Contribuições do estudo
Principais resultados
Este estudo evidenciou que a mortalidade por doenças não definidoras de HIV/aids apresentou aumento. Apesar deste cenário, observa-se que as taxas por doenças definidoras de HIV/aids ainda são expressivas.
INTRODUÇÃO
Em 1996, passou-se a disponibilizar a terapia antirretroviral (TARV), de forma universal e gratuita, pelo Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil.1 A TARV proporcionou aumento da sobrevida e qualidade de vida das pessoas portadoras do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e aquelas com manifestação da síndrome da imunodeficiência adquirida (aids).2
Esse tratamento levou à ocorrência de óbitos por doenças relacionadas ao avanço da idade ou uso prolongado de TARV, classificadas como doenças não definidoras de HIV/aids, tais como hipertensão arterial, diabetes mellitus, cardiopatias, neoplasias, doenças renais e outras. Desta forma, houve queda dos óbitos por doenças associadas à imunodeficiência que, até então, permitiam o surgimento de doenças oportunistas, estas sim as doenças definidoras de HIV/aids, caracterizadas pela ocorrência de alguma enfermidade específica entre as pessoas que vivem com HIV/aids (PVHIV), imunodeprimidas em razão do avanço da infecção pelo HIV e da manifestação da aids, a exemplo da pneumonia e da tuberculose.2,3
A mudança de padrão nas mortes por HIV/aids atribuiu ao agravo o status de doença crônica, embora suas doenças definidoras ainda permaneçam como importantes causa de morte.2
Diversos fatores podem contribuir para a mortalidade por HIV/aids no Brasil, como características sociodemográficas, condições de vida desfavoráveis e questões clínicas, sendo complexo definir o que, prioritariamente, determina o óbito pela doença.4,5
Em todo o mundo, verificou-se um decréscimo de 39% no número de óbitos por HIV/aids registrados entre 2010 (1,1 milhão de óbitos) e 2019 (780 mil óbitos), sendo essa queda atribuída à adesão ao tratamento medicamentoso de PVHIV.6
No Brasil, identificou-se redução da mortalidade por HIV/aids após a distribuição da TARV, de aproximadamente 10 óbitos/100 mil hab., em 1995, para cerca de 7 óbitos/100 mil hab. em 2000, quatro anos após a implementação da política de distribuição universal e gratuita da TARV.7 Atualmente, em determinadas Unidades da Federação (UFs), as taxas de mortalidade encontram-se mais elevadas que aquelas observadas no país,7 o que pode estar relacionado a um desgaste da iniciativa brasileira na resposta ao HIV e no controle da doença, ademais em um contexto de desigualdades regionais.6,8
O conhecimento do perfil de mortalidade a partir das características sociodemográficas e de acordo com o tipo (definidoras e não definidoras) é necessário. Na literatura, a maioria dos estudos tem como enfoque a ocorrência dos agravos entre PVHIV3 e não a comparação de doenças definidoras com não definidoras, justamente a proposta deste estudo, cujo propósito é contribuir para o entendimento das mortes por HIV/aids a partir do tipo e de fatores sociodemográficos. Somado a isto, esta investigação pode apoiar o direcionamento de políticas públicas, incorporando o perfil da população de acordo com doenças definidoras e não definidoras da infecção e da doença.
O objetivo do estudo foi analisar a tendência temporal da taxa de mortalidade por doenças definidoras e não definidoras de HIV/aids segundo características sociodemográficas no Brasil, no período entre 2000 e 2018.
MÉTODOS
Estudo do tipo ecológico, de série temporal, das taxas de mortalidade por doenças definidoras e não definidoras de HIV/aids. As unidades de análise constituíram-se das UFs e o país, sendo considerados todos os óbitos por HIV/aids registrados entre 2000 e 2018.
O Brasil é um país de extenso território, com 8.510.345,538 km2 e população de 213.317.639 de pessoas, com densidade demográfica de 22,43 hab/km2, encontrando-se 99,7% da população de 6 a 14 anos de idade escolarizada, ao mesmo tempo que apresenta uma taxa de analfabetismo de 6,6% entre aqueles maiores de 15 anos. A taxa de fecundidade no país é de 1,76 filho por mulher, e o produto interno bruto (PIB) per capita, de R$ 35.161,70. O índice de Gini no Brasil, em 2019, era de 0,543, enquanto o índice de desenvolvimento humano (IDH) era de 0,765 no mesmo ano.
