Contribuições do estudo
Principais resultados
As metas para inatividade física e cobertura do Papanicolau foram alcançadas. Reduziu-se o uso do tabaco, mas abaixo da meta. As prevalências de hipertensão, diabetes, excesso de peso, obesidade e uso de álcool aumentaram e as metas não serão atingidas.
Introdução
As doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) são as principais causas de mortalidade global e representam uma ameaça para todas as nações.1 Elas trazem impacto financeiro para os indivíduos, famílias, comunidades e governos, em função das mortes prematuras, incapacidades, tratamento e internações.2
Anualmente as DCNTs são responsáveis por cerca de 70% dos óbitos no mundo (41 milhões), e desses, 15 milhões são prematuros (pessoas de 30 a 69 anos de idade).1 A carga das DCNTs é maior em países de baixa e média renda, representando aproximadamente 78% da mortalidade total.1 A mortalidade geral por essas doenças, no Brasil, em 2019, correspondeu a cerca de 74% do total de óbitos (975.400 óbitos)1 e 71% do total de anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (Disability Adjusted Life Years - DALYs).3 A mortalidade prematura, em 2017, foi de 41,3% (556.639).4
Estas doenças são multifatoriais, contudo, as principais causas incluem os fatores de risco (FRs) modificáveis, como o tabagismo, o consumo nocivo de bebidas alcoólicas, a inatividade física e a alimentação não saudável. Somam-se ainda os determinantes sociais que impactam no aumento e na gravidade das DCNTs e seus FRs.5,6
Diversas iniciativas nacionais e globais foram promovidas, visando reduzir o seu impacto. Em setembro de 2011, realizou-se a Reunião de Alto Nível da Organização das Nações Unidas (ONU) para discutir os compromissos globais sobre as DCNTs, que resultou em uma declaração política, na qual os países-membros comprometeram-se em deter o crescimento dessas doenças, com ações de prevenção dos seus principais FRs e garantia de atenção adequada à saúde.6 Cabe destacar que, nesta reunião, foi apresentado o Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das DCNTs do Brasil, 2011-2022.6 Em 2013, foi aprovado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) o Plano de Ação Global para Prevenção e Controle das DCNTs, contendo as metas de redução das doenças e seus FRs, bem como o monitoramento dessas metas até 2025.7 Em 2015, a ONU também incluiu, nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), estratégias e metas para redução das DCNTs e dos seus FRs, que serão monitorados até 2030.8 Nas Américas, o Plano Estratégico da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), 2014-2019, definiu as prioridades coletivas e especificou os resultados a serem alcançados durante o período de planejamento.9 No Quadro 1, estão descritas as metas para enfrentamento das DCNTs de acordo com os quatro planos supracitados.
Indicadores | Metas do Plano Nacional (2011-2022) | Metas do Plano de Ação Global da OMS (2013-2025) | Metas dos ODS (2015-2030) | Metas do Plano da Opas (2014-2019) |
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Mortalidade prematura por DCNTs | Reduzir a taxa de mortalidade prematura (30 a 69 anos) por DCNTs em 2% ao ano. | Reduzir em 25% a mortalidade prematura por doenças cardiovasculares, câncer, diabetes ou doenças respiratórias crônicas. | Reduzir em um terço a mortalidade prematura por DCNTs por meio de prevenção e tratamento, e promover a saúde mental e o bem-estar. | a |
Consumo de bebidas alcoólicas | Reduzir as prevalências de consumo nocivo de álcool em 10%. | Reduzir em pelo menos 10% o consumo nocivo de álcool, conforme apropriado, dentro do contexto nacional. | Reforçar a prevenção e o tratamento do abuso de substâncias, incluindo o abuso de drogas entorpecentes e o uso nocivo do álcool. | Reduzir em 5% o consumo prejudicial de álcool, conforme o caso, dentro do contexto nacional. |
Prática de atividade física | Aumentar a prevalência de atividade física no lazer em 10%. | Reduzir em 10% a prevalência da prática insuficiente de atividade física. | a | Reduzir em 5% a prevalência de atividade física insuficiente em adultos. |
