Contribuições do estudo
Principais resultados
A prevalência de diabetes mellitus (DM) aumentou de 2013 para 2019. Comparando-se 2013 com 2019, houve aumento no uso de medicamentos e na assistência médica, bem como redução do uso de medicamentos da Farmácia Popular e acompanhamento com mesmo médico.
Introdução
O diabetes mellitus (DM) é uma doença crônica não transmissível (DCNT) relacionada com o aumento dos níveis de glicose no sangue, podendo resultar em repercussões em órgãos-alvo, como o coração, os vasos sanguíneos, os olhos, os rins e os nervos.1
Aproximadamente 422 milhões de pessoas no mundo têm DM, e 1,6 milhão de mortes anuais são diretamente atribuídas ao DM.2 Segundo dados do Global Burden of Disease (GBD), em 2019, o DM foi responsável por 2,74% (2,58%; 2,87%) do total de mortes no mundo e por 2,8% (2,5%; 3,1%) de anos de vida perdidos por morte ou incapacidade.3
Análise de dados laboratoriais da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013 identificou que a prevalência de DM pode variar entre 6,6% e 9,4%, segundo diferentes critérios. Ademais, demonstrou que a prevalência de DM foi superior para pessoas do sexo feminino, idade acima de 30 anos, baixa escolaridade, sobrepeso e obesidade.4
Os custos do DM são elevados e estão associados à morbidade, à mortalidade e às complicações, podendo acometer 15% do orçamento anual de saúde de um país,5 considerando-se os gastos diretos (medicamentos, exames, procedimentos e suprimentos, visitas profissionais e gastos hospitalares nos serviços de emergência, além de gastos não médicos) e indiretos (absenteísmo no trabalho, improdutividade, aposentadoria precoce).6
Para os portadores de DM, o acesso ao tratamento é fundamental para a sobrevivência. Visando avançar na assistência à saúde das pessoas com DCNTs, entre elas o DM, o Ministério da Saúde (MS) publicou, em 2014, uma portaria que determina diretrizes para a organização das linhas de cuidado para pessoas com DCNTs.7 O cuidado ao indivíduo com DM, orientado por diretrizes clínicas, visa garantir a atenção à saúde, por meio de monitoramento e manejo, evitando hospitalizações e mortes por complicações.8
As melhores evidências para o gerenciamento do DM enfatizam a importância de mudanças estruturadas no estilo de vida, como redução de peso e dos níveis de açúcar no sangue, controle da pressão arterial, do colesterol e de múltiplos fatores de risco, bem como cuidados integrados baseados em equipe e orientados por dados.9
O monitoramento dos indicadores de manejo e cuidado assistencial são importantes para avaliar o cuidado em DM, permitindo desnudar desigualdades e, assim, apoiar políticas públicas. No Brasil, estes indicadores podem ser monitorados por meio da PNS, que incluiu perguntas sobre o DM autorreferido e sobre os cuidados prestados junto a esta população. Assim, este estudo comparou indicadores de cuidado assistencial em adultos com diagnóstico médico de DM no Brasil, entre 2013 e 2019, e analisou esses indicadores, em 2019, segundo características sociodemográficas.
Métodos
Estudo transversal que analisou os dados de duas edições da PNS (2013 e 2019). A PNS é um inquérito domiciliar realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) juntamente com o MS, objetivando produzir dados sobre estilos de vida e situação de saúde da população brasileira.
A PNS utiliza amostragem por conglomerados em três estágios de seleção, sendo as unidades primárias os setores censitários, ou conjunto destes; as unidades secundárias, os domicílios; e as unidades terciárias, os moradores adultos.10
Em 2013, foram coletadas informações em 64.348 domicílios, de aproximadamente 80 mil domicílios selecionados. Em 2019, foram coletados dados em 94.144 domicílios entre os 108.525 selecionados.10 Detalhamentos sobre a metodologia podem ser verificados em publicações específicas.10
Foram comparados os seguintes indicadores em 2013 e 2019:
Prevalência de adultos que nunca mediram sua glicemia; e
Prevalência de adultos que referiram diagnóstico médico de DM.