O país é dividido em cinco grandes regiões geográficas (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste), onde se distribuem 26 estados e o Distrito Federal. O Norte detém 45% do território nacional, população de 18,6 milhões de habitantes, PIB correspondente a 5,3% do nacional, IDH de 0,730 e índice de Gini de 0,538. O Nordeste possui uma área de 1.554.291,744 km2, população de 57 milhões de habitantes, PIB de R$ 1.004.828 milhões, IDH de 0,710 e índice de Gini de 0,559. O Centro-Oeste apresenta uma área de 1.606.403,506 km², população de 16.085.885 habitantes, PIB de R$ 542,632 bilhões, IDH de 0,789 e índice de Gini de 0,503. A área do Sudeste corresponde a 924.620,678 km², conta com população de 87.711.946 habitantes, PIB de R$ 2.295.690 milhões, IDH de 0,794 e índice de Gini de 0,525. O Sul apresenta uma área de 7% do território brasileiro e população de 29.975.984 habitantes, PIB de R$ 1,12 trilhão, IDH de 0,756 e índice de Gini de 0,467. Todos esses dados se referem ao ano de 2019.
O estudo utilizou os microdados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), acessados no sítio eletrônico do Departamento de Informática do SUS (Datasus) em janeiro de 2022,9 para que a classificação dos óbitos por doenças definidoras e não definidoras fosse possível. Nele foram incluídos todos os óbitos com registro da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - 10ª Revisão (CID-10), entre os itens de B20 a B24, referentes ao grupo “Doença pelo vírus da imunodeficiência humana” na causa básica ou nas linhas A, B, C, D e II da Declaração de Óbito (DO).
A classificação de uma morte como doença definidora de HIV/aids contemplou todos os óbitos indicados na classificação de doenças definidoras de HIV/aids do “Coding Causes of Featg in HIV Protocol”, publicado pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC), dos Estados Unidos (Quadro 1).10 Quanto às doenças não definidoras, foram consideradas todas aquelas que não se encontravam na relação de doenças definidoras (Quadro 1).
Os óbitos foram analisados e classificados como “óbito por doença definidora” ou “óbito por doença não definidora”, a partir dos itens da CID-10 registrados nas linhas A, B, C, D e II da DO. Foram identificados óbitos cuja causa básica apresentava a CID, mas as linhas A, B, C, D e II não tinham qualquer registro da Classificação. Nesses casos, as CIDs registradas foram aquelas classificadas entre os itens B20 e B24 da CID-10 como doenças definidoras de HIV/aids, por serem CIDs que caracterizam ocorrência do óbito devido às doenças oportunistas.
As taxas de mortalidade por doenças definidoras e não definidoras de HIV/aids por 100 mil habitantes foram padronizadas pelo método direto, sendo definida a população do Brasil como padrão.11 A padronização pelo método direto objetiva ajustar o efeito da idade sobre o coeficiente geral de mortalidade (CGM), considerando-se uma população-padrão, de distribuição etária conhecida, a partir da qual são identificados os pesos conhecidos pela proporção de pessoas em cada faixa etária, que serão aplicados aos coeficientes de mortalidade específicos por faixas etárias da população.1 No método direto, os CGMs por faixas etárias de uma população são aplicados sobre os contingentes populacionais da população-padrão, tornando possível identificar os óbitos esperados em cada faixa etária e, a partir da divisão do total de óbitos esperados pela população-padrão, calcular o CGM padronizado.11
As taxas de mortalidade consideraram, como numerador, os óbitos por doenças definidoras/não definidoras, e como denominador, a população no período. Este cálculo foi reproduzido de acordo com as características sociodemográficas supracitadas.
As padronizações foram efetuadas para a mortalidade geral, sexo (feminino; masculino), estado civil (casado; não casado) e raça/cor da pele (branca; negra). A análise por raça/cor da pele compreendeu as categorias branca e negra, esta última resultante da agregação das categorias preta e parda, enquanto para a raça/cor da pele branca não foi necessária agregação, por ser uma categoria única. A agregação de pretos e partos como negros foi realizada para possibilitar a análise da população afrodescendente de forma unificada.