Uso do tabaco | Reduzir a prevalência de tabagismo em adultos em 30%. | Reduzir em 30% a prevalência do consumo de tabaco atual em indivíduos com 15 anos ou mais. | Fortalecer a implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco da OMSc em todos os países, conforme apropriado. | Reduzir em 30% a prevalência do consumo de tabaco atual em indivíduos com 15 anos ou mais. |
Consumo de frutas e hortaliças | Aumentar em 10% o consumo de frutas e hortaliças. | a | a | a |
Ingestão de sal/sódio | Reduzir para 5g o consumo médio de sal/sódio. | Reduzir em 30% a ingestão média populacional. | a | Reduzir em 30% a ingestão média populacional. |
Pressão arterial | a | Reduzir em 25% a prevalência de pressão arterial elevada ou conter a prevalência, de acordo com as circunstâncias nacionais. | a | Aumentar para 35% a porcentagem de hipertensão controlada no nível da população (< 140/90 mmHg) entre pessoas com mais de 18 anos. |
Diabetes | a | Impedir o aumento de diabetes. | a | Conter o crescimento do diabetes. |
Obesidade | Deter o crescimento da obesidade em adultos. | Impedir o aumento da obesidade. | a | Conter o aumento da obesidade. |
Terapia medicamentosa para prevenir ataques cardíacos e derrames | a | Aumentar em 50% as pessoas elegíveis que devem receber terapia medicamentosa e aconselhamento (incluindo controle glicêmico) para prevenir ataques cardíacos e derrames. | a | a |
Tecnologias básicas e medicamentos essenciais | a | Aumentar em 80% a disponibilidade de tecnologias básicas e medicamentos essenciais, incluindo os genéricos, para tratar as maioria das DCNTs nas instituições públicas e privadas. | Apoiar a pesquisa e o desenvolvimento de vacinas e medicamentos para as doenças transmissíveis e não transmissíveis, que afetam principalmente os países em desenvolvimento, proporcionar o acesso a medicamentos e vacinas essenciais a preços acessíveis e proporcionar o acesso a medicamentos para todos. | a |
Mamografia | Aumentar a cobertura de mamografia em mulheres entre 50 e 69 para 70%. | a | a | a |
Exame preventivo de câncer de colo do útero | Ampliar a cobertura de exame preventivo de câncer de colo uterino em mulheres de 25 a 64 anos para 85%. | a | a | a |
a) Indicadores e metas não contidos nos planos.
O Brasil implementou um sistema de Vigilância de DCNTs, com implantação de diferentes inquéritos populacionais, como a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), que possibilitam conhecer a carga dessas doenças, de seus FRs e de proteção, para subsidiar o planejamento, as ações de controle, prevenção e tratamento e os processos avaliativos.10 Nesse sentido, torna-se essencial monitorar as metas pactuadas para enfrentamento das DCNTs e seus FRs, e assim, verificar seu alcance e progressos, bem como rever as estratégias quando necessário.
Este estudo objetivou monitorar o alcance das metas pactuadas nos planos de enfrentamento das DCNTs.
Métodos
Desenho do estudo
Este é um estudo transversal que utilizou os dados da PNS realizada nos anos de 2013 e 2019. A coleta dos dados desta pesquisa ocorreu de agosto de 2013 a fevereiro de 2014 e de agosto de 2019 a março de 2020, respectivamente.
Contexto
A PNS é um inquérito de saúde de base domiciliar, de abrangência nacional, conduzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em parceria com o Ministério da Saúde. A amostragem foi organizada por conglomerados, em três estágios de seleção: setores censitários (unidades primárias), domicílios (unidades secundárias) e moradores adultos com 18 anos ou mais (unidades terciárias). Contudo, em 2019, no terceiro estágio o morador selecionado poderia ter 15 anos ou mais de idade.11,12
Para o cálculo do tamanho da amostra, foram considerados os valores médios, as variâncias e os efeitos do plano amostral, admitindo-se um percentual de não resposta de 20%. Em 2013, a amostra foi calculada em cerca de 80 mil domicílios, e em 2019, em 108.525.11,12 Para comparar as duas edições da PNS, foi realizada pelo IBGE uma nova calibração dos fatores de expansão da PNS 2013, considerando a revisão da projeção da população das Unidades da Federação por sexo e idade, e a mesma projeção populacional foi utilizada na calibração dos pesos da PNS 2019.13
A base de dados e os questionários da PNS 2013 e 2019 estão disponíveis no site https://www.pns.icict.fiocruz.br/, acessado em 8 de dezembro de 2020.
