Contribuições do estudo
Principais resultados
A prevalência da hipertensão arterial (HA) autorreferida foi de 23,9%, mais prevalente entre o sexo feminino e idosos. A maioria recebeu orientações sobre autocuidado; 66,1% foram atendidos em serviço público de saúde e 45,8% em unidade básica de saúde (UBS).
Introdução
A hipertensão arterial (HA) é definida a partir de medidas persistentemente elevadas da pressão arterial (PA), com PA sistólica (PAS) maior ou igual a 140 mmHg e/ou PA diastólica (PAD) maior ou igual a 90 mmHg.1 Sabe-se que a HA se caracteriza como uma condição multifatorial, decorrente de fatores genéticos/epigenéticos, ambientais, sociais, culturais e associados aos estilos de vida.1
Estima-se que, no mundo, a HA seja responsável por 10,4 milhões de mortes anuais e por 218 milhões de anos de vidas perdidos ajustados por incapacidade (Disability Adjusted Life Years - DALYs),2 além de ser a causa atribuível de aproximadamente 40% das mortes em portadores de diabetes mellitus, 14% da mortalidade materno-fetal na gravidez e 14,7% do total de DALYs para a doença renal crônica.2,3 No Brasil, estudos anteriores4,5 têm mostrado uma tendência de aumento na prevalência da HA entre a população adulta, sendo que a pesquisa da Vigilância de Fatores de Risco e Proteção Para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) encontrou que, em 2018, 24,7% dos entrevistados autorreferiram tal diagnóstico.6
A HA constitui um dos principais fatores de risco modificáveis para doenças cardiovasculares, doença renal crônica, intolerância à glicose, diabetes mellitus, dislipidemia e obesidade abdominal,1,7,8 além de gerar grande impacto nos custos médicos e socioeconômicos derivados das complicações nos órgãos-alvo.1,9 Em 2018, por exemplo, os custos diretos do Sistema Único de Saúde (SUS) com HA foram estimados em mais de R$ 2 bilhões.9
A prevenção da HA é custo-efetiva e evidências demonstram a relevância das medidas de prevenção primária e secundária, com ações de prevenção, detecção precoce e controle da HA nos programas de Atenção Primária à Saúde (APS).10 A APS tem papel primordial na promoção da saúde, democratizando o acesso universal aos serviços de saúde e agindo diretamente na melhoria dos indicadores de saúde e redução dos anos potenciais de vida perdidos.11 Ações de educação em saúde e promoção da saúde, por sua vez, auxiliam o indivíduo na melhoria da compreensão sobre suas necessidades e aspirações e, assim, permitem que ele assuma maior controle sobre seu bem-estar.12 Consequentemente, o cuidado aos indivíduos com HA mostra-se crucial para aumentar a qualidade de vida e mitigar os impactos sociais e econômicos desse agravo para as famílias, os governos e os sistemas de saúde.
Com base no exposto, este estudo objetivou descrever a prevalência de HA segundo características sociodemográficas no Brasil e analisar os indicadores relacionados ao acesso aos serviços de saúde e orientações para o controle do agravo no país.
Métodos
Trata-se de estudo transversal descritivo, que analisou os dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) realizada em 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em parceria com o Ministério da Saúde.
Para se calcular o tamanho da amostra da PNS, foram considerados os valores médios, as variâncias e os efeitos do plano amostral, e se supôs uma taxa de não resposta de 20%. A metodologia de amostragem está mais bem detalhada em publicação específica.13 A amostragem da PNS constituiu-se em um plano por conglomerados em três estágios de seleção: setores censitários ou conjunto de setores (unidades primárias), domicílios (unidades secundárias) e moradores adultos (unidades terciárias). Em 2019, no terceiro estágio de seleção, realizou-se sorteio aleatório de um morador com idade ≥ 15 anos, tomando como base lista obtida previamente.13 Para as análises do presente estudo, consideraram-se apenas os moradores com idade ≥ 18 anos selecionados para entrevista.
Relativamente às variáveis, utilizaram-se as perguntas do módulo Q de doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) referentes ao tema HA. A variável desfecho foi a HA autorreferida, definida por meio de resposta positiva para a pergunta: Algum médico já lhe deu o diagnóstico de hipertensão arterial (pressão alta)? (sim; não).
