Principais resultados
A incidência dos erros de imunização foi crescente em todas as macrorre-giões de saúde de Minas Gerais. O tipo de erro mais frequente foi a administração de vacinas fora da idade recomendada; resultados apontam para uma subnotificação desses erros.
Introdução
A vacinação é uma estratégia em saúde com excelente efetividade. Devido a sua ação na prevenção de doenças, ela evita milhões de mortes por ano e aumenta a expectativa de vida.1 Tal como acontece com qualquer administração de medicamentos, na vacinação também podem ocorrer erros.2 Os erros de imunização são preveníveis, enquanto consequências de atitudes ou procedimentos não cumpridos.3
De acordo com as normas do Programa Nacional de Imunizações (PNI), os erros de imunização podem causar redução ou falta do efeito esperado das vacinas, além de eventos adversos pós-vacinação (EAPV).3 Esses erros também podem repercutir negativamente na população, interferindo no seguimento do esquema vacinal, reduzindo as taxas de coberturas vacinais e colocando em risco o controle das doenças imunopreveníveis,4-6 além de gerar custos diretos e indiretos aos serviços de saúde.7-8
Nos últimos dez anos, a literatura internacional5,9-10 e a nacional4,6 têm apontado para um crescimento das notificações de erros de imunização. Estudo realizado entre 2001 e 2016, com o objetivo de descrever as características dos erros de vacinação utilizando uma base de dados europeia, identificou um aumento de notificações de erros, de 0,4%, em 2001, para 4% em 2016.10 Nos Estados Unidos, entre os anos 2000 e 2013, o Vaccine Adverse Event Reporting System também observou um aumento de notificações de erros de imunização, de 1%, em 2000, para 15% em 2013.5
Voltando ao Brasil, estudo realizado no estado do Paraná, sobre registros de EAPV decorrentes de erros de imunização, focado no período de 2003 a 2013, identificou um aumento desse evento de 0,184 na taxa de incidência por 100 mil doses aplicadas. O valor médio estimado pelo mesmo estudo, para o período 2014-2018, variou de 2,5 (2014) a 3,3 (2018) EAPV decorrentes de erros de imunização por 100 mil doses aplicadas.4 No estado de Goiás, a taxa de incidência global de erros foi de 4,1/100 mil doses aplicadas, e as maiores incidências foram para a vacina antirrábica humana, a vacina contra o papilomavírus humano e a tríplice viral; a taxa de incidência de erros com EAPV foi de 0,45/100 mil doses aplicadas.6 No estado de Minas Gerais, estudo realizado entre 2015 e 2019, dedicado a analisar os erros de imunização em gestantes, segundo ausência e presença de EAPV, identificou uma incidência de 2,07/100 mil doses aplicadas com erro e com algum evento adverso.11
No Brasil, os registros de erros de imunização em indivíduos vacinados na rede pública são disponibilizados no Sistema de Informação de Vigilância de Eventos Adversos Pós-Vacinação (SI-EAPV).3 Para subsidiar o preenchimento das informações, o SI-EAPV apresenta um formulário próprio de notificação/investigação, em que são inseridas as informações para caracterizar o erro e subsidiar instruções sobre a conduta a ser adotada em casos de EAPV e frente ao esquema vacinal.
Diante do aumento da literatura científica sobre erros de imunização4,6,10 e da importância do conhecimento sobre sua ocorrência, para a tomada de decisões assertivas nos serviços e práticas de saúde, acredita-se que este estudo possa fornecer uma compreensão abrangente da ocorrência dos erros de imunização nos próximos anos, no estado de Minas Gerais, segundo estado mais populoso e com o maior número de municípios do Brasil.12,13
O objetivo do estudo foi avaliar a incidência do erro de imunização no serviço público de saúde do estado de Minas Gerais, Brasil, entre 2015 e 2019.
Métodos
Estudo transversal descritivo, a partir das notificações de erros de imunização registrados na base de dados de EAPV, do Sistema de Informação do PNI (SI-PNI), em Minas Gerais, no período de 1º de janeiro de 2015 a 31 de dezembro de 2019. A base de dados foi fornecida pela Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, acessada pelos pesquisadores no período de março a novembro de 2020.