Participantes
Para o presente estudo, utilizaram-se os dados referentes aos moradores selecionados, acima de 18 anos, das edições da PNS.
Variáveis
Foram utilizados os indicadores avaliados pela PNS 2013 e 2019 e as respectivas metas propostas no Plano de Ação Global para a Prevenção e Controle das DCNTs da OMS:7
Consumo de bebidas alcoólicas: proporção de adultos que apresentaram ingestão de cinco ou mais doses de bebida alcoólica para homens e quatro ou mais doses para mulheres, em uma única ocasião, nos últimos 30 dias. Para 2019, considerou-se como parâmetro cinco ou mais doses em uma única ocasião para ambos os sexos, devido às mudanças no questionário. Meta: reduzir a prevalência do consumo nocivo de álcool em pelo menos 10%;
Prática insuficiente de atividade física: proporção de adultos que não atingiram pelo menos 150 minutos semanais de atividade física, considerando-se o lazer, o trabalho e o deslocamento. Meta: reduzir a prevalência da prática insuficiente em 10%;
Uso do tabaco: proporção de usuários atuais de produtos derivados do tabaco. Meta: reduzir a prevalência do consumo de tabaco atual em 30%;
Ingestão de sal/sódio: consumo médio de sal da população brasileira, estimada pela excreção urinária de sódio. Foram analisados os dados da base do laboratório da PNS 2014/2015. Meta: reduzir o consumo médio de sal/sódio da população em 30%;
Hipertensão arterial: proporção de adultos com hipertensão. O indivíduo foi considerado hipertenso quando a pressão arterial estava ≥ 40mmHg/≥ 90mmHg. Para esse indicador foram usados dados medidos da PNS, disponíveis somente para o ano de 2013. Como medida alternativa, foi também avaliada a hipertensão autorreferida, calculada segundo respostas à questão: Algum médico já lhe disse que o(a) Sr.(a) tem hipertensão arterial (pressão alta)? (sim; não). Consideraram-se como hipertensos aqueles que responderam "sim". Meta: reduzir a prevalência de pressão arterial elevada ou conter a prevalência, de acordo com as circunstâncias nacionais, em 25%;
Diabetes: proporção de adultos diabéticos, sendo considerados aqueles com hemoglobina glicada ≥ 6,5% ou uso de medicamentos, utilizando-se a base de dados dos exames laboratoriais da PNS entre os anos de 2014 e 2015. Como medidas alternativas, foi também avaliado o diabetes autorreferido, segundo respostas à questão: Algum médico já lhe disse que o(a) Sr.(a) tem diabetes? (sim; não). Meta: deter o crescimento;
Excesso de peso e obesidade: proporção de adultos com excesso de peso e obesidade. Considerou-se o indivíduo com índice de massa corporal (IMC) ≥ 25 kg/m2 e ≥ 30 kg/m2, respectivamente, cujas altura e peso foram aferidos. Destaca-se que em 2019 as medidas antropométricas estão disponíveis apenas nacionalmente, não sendo possível avaliar por regiões. Meta: deter o crescimento;
Terapia medicamentosa e aconselhamento (incluindo controle glicêmico) para prevenir ataques cardíacos e derrames: garantir que 50% das pessoas elegíveis, com o risco cardiovascular (RCV) acima de 30%, recebam medicamentos e aconselhamento (incluindo o controle glicêmico), com o objetivo de prevenir ataques cardíacos e derrames. Esta meta encontra-se disponível apenas para 2013, em função de as medidas bioquímicas terem sido coletadas apenas nesta época. Meta: aumentar em 50% as pessoas elegíveis para receber terapia medicamentosa e aconselhamento;
Cobertura de exame preventivo de câncer de colo de útero (Papanicolau) entre mulheres com 30 e 49 anos: realização do exame de Papanicolau pelo menos uma vez na vida, ou conforme o protocolo do país. Meta: aumentar a cobertura para 70% até 2019 em mulheres de 30 a 49 anos.9
Análises estatísticas
Foram calculadas as prevalências e intervalos de confiança de 95% (IC95%) dos indicadores para 2013 e 2019 para a população total, segundo sexo (feminino e masculino), escolaridade (sem instrução e fundamental incompleto; fundamental completo e médio incompleto; médio completo e superior incompleto; superior completo) e região (Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste).
