Principais resultados
Alta prevalência de monkeypox (MPX) entre homens cis na idade mediana de 32 anos. Febre foi o sintoma mais frequente, seguido de adenomegalia, cefaleia e erupções. Alta proporção de MPX em pessoas vivendo com HIV e outras ISTs, como em outros países.
Introdução
O primeiro caso de monkeypox (MPX) em humanos, registrado na República Democrática do Congo, ocorreu em 1970. Desde então, a doença tornou-se endêmica em alguns países da África e surtos esporádicos fora desse continente foram registrados nos últimos anos.1-3 No início de 2022, uma revisão sistemática, conduzida por Bunge et al., destacou o risco de disseminação global da doença e alertou sobre a possibilidade de a MPX tornar-se uma pandemia.4 Em 7 de maio de 2022, o Reino Unido relatou a ocorrência de um caso confirmado de MPX no país e, em seguida, foi reportada sua disseminação para outros países não endêmicos.3
Diante desse cenário de dispersão da MPX para 72 países e quase 15 mil casos confirmados, em 23 de julho de 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a doença uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII), elevou seu nível de atenção e recomendou a ampliação das capacidades de vigilância e de medidas de saúde pública para contenção de sua transmissão nos países.5
No Brasil, em 23 de maio de 2022, a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (SVS/MS) mobilizou sua Sala de Situação no sentido de organizar e preparar o Sistema Único de Saúde (SUS) para o enfrentamento da doença. Com o avanço da MPX no país, em 29 de julho de 2022, a SVS/MS mobilizou o Centro de Operações de Emergência em Saúde Pública Nacional (COE-MPX) e este atuou de forma a organizar e coordenar a atuação do SUS em resposta à doença, fortalecer a vigilância e adotar medidas de prevenção e controle para a contenção da emergência, nas três esferas de gestão do Sistema.6
Em 7 de junho de 2022, o primeiro caso de MPX foi confirmado no estado de São Paulo, e a vigilância de rotina, instituída em 12 de julho. Desde então, a notificação/investigação de casos suspeitos de MPX tornou-se obrigatória e imediata (no prazo de até 24 horas) em todo o território nacional, e ficou a cargo dos profissionais de saúde de serviços públicos ou privados, conforme determina a Lei nº 6.259, de 30 de outubro de 1975.7 No dia 31 de agosto de 2022, a MPX foi incluída na Lista Nacional de Notificação Compulsória de doenças e agravos de saúde pública.8
A divulgação de dados sobre MPX contribui para a consolidação da literatura científica no país. O processo, contínuo e sistemático, de análises de eventos semelhantes pode colaborar para o planejamento e implementação de medidas de vigilância em saúde.
Este estudo teve por objetivo descrever a origem, as características epidemiológicas e clínicas dos casos confirmados e prováveis de MPX no Brasil.
Métodos
Trata-se de estudo seccional descritivo dos casos de MPX notificados ao Ministério da Saúde desde a identificação do primeiro caso, em 7 de junho, na semana epidemiológica (SE) 23, até o fim da 39ª SE, em 1º de outubro de 2022, e registrados nos sistemas oficiais de notificação até 6 de outubro de 2022. Apesar de o estado de São Paulo possuir uma ficha e um sistema de notificação próprios, as informações dos casos notificados no estado foram compatibilizadas e consolidadas juntamente com as do nível nacional e, então, incluídas nesta análise. Nas situações em que a compatibilização não foi possível, a informação do nível nacional - à exceção de São Paulo - foi apresentada.
Todos os casos suspeitos que foram classificados como confirmados ou prováveis, de acordo com o critério de definição de caso estabelecido pelo Ministério da Saúde em 5 de agosto de 2022, foram incluídos no presente estudo.9 De acordo com essa definição, foram considerados casos suspeitos aqueles indivíduos, de qualquer idade, que apresentaram início súbito de lesão em mucosas e/ou erupção cutânea aguda sugestiva de MPX e/ou proctite e/ou edema peniano, estando ou não associados a outros sinais e sintomas. Entre os casos suspeitos, aqueles que tiveram resultado laboratorial positivo ou detectável para vírus MPX por diagnóstico molecular, polymerase chain reaction (PCR) em tempo real e/ou sequenciamento, foram considerados confirmados; os casos com resultado negativo ou não detectável foram descartados.