Os indivíduos acima de 18 anos, que referiram diagnóstico médico de DM, foram analisados nos seguintes indicadores da linha do cuidado:
Uso de medicamento para DM ou insulina nas duas últimas semanas anteriores à data da pesquisa;
Assistência médica para diabetes nos últimos 12 meses;
Realização da última consulta para DM com o mesmo médico das consultas anteriores;
Realização de todas as consultas com médico especialista após ser encaminhado;
Realização de exame de vista nos últimos 12 meses;
Realização de exame dos pés, para verificar sensibilidade ou presença de feridas ou irritações, nos últimos 12 meses;
Internação por causa da DM ou de alguma complicação;
Limitação de grau intenso ou muito intenso nas atividades habituais devido ao DM ou a alguma complicação;
Realização da última consulta para DM em unidade básica de saúde (UBS); e
Aquisição de pelo menos um medicamento no programa “Aqui Tem Farmácia Popular”. Mais detalhes sobre a construção dos indicadores estão apresentados no Material Suplementar 1.
Em 2019, os indicadores de cuidado foram analisados segundo variáveis sociodemográficas: sexo (masculino; feminino); faixa etária (18 a 29 anos; 30 a 59 anos; ≥ 60); raça/cor da pele autorreferida (branca; preta; parda - as demais categorias foram somadas no total, não sendo individualizadas, em função de pequeno número de observações); rendimentos [até 1 salário mínimo (SM); de 1 a 3 SMs; 3 ou mais SMs]; escolaridade (sem instrução e ensino fundamental incompleto; fundamental completo e médio incompleto; médio completo e superior incompleto; superior completo); e grandes regiões (Centro-Oeste; Norte; Nordeste; Sudeste; Sul).
A base de dados e os questionários da PNS 2013 e 2019 encontram-se disponíveis, para acesso e uso público, no repositório da PNS (https://www.pns.icict.fiocruz.br/).
Realizou-se o cálculo das prevalências/proporções e intervalos de confiança de 95% (IC95%) dos indicadores em 2013 e 2019. As diferenças foram avaliadas pelo teste qui-quadrado, considerando-se p-valor < 0,05.
Para o cálculo das razões de prevalência e IC95%, foram utilizados modelos de regressão de Poisson com variância robusta, onde as variáveis dependentes foram os indicadores e as variáveis independentes foram as características sociodemográficas. O nível de significância adotado foi de 5%.
Para análise dos dados, utilizou-se o Software for Statistics and Data Science (StataCorp LP, College Station, Texas, United States), versão 14.0, por meio do módulo survey, que considera efeitos do plano amostral.
Para análise dos dados da PNS, faz-se necessária a definição de fatores de expansão ou pesos amostrais, com probabilidades distintas de seleção, tanto para domicílios quanto para os moradores selecionados, devido à complexidade amostral. O resultado aplicado é um produto do inverso das expressões de probabilidade de seleção de cada estágio do plano amostral, e que inclui também correção de não respostas e ajustes dos totais populacionais.10 Com a finalidade de garantir comparabilidade entre as duas edições da pesquisa, o IBGE realizou uma nova calibração dos fatores de expansão da PNS 2013, considerando a revisão da Projeção da População das Unidades da Federação por sexo e idade.
Ambas as pesquisas foram aprovadas pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa para Seres Humanos do MS, pareceres nº 328.159 para a edição de 2013 e nº 3.529.376 para a edição de 2019.
Resultados
Foram avaliados 60.202 indivíduos, em 2013, e 88.531 em 2019. Desses, 6,2%, em 2013, e 7,7%, em 2019, reportaram diagnóstico médico de DM e responderam às perguntas sobre os cuidados assistenciais (Material suplementar 2A). Ademais, observou-se que, em 2013, 11,6% (IC95% 11,1;12,1) da população adulta nunca havia medido a glicemia, e, em 2019, essa prevalência se reduziu para 6,2% (IC95% 5,9;6,5) (Material suplementar 2B).
Sobre o cuidado em saúde e o acesso e uso de serviços entre os portadores de DM, verificou-se aumento: no uso de medicamento (80,2%, em 2013, e 88,8%, em 2019; p-valor < 0,001) e da proporção de adultos com DM que receberam assistência médica no último ano (de 73,2%, em 2013, para 79,1%, em 2019; p-valor = 0,001). Por outro lado, houve redução na aquisição de medicamentos pelo programa “Aqui Tem Farmácia Popular” (57,4%, em 2013; 51,5%, em 2019; p-valor = 0,002), da proporção de pessoas com DM que referiram ter sido atendidas pelo mesmo médico das consultas anteriores (de 65,2%, em 2013, para 59,4%, em 2019; p-valor = 0,004). Nos demais indicadores, não foram encontradas diferenças significativas (Figura 1).