As características sociodemográficas analisadas foram: sexo (masculino; feminino), idade (por faixa etária: 18-24; 25-39; 40-59; ≥ 60 anos), escolaridade (sem instrução/fundamental incompleto; fundamental completo/médio incompleto; médio completo/superior incompleto; superior completo) e raça/cor da pele autorreferida (branca; preta; parda). Apesar de os indivíduos de raça/cor da pele amarela e indígena estarem contidas no total, não se realizou a análise de seus dados discriminadamente, conforme recomendação do IBGE, uma vez que há pequeno número de observações e elevado coeficiente de variação.
Posteriormente, entre os que autorreferiram diagnóstico de HA, analisaram-se as proporções das variáveis derivadas das perguntas, conforme descrito a seguir:
Atendimento para HA: O(a) Sr.(a) vai ao médico/serviço de saúde regularmente para acompanhamento da hipertensão arterial (pressão alta)? (sim; não; nunca); Último atendimento? (menos de 6 meses; de 6 meses a menos de 1 ano; de 1 ano a menos de 2 anos; de 2 anos a menos de 3 anos; 3 anos ou mais; nunca); Local do último atendimento? (unidade básica de saúde; consultório particular; unidade de pronto atendimento; ambulatório de hospital público; policlínica pública; pronto atendimento privado; domicílio; farmácia; outro serviço); Esse atendimento foi feito pelo SUS? (sim; não; não sabe).
Pagamento: O(a) Sr.(a) pagou algum valor por este atendimento? (sim; não).
Tratamento medicamentoso: Algum médico já lhe receitou algum medicamento para hipertensão arterial? (sim; não); Nas duas últimas semanas, o(a) Sr.(a)tomou os medicamentos para controlar a hipertensão arterial (pressão alta)? (sim, todos; sim, alguns; não, nenhum).
Recomendações para HA: Em algum desses atendimentos para hipertensão, algum médico ou outro profissional de saúde lhe deu alguma dessas recomendações? (sim; não, sendo as recomendações: manter uma alimentação saudável, manter peso adequado, ingerir menos sal, praticar atividade física regular, não fumar, não beber em excesso, fazer acompanhamento regular com profissional de saúde e indicação de práticas integrativas).
Solicitação de exames: Em algum desses atendimentos para hipertensão arterial foi pedido algum exame? (sim; não, sendo os possíveis exames: de sangue, de urina, eletrocardiograma ou teste de esforço).
Encaminhamento para especialista: Em algum dos atendimentos para hipertensão arterial, houve encaminhamento para alguma consulta com médico especialista, tais como cardiologista ou nefrologista? (sim; não).
O questionário original da PNS se encontra disponível em sítio eletrônico (https://www.pns.icict.fiocruz.br/questionarios/) e contém mais detalhes das categorias das variáveis. A coleta de dados ocorreu entre agosto de 2019 e março de 2020. Para o presente estudo, extraiu-se a base divulgada pelo IBGE através do endereço eletrônico https://bit.ly/3Kp5Q8c, sendo os dados analisados em novembro de 2020.
Para a análise estatística, as variáveis foram transformadas em variáveis dicotômicas, sendo a resposta “sim” igual a 1, e as outras iguais a “0”. Realizou-se o cálculo das prevalências e razão de prevalência ajustada por idade, com seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). Posteriormente, aplicou-se o teste qui-quadrado de Pearson para se compararem as prevalências de HA total e por sexo, segundo características sociodemográficas, ao nível de significância de 5%. Para as variáveis relacionadas ao acesso aos serviços e cuidados, realizou-se o cálculo de porcentagem entre os entrevistados que autorrelataram diagnóstico de HA para cada categoria, com seus respectivos IC95%.
Devido ao desenho amostral complexo e às probabilidades desiguais de seleção, a análise da PNS necessita de pesos amostrais para os domicílios e para os moradores selecionados.13 O peso final utilizado é o produto do inverso das expressões de chance de seleção de cada estágio da amostra e compreende a correção de não respostas e ajustes dos totais populacionais.13 Utilizou-se o software Statistics and Data Science (StataCorp LP, CollegeStation, Texas, United States) versão 14.0 para análise dos dados, por meio do módulo survey, que considera efeitos do plano amostral.
O consentimento de todos os participantes foi obtido diretamente no dispositivo, no momento da entrevista. O projeto da PNS foi encaminhado à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa/Conselho Nacional de Saúde e aprovado sob o parecer nº 3.529.376, emitido em 23 de agosto de 2019. O presente estudo utilizou dados secundários, não identificados e de domínio público da PNS, e por isso não houve necessidade de nova apreciação pelo Comitê de Ética em Pesquisa.