Classificou-se como caso provável de MPX o caso suspeito cuja investigação laboratorial não foi realizada ou teve resultado inconclusivo, cujo diagnóstico de MPX não pôde ser descartado apenas pela confirmação clínico-laboratorial de outro diagnóstico, e que reportaram exposição ou contato próximo com caso confirmado de MPX nos 21 dias anteriores ao início dos sinais e sintomas.9
Os casos foram descritos de acordo com as seguintes características sociodemográficas: macrorregião nacional de residência (Norte; Nordeste; Sudeste; Sul; Centro-Oeste), sexo ao nascimento (masculino; feminino), gênero (mulher trans; mulher cis; travesti; homem trans; homem cis; não binário; outro); faixa etária (em anos completos: até 1; 1 a 4; 5 a 9; 10 a 14; 15 a 17; 18 a 29; 30 a 39; 40 a 49; 50 a 59; 60 e mais); e raça/cor da pele [branca; negra (parda e preta); amarela; indígena]. Para os registros com sexo de nascimento masculino, descreveu-se: (i) a orientação sexual (heterossexual; homossexual; bissexual; pansexual; outra), exceto para as notificações realizadas no estado de São Paulo e que não continham essa informação na ficha de notificação; e (ii) o comportamento sexual, definindo-se como gays e outros homens que fazem sexo com homens (HSHs) aqueles indivíduos do sexo masculino que reportaram manter relação sexual somente com homens, ou com homens e com mulheres.
Os casos também foram analisados segundo: (i) a presença de sinais e sintomas (febre; erupção; cefaleia; adenomegalia; dor muscular; astenia; dor nas costas; lesão genital; dor de garganta; suor ou calafrios; linfadenopatia localizada; náusea; artralgia; lesão oral; proctite; edema peniano; tosse; lesão em mucosa; fotossensibilidade; hemorragia; linfadenopatia generalizada; diarreia; conjuntivite; outros); (ii) o local do corpo de surgimento das lesões e erupções (região genital; tronco; membros superiores; face; membros inferiores; região anal; palma da mão; região oral; planta do pé; outros locais); (iii) a presença de imunossupressão descrita na ficha de notificação (sim, devido a alguma doença prévia; sim, de causa medicamentosa; sim, sem causa conhecida; não é imunodeprimido); (iv) o relato de infecção pelo vírus da imunodeficiência humana [HIV, do inglês human immunodeficiency virus (sim; não)]; e (v) o relato de alguma infecção sexualmente transmissível (IST) ativa (sífilis; herpes genital; clamídia; gonorreia; verruga genital; outras ISTs; não tem IST ativa).
Descreveu-se (exceto para o estado de São Paulo) que não apresentavam essa informação, em sua ficha de notificação, os casos conforme: (i) a necessidade de hospitalização (sim, por razões clínicas relacionadas à MPX; sim, por necessidade de isolamento do caso); e (ii) a internação em unidades de terapia intensiva (UTIs) (sim; não). Por fim, apresentou-se a evolução dos casos confirmados e prováveis conforme cura, óbito por MPX ou óbito por outra causa; e, para os casos notificados em São Paulo, caso o indivíduo todavia se encontrasse em tratamento.
As taxas de incidência de MPX, por sexo de nascimento e Unidade da Federação (UF) de residência, foram calculadas dividindo-se os casos - confirmados e prováveis - notificados (numerador) pelas respectivas populações estimadas para o período10 (denominador), vezes 100 mil. Também foi calculada a razão das incidências por sexo ao nascimento.
As tendências da MPX foram apresentadas por meio do número de casos confirmados e prováveis notificados por SE, segundo a data de notificação. Além disso, foram calculadas as médias móveis, por SE da notificação, do número de casos diários notificados.
Os casos foram descritos por meio de frequência absoluta e relativa. Para a variável “idade”, a mediana e o intervalo interquartílico (IIQ) também foram calculados. O software estatístico Statistical Package for the Social Sciences (IBM SPSS for Windows), em sua versão 25.0, foi utilizado em todas as análises.