Analisando-se os indicadores segundo sexo, em 2019, observou-se que pessoas do sexo feminino usaram mais o programa “Aqui Tem Farmácia Popular” para aquisição de medicamentos (53,4%), tiveram maior proporção de assistência médica no último ano (81,0%), realização da última consulta para acompanhamento de DM em uma UBS (51,1%) e se internaram menos devido a DM ou complicações (13,1%). Os demais indicadores não apresentaram diferenças significativas (Tabela 1).
Indicadores | Sexo | RPa (IC95%)b | |
---|---|---|---|
Masculino (A) | Feminino (B) | B/A | |
% (IC95%)b | % (IC95%)b | ||
Uso de medicamento para DMc ou insulina nas duas últimas semanas anteriores à data da pesquisa | 88,8 (86,7;90,6) | 88,9 (87,1;90,5) | 1,00 (0,97;1,03) |
Assistência médica para diabetes nos últimos 12 meses | 76,6 (73,7;79,2) | 81,0 (78,7;83,0) | 1,06 (1,01;1,10) |
Realização da última consulta para DM com o mesmo médico das consultas anteriores | 60,4 (57,1;63,6) | 58,6 (55,7;61,5) | 0,97 (0,90;1,04) |
Realização de todas as consultas com o médico especialista após ser encaminhado | 82,7 (77,0;87,2) | 81,9 (77,6;85,5) | 0,99 (0,91;1,07) |
Realização de exame de vista nos últimos 12 meses | 36,8 (33,8;39,8) | 36,6 (34,1;39,3) | 1,00 (0,90;1,11) |
Realização de exame dos pés nos últimos 12 meses | 30,5 (27,8;33,4) | 32,5 (30,1;35,1) | 1,07 (0,95;1,20) |
Internação por causa da DM ou de alguma complicação | 16,5 (14,3;19,1) | 13,1 (11,5;15,0) | 0,80 (0,65;0,97) |
Limitação de grau intenso ou muito intenso nas atividades habituais devido a DM ou alguma complicação | 6,1 (4,7;7,9) | 5,6 (4,2;7,6) | 0,93 (0,62;1,38) |
Realização da última consulta para DM em unidade básica de saúde | 46,4 (43,2;49,6) | 51,1 (48,1;54,0) | 1,10 (1,01;1,21) |
Aquisição de pelo menos um medicamento no programa “Aqui Tem Farmácia Popular” | 49,0 (45,9;52,2) | 53,4 (50,6;56,1) | 1,09 (1,01;1,18) |
a) RP: Razão de prevalência; b) IC95%: Intervalo de confiança de 95%; c) DM: Diabetes mellitus.
Em relação às diferenças regionais, tendo a região Norte com referência, verificou-se que no Sudeste, Sul e Centro-Oeste houve maior proporção de aquisição de medicamento para DM pelo programa “Aqui Tem Farmácia Popular” (56,4%, 59,1% e 56,4%, respectivamente). As regiões Nordeste e Sudeste tiveram menor proporção de realização da última consulta em UBS (49,6% e 46,2%, respectivamente). As regiões Sudeste e Sul apresentaram maior percentual de acesso ao mesmo médico na última consulta (61,8% e 64,7%, respectivamente). O Sudeste apresentou maior realização de exame de vista nos últimos 12 meses (40,8%) e menor de internação devido a DM ou complicações (12,1%). Os demais indicadores não apresentaram diferenças significativas (Tabela 2).