Minas Gerais contava com uma população estimada de 21.411.923 habitantes para 2021, e um índice de desenvolvimento humano (IDH) de 0,731 para 2010.12 Com base nas características demográficas, socioeconômicas, geográficas, sanitárias e epidemiológicas, o território do estado é dividido em 14 macrorregiões, para o planejamento da atenção à saúde; essas macrorregiões são subdivididas em 89 microrregiões, que abrangem um universo de 853 municípios. A mais densamente povoada é a macrorregião Centro - onde se localiza a capital mineira, município de maior porte populacional -, com 31,7% da população total do estado; e a que apresenta menor população, a macrorregião Jequitinhonha.13
A população estudada compreendeu todos os indivíduos que receberam algum imunobiológico no sistema público de saúde, sofreram algum erro de imunização e tiveram esse erro registrado no SI-EAPV.
A variável de desfecho da pesquisa foi a ocorrência do erro de imunização classificado segundo o formulário para notificação/investigação de EAPV associado ao uso de vacina, soro ou imunoglobulina (erros de manuseio/conservação; erros de diluição; vacinação fora da idade recomendada; intervalo inadequado entre doses/vacina; erros de administração; tipo de imunobiológico utilizado; validade do imunobiológico vencida; outros).3 A definição de doses para as vacinas de rotina, idades recomendadas, intervalos mínimos entre doses e idades mínimas e máximas para administração, conforme o PNI do Brasil, estão apresentadas no Quadro 1.
Vacina | Idade recomendada | Intervalo mínimo recomendado entre doses | Idade máxima |
---|---|---|---|
BCGa | Ao nascer | Dose única | 4 anos 11 meses 29 dias |
HBb primeira dose | Ao nascer | 30 dias | 1 mês |
VORHc | 2 e 4 meses | 30 dias | 1ª dose: até 3 meses 15 dias |
2ª dose: até 7 meses 29 dias | |||
Pentad (DTP + HBb + Hib) | 2, 4 e 6 meses | 30 dias entre a 1ª, 2ª e 3ª dose da pentavalente. A 3ª dose não deverá ser administrada antes dos 6 meses de idade | 6 anos 11meses 29 dias |
Polio (VIPe) | 2, 4 e 6 meses | 30 dias entre a 1ª, 2ª e 3ª dose da VIPe. 6 meses entre a 3ª dose de VIPe e o 1º reforço da VOPf | 4 anos 11 meses 29 dias |
Polio (VOPf) | 15 meses e 4 anos | 6 meses entre a 3ª dose de VIPe e o 1º reforço da VOPf. 6 meses entre o 1º e 2º reforço da VOPf | 4 anos 11 meses 29 dias |
Pncc10Vg | 2, 4 e 12 meses | 30 dias entre 1ª e 2ª dose. 60 dias entre a 2ª dose e reforço de 12 meses | 4 anos 11 meses 29 dias |
Meningo Ch | 3, 5 e 12 meses | 30 dias entre 1ª e 2ª dose. 60 dias entre a 2ª dose e reforço de 12 meses | 4 anos 11 meses 29 dias |
FAi | 9 meses e 4 anos* | 30 dias entre doses de FAi* | - |
SRCj | 12 meses e 15 meses*** | 30 dias de intervalo da vacina de FAi* | - |
HAk | 15 meses | - | 4 anos 11 meses 29 dias |
DTPl | 15 meses e 4 anos | 6 meses entre a 3ª dose da pentavalente e o 1º reforço de DTPl. 6 meses entre o 1º e 2º reforço da DTPl | 6 anos 11 meses 29 dias |
Varcm | 15 meses e 4 anos | 30 dias de intervalo das vacinas SRCj e FA*** | 6 anos 11 meses 29 dias |
HPVn | Meninos: 11 a 14 anos; meninas: 9 a 14 anos | 2 doses com intervalo mínimo de 6 meses | Menores de 15 anos |
ACWYo | 11 e 12 anos | Dose única | - |
dTp | A partir de 7 anos | 3 doses com intervalo recomendado de 60 dias e mínimo de 30 dias | - |
dTpaq | Gestantes | 1 dose a cada gestação (a partir da 20ª semana de gestação) | - |