Para verificar se as metas foram atingidas, foram comparados os dados de 2013 e 2019, considerando-se como referência as prevalências dos indicadores no ano de 2013 por meio do cálculo razão de prevalência (RP). As RPs foram estimadas utilizando-se o modelo de regressão de Poisson com variância robusta. Para análise dos dados da PNS, em função da amostra complexa e com probabilidades distintas de seleção, foi necessário o uso de fatores de expansão ou pesos amostrais para os domicílios e moradores selecionados.11,12
Para análise dos dados, utilizou-se o software for Statistics and Data Science (Stata Corp LP, College Station, Texas, United States), versão 14.0, módulo survey.
Resultados
Em 2013, foram avaliados 60.202 indivíduos adultos participantes da PNS e 88.531 em 2019.
Indicadores/Metas | 2013 % (IC95%b) | 2019 % (IC95%b) | RPc (IC95%b) | Meta |
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Consumo abusivo de bebidas alcoólicas | 13,6 (13,1;14,2) | 17,1 (16,6;17,5) | 1,25 (1,19;1,31) | Reduzir em 10% (Não deverá ser atingida) |
Prática insuficiente de atividade física | 45,7 (44,9;46,5) | 40,3 (39,6;40,9) | 0,8 (0,86;0,90) | Reduzir em 10% (Atingida parcialmente) |
Uso do tabaco | 14,9 (14,4;15,4) | 12,8 (12,4;13,2) | 0,8 (0,82;0,90) | Reduzir em 30% (Atingida parcialmente) |
Ingestão de sal/sódioa | 9,3 (9,27; 9,41) | d | d | Reduzir em 30% (Não deverá ser atingida) |
Pressão arterial aferida | 22,8 (22,1;23,4) | d | d | Reduzir em 25% (Não deverá ser atingida) |
Pressão arterial autorreferida | 21,4 (20,8;22,0) | 23,9 (23,4;24,4) | 1,1 (1,08;1,16) | Reduzir em 25% (Não deverá ser atingida) |
Diabetes aferido pela hemoglobina glicada ≥ 6,5% ou uso de medicamentos | 8,4 (7,6;9,1) | d | d | Deter o crescimento (Não deverá ser atingida) |
Diabetes autorreferido | 6,2 (5,9;6,6) | 7,7 (7,4;8,0) | 1,2 (1,16;1,33) | Deter o crescimento (Não deverá ser atingida) |
Excesso de peso | 56,9 (56,1;57,9) | 60,3 (57,7;62,8) | 1,0 (1,01;1,11) | Deter o crescimento (Não deverá ser atingida) |
Obesidade | 20,8 (20,2;21,4) | 25,9 (22,5;29,6) | 1,2 (1,08;1,43) | Deter o crescimento (Não deverá ser atingida) |
Terapia medicamentosa para prevenir ataques cardíacos e derrames | 51,2 (49,7;59,9) | d | d | Ao menos 50% das pessoas recebendoe (Atingida) |
Cobertura de Papanicolau (30 a 49 anos) | f | f | f | Aumentar a cobertura para 70% (Atingida) |
a) Estimativa de excreção de sódio urinário coletado pela PNS 2013; b) IC95%: Intervalo de confiança de 95%; c) RP: Razões de prevalência; d) Dados não coletados em 2019; e) Como os indicadores não foram coletados pela PNS 2019, não foi possível realizar o monitoramento da meta; f) Informação não disponível.
