92,0 (86,0;100,0) | 11,6 (7,6;18,3) | 0,606d |
Insulina (mcUI/mL)b | 12,0 (8,1;18,3) | 12,1 (8,3;18,4) | 8,8 (5,4;17,1) | 0,256d | 12,6 (8,8;19,0) | 2,8 (1,7;4,6) | 0,851d |
Índice HOMA-IRb | 2,9 (1,8;4,4) | 2,9 (1,8;4,4) | 1,0 (1,2;4,0) | 0,287d | 2,9 (1,8;4,3) | 122,0 (91,5;165,7) | 0,274d |
Peso corporal (kg)a | 74,8±15,5 | 74,4±15,6 | 80,7±13,9 | 0,133c | 75,4±15,4 | 74,2±15,6 | 0,489c |
IMC (kg/m2)a | 28,9±5,5 | 29,0±5,5 | 26,8±4,8 | 0,125c | 28,6±5,5 | 29,2±5,4 | 0,386c |
PGC (%)a | 38,0±8,5 | 39,1±7,1 | 20,4±10,8 | <0,001c | 36,9±8,4 | 39,0±8,6 | 0,047c |
CC (cm)a | 90,8±14,8 | 90,8±14,8 | 90,2±14,7 | 0,881c | 88,9±13,8 | 92,7±15,5 | 0,040c |
PAS (mmHg)b | 113,5 (105,5;123,1) | 114,0 (105,5;123,0) | 113,0 (110,5;136,5) | 0,302d | 110,5 (104,5;118,0) | 117,2 (109,0;127,3) | 0,302d |
PAD (mmHg)a | 74,6±9,4 | 74,5±9,0 | 76,9±14,7 | 0,346c | 74,6±9,5 | 74,7±9,4 | 0,907c |
Legenda: HDL: High Density Lipoprotein; LDL: Lower Density Lipoprotein; Índice HOMA-IR: Homeostases Model Assessment-Insulin Resistance; IMC: índice de massa corporal; PGC: porcentagem de gordura corporal; CC: circunferência da cintura; PAS: pressão arterial sistólica; PAD: pressão arterial diastólica. a) Média ± desvio-padrão para as variáveis paramétricas; b) Mediana (intervalo interquartil) para as variáveis não paramétricas; c) Teste t de Student; d) Teste de Mann-Whitney.
Foram classificados 10 (22,2%) ACS com DM e 9 (9,3%) com HA que relataram não ter recebido diagnóstico prévio e, portanto, não faziam uso de medicação específica para essas condições (Tabela 4). Dos que haviam sido previamente diagnosticados, 20% não faziam uso de medicação para DM ou HA. Além disso, cerca de 23% apresentaram glicemia aumentada e 22,5% relataram uso de ansiolítico e/ou antidepressivo, sem diferença significativa nas faixas etárias (p-valor=0,206), porém associado à pior autopercepção do estado de saúde (p-valor<0,010).
Variáveis | na | % |
---|---|---|
Enfermidades | ||
Classificados com diabetes mellitus sem diagnóstico prévio | 10 | 22,2 |
Classificados com hipertensão arterial sem diagnóstico prévio | 9 | 9,3 |
Diabetes mellitus controladob | 15 | 33,3 |
Hipertensão arterial controladac | 71 | 73,2 |
Uso de medicamentos | ||
Antidiabéticos | 33 | 12,6 |
Anti-hipertensivos | 84 | 32,1 |
Hipolipemiantes | 20 | 7,6 |
Ansiolíticos e/ou antidepressivos | 59 | 22,5 |
Para problemas gástricos | 39 | 14,9 |
a) n=262; b) n=45; c) n=95.
Discussão
Os ACS estudados foram, majoritariamente, do sexo feminino, casados, pardos, com ensino médio completo e da classe socioeconômica C. Eles apresentaram elevados percentuais de pré-diabetes, DM, HA, obesidade, colesterol elevado, hipertrigliceridemia, SM e sedentarismo. Cerca de 40% possuíam três ou mais morbidades associadas e, dos que apresentaram diagnóstico prévio de DM e/ou HA, um quinto não fazia uso de medicação para tais condições. A utilização de ansiolítico e/ou antidepressivo mostrou-se elevada, e esteve associada à pior autopercepção do estado de saúde.
Estudo realizado na Região Metropolitana de Vitória (que inclui os municípios de Cariacica, Vitória, Vila Velha e Serra), com 291 ACS, encontrou resultados semelhantes quanto às características sociodemográficas e renda desses profissionais,2 assim como estudos realizados nas regiões Norte6 e Sul do país,3 com exceção da média de idade que, no presente estudo, foi superior à encontrada nos demais.2,3,6 Cerca de 30% da amostra referiram estar trabalhando na função de ACS por um período ≥20 anos (dado não apresentado em tabela), o que, talvez, possa justificar a maior média de idade em relação aos colegas de outras localidades do Brasil.
Indivíduos mais jovens utilizam com maior frequência e apresentam mais familiaridade com dispositivos de tela;22 e aqueles com escolaridade mais elevada, maiores médias de TS.23 Ambos os fatores corroboram os achados sobre TT e TS entre os ACS. Apesar de não haver consenso sobre o TT recomendado para adultos, a média entre os ACS esteve acima de 2 horas/dia, o que pode ser considerado elevado. Portanto, o comportamento sedentário é uma realidade no grupo estudado, tendo em vista as elevadas médias de TT e TS, enquanto quase 61% relataram realizar menos de 10 minutos/semana de AF.