A variável “estado civil” também foi categorizada, entre casados e não casados. Esta agregação foi realizada pelas categorias que representavam casados e não casados, a saber: solteiro; casado; viúvo; separado judicialmente; em união consensual. Para a categoria “casado”, foram agregadas as categorias “casado” e “separado judicialmente”, enquanto para “não casado”, foram agregadas as estratificações “solteiro”, “viúvo” e “separado judicialmente”.
As taxas de mortalidade também foram calculadas de acordo com a faixa etária, em anos: 0 a 14; 15 a 29; 30 a 59; 60 ou mais.
No que se refere aos dados populacionais necessários ao cálculo das taxas de mortalidade, as extrações foram realizadas do sítio eletrônico do Datasus e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em novembro de 2021.8 No cálculo das taxas de mortalidade geral e faixa etária, foram utilizadas as estimativas populacionais disponíveis no sítio do Datasus.8
Para as populações, de acordo com raça/cor da pele e estado civil, foi necessário extrair os dados do IBGE. O acesso a esses dados foi realizado via uma Application Programming Interface (API) do Sistema de Recuperação Automática (Sidra), utilizando-se o pacote SidraR por meio do programa estatístico Rstudio. Essas populações estão disponíveis para os anos censitários, 2000 e 2010, de maneira que foram efetuadas projeções para os anos intercensitários até 2018. O cálculo das projeções ocorreu pelo método de projeção geométrica, que considera o crescimento da população como constante.
Para a análise de tendências, aplicou-se o modelo de regressão de Prais-Winsten.12 As variáveis independentes (X) referem-se aos anos em que os óbitos ocorreram, e as dependentes (Y) correspondem às taxas de mortalidade. Esse modelo é aplicado com o objetivo de corrigir a autocorrelação serial em séries temporais, sendo necessário aplicar o teste de Durbin-Watson, em que o valor do teste é mensurado a partir de uma escala que varia de 0 a 4. Valores próximos a zero indicam a existência de máxima autocorrelação positiva. Nos casos em que os valores são próximos a 4, a autocorrelação serial é negativa. Entretanto, caso o valor de Durbin-Watson se aproxime de 2, não existe autocorrelação serial.12
Após a análise de autocorrelação serial, foi aplicada a transformação logarítmica dos valores de (Y), com o objetivo de reduzir a heterogeneidade da variância dos resíduos do modelo. Em seguida, foi aplicado o modelo autorregressivo de Prais-Winsten, com o objetivo de estimar os valores de b1 das taxas de mortalidade. Os valores de b1 de cada umas das taxas foram aplicados à seguinte fórmula de cálculo das taxas de variação anual (TVAs):
A TVA positiva indica tendência crescente, enquanto a negativa corresponde a tendência decrescente; a série é denominada estacionária quando não há diferença significativa entre seu valor e zero.12
Por fim, foram calculados os intervalos de confiança de 95% (IC95%) das medidas do estudo, mediante aplicação da fórmula:
Os valores de b mínimo e b máximo foram identificados a partir dos parâmetros de IC95% gerados pelo programa de análise estatística, e aplicados na fórmula, sendo o valor de b mínimo correspondente ao ponto mínimo do IC, e o valor de b máximo, ao ponto máximo do IC.
O nível de significância considerado foi de 5% no modelo de Prais-Winsten, para a análise de tendências. As etapas de organização dos dados, cálculo das taxas, análise de tendências e gráficos foram elaborados utilizando-se o programa RStudio em sua versão 4.0.2.
Este estudo foi desenvolvido a partir de dados secundários disponíveis publicamente, e não envolviam diretamente seres humanos. Apesar disso, o projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/Fundação Oswaldo Cruz (CEP/ENSP/Fiocruz), e aprovado mediante o Parecer nº 16, emitido em 23 de novembro de 2020.
RESULTADOS
Foram registrados 237.435 óbitos por HIV/aids entre 2000 e 2018. As taxas de mortalidade gerais por doenças definidoras de HIV/aids variaram de 7,4 óbitos/100 mil hab., no ano 2000, a 4,4 óbitos/100 mil hab. em 2018. Para as doenças não definidoras de HIV/aids, as taxas de mortalidade gerais variaram de 0,4 óbito/100 mil hab., em 2000, a 0,8 óbito/100 mil hab. em 2018 (Figura 1A).