As Tabelas 1 e 2 apresentam as prevalências dos indicadores em 2013 e 2019 para a população total e segundo sexo, respectivamente. Em relação ao consumo de bebidas alcoólicas, as prevalências para a população total foram 13,6% (IC95% 13,1;14,2), em 2013 e 17,1% (IC95% 16,6;17,5) em 2019, com aumento de 25% (RP = 1,25; IC95% 1,19;1,31). Logo, a meta de redução em 10% não foi alcançada.
Indicadores/Metas | Masculino | Feminino | ||||
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2013% (IC95% b) | 2019% (IC95% b) | RPc (IC95% b) | 2013% (IC95% b) | 2019% (IC95% b) | RPc (IC95%b) | |
Consumo abusivo de bebidas alcoólicas | 21,5 (20,6;22,4) | 26,0 (25,2;26,8) | 1,2 (1,14;1,27) | 6,6 (6,1;7,1) | 9,2 (8,7;9,7) | 1,3 (1,28;1,52) |
Prática insuficiente de atividade física | 39,3 (38,2;40,4) | 32,1 (31,2;32,9) | 0,8 (0,78;0,85) | 51,3 (50,3;52,4) | 47,5 (46,6;48,3) | 0,9 (0,90;0,95) |
Uso do tabaco | 19,1 (18,3;20,0) | 16,2 (15,6;16,9) | 0,8 (0,80;0,90) | 11,2 (10,6;11,7) | 9,8 (9,4;10,3) | 0,8 (0,82;0,94) |
Ingestão de sal/sódioa | 9,6 (9,52; 9,74) | d | d | 9,0 (8,99;9,17) | d | d |
Pressão arterial aferida | 25,8 (24,8;26,7) | d | d | 20,0 (19,3;20,8) | d | d |
Pressão arterial autorreferida | 18,1 (17,3;18,9) | 21,1 (20,4;21,8) | 1,1 (1,10;1,23) | 24,3 (23,5;25,2) | 26,4 (25,8;27,2) | 1,0 (1,04;1,13) |
Diabetes aferido pela hemoglobina glicada ≥ 6,5% ou uso de medicamentos | 6,9 (5,9;7,9) | d | d | 9,7 (8,6;10,7) | d | d |
Diabetes autorreferido | 5,3 (4,8;5,9) | 6,9 (6,5;7,4) | 1,3 (1,16;1,46) | 7,0 (6,6;7,5) | 8,4 (8,0;8,9) | 1,2 (1,10;1,30) |
Excesso de peso | 55,5 (54,4;56,6) | 57,5 (54,6;60,4) | 1,0 (0,98;1,09) | 58,2 (57,2;59,2) | 62,6 (58,6; 66,5) | 1,0 (1,01;1,15) |
Obesidade | 16,8 (15,9;17,7) | 21,8 (18,8;25,1) | 1,3 (1,11;1,51) | 24,4 (23,6;25,3) | 29,5 (24,9;34,6) | 1,2 (1,02;1,43) |
Terapia medicamentosa para prevenir ataques cardíacos e derrames | 54,8 (43,4;59,0) | d | d | 58,1 (51,4;64,6) | d | e |
Cobertura de Papanicolau (30 a 49 anos) | e | e | e | 79,4 (78,3;80,3) | e | e |
a) Estimativa de excreção de sódio urinário coletado pela PNS 2013; b) RP: Razões de prevalência; c) IC95%: Intervalo de confiança de 95%; d) Dados não coletados na PNS 2019; e) Informação não disponível.
A prática insuficiente de atividade física reduziu-se 12% (RP = 0,88; IC95% 0,86;0,90), passando de 45,7% (IC95% 44,9;46,5), em 2013, para 40,3% (IC95% 39,6;40,9) em 2019, portanto, a meta de redução em 10% foi alcançada para a população total. Contudo, ao se considerar por sexo, indivíduos do sexo masculino reduziram em 10% a prática insuficiente de atividade física.