Indicadores | Região | RPa (IC95%)b | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Norte (A) | Nordeste (B) | Sudeste (C) | Sul (D) | Centro-Oeste (E) | B/A | C/A | D/A | E/A | |
% (IC95%)b | % (IC95%)b | % (IC95%)b | % (IC95%)b | % (IC95%)b | |||||
Uso de medicamento para DMc ou insulina nas duas últimas semanas anteriores à data da pesquisa | 86,8 (83,5;89,5) | 90,2 (88,2;91,8) | 88,8 (86,2;90,9) | 87,0 (83,3;90,0) | 90,1 (86,9;92,6) | 1,04 (1,00;1,08) | 1,02 (0,98;1,07) | 1,00 (0,95;1,05) | 1,04 (0,99;1,09) |
Assistência médica para diabetes nos últimos 12 meses | 82,3 (78,5;85,6) | 78,4 (75,5;80,9) | 80,7 (77,4;83,6) | 74,6 (69,6;79,0) | 78,5 (74,0;82,5) | 0,95 (0,90;1,01) | 0,98 (0,93;1,04) | 0,91 (0,84;0,98) | 0,95 (0,89;1,02) |
Realização da última consulta para DM com o mesmo médico das consultas anteriores | 51,7 (46,3;57,0) | 55,5 (52,4;58,7 | 61,8 (57,8;65,6) | 64,7 (60,4;68,8) | 51,6 (45,5;57,5) | 1,08 (0,96;1,21) | 1,20 (1,10;1,35) | 1,25 (1,11;1,42) | 1,00 (0,85;1,17) |
Realização de todas as consultas com o médico especialista após ser encaminhado | 82,7 (75,4;88,2) | 75,6 (69,6;80,7) | 83,1 (77,3;87,6) | 89,3 (83,8;93,1) | 80,8 (71,2;87,7) | 0,91 (0,82;1,02) | 1,00 (0,91;1,11) | 1,08 (0,98;1,19) | 0,98 (0,86;1,11) |
Realização de exame de vista nos últimos 12 meses | 34,2 (29,7;38,9) | 32,2 (29,5;35,0) | 40,8 (37,3;44,3) | 32,1 (28,2;36,3) | 36,3 (31,8;41,1) | 0,94 (0,80;1,11) | 1,20 (1,02;1,40) | 0,94 (0,78;1,13) | 1,06 (0,88;1,28) |
Realização de exame dos pés nos últimos 12 meses | 29,9 (25,6;34,7) | 29,4 (26,7;32,2) | 34,0 (30,6;37,4) | 30,5 (26,6;34,8) | 28,4 (23,9;33,7) | 0,98 (0,82;1,17) | 1,13 (0,95;1,36) | 1,02 (0,83;1,25) | 0,95 (0,76;1,19) |
Internação por causa da DM ou de alguma complicação | 17,4 (13,5;22,2) | 17,2 (14,8;20,0) | 12,1 (10,1;14,5) | 15,9 (12,5;20,1) | 16,6 (13,0;20,9) | 0,99 (0,74;1,32) | 0,70 (0,51;0,95) | 0,92 (0,65;1,29) | 0,95 (0,67;1,34) |
Limitação de grau intenso ou muito intenso nas atividades habituais devido a DM ou alguma complicação | 5,6 (3,8;8,1) | 5,9 (4,8;7,1) | 6,0 (4,1;8,7) | 5,5 (3,7;8,0) | 5,7 (4,0;7,1) | 1,05 (0,69;1,60) | 1,07 (0,63;1,82) | 0,98 (0,57;1,67) | 1,02 (0,61;1,69) |
Realização da última consulta para DM em unidade básica de saúde | 56,6 (51,2;61,8) | 49,6 (46,4;52,8) | 46,2 (42,3;50,0) | 55,7 (50,7;60,5) | 49,5 (43,7;55,3) | 0,88 (0,78;0,98) | 0,82 (0,72;0,93) | 0,98 (0,87;1,12) | 0,88 (0,75;1,02) |
Aquisição de pelo menos um medicamento no programa “Aqui Tem Farmácia Popular” | 35,6 (30,7;40,9) | 39,5 (36,4;42,7) | 56,4 (52,8;60,0) | 59,1 (54,5;63,6) | 56,4 (51,6;61,1) | 1,10 (0,94;1,31) | 1,59 (1,35;1,86) | 1,66 (1,41;1,96) | 1,58 (1,34;1,87) |
a) RP: Razão de prevalência; b) IC95%: Intervalo de confiança de 95%; c) DM: Diabetes mellitus.
Quanto às diferenças por idade, adultos de 30 a 59 anos e idosos com idade ≥ 60 anos apresentaram a maior proporção de uso de medicamentos ou insulina (87,0% e 91,1%, respectivamente), de assistência médica para DM no último ano (79,9% e 79,2%, respectivamente), de limitação em grau intenso/muito intenso das atividades devido a DM ou complicações (7,0% e 5,2%, respectivamente) e menor proporção de internação (14,4% e 13,9%, respectivamente). Os demais indicadores não apresentaram diferenças significativas (Tabela 3).