Todas as análises apresentadas neste trabalho foram desenvolvidas utilizando-se dados secundários notificados nos sistemas oficiais de vigilância da MPX no Brasil, porém sem considerar quaisquer variáveis que permitissem a identificação dos indivíduos. Um código único foi atribuído pelo Ministério da Saúde a todos os casos, antes da realização desta análise, visando garantir sigilo e confidencialidade de cada indivíduo notificado. Os dados estão publicizados em outro formato de análise, nos boletins de informação sobre MPX.9 Por conseguinte, o projeto do estudo foi dispensado de submissão e avaliação por Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), mas foi realizado em conformidade com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 466, de 12 de dezembro de 2012.
Resultados
No Brasil, até a SE 39, encerrada em 1º de outubro de 2022, foram registrados 33.513 casos notificados de MPX, representando um incremento de 7% no número de notificações acumuladas até a SE 38 (31.284). Desse total, 58,6% das notificações foram descartadas (19.649), 23,8% (7.992) foram confirmadas e 0,5% (175) classificadas como prováveis.
A Figura 1A apresenta a distribuição de 8.167 casos confirmados e prováveis, segundo a SE de notificação e suas respectivas médias móveis. Observou-se aumento do número de casos até a SE 30, quando se atingiu cerca de 150 casos confirmados e prováveis por dia. Passado esse período, observou-se estagnação do número diário de casos, em torno de 130 casos/dia, entre as SEs 31 e 33, quando se passou a observar tendência de decréscimo. Na SE 39, foram notificados, em média, 39 casos confirmados e prováveis/dia.
Mesmo com a desaceleração observada no crescimento do número de casos nas últimas SEs (a partir da SE 35), houve a disseminação da MPX pelo país (Figura 1B). Até a SE 28, a região Sudeste concentrou mais de 85% dos casos confirmados e prováveis, e a região Centro-Oeste, 7%. Na SE 38, 53% dos casos confirmados residiam na região Sudeste, 15% na região Centro-Oeste e 14% na região Sul. Destaca-se ainda que, na SE 39, 497 municípios haviam notificado pelo menos um caso confirmado ou provável.
A Tabela 1 mostra que a taxa de incidência de MPX no Brasil foi de 3,8 casos por 100 mil habitantes até a SE 39. Em relação ao sexo, a incidência da infecção foi 12 vezes maior no sexo masculino (7,2/100 mil), quando comparada à observada no sexo feminino (0,6/100 mil). Além disso, observou-se maior concentração do total de casos confirmados e prováveis, nesse período, nas regiões Sudeste (n = 5.607; 68,7%) e Centro-Oeste (n = 998; 12,2%); consequentemente, as maiores taxas de incidência couberam a essas duas regiões (6,3 e 6,0 casos por 100 mil habitantes, respectivamente).
Região/Unidade da Federação | Número de casos | Taxa de incidência (por 100 mil hab.) | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Masculino | Feminino | Totala | Masculino | Feminino | Totala | |