Resultados
A amostra prevista para a PNS 2019 foi de 108.525 domicílios e os dados foram coletados em 94.114 (proporção de resposta de 86,7%). Neste estudo, foram analisados os dados de 88.531 indivíduos. A Figura 1 apresenta o fluxograma das questões referentes ao diagnóstico autorreferido de HA, mostrando o número de entrevistados e os fluxos seguidos no questionário.
Entre os adultos que referiram hipertensão, apenas 59,5% relataram ir ao médico/serviço de saúde regularmente para acompanhamento da HA, 30,5% referiram não ir ao médico e 10,0% nunca buscarem serviços regularmente para o controle da HA. Ainda, 95,3% afirmaram que receberam prescrição de algum medicamento para HA e, entre estes, 91,1% disseram haver tomado todos os medicamentos nas últimas duas semanas (Figura 1).
A prevalência da HA autorreferida, segundo diagnóstico médico prévio, foi de 23,9% (IC95% 23,5;24,4), sendo mais elevada entre o sexo feminino (26,4%; IC95% 25,8;27,1). Pessoas com 60 anos ou mais (55,0%; IC95% 53,9;56,1) tiveram prevalência 22 vezes maior de HA, em comparação com aquelas na faixa etária entre 18 e 24 anos (2,3%; IC95% 1,7;2,9). Já a população com ensino superior (18,2%; IC95% 17,1;19,3) apresentou prevalência 30% menor, comparada com as de mais baixa escolaridade (36,6%; IC95% 35,7;37,4). Em relação à raça/cor da pele autorreferida, as pessoas pretas (25,8%; IC95% 24,4;27,2) e brancas (24,4%; IC95% 23,6;25,2) apresentaram maior prevalência, quando comparadas com as pardas (22,9%; IC95% 22,2;23,6). Na análise por sexo, a prevalência se manteve maior entre pessoas do sexo feminino com idade ≥ 60 anos, com menor escolaridade e em toda raça/cor autorreferida (Tabela 1).
Variáveis | Total | Feminino | Masculino | |||
---|---|---|---|---|---|---|
Prevalência (IC95%)a | RPb | Prevalência (IC95%)a | RPb | Prevalência (IC95%)a | RPb | |
Total | 23,9 (23,5;24,4) | 26,4 (25,7;27,2) | 21,1 (20,4;21,8) | |||
Faixa etária (anos) | ||||||
18-24 | 2,3 (1,7;2,9) | 1,0 | 2,1 (1,5;2,8) | 1,0 | 2,5 (1,6;3,4) | 1,0 |
25-39 | 7,3 (6,7;7,8) | 3,2 | 7,2 (6,3;8,0) | 3,5 | 7,4 (6,6;8,1) | 3,0 |
40-59 | 27,2 (26,3;28,1) | 11,5 | 29,5 (28,2;30,7) | 13,3 | 24,6 (23,3;25,9) | 9,9 |
≥ 60 | 55,0 (53,9;56,1) | 22,1 | 59,4 (57,9;60,8) | 24,7 | 49,3 (47,6;50,9) | 19,7 |
Escolaridade | ||||||
Sem instrução/fundamental incompleto | 36,6 (35,7;37,5) | 1,0 | 43,3 (42,0;44,6) | 1,0 | 29,2 (28,0;30,3) | 1,0 |
Fundamental completo/médio incompleto | 20,4 (19,1;21,6) | 1,0 | 24,7 (22,8;26,6) | 0,9 | 16,2 (14,6;17,8) | 1,0 |
Médio completo/superior incompleto | 15,4 (14,7;16,2) | 0,8 | 15,7 (14,7;16,7) | 0,8 | 15,1 (14,0;16,2) | 1,0 |
Superior completo | 18,2 (17,1;19,3) | 0,7 | 16,3 (15,0;17,7) | 0,6 | 20,7 (18,8;22,6) | 1,0 |
Raça/cor da pele autorreferida | ||||||
Branca | 24,4 (23,6;25,2) | 1,0 | 26,0 (24,9;27,1) | 1,0 | 22,5 (21,4;23,5) | 1,0 |
Preta | 25,8 (24,4;27,2) | 1,2 | 30,2 (28,2;32,2) | 1,2 | 20,9 (19,1;22,7) | 1,1 |
Parda | 22,9 (22,2;23,6) | 1,1 | 25,7 (24,8;26,7) | 1,1 | 19,7 (18,8;20,6) | 1,0 |
a) IC95%: Intervalo de confiança de 95%; b) RP: Razão de prevalência.