A relação entre condições adversas de saúde e idade já esta bem estabelecida na literatura,24 o que pode justificar os achados em indivíduos mais velhos. Ademais, neste estudo de Vitória, ES, observou-se elevado percentual de DCNTs, superior ao evidenciado em uma subamostra da PNS de 2013, da mesma cidade.25 Ressalta-se que, apesar de terem sido utilizadas medidas objetivas em ambas as investigações, alguns critérios diagnósticos foram diferentes, como para a classificação de DM e HA. No presente estudo, optou-se por aumentar a especificidade dos diagnósticos ao se utilizar maior número de critérios de classificação.
Observou-se percentual importante de indivíduos com DM e/ou HA, sendo que 13,4% deles foram classificados durante o estudo, ou seja, desconheciam sua condição de saúde até então. Mesmo com diagnósticos prévios, percentual relevante dos ACS não fazia uso de medicação. Trata-se de um dado preocupante, haja vista serem profissionais atuantes, responsáveis pela conscientização da comunidade sobre a necessidade do controle e tratamento adequado dessas doenças. Compreende-se que o subdiagnóstico de DM e HA, a priori doenças assintomáticas, ainda é importante, podendo se refletir na ausência de acompanhamento clínico e tratamento adequado. O diagnóstico e manejo tardio das DCNTs gera mais custos para o sistema de saúde e impacta, consideravelmente, no aumento da morbimortalidade.26
Entre os participantes, mais indivíduos foram classificados como obesos quando comparados a ACS avaliados em outras investigações, a exemplo das realizadas em João Pessoa, PB,6 no estado do Rio Grande do Sul4 e em Vitória, ES.25
ACS do sexo feminino apresentaram valores de colesterol total e HDL-colesterol superiores aos do sexo masculino, um achado que pode ter relação com a maior média de idade apresentada por elas, haja vista a relação bem estabelecida entre idade e níveis de lipídios séricos.27 Ainda, há evidências de que os hormônios sexuais podem influenciar o HDL-colesterol: a produção endógena de estrogênio em mulheres pré-menopausadas associa-se a níveis mais altos de HDL-colesterol.28 A média do PGC do sexo feminino também foi maior, dada a diferença no padrão de distribuição da gordura corporal entre os sexos.16
A idade é um fator de risco independente para a piora do perfil lipídico e o desenvolvimento de doenças cardiovasculares.27 Entretanto, no presente estudo, os indivíduos mais jovens também apresentaram parâmetros bioquímicos e clínicos elevados. Logo a amostra estudada, independentemente da faixa etária, apresentou condições de saúde desfavoráveis e multimorbidade, assim como um percentual elevado de uso de ansiolítico e/ou antidepressivo associado com pior autopercepção do estado de saúde.
Estudo com ACS de Pelotas, RS, evidenciou elevada prevalência de estresse e depressão, medidos por escalas para identificação dos sintomas e pelo teor de cortisol da saliva.10 Em profissionais de saúde, essas condições estão relacionadas aos fatores de riscos psicossociais e ambientais a que estão expostos em suas rotinas de trabalho.9 Os ACS são membros da comunidade onde trabalham e, portanto, são vistos não apenas como vizinhos, mas como facilitadores do acesso ao serviço de saúde.9 Tal característica e demais pressões, inerentes a qualquer profissional de saúde, são apontadas como fatores contributivos para a redução de sua qualidade de vida e pior saúde mental.9,10
Apesar da alta prevalência de DCNT em profissionais da APS,29 a situação dos ACS demanda atenção, pois geralmente apresentam baixo nível socioeconômico, o que representa um fator de risco para a ocorrência dessas doenças. Os determinantes sociais da saúde podem dificultar a incorporação de medidas de prevenção e controle de doenças e agravos,30 dado que esses mesmos profissionais são responsáveis por conscientizar a comunidade que assistem.
Por se tratar de uma amostra de um município específico, não é possível extrapolar seus resultados para outras localidades, o que é compreendido como uma limitação. Porém, a alta adesão dos profissionais possibilita considerar a amostra representativa da população de ACS de Vitória. Adicionalmente, alguns aspectos avaliados foram autorreferidos e, portanto, passíveis de viés de memória, muito embora cumpra destacar o pioneirismo desta pesquisa ao propor um amplo diagnóstico de saúde dos ACS, por meio da aferição e avaliação de parâmetros bioquímicos e clínicos, realizadas por equipe certificada, sob supervisão durante todo o período do estudo.
ACS são trabalhadores que atuam na APS, realizando ações de promoção da saúde e prevenção de doenças. Acredita-se que avaliar as condições de saúde desses trabalhadores pode contribuir para o autocuidado e, consequentemente, impactar na atuação da equipe de Saúde da Família.
Todos os participantes receberam os resultados dos exames com laudo médico, no prazo máximo de dez dias, e aqueles que apresentaram alguma alteração foram orientados a buscar tratamento na própria rede de atenção. É possível que a realização de exames bioquímicos, clínicos e de imagem tenha propiciado a busca por tratamento e estimulado a mudança de hábitos e estilos de vida.
Conclui-se que as condições de saúde e hábitos de vida de ACS de Vitória, capital do estado do Espírito Santo, merecem atenção, dado o elevado percentual de DCNTs, multimorbidade e sedentarismo, além do adoecimento precoce, considerando-se a média de idade do grupo. Esses profissionais de saúde, provavelmente, permanecerão ativos indefinidamente, por vários anos, no mercado de trabalho, que aponta para a necessidade de ações específicas de prevenção e tratamento dos problemas de saúde encontrados.