CID-10 - Descrição | |||
---|---|---|---|
A02.1 Septicemia por salmonela | A31.1 Infecção cutânea micobacteriana | D75.2 Trombocitose essencial | A17.0 Meningite tuberculosa |
A07.3 Isosporiase | A31.8 Outras infecções micobacterianas | E43 Desnutrição proteico-calórica grave NE | A17.1 Tuberculoma meníngeo |
A09 Diarreia e gastroenterite de origem infecciosa presumível | A31.9 Infecção micobacteriana NE | E43 Desnutrição proteico-calórica grave NE | A17.8 Outras tuberculoses do sistema nervoso |
A09 Diarreia e gastroenterite de origem infecciosa presumível | A40.3 Septicemia por Streptococcus pneumoniae | E44.0 Desnutrição proteico-calórica moderada | A17.9 Tuberculose NE do sistema nervoso |
A15.0 Tuberculose pulmonar, com confirmação por exame microscópico da expectoração, com ou sem cultura | A68.9 Febre recorrente NE | E44.1 Desnutrição proteico-calórica leve | A18.0 Tuberculose óssea e das articulaçõees |
A15.1 Tuberculose pulmonar, com confirmação somente por cultura | A81.2 Leucoencefalopatia multifocal progressiva | E46 Desnutrição proteico-calórica NE | A18.1 Tuberculose do aparelho geniturinário |
A15.2 Tuberculose pulmonar, com confirmação histológica | B01.2 Pneumopatia varicelosa | E46 Desnutrição proteico-calórica NE | A18.2 Linfadenopatia tuberculosa periférica |
A15.3 Tuberculose pulmonar, com confirmação por meio não especificado | B02.0 Encefalite pelo vírus do herpes-zóster | J11.0 Influenza com pneumonia devidos vírus não identificado | A18.3 Tuberculose do intestino, do peritônio e dos gânglios mesentéricos |
A15.4 Tuberculose dos gânglios intratorácicos com confirmação bacteriológica e histolológica | B02.1 Meningite pele vírus do herpes-zóster | J12.0 Pneumonia devido a adenovírus | A18.4 Tuberculose de pele e tecido celular subcutâneo |
A15.5 Tuberculose da laringe, da traqueia e dos brônquios, com confirmação bacteriológica e histológica | B02.2 Herpes-zóster acompanhado de outras manifestações neurológicas | J12.1 Pneumonia devida a vírus respiratório sincicial | A18.5 Tuberculose do olho |
A15.6 Pleuris tuberculoso, com confirmação bacteriológica e histológica | B02.3 Herpes-zóster oftálmico | J64 Pneumoconiose NE | A18.7 Tuberculose das suprarrenais |
A15.7 Tuberculose primária das vias respiratórias, com confirmação bacteriológica e histológica | B02.7 Herpes-zóster disseminado | J65 Pneumoconiose associada com tuberculose | A18.8 Tuberculose de outros órgãos especificados |
A15.8 Outras formas de tuberculose das vias respiratórias, com confirmação bacteriológica e histológica | B02.8 Herpes-zóster com outras complicações | J65 Pneumoconiose associada com tuberculose | A19.0 Tuberculose miliar aguda de localização única e especificada |
A15.9 Tuberculose não especificada das vias respiratórias, com confirmação bacteriológica e histológica | B02.9 Herpes-zóster sem complicações | J67.8 Pneumonites de hipersensibilidade devidas a outras poeiras orgânicas | A19.1 Tuberculose miliar aguda de múltipla localização |
A15 Tuberculose respiratória, com confirmação bacteriológica e histológica | B25.0 Pneumonite por citomegalovírus | J68.0 Bronquite e pneumonite devida a produtos químicos, gases, fumaças e vapores | A19.2 Tuberculose miliar aguda NE |
A16.0 Tuberculose pulmonar com exames bacteriológicos e histológicos negativos | B25.1 Hepatite por citomegalovírus | J69.0 Pneumonite devida a alimento ou vômito | A19.8 Outras tuberculoses miliares |
A16.1 Tuberculose pulmonar, sem realização de exame bacteriológico ou histológico | B25.2 Pancreatite por citomegalovírus | J69.8 Pneumonite devida a outros sólidos e líquidos | A19.9 Tuberculose miliar NE |
A16.2 Tuberculose pulmonar, sem menção de confirmação bacteriológica ou histológica | B25.8 Outras doenças por citomegalovírus | J85.1 Abscesso do pulmão com pneumonia | A31.0 Infecção pulmonar micobacteriana |
A16.3 Tuberculose dos gânglios intratorácicos, sem menção de confirmação bacteriológica ou histológica | B25.9 Doença NE por citomegalovírus | K59.1 Diarreia funcional | C85 Linfoma não Hodgkin de outros tipos e tipo NE |
A16.4 Tuberculose da laringe, da traqueia e dos brônquios, sem menção de confirmação bacteriológica ou histológica | B37.1 Candidíase pulmonar | R05 Tosse | D46.0 Anemia refratária sem sideroblastos |