a) BCG: vacina contra o bacilo de Calmette-Guérin; b) HB: vacina contra hepatite B; c) VORH: vacina contra rotavírus humano; d) Penta (DTP+HB+Hib): vacina adsorvida difteria, tétano, pertússis, hepatite B (recombinante) e Haemophilus Influenzae B (conjugada); e) Poliomielite (VIP): vacina contra poliomielite inativada injetável trivalente; f) Poliomielite (VOP): vacina contra poliomielite atenuada oral bivalente (VOP); g) Pncc10V: vacina pneumocócica 10-valente conjugada; h) Meningo C: vacina meningocócica C conjugada; i) FA: vacina contra febre amarela; j) SCR: vacina contra sarampo, caxumba e rubéola; k) HA: vacina contra hepatite A; l) DTP: vacina tríplice bacteriana (vacina combinada contra difteria, tétano e coqueluche); m) Varc: vacina contra varicela atenuada; n) HPV: vacina contra papilomavírus humano 6, 11, 16 e 18 (recombinante); o) ACWY: vacina meningocócica ACWY (conjugada); p) dT: vacina adsorvida contra difteria e tétano de tipo adulto; q) dTpa: vacina adsorvida contra difteria, tétano e pertússis (acelular) de tipo adulto. Notas: *Pessoas a partir de 5 a 59 anos de idade: administrar uma dose única; **Pessoas de 5 a 29 anos de idade não vacinadas ou com esquema incompleto devem receber ou completar o esquema de duas doses de tríplice viral, com intervalo mínimo de 30 dias entre as doses. Pessoas de 30 a 59 anos de idade não vacinadas devem receber uma dose de tríplice viral; ***Quando não administradas simultaneamente e com intervalo de 30 dias entre as vacinas de febre amarela e tríplice viral para menores de 2 anos.
As variáveis de exposição foram aquelas existentes na ficha de notificação do erro de imunização: faixa etária (anos: até 1; 1 a 4; 5 a 9; 10 a 19; 20 a 59; 60 ou mais); via de administração (intramuscular; subcutânea; oral; intradérmica; sem identificação); tipo de evento (erro de imunização sem EAPV; erro de imunização com EAPV); ano de notificação do erro de imunização (2015; 2016; 2017; 2018; 2019); macrorregião de saúde (Sul; Centro Sul; Centro; Jequitinhonha; Oeste; Leste; Sudeste; Norte; Noroeste; Leste do Sul; Nordeste; Triângulo do Sul; Triângulo do Norte; Vale do Aço).
Antes de proceder a análise dos dados, os registros duplicados foram excluídos. Foi realizada análise descritiva dos dados, incluindo a distribuição de frequências e as diferenças entre as proporções, segundo características demográficas (faixa etária), tipo de erro e via de administração. Para o cálculo da taxa de incidência do erro de imunização, por 100 mil doses aplicadas, foi considerado o número total de erros notificados no SI-EAPV (numerador) e o número de doses administradas no período (denominador), por macrorregião de saúde. No estado de Minas Gerais, no período de 2015 a 2019, foram identificados 57.289.277 registros de doses de vacinas administradas e 3.866 notificações de erros de imunização.14
Foi construído um banco de dados com o auxílio do software Excel 2010. Utilizou-se o pacote estatístico Statistical Software for Professionals (Stata), versão 14.0, para a análise dos dados.
Esta pesquisa integra um projeto maior, intitulado "Avaliação dos erros de imunização e proposta de intervenção", aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, do Campus Centro-Oeste Dona Lindu/Universidade Federal de São João del-Rei (CEPCO/UFSJ), em 31 de janeiro de 2020: Parecer nº 3.817.007; Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 23888819.9.0000.5545.
Resultados
No estado de Minas Gerais, no período de 2015 a 2019, foram encontradas 3.866 notificações de erros de imunização na base de dados do SI-EAPV. Excluídos 37 registros duplicados, foram totalizadas 3.829 notificações. Dos 853 municípios mineiros, 332 (38,9%) realizaram a notificação de algum erro.
Em relação às características das 3.829 notificações analisadas, observou-se que o sexo feminino representou (58,1%) dos casos notificados. Entre as faixas etárias mais acometidas, destacaram-se os menores de 4 anos (58,3%), com proporção maior para os menores de 1 ano (39,1%), seguidos daqueles entre 20 e 59 anos (20,0%). As vias intramuscular e subcutânea foram responsáveis por 29,4% e 27,8% dos erros notificados, respectivamente. Observou-se que o erro de imunização mais frequente foi a administração de vacina fora da idade recomendada (37,5%). A prevalência de vacinas não preconizadas para a gestação foi de 10,8%. Entre as notificações analisadas, destacou-se que em 1.175 (30,7%) não foi identificada a via de administração relacionada ao erro de imunização (Tabela 1).