Indicadores | Grupos de idade (anos) | RPa (IC95%)b | |||
---|---|---|---|---|---|
18 a 29 (A) | 30 a 59 (B) | ≥ 60 (C) | B/A | C/A | |
% (IC95%)b | % (IC95%)b | % (IC95%)b | |||
Uso de medicamento para DMc ou insulina nas duas últimas semanas anteriores à data da pesquisa | 60,1 (41,8;76,0) | 87,0 (84,6;89,0) | 91,1 (89,5;92,5) | 1,45 (1,07;1,95) | 1,52 (1,13;2,03) |
Assistência médica para diabetes nos últimos 12 meses | 57,9 (39,8;74,1) | 79,9 (77,1;82,6) | 79,2 (77,0;81,2) | 1,38 (1,02;1,87) | 1,37 (1,01;1,86) |
Realização da última consulta para DM com o mesmo médico das consultas anteriores | 58,3 (39,8;74,7) | 57,9 (54,4;61,3) | 60,5 (57,8;63,2) | 0,99 (0,72;1,37) | 1,04 (0,76;1,43) |
Realização de todas as consultas com o médico especialista após ser encaminhado | 58,5 (22,6;87,1) | 82,3 (77,5;86,2) | 83,1 (78,6;86,8) | 1,41 (0,73;2,71) | 1,42 (0,74;2,74) |
Realização de exame de vista nos últimos 12 meses | 30,5 (16,5;49,3) | 34,9 (31,7;38,3) | 38,2 (35,7;40,7) | 1,15 (0,65;2,03) | 1,25 (0,72;2,19) |
Realização de exame dos pés nos últimos 12 meses | 17,8 (9,5;30,9) | 26,3 (23,3;29,6) | 36,1 (33,7;38,6) | 1,48 (0,81;2,70) | 2,03 (1,11;3,68) |
Internação por causa da DM ou de alguma complicação | 43,3 (25,6;62,8) | 14,4 (12,3;16,7) | 13,9 (12,2;15,7) | 0,33 (0,21;0,53) | 0,32 (0,20;0,51) |
Limitação de grau intenso ou muito intenso nas atividades habituais devido a DM ou alguma complicação | 0,4 (0,0;1,7) | 7,0 (4,9;9,8) | 5,2 (4,3;6,3) | 17,20 (3,97;74,42) | 12,84 (3,05;53,95) |
Realização da última consulta para DM em unidade básica de saúde | 54,7 (36,4;71,9) | 51,6 (48,1;55,1) | 47,2 (44,5;49,9) | 0,94 (0,67;1,33) | 0,86 (0,61;1,22) |
Aquisição de pelo menos um medicamento no programa “Aqui Tem Farmácia Popular” | 36,5 (21,6;54,7) | 53,2 (49,7;56,8) | 50,7 (48,1;53,2) | 1,46 (0,91;2,34) | 1,39 (0,86;2,22) |
a) RP: Razão de prevalência; b) IC95%: Intervalo de confiança de 95%; c) DM: Diabetes mellitus.
Comparados a população de menor escolaridade, os indivíduos com ensino superior completo apresentaram melhor desemprenho em diversos indicadores, como: maior proporção de pés examinados no último ano (41,2%; IC95% 35,1;47,4); realização de exame de vista no último ano (50,6%; IC95% 44,5;56,6); consulta com médico especialista (95,2%; IC95% 91,5;97,3); atendimento pelo mesmo médico das consultas anteriores (69,5%; IC95% 63,9;74,9); e menor limitação intensa/muito intensa devido a DM ou complicações (2,0%; IC95% 0,9;4,2). Quanto à aquisição de medicamento pelo programa federal, a população com ensino superior completo apresentou índices menores (40,7%; IC95% 35,1;46,4), bem como menor realização da última consulta médica em uma UBS (17,5%; IC95% 12,2;23,5). Os outros indicadores não tiveram diferença significativa quando analisados sob a perspectiva da escolaridade (Tabela 4).