A16.5 Pleurisia tuberculosa, sem menção de confirmação bacteriológica ou histológica | B39.3 Histoplasmose disseminada por Histoplasma capsulatum | R50.1 Febre persistente | D46.4 Anemia refratária NE |
A16.7 Tuberculose respiratória primária sem menção confirmatória bacteriana ou histológica | B39.4 Histoplasmose NE por Histoplasma capsulatum | R50 Febre de origem desconhecida | D50.0 Anemia por deficiência de ferro secundária e perda de sangue |
A16.8 Outras tuberculoses da via respiratória sem menção confirmatória bacteriana histológica | B39.5 Histoplasmose por Histoplasma duboisii | R64 Caquexia | D50.8 Outras anemias por deficiência de ferro |
A16.9 Tuberculose respiratória NE sem menção confirmatória bacteriana ou histológica | B39.9 Histoplasmose NE | J17.1 Pneumonia em doenças virais classificadas em outra parte | D50.9 Anemia por deficiência de ferro NE |
D52.0 Anemia por deficiência de folato na dieta | J17.2 Pneumonia em micoses classificadas em outra parte | D51.0 Anemia por deficiência de vitamina B12 devida à deficiência de fator intrínseco | C46.9 Sarcoma de Kaposi NE |
B45.1 Criptococose cerebral | J17.3 Pneumonia em doenças parasitárias classificadas em outra parte | D51.1 Anemia por deficiência de vitamina B12 devida à má absorção seletiva de vitamina B12 com proteinúria | C82.9 Linfoma não Hodgkin folicular NE |
B45.2 Criptococose cutânea | J18.0 Broncopneumonia não especificada | D51.9 Anemia por deficiência de vitamina B12 NE | C83.8 Outros tipos de linfoma não Hodgkin difuso |
B45.7 Criptococose disseminada | J18.1 Pneumonia lobar NE | J15.0 Pneumonia devido à Klebsiella pneumoniae | C83.9 Linfoma não Hodgkin difuso NE |
B45.8 Outra forma de criptococose | J18.2 Pneumonia hipostática NE | J15.1 Pneumonia devido a pseudomonas | C85.7 Outros tipos específicos de linfoma não Hodgkin |
B45.9 Criptococose NE | J18.8 Outras pneumonias devido a microorganismo NE | J16.0 Pneumonia devido a aclamidias | C85.9 Linfoma não Hodgkin de tipo NE |
B58.2 Meningoencefalite por toxoplasma | J18.9 Pneumonia NE | J16.8 Pneumonia devida a outros microorganismos infecciosos especificados | D69.4 Outra trombocitopenia primária |
B95.3 Streptococcus pneumonial como causa de doenças classificadas em outros capítulos | J18 Pneumonia por microorganismos NE | J15.4 Pneumonia devida outros estreptococos | D69.5 Trombocitopenia secundária |
B96.0 Mycoplasma pneumoniae como causa de doenças classificadas em outros capítulos | J64 Pneumoconiose NE | J15.5 Pneumonia devida a Escherichia coli | D69.6 Trombocitopenia NE |
B96.1 Klebsiella pneumoniae como causa de doenças classificadas em outros capítulos | D52.9 Anemia por deficiência de folato NE | J15.6 Pneumonia devida a outras bactérias aeróbicas gram-negativas | J15.2 Pneumonia devido a Staphylococcus |
C46.0 Sarcoma de Kaposi da pele | D53.0 Anemia por deficiência de proteínas | J15.7 Pneumonia devida a Mycoplasma pneumoniae | J15.3 Pneumonia devido a Streptococcus do grupo B |
C46.1 Sarcoma de Kaposi de tecidos moles | D53.2 Anemia escorbútica | J15.8 Outras pneumonias bacterianas | J12.9 Pneumonia viral NE |
C46.2 Sarcoma de Kaposi do palato | D53.8 Outras anemias nutricionais especificadas | J15.9 Pneumonia bacteriana NE | J13 Pneumonia devido a Streptococcus pneumoniae |
C46.3 Sarcoma de Kaposi dos gânglios linfáticos | D53.9 Anemia nutricional NE | J12.2 Pneumonia devida a parainfluenza | J14 Pneumonia devido a Haemophilus infuenzae |
C46.7 Sarcoma de Kaposi de outra localização | D55.0 Anemia devida a deficiência de glicose-6-fosfato-desidrogenase | J12.8 Outras pneumonias virais | D69.3 Púrpura trombocitopênica idiopática |
C46.8 Sarcoma de Kaposi de múltiplos órgãos |
No Brasil, a tendência da mortalidade por doenças definidoras foi decrescente para a população geral (TVA = -6,3%; IC95% -8,8;-3,8), como também para os sexos feminino (TVA = -5,4%; IC95% -9,0;-1,7) e masculino (TVA = -6,9%; IC95% -8,7;-5,1) na análise por doenças não definidoras de HIV/aids. Entretanto, tendências crescentes foram observadas nos estados das regiões Norte e Nordeste, principalmente para as doenças definidoras de HIV/aids (Figura 1B).