Variável | n | % |
---|---|---|
Faixa etária (em anos) | ||
< 1 | 1.497 | 39,1 |
1-4 | 735 | 19,2 |
5-9 | 213 | 5,6 |
10-19 | 435 | 11,4 |
20-59 | 767 | 20,0 |
≥ 60 | 183 | 4,7 |
Via de administração | ||
Intramuscular | 1.127 | 29,4 |
Subcutânea | 1.065 | 27,8 |
Oral | 304 | 7,9 |
Intradérmica | 158 | 4,2 |
Sem identificação | 1.175 | 30,7 |
Erros de imunização | ||
Erros de manuseio | 4 | 0,1 |
Erros de diluição | 79 | 2,1 |
Vacinação fora da idade recomendada | 1.435 | 37,5 |
Intervalo inadequado entre doses/vacinas | 270 | 7,1 |
Erros de administração | 131 | 3,4 |
Tipo de imunobiológico utilizado | 313 | 8,2 |
Validade do imunobiológico vencida | 246 | 6,4 |
Repetição de dosesa | 231 | 6,0 |
Vacina não recomendada na gestaçãoa | 414 | 10,8 |
Outros | 706 | 18,4 |
a) Não estão incluídos na classificação, segundo o formulário para notificação/investigação de eventos adversos pós-vacinação associados ao uso de vacina, soro ou imunoglobulina.
Em relação à taxa de incidência por tipo de erro de imunização, observou-se que vacinas administradas fora da idade recomendada constituíram o erro mais incidente (2,6/100 mil doses aplicadas), seguido de administração de vacinas não recomendadas na gestação (0,7/100 mil doses aplicadas). O tipo de imunobiológico utilizado e o intervalo inadequado entre doses/vacina tiveram incidência de 0,6 e 0,5 por 100 mil doses aplicadas, respectivamente. A validade vencida e a repetição de doses obtiveram taxa de incidência de 0,4/100 mil doses aplicadas cada. Somando-se os erros de administração, diluição e manuseio, a taxa de incidência encontrada foi de 0,4 por 100 mil doses aplicadas (dados não apresentados em tabela).
A Tabela 2 apresenta a incidência dos erros de imunização por macrorregião de saúde de Minas Gerais. Foram encontradas maiores incidências de erros na macrorregião do Vale do Aço, a uma taxa de incidência de 26,5 erros para cada 100 mil doses administradas, seguida do Triângulo do Norte, com taxa de incidência de 22,6 erros para cada 100 mil doses aplicadas. Já as macrorregiões de saúde com menores incidências de erros notificados foram a Noroeste, com 1,6 erro por 100 mil doses aplicadas, e a Nordeste, com 1,8 erro por 100 mil doses aplicadas. Observou-se que 2019 foi o ano com maior incidência de notificações na maioria das macrorregiões de saúde do estado, à exceção das macrorregiões Oeste e Jequitinhonha, que apresentaram mais notificações em 2018, e Triângulo do Norte em 2017.