Em relação ao atendimento médico por causa da HA, 72,2% referiram ter recebido atenção médica nos últimos 12 meses, e destes, 57,8% em menos de 6 meses. O atendimento médico para HA ocorreu principalmente em serviços públicos de saúde, totalizando 66,1% dos atendimentos, sendo 45,8% feitos em unidade básica de saúde (UBS). A maioria dos participantes relatou ter recebido orientações sobre autocuidado para a HA, como: manter uma alimentação saudável (87,2%), manter o peso adequado (84,3%), ingerir menos sal (87,7%), praticar atividade física (AF) regular (81,7%), não fumar (67,2%) e não beber em excesso (66,5%), além de fazer acompanhamento regular com profissional de saúde (85,2%). Entre os procedimentos solicitados, observou-se que o exame de sangue foi pedido em 79,9% dos casos; de urina em 69,9%; eletrocardiograma, em 64,5% dos casos; e teste de esforço, em 33,6%. Foram encaminhados para consulta com especialistas 25,0% dos indivíduos com HA (Tabela 2).
Variáveis | % | IC95%a |
---|---|---|
Último atendimento | ||
Menos de 6 meses | 57,8 | 56,6;59,0 |
6 meses a menos de 1 ano | 14,4 | 13,6;15,2 |
1 ano a menos de 2 anos | 9,4 | 8,8;10,1 |
2 anos a menos de 3 anos | 2,7 | 2,3;3,2 |
3 anos ou mais | 13,7 | 12,9;14,5 |
Nunca | 1,9 | 1,6;2,3 |
Local do último atendimento | ||
Unidade básica de saúde | 45,8 | 44,4;47,2 |
Consultório particular | 28,8 | 27,5;30,1 |
Unidade de pronto atendimento | 9,6 | 8,9;10,5 |
Ambulatório de hospital público | 7,1 | 6,5;7,8 |
Policlínica pública | 3,6 | 3,1;4,2 |
Pronto atendimento privado | 1,7 | 1,4;2,0 |
Domicílio | 1,4 | 1,2;1,6 |
Farmácia | 0,9 | 0,7;1,2 |
Outro serviço | 1,0 | 0,7;1,4 |
Orientações | ||
Práticas integrativas | 7,4 | 6,8;8,1 |
Não beber em excesso | 66,5 | 65,1;67,8 |
Não fumar | 67,2 | 65,8;68,6 |
Praticar atividade física regular | 81,7 | 80,7;82,7 |
Manter peso adequado | 84,4 | 83,4;85,4 |
Acompanhamento regular | 85,2 | 84,2;86,2 |
Alimentação saudável | 87,2 | 86,3;88,2 |
Ingerir menos sal | 87,8 | 86,7;88,8 |
Exames e encaminhamentos | ||
Exame de sangue | 79,9 | 78,8;80,9 |
Exame de urina | 69,9 | 68,5;71,2 |
Eletrocardiograma | 64,5 | 63,2;65,8 |
Teste de esforço | 33,6 | 32,2;34,9 |
Encaminhamento a especialista | 25,0 | 23,7;26,2 |
a) IC95%: Intervalo de confiança de 95%.
Por último, 65,6% dos entrevistados que autorreferiram HA relataram atendimento pelo SUS e somente 14,8% referiram pagamento para atendimento referente à HA (Figura 2).
Discussão
O estudo identificou que a HA autorreferida foi declarada por cerca de 1/4 da população e teve maior prevalência entre o sexo feminino, pessoas com idade mais elevada e a população com baixa escolaridade. Quanto ao cuidado prestado, verificou-se que 3/4 dos atendimentos totais foram realizados pelo SUS e houve ampla orientação sobre promoção da saúde, o que sugere que as Diretrizes Brasileiras de Hipertensão 2020 estão sendo aplicadas na APS de forma sistemática.
A PNS consiste no inquérito em saúde mais amplo e importante realizado no país, acontece a cada cinco anos13 e permite não apenas monitorar os fatores de risco e proteção para DCNT, entre eles HA autorreferida, como também avaliar o acesso da população aos serviços de saúde e a qualidade da assistência prestada.