Legenda: DB - tendência decrescente no Brasil; EB - tendência estacionária no Brasil; CB - tendência crescente no Brasil; D - tendência decrescente; E - tendência estacionária; C - tendência crescente; APC - Anual Percentage Change (taxa de variação anual).
Verificou-se que, entre as doenças não definidoras de HIV/aids, houve tendência de crescimento no Brasil (TVA = 11,0%; IC95% 6,5;15,7) e nos estados, com exceção de São Paulo (TVA = 5,3%; IC95% -1,6;12,7), Amazonas (TVA = 19,4%; IC95% 8,3;55,4) e Roraima (TVA = 2,4%; IC95% -7,2;13,0) (Figura 1D).
Na mortalidade por doenças definidoras, segundo faixa etária, as taxas foram expressivas entre os maiores de 60 anos de idade no país (de 13,1 óbitos, em 2000, a 26,0 óbitos/100 mil hab. em 2018), assim como entre aqueles de 30 a 59 anos (de 16,0 óbitos, em 2000, a 4,8 óbitos/100 mil hab. em 2018) (Figura 2A). As taxas por doenças definidoras nas faixas de 0 a 14 e de 15 a 29 anos apresentaram valores próximos, sendo as mais baixas próximas a 0,2 óbito/100 mil hab. (Figura 2A).
Legenda: DB - tendência decrescente no Brasil; EB - tendência estacionária no Brasil; CB - tendência crescente no Brasil; D - tendência decrescente; E - tendência estacionária; C - tendência crescente; APC - Anual Percentage Change (taxa de variação anual).
A tendência da mortalidade por doenças definidoras evidenciou que, na faixa de 0 a 14 anos, apenas o Ceará (TVA = 10,5%; IC95% 2,9;-18,7) e Alagoas (TVA = 9,8%; IC95% 2,1;18,1) apresentaram tendência crescente para as taxas de mortalidade por doenças definidoras (Figura 2B). Observa-se ainda que, na faixa de 15 a 29 anos, não houve tendência crescente em nenhuma unidade de análise, o que também foi verificado na faixa etária de 30 a 59 anos (Figura 2B).
Entre aqueles com 60 anos ou mais, a tendência foi crescente na maioria das unidades geográficas de análise, à exceção do país (TVA = 10,4%; IC95%-0,5;22,6) e dos estados do Amazonas (TVA = 29,8%; IC95% -0,1;68,5), Rio Grande do Sul (TVA = 11,5%; IC95% -1,1;25,9), Espírito Santo (TVA = 10,9%; IC95% -2,5;26,1), Santa Catarina (TVA = 8,4%; IC95% -4,7;23,3), Distrito Federal (TVA = 7,9%; IC95% -4,6;21,9), Minas Gerais (TVA = 5,9%; IC95% -4,5;17,5), Rio de Janeiro (TVA = 5,5%; IC95% -2,7;-14,2) e São Paulo (TVA = 2,1%; IC95% -9,3;14,9), que mostraram tendências estacionárias (Figura 2B).