Indicadores | Escolaridade | RPa (IC95%)b | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Sem instrução e fundamental incompleto (A) | Fundamental completo e médio incompleto (B) | Médio completo e superior incompleto (C) | Superior completo (D) | B/A | C/A | D/A | |
% (IC95%)b | % (IC95%)b | % (IC95%)b | % (IC95%)b | ||||
Uso de medicamento para DMc ou insulina nas duas últimas semanas anteriores à data da pesquisa | 89,6 (87,9;91,0) | 85,2 (79,2;90,2) | 87,9 (84,5;90,7) | 91,0 (87,1;93,8) | 0,95 (0,88;1,02) | 0,98 (0,95;1,02) | 1,02 (0,98;1,06) |
Assistência médica para diabetes nos últimos 12 meses | 79,5 (77,2;81,6) | 76,2 (69,6;81,7) | 79,5 (75,5;82,9) | 79,8 (75,1;83,8) | 0,96 (0,89;1,04) | 1,00 (0,95;1,05) | 1,00 (0,94;1,07) |
Realização da última consulta para DM com o mesmo médico das consultas anteriores | 57,0 (54,1;59,8) | 61,7 (55,9;67,3) | 60,1 (55,5;64,6) | 69,5 (63,6;74,9) | 1,08 (0,98;1,2) | 1,06 (0,96;1,15) | 1,22 (1,11;1,34) |
Realização de todas as consultas com o médico especialista após ser encaminhado | 80,0 (75,0;84,0) | 80,4 (71,7;86,9) | 82,3 (75,2;88,3) | 95,2 (91,5;97,3) | 1,00 (0,9;1,12) | 1,03 (0,93;1,14) | 1,19 (1,11;1,27) |
Realização de exame de vista nos últimos 12 meses | 32,2 (29,7;34,9) | 39,1 (33,0;45,6) | 41,5 (37,2;45,9) | 50,6 (44,5;56,6) | 1,21 (1,01;1,46) | 1,29 (1,13;1,47) | 1,57 (1,36;1,81) |
Realização de exame dos pés nos últimos 12 meses | 29,0 (26,5;31,5) | 33,5 (28,4;39,0) | 34,0 (29,7;38,5) | 41,2 (35,2;47,4) | 1,16 (0,96;1,39) | 1,17 (1,0;1,37) | 1,42 (1,2;1,69) |
Internação por causa da DM ou de alguma complicação | 15,9 (14,1;17,9) | 12,5 (9,1;16,9) | 13,3 (10,6;16,6) | 11,3 (7,2;17,3) | 0,78 (0,56;1,09) | 0,84 (0,65;1,08) | 0,71 (0,45;1,11) |
Limitação de grau intenso ou muito intenso nas atividades habituais devido a DM ou alguma complicação | 7,3 (5,7;9,3) | 4,0 (2,5;6,4) | 4,5 (2,8;7,1) | 2,0 (0,9;4,2) | 0,55 (0,32;0,93) | 0,61 (0,36;1,05) | 0,27 (0,12;0,61) |
Realização da última consulta para DM em unidade básica de saúde | 58,3 (55,5;61,0) | 48,7 (42,8;54,7) | 38,0 (33,4;42,8) | 17,5 (12,9;23,5) | 0,84 (0,73;0,95) | 0,65 (0,57;0,74) | 0,30 (0,22;0,41) |
Aquisição de pelo menos um medicamento no programa “Aqui Tem Farmácia Popular” | 52,3 (49,5;55,0) | 59,8 (54,2;65,2) | 50,1 (45,5;54,7) | 40,7 (35,3;46,4) | 1,15 (1,03;1,27) | 0,96 (0,86;1,07) | 0,78 (0,67;0,9) |
a) RP: Razão de prevalência; b) IC95%: Intervalo de confiança de 95%; c) DM: Diabetes mellitus.
Na análise segundo raça/cor da pele, encontrou-se maior realização da última consulta médica para acompanhamento de DM em UBS pelas populações preta e parda (55,7% e 54,8%, respectivamente). Por outro lado, estes apresentaram menor proporção de atendimento pelo mesmo médico da última consulta (55,1% e 56,9%, respectivamente), bem como menor avaliação dos pés durante o último ano (24,7% e 29,5%, respectivamente). Indivíduos de raça/cor da pele parda apresentaram menor realização de exame de vista durante a consulta (33,8%). Os demais indicadores não apresentaram diferenças significativas (Material suplementar 3).