O consumo do tabaco foi de 14,9% (IC95% 14,4;15,4), em 2013 e 12,8% (IC95% 12,4;13,2) em 2019, sendo a redução de 14% (RP = 0,86; IC95% 0,82;0,90); por isso, a meta de reduzir 30% não foi atingida.
A média de ingestão de sal, que foi de 9,3g/dia (IC95% 9,27;9,41) em 2013 não foi medida em 2019, o que impossibilitou o monitoramento da meta de reduzir em 30% o consumo de sal até 2025. Além disso, a prevalência de hipertensão arterial aferida foi de 22,8% (IC95% 22,1;23,4) em 2013 e, assim como ocorreu com o consumo de sal, não houve aferição em 2019. Neste caso, tem-se apenas as prevalências autorreferidas em 2013 e 2019, que foram de 21,4% (IC95% 20,8;22,0) e 23,9% (IC95% 23,5;24,4), respectivamente, representando um aumento de 12% (RP = 1,12; IC95% 1,08;1,16). Pelo método autorreferido, a meta de reduzir em 25% a prevalência de hipertensão arterial não seria alcançada. Da mesma forma, a prevalência de diabetes, em 2013, aferida pela hemoglobina glicada e o uso de medicamentos, apontou uma prevalência de 8,4% (IC95% 7,6;9,1), no entanto, não foi aferida da mesma maneira em 2019. Ao avaliar a prevalência autorreferida, houve aumento de 24% (RP = 1,24; IC95% 1,16;1,33), passando de 6,2% (IC95% 5,9;6,8), em 2013, para 7,7% (IC95% 7,4;8,0) em 2019. Dessa forma, a meta de deter o crescimento do diabetes não foi atingida.
O excesso de peso e obesidade aumentaram 6% (56,9%, em 2013, e 60,3% em 2019; RP = 1,06; IC95% 1,01;1,11) e 24% (20,8%, em 2013, e 25,9% em 2019; RP = 1,24; IC95% 1,08;1,43), respectivamente, e, portanto, não foi possível atingir a meta desses indicadores. Já a meta de aumentar em 50% as pessoas elegíveis para receber terapia medicamentosa e aconselhamento foi alcançada em 2013, visto que a prevalência era 51,2%. A meta de atingir 70% de cobertura de Papanicolau em mulheres de 30 a 49 anos, uma vez ou mais na vida, também foi alcançada em 2013, apresentando uma cobertura de 79,4% (IC95% 78,3;80,3).
A Figura 1 apresenta as prevalências dos indicadores em 2013 e 2019, segundo escolaridade. As metas de redução do consumo abusivo de álcool, do tabagismo, da pressão arterial, do diabetes, do excesso de peso e da obesidade não foram atingidas em nenhum estrato. Ademais, a meta de reduzir a inatividade física não foi alcançada na população sem instrução/com ensino fundamental incompleto e fundamental completo/médio incompleto.
Ao analisarem as metas segundo as regiões brasileiras, verifica-se que, para o consumo abusivo de álcool, pressão arterial, diabetes e tabagismo, estas não foram atendidas em nenhuma região. Reduzir a inatividade física em 10% não foi possível nas regiões Norte e Nordeste (Figura 2). Por fim, quanto à redução do excesso de peso e obesidade, tais metas não foram medidas considerando-se as regiões, mas apenas para o Brasil em sua totalidade.
Discussão
Ocorreram progressos e possíveis alcances das metas propostas nos planos de enfrentamento das DCNTs, quais sejam, a redução da inatividade física e o aumento da cobertura do exame Papanicolau. Em contrapartida, não foi atingida a meta de redução no consumo nocivo de álcool, cuja prevalência, inclusive, aumentou. Apesar da redução das prevalências do uso do tabaco, a meta ainda não foi alcançada. Ademais, em razão dos dados verificados, a meta de deter o crescimento da pressão arterial, diabetes, excesso de peso e obesidade poderá não ser alcançada até 2025.