Brasil | 7.494 | 653 | 8.167 | 7,2 | 0,6 | 3,8 |
Norte | 205 | 8 | 213 | 2,2 | 0,1 | 1,1 |
Rondônia | 6 | 1 | 7 | 0,7 | 0,1 | 0,4 |
Acre | 1 | - | 1 | 0,2 | 0,0 | 0,1 |
Amazonas | 143 | 4 | 147 | 6,7 | 0,2 | 3,4 |
Roraima | 4 | - | 4 | 1,2 | 0,0 | 0,6 |
Pará | 40 | 1 | 41 | 0,9 | 0,0 | 0,5 |
Amapá | 2 | - | 2 | 0,5 | 0,0 | 0,2 |
Tocantins | 9 | 2 | 11 | 1,1 | 0,3 | 0,7 |
Nordeste | 489 | 100 | 589 | 1,8 | 0,3 | 1,0 |
Maranhão | 19 | - | 19 | 0,5 | 0,0 | 0,3 |
Piauí | 14 | 1 | 15 | 0,9 | 0,1 | 0,5 |
Ceará | 112 | 18 | 130 | 2,5 | 0,4 | 1,4 |
Rio Grande do Norte | 74 | 19 | 93 | 4,3 | 1,0 | 2,6 |
Paraíba | 26 | 3 | 29 | 1,3 | 0,1 | 0,7 |
Pernambuco | 127 | 35 | 162 | 2,7 | 0,7 | 1,7 |
Alagoas | 11 | 3 | 14 | 0,7 | 0,2 | 0,4 |
Sergipe | 10 | 4 | 14 | 0,9 | 0,3 | 0,6 |
Bahia | 96 | 17 | 113 | 1,3 | 0,2 | 0,8 |
Sudeste | 5.160 | 429 | 5.607 | 11,8 | 0,9 | 6,3 |
Minas Gerais | 519 | 15 | 535 | 4,9 | 0,1 | 2,5 |
Espírito Santo | 66 | 10 | 78 | 3,3 | 0,5 | 1,9 |
Rio de Janeiro | 1.050 | 98 | 1.148 | 12,6 | 1,1 | 6,6 |
São Paulo | 3.525 | 306 | 3.846 | 15,5 | 1,3 | 8,2 |
Sul | 695 | 65 | 760 | 4,7 | 0,4 | 2,5 |
Paraná | 219 | 15 | 234 | 3,9 | 0,3 | 2,0 |
Santa Catarina | 279 | 21 | 300 | 7,7 | 0,6 | 4,1 |
Rio Grande do Sul | 197 | 29 | 226 | 3,5 | 0,5 | 2,0 |
Centro-Oeste | 945 | 51 | 998 | 11,4 | 0,6 | 6,0 |
Mato Grosso do Sul | 113 | 13 | 126 | 8,0 | 0,9 | 4,4 |
Mato Grosso | 80 | 4 | 85 | 4,4 | 0,2 | 2,4 |
Goiás | 490 | 24 | 515 | 13,7 | 0,7 | 7,1 |
Distrito Federal | 262 | 10 | 272 | 17,6 | 0,6 | 8,8 |
a) Os casos totais referem-se a todos os casos notificados, incluídos os 20 casos sem informação relacionada ao sexo de nascimento (15 em São Paulo, 2 no Espírito Santo, 1 em Minas Gerais, 1 em Goiás e 1 no Distrito Federal).
A maior parte dos casos confirmados e prováveis ocorreram entre indivíduos residentes nos estados de São Paulo (n = 3.846; 47,1%), Rio de Janeiro (n = 1.148; 14,1%), Minas Gerais (n = 535; 6,6%) e Goiás (n = 515; 6,3%), totalizando quase um terço dos casos nacionais. Também foram essas as quatro UFs entre aquelas com as maiores taxas de incidência: 8,8 casos/100 mil no Distrito Federal; 8,2 casos/100 mil em São Paulo; 7,1 casos/100 mil em Goiás; e 6,6 casos/100 mil no Rio de Janeiro.
Quanto às características demográficas dos casos confirmados e prováveis, 91,8% (7.494) eram do sexo de nascimento masculino. 70,6% (5.766) dos casos notificados corresponderam a indivíduos autodeclarados homens cis e 19,2% (1.564) não dispunham dessa informação. A idade mediana dos casos analisados foi de 32 anos (IIQ 27-38 anos), sendo que 40,6% (3.314) eram indivíduos de 30 a 39 anos e 34,3% (2.805) contavam entre 18 e 29 anos. Foram notificados dez casos em crianças menores de 1 ano e 218 (2,7%) em crianças de 1 a 9 anos; 43,7% (3.572) dos casos autodeclararam-se brancos, 40,8% (3.332), negros, e 13 autorreferiram raça/cor da pele indígena (Tabela 2).