Quanto à renda, as pessoas com rendimento de 1 a 3 SMs e maior que 3 SMs apresentaram os melhores indicadores: o médico que as atendeu na última consulta era o mesmo das anteriores (60,9% e 72,2%, respectivamente); conseguiram consulta com médico especialista (87,6% e 91,6%, respectivamente); realizaram exame de vista no último ano (39,1% e 51,9%, respectivamente); tiveram os pés examinados nos últimos 12 meses (33,3% e 43,9%, respectivamente); menor proporção de internação (11,8% e 7,5%, respectivamente) e de incapacidade (4,3% e 2,6%, respectivamente). Ademais, tiveram menor realização de consulta em UBS (45,0% e 13,3%, respectivamente). Os indivíduos com renda de 3 SMs ou mais apresentaram menor aquisição de medicamentos no programa “Aqui Tem Farmácia Popular” (38,4%). Os demais indicadores não apresentaram diferença quando analisados pela ótica da renda (Material suplementar 4).
Discussão
O estudo comparou indicadores da PNS 2013 e 2019 referentes à linha de cuidado para pessoas com DM. Houve aumento no uso de medicamentos ou insulina e da assistência médica, no último ano, e redução do uso da Farmácia Popular e do acompanhamento com o mesmo médico. Em 2019, na análise segundo características sociodemográficas, verificaram-se piores indicadores para pessoas do sexo masculino, mais jovens, de raça/cor da pele preta e parda, com menores escolaridade e renda.
O exame de glicemia é fundamental para diagnosticar DM, e o seu monitoramento na Atenção Primária já tem sido preconizado.11 A evolução temporal apontou progressos no Brasil, entre 2013 e 2019, com a redução da proporção de pessoas que nunca realizaram exame de sangue. Entretanto, aumentou a prevalência da doença, o que pode ser resultado da melhoria do diagnóstico, mas, essencialmente, pode se dever ao envelhecimento populacional e aumento da obesidade decorrentes de sedentarismo e alimentação não saudável.1,12
O aumento de DM autorreferido ocorreu para ambos os sexos, embora a prevalência seja mais elevada entre o sexo feminino. Análise realizada com dados laboratoriais da PNS 2013 e associando-os ao relato de uso de medicamentos concluiu-se que a prevalência foi mais elevada no sexo feminino (9,7%; IC95% 8,6;10,7), quando comparado ao masculino (6,9%; IC95% 5,9;7,9).4 Estudos destacam que aspectos como diabetes gestacional e alterações hormonais na menopausa podem elevar a adiposidade abdominal e justificariam o aumento do DM entre mulheres.13 Porém, em países como Austrália14 e Inglaterra,15 utilizando-se critérios laboratoriais, os dados foram diferentes do Brasil, apontando prevalências de DM mais elevadas entre homens.
Como piora dos indicadores de cuidado, destaca-se a redução do acompanhamento com o mesmo médico, o que pode interferir no cuidado longitudinal, no acompanhamento e seguimento do usuário. A continuidade do cuidado programado no plano terapêutico, traçado para cada usuário, é essencial na boa evolução dos casos.9,16
Em relação aos indicadores da linha de cuidado em 2019, as diretrizes do MS para a Atenção Primária a Saúde (APS) preconizam uma consulta médica anual para a pessoa com DM,11 o que foi alcançado, de acordo com o presente estudo, em aproximadamente 80% das pessoas com DM, sem variação segundo escolaridade, rendimentos e raça. A variação ocorreu para a população jovem, que apresentou menos de 60% de consultas anuais, o que pode ser atribuído ao menor tempo de diagnóstico e menor adesão ao tratamento.17 Ainda entre esta população, pessoas do sexo feminino tiveram maior assistência.