Alguns indicadores foram medidos apenas em 2013 (ingestão de sal/sódio, pressão arterial aferida, diabetes aferido por exame laboratoriais, terapia medicamentosa e cobertura de Papanicolau), o que impossibilitou a comparação dos resultados. O consumo de sódio na primeira edição do inquérito mostrou-se elevado, por isso, a sua redução dificilmente deverá ser atingida. Ao se estratificar por sexo, escolaridade e região observaram-se desigualdades, tornando-se um desafio avançar de forma homogênea e prover melhoria em todos os segmentos populacionais.
O uso de álcool aumentou em ambos os sexos, em todos os níveis de escolaridade e em todas as regiões brasileiras. Para tentar reverter esse cenário, algumas medidas legislativas foram estabelecidas no Brasil, tais como a proibição do consumo de bebida alcoólica pelo condutor de veículos automotivos, instituída por meio da “Lei Seca”, em 2008, e a “Nova Lei Seca”, em 2012, que aumentou o valor da multa.14 Estas medidas resultaram na redução da prática de beber e dirigir.14 Entretanto, ainda há que se avançar no marco regulatório do álcool no país, especialmente na proibição da propaganda de cervejas, que não são incluídas na restrição do marketing por terem teor alcoólico abaixo de 13 graus Gay-Lussac.14
No presente estudo, apesar de se observar uma redução nos índices da prática insuficiente de atividade física, sua prevalência ainda continua elevada, constituindo-se em um dos principais fatores de risco modificável para as DCNTs, e que afeta negativamente a saúde mental e a qualidade de vida das pessoas.1,15 Nesse sentido, a Política Nacional de Promoção da Saúde e o Plano Nacional para enfretamento das DCNTs considerou o incentivo à atividade física como ação prioritária e, em 2011, foi criado o Programa Academia da Saúde,16 que possibilitou aumentar a prática de atividade física e, consequentemente, a qualidade de vida e de saúde da população brasileira.17
O enfrentamento do tabagismo tem sido considerado como uma ação exitosa e o Brasil se tornou uma referência global. Estes avanços têm sido atribuídos às medidas regulatórias adotadas nos últimos anos, como a proibição de fumar em ambientes fechados, da propaganda e de patrocínios, o aumento dos preços dos cigarros, as imagens de advertências nas embalagens, entre outras.18 O Brasil apresentou prevalência de tabagismo em 1989 muito elevada (34,8%);19 em contrapartida, a tendência foi de declínio nos anos posteriores.20 Nesse sentido, este estudo apontou uma prevalência de 12,8% em 2019. Entretanto, para que se possa atingir a meta da OMS de redução de 30%, as medidas regulatórias restritivas precisam ser aceleradas.
A meta de redução do sal em 30%, embora não tenha sido aferida em 2019, não deverá ser atingida. Destacam-se importantes iniciativas, como o lançamento do Guia Alimentar para a População Brasileira, em 2014,21 e os acordos para redução do sódio em alimentos processados.22 Entretanto, se novas medidas regulatórias não forem efetivamente implantadas, o mais provável é que não se alcance a meta. Neste contexto, destacam-se ainda o aumento da obesidade e novamente a urgência de avançar em políticas regulatórias, como a taxação de alimentos ultraprocessados e a regulação da propaganda de alimentos infantis, além de subsídios para a produção de produtos saudáveis.23
O indicador referente à terapia medicamentosa para prevenir ataques cardíacos e derrames, embora não tenha sido medido em 2019, já havia sido alcançado em 2013. Diversas iniciativas implementadas entre os anos de 2011 e 2015 podem explicar o alcance desta meta:6 a redefinição da Rede de Atenção às Pessoas com DCNTs; o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade; a Atenção ao Infarto Agudo do Miocárdio; a Atenção ao Acidente Vascular Cerebral; o Programa Farmácia Popular; e o Programa Melhor em Casa.24 Essas ações fortaleceram a capacidade de resposta do Sistema Único de Saúde (SUS) e ampliaram as ações com vistas à prevenção e controle destas DCNTs.