Características | n | % |
---|---|---|
Total | 8.167 | 100,0 |
Sexo ao nascimento | ||
Masculino | 7.494 | 91,8 |
Feminino | 653 | 8,0 |
Não informado | 20 | 0,2 |
Gênero | ||
Mulher trans | 21 | 0,3 |
Mulher cis | 521 | 6,3 |
Travesti | 6 | 0,1 |
Homem trans | 115 | 1,4 |
Homem cis | 5.766 | 70,6 |
Não binário | 70 | 0,9 |
Outro | 104 | 1,3 |
Não informado | 1.564 | 19,1 |
Faixa etária (em anos completos) | ||
< 1 | 10 | 0,1 |
1-4 | 80 | 1,0 |
5-9 | 67 | 0,8 |
10-14 | 71 | 0,9 |
15-17 | 69 | 0,8 |
18-29 | 2.805 | 34,3 |
30-39 | 3.314 | 40,6 |
40-49 | 1.349 | 16,5 |
50-59 | 314 | 3,9 |
≥ 60 | 84 | 1,0 |
Não informada | 4 | 0,1 |
Raça/cor da pele | ||
Branca | 3.572 | 43,7 |
Negra | 3.332 | 40,8 |
Amarela | 87 | 1,1 |
Indígena | 13 | 0,2 |
Não informada | 1.163 | 14,2 |
Região de residência | ||
Norte | 213 | 2,6 |
Nordeste | 589 | 7,2 |
Sudeste | 5.607 | 68,7 |
Sul | 760 | 9,3 |
Centro-Oeste | 998 | 12,2 |
Não informada | - | 0 |
Orientação sexuala | ||
Heterossexual | 534 | 7,1 |
Homossexual | 2.566 | 34,2 |
Bissexual | 379 | 5,1 |
Pansexual | 72 | 1,0 |
Outra | 360 | 4,8 |
Não informadab | 3.583 | 47,8 |
Gays e outros HSHsa,c | ||
Sim | 4502 | 60,1 |
Não | 687 | 9,2 |
Não informada | 2.305 | 30,8 |
a) Apenas para os 7.494 casos entre indivíduos de sexo ao nascimento masculino; b) Incluídas 3.523 notificações de indivíduos de sexo de nascimento masculino residentes em São Paulo e sem a informação sobre orientação sexual; c) Foram definidos como gays e outros HSHs (homens que fazem sexo com homens) aqueles indivíduos de sexo ao nascimento masculino e que declararam ter relação sexual somente com homens ou relação sexual com homens e com mulheres.
Os casos do sexo masculino que não informaram a orientação sexual corresponderam a 47,8% (3.583), enquanto 34,2% (2.566) autodeclararam-se homossexuais. Dos casos sem registro da orientação sexual, 3.523 foram notificados em São Paulo, haja vista essa informação não haver constado na ficha de notificação do estado. Dos casos notificados no restante do país, 64,6% (2.566) autodeclararam-se homossexuais, 9,5% (379) bissexuais, 1,8% (72) pansexuais e 9,1% (360) reportaram outra orientação sexual. No que se refere aos sinais e sintomas relatados entre os casos de MPX, os mais frequentes foram febre (n = 4.709; 57,7%), erupções (n = 3.498; 42,3%), cefaleia (n = 3.280; 40,2%) e adenomegalia (n = 3.255; 39,9%). Lesões genitais foram reportadas por 18,9% (1.542), lesões orais por 4% (359) e 3,2% (265) reportaram lesões em mucosa. A maior parte dos casos (n = 3.913; 47,9%) declarou que as lesões e/ou erupções surgiram inicialmente na região genital, seguidas do tronco (n = 2.893; 35,4%) e membros superiores (n = 2.832; 34,7%). Quase um quinto (n = 1.585) dos casos referiu lesões e/ou erupções na região anal (Tabela 3).
Características | n | % |
---|---|---|
Total | 8.167 | 100,0 |
Sinais e sintomas | ||
Pelo menos um sinal | 7.399 | 90,6 |
Febre | 4.709 | 57,7 |
Erupção | 3.498 | 42,8 |
Cefaleia | 3.280 | 40,2 |
Adenomegalia | 3.255 | 39,9 |
Dor muscular | 2.919 | 35,7 |
Astenia | 2.679 | 32,8 |
Dor nas costas | 1.586 | 19,4 |
Lesão genital | 1.542 | 18,9 |
Dor de garganta | 1.108 | 13,6 |
Suor/calafrios | 1.070 | 13,1 |
Linfadenopatia localizada | 828 | 10,1 |
Náusea | 470 | 5,8 |
Artralgia | 398 | 4,9 |
Lesão oral | 359 | 4,4 |
Proctite | 338 | 4,1 |