Macrorregião de saúde de Minas Gerais | 2015 | 2016 | 2017 | 2018 | 2019 | Total | |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Sul | DAa | 1.358.770 | 1.172.935 | 1.827.014 | 1.676.080 | 1.364.739 | 7.399.538 |
EIb | 36 | 61 | 97 | 138 | 133 | 465 | |
TIc | 2,6 | 5,2 | 5,3 | 8,2 | 9,7 | 6,2 | |
Centro Sul | DAa | 373.400 | 320.636 | 568.321 | 609.088 | 367.798 | 2.239.243 |
EIb | 3 | 3 | 15 | 29 | 116 | 166 | |
TIc | 0,8 | 0,9 | 2,6 | 4,7 | 31,5 | 7,4 | |
Centro | DAa | 3.313.133 | 2.823.093 | 4.460.980 | 3.867.078 | 3.181.872 | 17.646.156 |
EIb | 84 | 115 | 204 | 173 | 230 | 806 | |
TIc | 2,5 | 4,0 | 4,5 | 4,4 | 7,2 | 4,5 | |
Jequitinhonha | DAa | 227.336 | 160.669 | 284.157 | 197.085 | 172.382 | 1.041.629 |
EIb | 5 | 12 | 18 | 15 | 7 | 57 | |
TIc | 2,1 | 7,4 | 6,3 | 7,6 | 4,0 | 5,5 | |
Oeste | DAa | 570.380 | 525.381 | 822.539 | 717.814 | 619.164 | 3.255.278 |
EIb | 16 | 33 | 55 | 97 | 68 | 269 | |
TIc | 2,8 | 6,2 | 6,6 | 13,5 | 10,9 | 8,3 | |
Leste | DAa | 365.302 | 303.120 | 576.272 | 341.185 | 346.025 | 1.931.904 |
EIb | 3 | 2 | 10 | 10 | 16 | 41 | |
TIc | 0,8 | 0,6 | 1,7 | 2,9 | 4,6 | 2,1 | |
Sudeste | DAa | 796.230 | 702.297 | 1273.795 | 990.293 | 621.976 | 4.384.591 |
EIb | 14 | 21 | 26 | 43 | 80 | 184 | |
TIc | 1,7 | 2,9 | 2,0 | 4,3 | 12,8 | 4,2 | |
Norte | DAa | 934.762 | 714.015 | 1.173.550 | 828.613 | 732.807 | 4.383.747 |
EIb | 44 | 26 | 35 | 33 | 88 | 226 | |
TIc | 4,7 | 3,6 | 2,9 | 3,9 | 12,0 | 5,2 | |
Noroeste | DAa | 362.110 | 275.505 | 420.099 | 393.825 | 323.306 | 1.774.845 |
EIb | 4 | 3 | 7 | 5 | 9 | 28 | |
TIc | 1,1 | 1,0 | 1,6 | 1,2 | 2,7 | 1,6 | |
Leste do Sul | DAa | 302.559 | 260.432 | 614.566 | 415.056 | 365.493 | 1.958.106 |
EIb | 13 | 11 | 15 | 34 | 30 | 103 | |
TIc | 4,2 | 4,2 | 2,4 | 8,1 | 8,2 | 5,3 | |
Nordeste | DAa | 394.653 | 352.008 | 770.705 | 434.198 | 390.461 | 2.342.025 |
EIb | 4 | 5 | 9 | 7 | 18 | 43 | |
TIc | 1,0 | 1,4 | 1,1 | 1,6 | 4,6 | 1,8 | |
Triângulo do Sul | DAa | 369.329 | 347.976 | 531.873 | 438.174 | 393.480 | 2.080.832 |
EIb | 37 | 20 | 73 | 72 | 73 | 275 | |
TIc | 10,0 | 5,7 | 13,7 | 16,4 | 18,5 | 13,2 | |
Triângulo do Norte | DAa | 734.883 | 633.674 | 832.001 | 1.001.145 | 725.908 | 3.927.611 |
EIb | 13 | 91 | 185 | 167 | 432 | 888 | |
TIc | 1,8 | 22,2 | 59,5 | 1,8 | 22,2 | 22,6 | |
Vale do Aço | DAa | 259.760 | 231.004 | 209.691 | 200.028 | 145.226 | 1.045.709 |
EIb | 20 | 13 | 97 | 30 | 117 | 277 | |
TIc | 7,6 | 5,6 | 46,2 | 14,9 | 80,5 | 26,5 |
a) DA: Número de registros de doses aplicadas; b) EI: Número de registros de erros de imunização; c) TI: Taxa de incidência de erros de imunização por 100 mil doses aplicadas.
A taxa de incidência dos erros de imunização com EAPV (323 casos) foi de 0,56/100 mil doses aplicadas (dados não apresentados em tabela). Os EAPV mais frequentes, decorrentes dos erros de imunização, foram as reações locais (80,8%), tendo-se observado, em algumas notificações registradas, mais de uma reação local. Entre essas reações, registraram-se dor (40,2%), calor no local da aplicação (39,1%), eritema (36,0%) e abscesso quente (25,7%). Das manifestações sistêmicas observadas, as mais frequentes foram diarreia (19,0%), vômitos (19,0%), náuseas (15,9%) e exantema generalizado (14,3%) (dados não apresentados em tabela).
