Em maio de 2022, no Reino Unido, foi reportado o diagnóstico de um caso de monkeypox, ou varíola dos macacos, em indivíduo com histórico de viagem à Nigéria, África. Poucos meses após a primeira notificação da doença no continente europeu, o Boletim da Organização Mundial da Saúde (OMS), publicado no início de agosto, contabilizou mais de 27 mil casos e 11 óbitos em 89 países.(1) Com o progressivo aumento dos casos novos, em 23 de julho de 2022, a OMS declarou a doença como Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII), alertando para a necessidade de ampliação da capacidade de controle da disseminação da monkeypox nos países.(2) No Brasil, em 9 de junho de 2022, foi notificado o primeiro caso da doença e, em 29 de agosto de 2022, o Ministério da Saúde havia contabilizado 4.693 casos confirmados em 24 Unidades da Federação, além de um óbito em Minas Gerais.(3)
O vírus da monkeypox é conhecido desde 1958, quando foi descoberto na África e nomeado seguindo os critérios vigentes na época. Atualmente, a OMS recomenda como uma boa prática de nomenclatura que, para vírus recém-identificados ou suas variantes, não sejam utilizados termos que refiram – ou principalmente, ofendam – grupos culturais, sociais, profissionais ou étnicos, regiões ou países, visando minimizar possíveis impactos negativos no comércio, viagens ou bem-estar animal. Portanto, a OMS encontra-se em processo de atribuição de um novo nome para a doença.(5)
Haja vista essa questão, a revisão da terminologia das variantes da monkeypox foi debatida entre os virologistas e especialistas em saúde pública. Estes, após estudos da biologia evolutiva do vírus e das diferenças filogenéticas e clínicas das variantes, concluíram que a estrutura adequada para essa nomenclatura se constitua de um numeral romano, representativo da variante, e um caractere alfanumérico minúsculo para as subvariantes, sendo então a variante I aquela que se refere à descoberta anterior, na Bacia do Congo (África Central), e a variante II, à descoberta na África Ocidental, com as subvariantes IIa e IIb. A subvariante IIb destina-se ao grupo de variantes que têm circulado no surto global de 2022. Porém, esses termos podem ser revistos à medida que novas variantes sejam eventualmente identificadas.(5)
Considerando-se que a monkeypox não é uma doença nova, mas uma mudança no padrão da enfermidade, é realidade presente o uso de vacinas e medicamentos para sua prevenção e tratamento. O estudo que analisou a eficácia da vacina da varíola humana contra a monkeypox foi publicado em 1988, baseado em dados de casos diagnosticados entre 1980 e 1984, no Zaire, África, e mostrou uma proteção de 85% dos indivíduos.(6) Entretanto, novos estudos são necessários, com o objetivo de investigar a proteção das vacinas existentes diante da atual subvariante IIb. No dia 25 de agosto de 2022, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a dispensa temporária do registro para importação e utilização da vacina da monkeypox; no entanto, até o momento da conclusão deste artigo, não há medicação disponível para tratamento da doença em ampla escala no país.(7)
Embora o número de casos esteja aumentando expressivamente no Brasil, a monkeypox ainda não foi declarada uma Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN). Conforme regulamenta o Decreto nº 7.616, de 17 de novembro de 2011, uma doença pode ser anunciada como ESPIN nas situações que demandam o emprego urgente de medidas de prevenção, controle e contenção de riscos, danos e agravos à saúde pública. Essa medida objetiva organizar as ações de combate às emergências, no caso da monkeypox, podendo acelerar e contribuir para o estabelecimento de acordos para aquisição de vacinas e/ou medicamentos, bem como a ampliação da rede de testagem ofertada pela rede pública, e sua inclusão no rol de testes custeados pelos planos de saúde.(8)
No cenário atual, oito laboratórios do país realizam testes de diagnóstico para detecção da monkeypox, sendo quatro Laboratórios Centrais (Lacens) e outras quatro unidades de referência: duas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), uma na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e uma no Instituto Evandro Chagas (IEC). Esses laboratórios são responsáveis pela cobertura nacional de testagem, o que ocasiona lentidão na disponibilização dos resultados dos testes ,e por conseguinte, diversos casos suspeitos sem confirmação laboratorial.(8)