Nas doenças não definidoras de HIV/aids, considerando-se todo o país, houve tendência majoritariamente decrescente nas faixas de 15 a 29 (TVA = -20,1%; IC95% -20,7;-19,5) e 30 a 59 anos (TVA = -6,6%; IC95% -9,1;-3,9). Entretanto, para os de 60 anos ou mais, a tendência foi crescente na maioria dos estados e no Brasil (TVA = 29,1%; IC95% 12,6;-48,0) (Figura 2D).
As taxas de mortalidade por doenças definidoras segundo estado civil foram mais elevadas entre os não casados, ao longo de todo o período (de 27,0 óbitos em 2000 a 12,4 óbitos/100 mil hab. em 2018) (Figura 3A). No Amazonas, as taxas por doenças definidoras foram mais elevadas entre os não casados (de 9,1 óbitos em 2000 a 22,9 óbitos/100 mil hab. em 2018), com oscilações no período. Roraima, Pará e Amapá também apresentaram taxas expressivas entre os não casados (Figura 3A). A mortalidade por doenças não definidoras evidenciou taxas menores, quando comparadas às doenças definidoras (Figura 3A).
No Brasil, a tendência foi decrescente para as doenças definidoras entre os casados (TVA = -7,7%; IC95% -9,3;-6,0) e os não casados (TVA = -9,1%; IC95% -10,8;-7,5), enquanto foi crescente para as duas categorias quando avaliadas as tendências por doenças não definidoras: para os casados (TVA = 9,1%; IC95% 4,5;13,8); e para os não casados (TVA = 7,5%; IC95% 2,5;-12,7) (Figura 3B).
As taxas de mortalidade por doenças definidoras no Brasil foram mais elevadas quando comparadas às não definidoras, também na estratificação por raça/cor da pele (Figura 4A e 4D). Os negros apresentaram as taxas mais elevadas por doenças definidoras, com exceção do Amazonas, Roraima, Amapá, Maranhão, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso (Figura 4A). As taxas de mortalidade por doenças não definidoras foram muito próximas nas raças/cor da pele branca e negra (Figura 4C).
Legenda: DB - tendência decrescente no Brasil; EB - tendência estacionária no Brasil; CB - tendência crescente no Brasil; D - tendência decrescente; E - tendência estacionária; C - tendência crescente; APC - Anual Percentage Change (taxa de variação anual).
A mortalidade por doenças definidoras de HIV/aids na raça/cor da pele branca mostrou tendências crescentes em Rondônia (TVA = 14,6%; IC95% 6,1;23,8), Ceará (TVA = 7,5; IC95% 3,6;11,6), Acre (TVA = 13,3%; IC95% 0,1;28,2), Pará (TVA = 5,6%; IC95% 2,4;8,1) e Maranhão (TVA = 5,2%; IC95% 2,4;8,1) (Figura 4B).
Por sua vez, a raça/cor da pele negra evidenciou tendências crescentes em mais estados, a saber: Ceará (TVA = 2,0%; IC95% -0,2;4,3), Rio Grande do Norte (TVA = 19,3%; IC95% 12,3;26,7), Paraíba (TVA = 4,9%; IC95% 2,3;7,6), Distrito Federal (TVA = 24,8%; IC95% 6,5;46,2), Amazonas (TVA = 13,3%; IC95% 3,3;24,2), Roraima (TVA = 10,1%; IC95% 4,6;15,8), Pará (TVA = 13,1%; IC95% 7,7;18,8), Tocantins (TVA = 7,3%; IC95% 0,1;15,0), Maranhão (TVA = 18,1%; IC95% 7,7;29,5) e Piauí (TVA = 6,5%; IC95% 2,3;10,8) (Figura 4B). A mortalidade por doenças não definidoras apresentou tendências crescentes, tanto entre os indivíduos de raça/cor da pele branca quanto entre os de raça/cor da pele negra (Figura 4C).
DISCUSSÃO
O estudo evidenciou que as taxas de mortalidade geral por doenças definidoras de HIV/aids são mais elevadas quando comparadas às doenças não definidoras, ao se analisar os anos entre 2000 e 2018. As taxas por doenças não definidoras foram mais elevadas entre o sexo masculino, frente à população feminina.