Estratégias para rastreamento e detecção precoce do câncer entre as mulheres são benéficas e a incidência, mortalidade e morbidade do câncer cervical podem ser reduzidas por meio de programas de rastreamento, ações de promoção da saúde, prevenção, diagnóstico e tratamento.25,26 O SUS garante o acesso universal e gratuito aos exames de citologia cervical e de Papanicolau. Assim, o presente estudo apontou que esta meta também já havia sido atendida em 2013.
As desigualdades sociais nos FRs das DCNTs podem ser resultantes da falta de oportunidade no acesso às práticas de promoção, prevenção e educação, e aos serviços de saúde.27 As populações com menor renda e menor escolaridade, que vivem em países e regiões mais pobres, concentram mais DCNTs e seus FRs.28 As metas dos ODS apontam a importância de políticas intersetoriais de redução da pobreza, das diferenças de gênero, raça/cor da pele, visando ao avanço simultâneo entre os países. Um importante marco dos ODS foi “não deixar ninguém para trás”.8 Nesse contexto, o estudo mostra desigualdades e, em geral, todos os indicadores foram piores na população com baixa escolaridade e em regiões com pior desenvolvimento socioeconômico. Por isso, é importante o Brasil avançar de forma conjunta, reduzindo as desigualdades entre todas as suas regiões, bem como no que concerne às diferentes entre gênero, raça/cor da pele e escolaridade.
É importante destacar que as diversas ações supracitadas podem estar descontinuadas frente à crise econômica e política do Brasil. Nos últimos anos, políticas de austeridade foram implementadas, como a aprovação da Emenda Constitucional nº 95 de 2016, que congelou os recursos das políticas sociais e de saúde por 20 anos, e houve a redução do produto interno bruto e dos recursos de saúde repassados aos municípios, o que afetou a oferta de serviços de saúde.25,26 Estes fatores desarticularam as políticas de proteção social, contribuíram com o aumento da pobreza, da extrema pobreza e da mortalidade infantil, além de piorarem os indicadores de saúde.25,26 As políticas de austeridade afetam os mais pobres e, consequentemente, ampliam as desigualdades.26 Ademais, não houve avanço das medidas regulatórias, que foram abandonadas no Brasil após 2016. Ressalta-se que os preços do tabaco não aumentaram nos últimos anos e as ações de fiscalização não têm sido priorizadas. Os países que investiram em medidas regulatórias tiveram avanços significativos, como o México, que taxou alimentos ultraprocessados e, com isso, obteve uma redução de 10% no consumo de refrigerantes.29
Entre as limitações do estudo, alguns indicadores, como a medida da pressão arterial e medidas bioquímicas, não foram coletados em 2019, impossibilitando a avaliação desses indicadores em 2019, razão pela qual foram usados os dados autorreferidos. As medidas antropométricas (peso e altura), para a edição de 2019, foram realizadas em uma subamostra, permitindo avaliar o excesso de peso e a obesidade somente para o Brasil como um todo. Os dados coletados de forma autorreferida podem resultar em sub ou superestimação das prevalências reais e gerar estimativas menos precisas. No entanto, um estudo realizado com dados da coorte na cidade de Bambuí/MG, com objetivo de determinar a validade do diabetes autorreferido e seus determinantes entre idosos, mostrou que os resultados autorreferidos possuem boa fidedignidade.30
Houve avanços e melhorias na redução do tabagismo e da inatividade física, bem como na cobertura de medicamentos e do exame Papanicolau. No entanto, algumas metas não serão atingidas até 2025. Apesar de as DCNTs ganharem prioridade nas agendas globais e nacionais, ainda permanecem desafios para o desenvolvimento de políticas efetivas para seu controle e prevenção, além de ser necessário avançar em medidas regulatórias e legais. Na abordagem integral das DCNTs, são essenciais as articulações intersetoriais e a redução das desigualdades socioeconômicas e de saúde.