Edema peniano | 332 | 4,1 |
Tosse | 300 | 3,7 |
Lesão em mucosa | 265 | 3,2 |
Fotossensibilidade | 167 | 2,0 |
Hemorragia | 99 | 1,2 |
Linfadenopatia generalizada | 84 | 1,0 |
Diarreia | 84 | 1,0 |
Conjuntivite | 81 | 1,0 |
Outros sinais e sintomas | 755 | 9,2 |
Local da lesão ou erupção | ||
Região genital | 3.913 | 47,9 |
Tronco | 2.893 | 35,4 |
Membros superiores | 2.832 | 34,7 |
Face | 2.260 | 27,7 |
Membros inferiores | 2.092 | 25,6 |
Região anal | 1.585 | 19,4 |
Palma da mão | 867 | 10,6 |
Região oral | 806 | 9,9 |
Planta do pé | 404 | 4,9 |
Outros locais | 430 | 5,3 |
Aproximadamente 28% (2.246) dos casos declararam ser imunossuprimidos, e quase metade (n = 4.034; 49,4%) reportou não ter imunossupressão. Observou-se que 34,6% (2.825) dos casos confirmados e prováveis relataram viver com HIV e 10,5% (857) ter alguma IST ativa, sendo que 5,0% (412) declaram ter sífilis e 2,6% (214) herpes genital (Tabela 4). 381 dos casos foram hospitalizados, dos quais 2,3% (191) devido a necessidades clínicas, 0,6% (49) por necessidade de isolamento e 1,7% (141) por motivo desconhecido; 18,1% (1.480) das notificações não possuíam informações sobre a necessidade de internação. Dos 381 casos hospitalizados, 16 foram internados em UTI. 38% (3.109) evoluíram para cura, 3,9% (319) continuavam em acompanhamento no estado de São Paulo (em tratamento), seis casos foram a óbito por outras causas e 4.271 (58%) não tinham a evolução do caso preenchida no Sistema. Ainda, foram notificados três (0,04%) óbitos por MPX no período, todos de indivíduos do sexo de nascimento masculino, entre 30 e 39 anos, que viviam com HIV, estavam imunossuprimidos, e que foram internados em UTI.
Características | n | % |
---|---|---|
Total | 8.167 | 100,0 |
Imunodeprimido | ||
Sim, por causa de alguma doença | 2.176 | 26,6 |
Sim, por causa de alguma medicação | 55 | 0,7 |
Sim, sem causa conhecida | 15 | 0,2 |
Não é imunodeprimido | 4.034 | 49,4 |
Não informado | 1.887 | 23,1 |
Vive com HIVa | ||
Sim | 2.825 | 34,6 |
Não | 3.175 | 38,9 |
Não informada | 2.167 | 26,5 |
Tem alguma ISTb ativa | ||
Sífilis | 412 | 5,0 |
Herpes genital | 214 | 2,6 |
Clamídia | 41 | 0,5 |
Gonorreia | 38 | 0,5 |
Verruga genital | 37 | 0,5 |
Outras | 115 | 1,4 |
Não tem ISTb ativa | 2.871 | 35,2 |
Não informado | 4.439 | 54,3 |
a) HIV: Vírus da imunodeficiência humana (do inglês: human immunodeficiency virus); IST: infecção sexualmente transmissível.
Discussão
O estudo descreveu o perfil de casos - confirmados e prováveis - notificados de monkeypox no Brasil. Observou-se que o surto no país ocorreu, com maior frequência, entre indivíduos do sexo de nascimento masculino e jovens. Constatou-se elevada proporção de indivíduos do sexo masculino que referiram ser homossexuais e, segundo o comportamento sexual reportado, eram HSHs. Embora a MPX não seja uma infecção sexualmente transmissível, um indivíduo infectado pode disseminar a doença mediante contato prolongado e íntimo durante as relações sexuais. O número elevado de casos entre a população gay e outros HSHs levou a OMS a emitir recomendações voltadas exclusivamente a essa população. A participação em eventos nos quais aconteceram contatos íntimos foi reportada como a principal forma de transmissão do surto recente em outros países,1,11-15 sendo provável que essa também tenha sido a forma principal da disseminação no Brasil.