No período observado, a mortalidade por HIV/aids sinalizou tendência ao decréscimo das doenças definidoras nos estados das regiões Sul e Sudeste, e uma tendência à estacionariedade e crescimento nas regiões Norte e Nordeste, indicando a necessidade de medidas distintas no controle da mortalidade pela doença nessas regiões.5,13-15 É provável que a desigualdade na distribuição regional de serviços esteja contribuindo para esse cenário.4
Apesar disso, as doenças não definidoras de HIV/aids tiveram tendência ao crescimento na maioria dos estados, quando considerada a população geral e por sexo. O mesmo padrão foi encontrado em outros estudos que apontaram o aumento dos óbitos por doenças não definidoras.2,16,3
A elevada mortalidade por doenças definidoras no sexo masculino segue o padrão da mortalidade por HIV/aids observado no país e no mundo.3,17-19 Contudo, o sexo feminino também necessita de atenção, por manter tendência a crescimento em alguns estados, quando consideradas as doenças definidoras do agravo.
As faixas etárias mais avançadas, 30 a 59 e 60 anos ou mais, apresentaram taxas mais elevadas de doenças definidoras, enquanto para as não definidoras, a idade de 60 anos ou superior mostrou valores mais expressivos. Este cenário aponta que, atualmente, a mortalidade pela doença pode abarcar indivíduos em idade avançada e que se encontram acometidos por doenças características de HIV/aids, enquanto as demais pessoas podem ser aquelas que, após longo uso da TARV, sofreram com os efeitos colaterais do tratamento e até com as condições próprias do avanço da idade.3,16-21
Quanto ao estado civil, os não casados mostraram taxas mais elevadas de doenças definidoras de HIV/aids. Além do que, apesar de as taxas de mortalidade serem mais elevadas entre os não casados, as tendências, de acordo com doenças definidoras, foram crescentes nos estados da região Nordeste, sendo observadas tendências crescentes na maioria dos estados também entre as doenças não definidoras de HIV/aids. Taxas de mortalidade elevadas entre os não casados foram observadas em estudo realizado na província de Papua, Indonésia, com enfoque na mortalidade geral, não sendo detalhado o tipo de mortalidade, se por doenças definidoras ou não.22
Estudos indicam que, a depender da cultura local, indivíduos casados podem ser mais vulneráveis ao HIV/aids, a exemplo do observado em uma área rural da África do Sul, no período de 2000 a 2017, enquanto noutras localizações a doença pode estar concentrada entre os não casados.23,24
A análise segundo raça/cor da pele mostrou que as taxas de mortalidade foram mais elevadas entre os negros na maioria dos estados, de acordo com doenças definidoras; verificou-se, também, tendência crescente nessas taxas, tanto para doenças definidoras como não definidoras. A maior proporção da tendência crescente para as doenças não definidoras foi observada entre os negros, enquanto para os brancos, as tendências foram estacionárias e crescentes, resultado que pode estar atrelado a um aumento, ainda em curso, da mortalidade por doenças não definidoras entre a população. A população negra encontra-se em maior situação de vulnerabilidade social25-28 e a mudança em seus padrões de mortalidade pode se dar em velocidade menor do que a observada na população de raça/cor da pele branca.
Um conjunto de fatores expõem mais a população de raça/cor da pele negra à mortalidade por HIV/aids, como o desemprego, dificuldade de acesso aos serviços de saúde e receio de procura pelo tratamento devido à discriminação.26
Estudo que analisou a tendência de mortalidade por HIV/aids no Rio Grande do Sul e sua capital, Porto Alegre, ao verificar a mortalidade de acordo com a raça/cor da pele, identificou taxas mais elevadas entre indivíduos pretos e pardos, no período de 2000 a 2011.29
Este estudo apresenta limitações, relacionadas a possíveis incompletudes e inconsistências dos dados utilizados. Entretanto, houve expressiva melhoria dos dados do SIM decorrentes da redução dos registros de óbitos por causas mal definidas. A análise das comorbidades associadas ao HIV/aids pode contribuir para uma melhor análise da dinâmica da mortalidade por HIV/aids e, consequentemente, redução dos óbitos pela doença.
Conclui-se que os achados desta investigação podem contribuir para o aprofundamento da análise da mortalidade por HIV/aids e, assim, apoiar o planejamento e a gestão de ações de saúde pública. A existência de elevadas taxas de mortalidade por doenças definidoras de HIV/aids pode indicar cenário de desigualdades na morte pelo agravo. Contudo, são necessários estudos que aprofundem a presente análise.