Discussão
A incidência de erro de imunização teve uma distribuição heterogênea entre as macrorregiões de saúde do estado de Minas Gerais, apesar de os dados apresentados apontarem para uma subnotificação do erro. O tipo de erro mais frequente observado foi a administração de vacinas fora da idade recomendada, e os erros sem a ocorrência de EAPV foram mais incidentes.
A maior proporção de erros notificados foi observada entre as crianças menores de 1 ano. Outros estudos nacionais, realizados no Paraná e em Goiás, entre 2017 e 2020, e estudos internacionais desenvolvidos na Europa e nos Estados Unidos, entre 2018 e 2019, com a proposta de descrever as características dos erros de imunização, também encontraram uma incidência maior de erros em crianças menores de 1 ano.4-6,8,10
No que concerne à proporção do tipo de erro notificado, independentemente da idade, quase 40% foram relacionados à administração de vacinas fora da idade recomendada. Ao serem comparados os resultados deste estudo com os de outras pesquisas realizadas nos municípios de Goiânia, Ribeirão Preto e Porto Alegre, entre 2013 e 2018, os achados referentes a administração de vacinas fora da idade recomendada assemelham-se.6,15,16 Esse tipo de erro também ocorre em nível mundial, como aponta uma revisão sistemática da literatura, realizada em 2019, incluindo estudos realizados no Canadá, Reino Unido, Estados Unidos, Taiwan, e no Brasil.9
Pressupõe-se que a falta de conhecimento e atualização da equipe sobre os calendários vacinais e a similaridade entre os frascos de vacina possam estar associados à administração de vacinas fora da idade recomendada. Uma investigação conduzida nos Estados Unidos, em 2018, também identificou que a complexidade do calendário vacinal e a confusão entre produtos semelhantes podem ter contribuído para a administração de vacinas fora da idade recomendada.7 É importante que os laboratórios apliquem o investimento necessário à renovação dos processos de embalagem e rotulagem de seus produtos, uma medida fundamental para maior segurança do profissional de saúde no momento da vacinação.17
Aproximadamente um terço das notificações de erros de imunização teve a via de administração não identificada. Estudos nacionais, realizados entre 2014 e 2020, nos estados de Goiás,6 São Paulo18 e Minas Gerais,19 também constataram incompletude nos campos de preenchimento do formulário de notificação, como ausência da via de administração, raça/cor da pele do indivíduo vacinado e especificação da vacina administrada.6,18-20
Os resultados ainda mostraram que os erros sem a ocorrência de EAPV foram mais incidentes, corroborando os de outros estudos realizados no país, entre 2016 e 2018.4,6 Uma revisão sistemática de estudos nacionais e internacionais sobre a prevalência dos erros de imunização documentados entre 2009 e 2018 identificou que, na maioria desses estudos, não foram registrados eventos adversos após os erros de vacinação.9 No presente trabalho, as reações locais foram os EAPV mais notificados. Este fato decorre do ato de introduzir a agulha gerando lesão muscular e irritação no local, assim como das substâncias utilizadas nas vacinas, como o adjuvante de hidróxido de alumínio, com potencial de ocasionar uma reação inflamatória no local da aplicação.4-6
Não obstante o número observado de notificações no período estudado, é mister questionar o fato de menos da metade dos municípios mineiros notificarem erros de imunização. Este dado sugere a hipótese da existência de barreiras para relatar esses incidentes, possivelmente compatíveis com a dificuldade de notificar por conta de uma resposta punitiva aos erros cometidos e à falta de conhecimento sobre a importância da notificação dos erros de imunização, mesmo na ausência de EAPV.21,22 Como o preenchimento das informações sobre o erro encontra-se no mesmo formulário de notificação de EAPV, isto pode contribuir para a subnotificação daqueles erros sem eventos adversos, explicando - ainda que parcialmente - a discrepância dos resultados sobre a incidência dos erros de imunização nas macrorregiões de saúde de Minas Gerais.