Foram observadas prevalências mais elevadas de HA entre indivíduos do sexo feminino, o que pode ser explicado pelo fato de a HA ter sido estimada com dados autorreferidos. Dados aferidos de PA da PNS 2013 mostraram prevalências mais elevadas entre o sexo masculino, quando comparados com o sexo feminino (25,8% e 20,0%, respectivamente).4 As mulheres buscam mais os serviços de saúde e, portanto, têm maior oportunidade de diagnóstico, além de maior consistência em relatos de autocuidado.14
O aumento da prevalência de HA com a progressão da idade, coerente com a literatura, leva a um aumento expressivo dos gastos pelo sistema de saúde, resultante do aumento da demanda. Há evidências de que a HA se associa com o envelhecimento, em função da menor complacência e da progressão de enrijecimento das grandes artérias.1,15
A HA foi mais elevada em pessoas com baixa escolaridade, o que pode ser explicado pela maior exposição aos fatores de risco e às condições socioeconômicas adversas, tais como falta de acesso aos serviços de saúde e menor alcance quanto às orientações sobre estilos de vida saudáveis, bem como menores oportunidades para acesso a alimentação saudável, AF e cuidados em saúde.16
Este estudo encontrou prevalências mais baixas entre pardos e mais elevadas entre pretos e brancos. Existem divergências na literatura sobre se prevalências mais elevadas de HA na raça/cor da pele autorreferida preta seriam por predisposição genética, além dos determinantes como as condições socioeconômicas, o estresse devido à exposição ao racismo ou os estilos de vida.15 Como o presente estudo é descritivo e transversal, as diferenças encontradas precisam ser exploradas em futuras análises.
No contexto da APS, o cuidado aos indivíduos com HA deve ser centrado na pessoa e enfatizar a promoção da saúde, aumentando-se o acesso às informações sobre saúde, de modo horizontal e compreensível, buscando-se auxiliar na decisão do autocuidado, por meio de consultas, visitas domiciliares e atividades educativas em grupo.17,18 Têm-se, ainda, evidências de que a PA é mais bem controlada se abordada por equipe multiprofissional e, especialmente, na edição mais recente das Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial,1 foram estabelecidas a relevância e a abrangência da atuação da equipe no contexto da APS.
O cuidado integral e multiprofissional é essencial para a redução da morbimortalidade e, sobretudo, para a promoção da saúde direcionada aos adultos com HA. Dentro da equipe multiprofissional, o médico é responsável pelo diagnóstico e pela estratificação de risco, além de semestralmente avaliar o regime terapêutico, seja farmacológico ou não. O profissional da enfermagem deve incentivar o autocuidado, promover ações educativas e ajudar o usuário na compreensão e criação de rotinas e hábitos que promovam a adesão às condutas prescritas. O profissional de educação física tem o compromisso de promover hábitos saudáveis, com redução do sedentarismo e estímulos para que a comunidade se torne fisicamente ativa e, com isso, mantenha melhor qualidade de vida. Ademais, o nutricionista deve orientar maior consumo de vegetais e frutas, em detrimento do consumo de sódio, tendo como objetivo a manutenção de peso dentro da faixa de normalidade.1
No presente estudo, verificou-se que os protocolos de prevenção e tratamento têm sido seguidos, em sua maioria, pelos profissionais de saúde. As orientações de controle de peso foram dadas em quase 90% dos casos. Almeja-se, por meio desta orientação, promover o alcance do peso ideal. Já foi demonstrada a importância da adiposidade corporal, especialmente a visceral, enquanto fator de risco para a elevação da PA, assim como o fato de que ela pode estar diretamente conectada com até 75% dos casos de HA.19
Aponta-se que as orientações sobre alimentação saudável foram altamente disseminadas, bem como as orientações para redução da ingestão de sódio. A dieta ideal deve conter ingestão diária menor que 2 g de sódio ou 5 g de sal.20 Uma metanálise realizada na China, em 2019, demonstrou que estudos de intervenção que substituem o cloreto de sódio por cloreto de potássio alcançam redução significativa tanto da PAS (-5,7 mmHg; IC95% -8,5;-2,8) quanto da PAD (-2,0 mmHg; IC95% -3,5;-0,4).21 Há evidências de que uma dieta rica em frutas, vegetais, grãos e baixo teor de gordura pode resultar em redução de 2/3 mmHg na medida da PA, bem como a redução de gordura saturada e trans pode reduzir a PA em 3 mmHg, enquanto o aumento da ingestão de potássio na dieta em 3,5 a 5,0 g/dia pode resultar na redução de 2 mmHg na PA.1 Estudos sugerem, ainda, que a adesão à dieta com maior teor de frutas, verduras e hortaliças associa-se a menor risco de acidente vascular encefálico,22 mortalidade cardiovascular e doença renal crônica.23