Estes indicadores reforçam a importância do Sistema Único de Saúde (SUS), o maior provedor de cuidados ao portador de DM. Entretanto, em relação ao acesso a médicos especialistas e exames, embora também sejam elevados, apresentaram diferenças segundo escolaridade e renda. Ademais, o estudo aponta diferenças regionais, com piores indicadores nas regiões Norte e Nordeste para o acesso aos medicamentos no programa “Aqui Tem Farmácia Popular do Brasil” e ao mesmo médico da última consulta. Essas são as regiões com piores indicadores econômicos e maiores vazios assistenciais, em função da falta de estrutura física e de profissionais de saúde.18,19
A PNS também revelou elevada proporção de pessoas com DM que usaram medicamentos nas duas semanas anteriores à entrevista, independentemente de sexo, região, raça/cor da pele, escolaridade e renda, o que demonstra a importância do SUS no provimento e dispensação de medicamentos gratuitos na APS, ampliando o acesso e reduzindo as desigualdades.20 Destaca-se que as UBS ofertam insumos, como fitas para glicemia e glicosúria, além de medicamentos hipoglicemiantes e insulinas. Acessar medicamentos a partir do programa “Aqui Tem Farmácia Popular do Brasil” foi referido por metade da população, embora tenha ocorrido redução do acesso, desde 2013, o que pode ser explicado por sucessivos cortes no financiamento no programa após 2017.21
O menor uso de medicamentos entre adultos mais jovens (18 a 29 anos) pode ser explicado pela menor gravidade da doença, podendo favorecer o manejo através de medidas não farmacológicas, como dieta e atividade física.11,22 Já o uso maior entre idosos (≥ 60 anos) pode ser decorrente da maior gravidade e associação com outros riscos cardiovasculares.23
Após 10 anos de DM, é comum a perda de acuidade visual em função da retinopatia; portanto, é fundamental iniciar o acompanhamento no momento do diagnóstico do DM tipo 2 (DM2) e, dentro de cinco anos, para o DM tipo 1 (DM1), com repetição anual.11,24 Entre as complicações mais frequentes, destaca-se o pé diabético e suas consequências, desde de as feridas crônicas e infecções, até amputações de membros inferiores.16 O rastreamento do pé diabético deve ser realizado em todas as pessoas com DM2 no momento do diagnóstico. Estes foram os piores desempenhos entre os indicadores avaliados; apenas 1/3 da população referiu realizar esses exames, com maior proporção entre os mais escolarizados e com maior renda. Estes resultados ficaram muito abaixo dos de outros países, por exemplo, os dos Estados Unidos, onde um inquérito mostrou, em 2010, que cerca de 70% dos indivíduos com DM realizaram exame anual dos pés e dos olhos.17
A maior frequência de internações entre os jovens de 18 a 29 anos, no presente estudo, pode ser explicada pela maior prevalência em jovens adultos do DM1, em função dos sintomas agudos da doença e ainda de não adaptação aos novos cuidados24 e menor adesão às práticas de cuidado.17 O autocuidado e o empoderamento dos usuários no seu cuidado devem ser cada vez mais buscados pelas equipes de saúde, visando a melhor qualidade de vida e à prevenção de desfechos mais graves.11,25
As internações foram semelhantes segundo raça/cor da pele e escolaridade, e foram menos frequentes na população de maior renda, o que sugere o papel dos determinantes sociais de saúde e sua preponderância na incidência, prevalência e evolução do DM.26,27
Entre as limitações do estudo, encontra-se a prevalência autorreferida, sujeita a vieses de relato. No entanto, esta medida tem fornecido estimativas de prevalência de DM válidas,4,28 funcionando como proxy da prevalência populacional. Registrem-se ainda, como limitações, a não distinção entre o tipo de DM (DM1 ou DM2) e a ausência de avaliações quanto à diferença no cuidado dispensado entre os dois grupos. Destaca-se que a realização de pequenas alterações nas perguntas, entre 2013 e 2019, que geraram os indicadores, podem ter comprometido a comparação entre as duas edições.
O estudo apontou aumento do diagnóstico médico autorreferido de DM nos últimos cinco anos. Em relação ao cuidado recebido, a maioria dos indicadores assistenciais permaneceram semelhantes no período e foram piores nas populações com menor escolaridade, menor renda, de raça/cor da pele preta e parda, do sexo masculino, e entre os mais jovens. Alguns indicadores foram piores nas regiões Norte e Nordeste, destacando-se as diferenças regionais e os vazios assistenciais, que devem ser enfrentados. Entretanto, a maioria dos indicadores apresentaram resultados positivos e apontam a imensa contribuição do SUS na busca da equidade em saúde, e seu papel na geração da integralidade e na redução das desigualdades em saúde. Coloca-se a preocupação com os constantes ataques ao SUS, bem como com a redução de orçamentos, principalmente após a aprovação da Emenda Constitucional nº 95, em 2016, que, entre outras medidas, reduziu recursos da saúde por 20 anos, implicando profundas mudanças nos cuidados assistenciais.21,29