Outras investigações, duas realizadas no Brasil e nos Estados Unidos, em 2016, e uma na Índia, em 2017, também apontaram para a subnotificação de erros de imunização, o que pode comprometer a adoção de medidas preventivas.4,23,24 Essa subnotificação pode ser um indicador de que o erro não está ocorrendo, o que contribui para sua manutenção e perpetuação.15 A notificação deve ser percebida como fundamental para a cultura de segurança, pois objetiva minimizar os danos causados, além de fomentar o aprendizado.25 A cultura de notificar o erro pode ser a primeira atitude no sentido de promover a segurança do paciente, permitindo à equipe sentir-se segura para informar as ocorrências,26 além de contribuir na identificação das possíveis causas, melhorando a qualidade da assistência em sala de vacinação.18 Uma incidência maior de erros, em algumas macrorregiões de saúde de Minas Gerais, não necessariamente está associada a uma maior ocorrência e sim, provavelmente, a uma maior notificação, possivelmente relacionada com uma cultura organizacional voltada à segurança do paciente no nível municipal. Normalmente, os erros são mais expostos nas instituições com uma cultura de segurança madura e fortalecida.27
De maneira geral, os erros de imunização acontecem em todo o processo de vacinação, desde falhas no armazenamento e distribuição dos imunobiológicos até a indicação e administração incorreta no indivíduo.5,9,10,28 A falta de profissionais e, consequentemente, a sobrecarga de trabalho são fatores para a ocorrência de erros, os quais têm uma relação estreita com os processos de trabalho e a gestão dos serviços de saúde.25
A literatura tem mostrado que a introdução de novas vacinas é fator contributivo para o aumento dos erros de imunização.6,7,28 Este fato foi evidenciado com a pandemia da COVID-19, a qual expôs um número considerável de erros de imunização, como intervalo inadequado entre as doses, administração do imunizante em indivíduos fora da faixa etária recomendada, armazenamento e manuseio incorreto, entre outros.29
A ação de supervisão é uma recomendação importante para a qualidade e segurança em sala de vacinação: ela engloba o acompanhamento do "fazer" dos trabalhadores e permite identificar as necessidades de orientação e aperfeiçoamento, a fim de prevenir os erros de imunização.21 Dessa forma, o aumento na incidência desses erros alerta para uma maior supervisão da sala de vacinação, capacitação dos trabalhadores em saúde, gestão dos riscos e assistência direta aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS).6
Outra estratégia para prevenção do erro de imunização reside no envolvimento da população no processo, servindo como barreira ao erro. A dupla checagem (do usuário e do profissional) da vacina, antes de seu preparo e administração, deve ser incentivada.5 A utilização de checklist, com verificações antes, durante e após a administração da vacina, proporciona uma preparação/administração segura.30
A gestão também tem papel fundamental na prevenção do erro de imunização, disponibilizando produtos, insumos e recursos humanos suficientes, pois a responsabilidade de desenvolver estratégias de prevenção de erros não é exclusiva do profissional de saúde. A melhoria das condições de trabalho, como o número suficiente de trabalhadores e uma estrutura adequada, garante uma assistência de qualidade ao paciente e a segurança do próprio profissional.25 Não se pode mudar a natureza humana; porém, é possível melhorar as condições de trabalho.22
Algumas limitações deste estudo devem ser destacadas. O uso de dados secundários não permite controlar a subnotificação dos erros de imunização e a qualidade da informação disponibilizada pelo SI-EAPV, o que pode subestimar a incidência dos erros de imunização em Minas Gerais. Outra limitação está no fato de o PNI categorizar como "Outros" aqueles erros que não se enquadram na classificação dos erros mais comuns, o que pode levar a um viés de informação, na medida em que aumenta a frequência dessa categoria. Para minimizar esse viés, os erros mais frequentes, categorizados em "Outros", foram apresentados no estudo.
A administração de vacinas fora da idade recomendada foi o erro mais notificado. Os erros de imunização apresentaram uma incidência heterogênea entre as macrorregiões de saúde do estado de Minas Gerais, no período de 2015 a 2019.
O estudo aponta para um cenário preocupante de ocorrência de erros de imunização, capazes de impactar na qualidade da assistência prestada em sala de vacinação, com potencial de prejudicar o PNI, principalmente em um momento de baixas coberturas vacinais e do crescimento da hesitação vacinal. Portanto, faz-se necessário fomentar discussões sobre a necessidade da adoção de medidas preventivas dos erros de imunização.
Conclui-se que os resultados apresentados podem auxiliar os serviços de saúde na investigação das causas dos erros de imunização, subsidiando a adoção de medidas preventivas, como a implantação de núcleos de segurança e a elaboração de planos de segurança do paciente, indispensáveis para uma vacinação segura.