Neste estudo, também foi verificada uma distribuição desigual dos casos, a maioria no Sudeste, região de localização dos maiores centros urbanos e por onde entrou a infecção no país, trazida por viajantes internacionais. Mesmo com a disseminação dos casos observada em todas as UFs, que apresentaram uma curva ascendente, seguida de estabilização, vem se mostrando uma tendência de declínio, o que corrobora as atuais tendências do surto verificadas em nível global.16-19
Outro aspecto relevante observado foi que a maioria dos casos apresentou sintomas leves e baixa taxa de hospitalização. Além do que, três óbitos foram notificados no Brasil, todos de indivíduos imunossuprimidos.20,21 No entanto, até o dia 4 de novembro de 2022, o Ministério da Saúde havia registrado mais sete óbitos em indivíduos com imunossupressão e portadores de comorbidades.22 Nos dados publicizados pela OMS, também foi relatado que a maioria dos casos confirmados e prováveis, em todo o mundo, foram leves, sem necessidade de hospitalização (91,6%); e, quando estas ocorreram, foi por necessidade clínica ou para isolamento (8,4%); apenas 0,1% dos casos levou a internação em UTI. Do total de casos notificados no mundo, até o momento da conclusão deste estudo, houve 29 óbitos correspondentes a indivíduos imunossuprimidos, distribuídos entre todas as regiões.19
A maioria dos sintomas observados foram leves, sendo mais frequentes febre, adenomegalia, cefaleia e erupções, e a localização anogenital a mais reportada (67,3%). Estudo conduzido com 181 indivíduos portadores de MPX na Espanha encontrou que todos os investigados apresentaram lesões de pele, 78% lesões na região anogenital e 43% na cavidade oral e perioral. Um total de 85% apresentaram linfadenopatia.23 Em outro estudo, sobre 197 casos registrados na Inglaterra, todos apresentaram lesões mucocutâneas e, entre os sintomas sistêmicos mais comuns, febre (61,9%), linfadenopatia (57,9%) e mialgia (31,5%).24 A presença de erupção cutânea está entre os sinais e sintomas mais frequentemente registrados nos dados divulgados pela OMS como casos confirmados de MPX.19 São dados demonstrativos da grande frequência de lesões de pele nos casos descritos durante o presente surto de MPX, importante sinal para sua identificação.
Quanto às limitações do estudo, pode-se citar a utilização de dados secundários, de baixa completitude para algumas variáveis, o que dificultou a análise de fatores de interesse. Por se tratar de um novo agravo, também houve dificuldades na capacidade diagnóstica, sendo o diagnóstico laboratorial via detecção molecular do vírus por reação em cadeia da polimerase em tempo real (qPCR), realizada em tão somente oito laboratórios de referência no país, o que pode ter causado uma subnotificação de casos. Entretanto, os dados apresentados são de abrangência nacional e representação regional, logo importantes para a elaboração de ações de vigilância e controle na resposta à epidemia de MPX no Brasil.
A diminuição da imunidade da população, associada à descontinuação da vacina contra a varíola, estabeleceu o ressurgimento da infecção. O aparecimento de casos fora da África destacou o risco iminente de disseminação geográfica, e, sendo assim, a vigilância em saúde e a detecção dos casos destacam-se enquanto ferramentas essenciais para a compreensão da mudança epidemiológica da doença.4 A forma de lidar com surtos infecciosos emergentes e reemergentes demonstra uma negligência global, principalmente nos surtos de doenças e agravos que acometem a África e países subdesenvolvidos, especialmente. Essa negligência, de fato, reflete a incapacidade de investimento em estratégias de saúde visando encontrar soluções para situações parecidas antes vistas, como o surto de Ebola e a pandemia da covid-19. O corte nos orçamentos destinados a pesquisas acende o alerta para o risco da redução de recursos e investimentos e, como consequência, a possibilidade da ocorrência de novos surtos, ora em ascensão.25
Igualmente importante, cumpre enfatizar, é a maneira de comunicar e correlacionar a orientação sexual com o vírus MPX, na medida em que tal fato pode gerar estigmas, com potencial para protelar diagnósticos e afastar grupos, mais vulneráveis à infecção, do acesso ao cuidado em saúde.15
As ações de vigilância em saúde devem ser reforçadas, com a identificação de casos suspeitos e confirmados e a busca ativa dos contactantes, visando conter e controlar a infecção. Os dados e orientações descritos neste artigo, devidamente fundamentados, disponibilizam informações que, adicionadas à análise dos cenários epidemiológicos nacional e internacional, podem gerar evidências capazes de servir à elaboração de políticas públicas em saúde. Conclui-se que novos estudos se fazem necessários, para melhor se compreender o processo de desenvolvimento desse agravo no país.