As orientações sobre AF foram realizadas para mais de 80% dos adultos com HA. A diminuição do tempo sedentário reduz o risco de mortalidade por todas as causas24 e, associada à prática regular de AF (150 min/semana), com o estímulo à AF aeróbia, diminui a incidência de HÁ25 e pode reduzir a PA em 5/7 mmHg.1
As orientações sobre redução do álcool e tabaco foram menos prescritas, em torno de 60%. Reduzir o consumo de bebidas alcoólicas associa-se à queda de cerca de 5,5 mmHg (IC95% 6,70;4,30) na PAS e 3,97 (IC95% 4,70;3,25) na PAD.1,26 O uso de tabaco eleva a PA em cerca de 5 a 10 mmHg.27 Pelo aumento do risco cardiovascular, as Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial 2020 ressaltam a importância da cessação do tabagismo, inclusive com terapia farmacológica.1
Com o objetivo de se apoiar uma terapêutica completa, é fundamental a identificação clínica e subclínica de lesões de órgãos-alvo. Para isso, alguns exames simples e de baixo custo devem ser solicitados na consulta de base, e depois anualmente, a todos os indivíduos com diagnóstico de HA.1 Recomendam-se: dosagem sérica de potássio, ácido úrico, creatinina, glicemia e perfil lipídico; proteinúria/albuminúria e exame sumário de urina e eletrocardiograma para possível detecção de hipertrofia ventricular esquerda.1 Algumas populações podem necessitar de outros exames específicos para suas características.
A maioria dos participantes realizou a última consulta em uma UBS e, somando-se à unidade de pronto atendimento, quase 2/3 deles receberam atendimento em locais do sistema público de saúde. Este estudo corrobora, portanto, o papel ordenador e orientador do SUS, que é a porta de entrada e o local de atendimento e acompanhamento da maioria da população brasileira.28 Ainda, nas UBS são prestadas as orientações para o cuidado das pessoas com HA, desde as orientações para as ações de promoção da saúde (prevenção do uso do tabaco, diminuição do consumo de álcool, alimentação saudável e AF), bem como acesso gratuito a medicamentos, exames e referenciamento para os especialistas.
A prevalência de HA encontrada no presente estudo foi menor que as prevalências globais apontadas em 2010 pelo Global Burden of Diseases (31,0%),29 porém se assemelhou à encontrada em estudos prévios na população brasileira. Estudo de base populacional conduzido na cidade de São Paulo mostrou, em 2015, prevalência de HA em 23,2% nos adultos e 54,9% nos idosos.16 Também compatíveis com o presente estudo são os percentuais encontrados em estudo que utilizou dados do Vigitel em 2013, que foram de 24,1% para adultos e de 60,4% em idosos com idade ≥ 65 anos.15 Já estudo realizado com base nos dados da PNS 2013, em que a HA foi definida utilizando-se as medidas de PA aferidas durante a entrevista, apontou prevalência em adultos de 22,8%, e entre idosos acima de 75 anos foi menor (47,1%).4
Entre as limitações do estudo, destaca-se o delineamento transversal, que impossibilita a determinação de causalidade. Além disso, o maior acesso aos serviços de saúde e o esclarecimento dos participantes podem ser apontados com viés quando do uso de diagnóstico autorreferido. Adicionalmente, não foi avaliada a qualidade do cuidado e não foram exploradas as possíveis diferenças que a população usuária da saúde complementar apresenta quanto ao acesso a serviços de saúde, em comparação com os usuários exclusivos do SUS.
Em conclusão, a HA representa elevada carga de morbimortalidade no Brasil, sendo o principal fator de risco para óbitos (17% do total) e o segundo no ranking de DALYs (responsável por 8,33% do total) em 2019.3 Diante disso, o cuidado em saúde é um importante passo para a redução dos fatores de risco modificáveis (tabaco, inatividade física, uso nocivo de álcool e dietas não saudáveis), que impactam na ocorrência de DCNTs e na carga global de doenças, auxiliando no alcance da boa saúde e bem-estar da população, temas incluídos na Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável. Por isso, torna-se essencial avaliar o acesso à saúde e a satisfação dos usuários do sistema com os cuidados recebidos, pois essas informações exercem papel crucial no desenvolvimento de políticas públicas baseadas em evidências que visem à melhoria da saúde e da qualidade de vida dos brasileiros.