Nesse contexto, é de extrema relevância avaliar a demanda pela contratação de recursos humanos e serviços de forma ágil, a mobilização de recursos financeiros para capacitação de profissionais e a aquisição pertinente de insumos, como também investimento em campanhas informativas dirigidas à população geral. Nesse sentido, a declaração da monkeypox como ESPIN representa uma medida assertiva e benéfica, com vistas a contribuir para uma resposta oportuna ao controle da doença no país.(8)
O Ministério da Saúde, por meio do Centro de Operações de Emergência em Saúde Pública (COE Monkeypox), elaborou um Plano de Contingência Nacional para a monkeypox, cujo objetivo principal é oferecer aos profissionais e gestores de saúde informações estratégicas de contenção, controle e orientações assistenciais, epidemiológicas e laboratoriais, úteis para a gestão da emergência.(10) O COE Monkeypox foi ativado em 29 de julho de 2022, com vistas a organizar a atuação do Sistema Único de Saúde (SUS) de forma coordenada, envolvendo as três esferas de governo na resposta à doença. O COE Monkeypox é composto por representantes do Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Fiocruz, Anvisa e Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).(10) Contudo, reconhece-se a necessidade de que membros da comunidade científica integrem o COE.
Cabe ressaltar que tão relevante quanto a estruturação do Plano de Contingência é a ampla divulgação de seu conteúdo para os profissionais da vigilância em saúde e demais serviços, a fim de direcionar as estratégias de enfrentamento da doença. Também se faz importante a permanente revisão desse Plano pelos especialistas, visando acompanhar a velocidade das mudanças experimentadas.
O acesso oportuno aos dados sobre casos e óbitos de monkeypox, de forma que reflitam verdadeiramente seu contexto epidemiológico, tem-se mostrado um desafio. Os indicadores da doença no país podem estar subestimados, devido a barreiras de testagem, ausência de amplas campanhas informativas sobre sua sintomatologia, como também de orientações de encaminhamento aos serviços de referência e seus fluxos de atendimento. O conhecimento e a análise, de forma continuada, dos indicadores de incidência, mortalidade e cobertura de leitos hospitalares, entre outros, são ferramentas indispensáveis ao planejamento das ações e pactuação de metas pelos gestores e demais envolvidos. Vale lembrar: é essencial que esforços sejam realizados no sentido de garantir a fidedignidade desses dados, para uma resposta oportuna e pautada no Plano previamente estabelecido; e que gestores, profissionais e sociedade civil compreendam as características da doença e compartilhem os indicadores obtidos. A população tem um papel importante nesse processo, na conscientização e propagação de informações baseadas em evidências científicas, bem como na adesão a medidas que minimizem a exposição ao vírus e a disseminação da doença.(8)
Vale destacar, ainda, que a OMS preconiza o isolamento do doente, a higienização de superfícies ou cômodos com frequência, a separação de utensílios, a lavagem de roupas de cama e banho com água quente, a manutenção de ambientes com boa ventilação e a lavagem regular das mãos, como principais medidas de prevenção do contágio e da disseminação da infecção. Contudo, a implementação dessas ações é complexa, quando se constata a desigualdade socioeconômica no país. Dessa forma, constitui mais um desafio para os serviços identificar essas desigualdades e direcionar ações aos grupos caracterizados por qualquer tipo de vulnerabilidade, seja por condições biológicas, seja por diferenças sociais.(12)
Recorde-se que, apesar de a monkeypox ser conhecida desde o final da década de 1950, as ações dirigidas a seu controle, ao longo dos anos, foram incipientes. Trata-se de uma doença caracterizada por extrema negligência e pouco investimento de recursos financeiros de parte das indústrias farmacêuticas, ou mesmo das grandes agências de fomento à pesquisa. Em síntese, o panorama atual do manejo da monkeypox poderia ser mais promissor, caso medidas efetivas de prevenção houvessem sido desenvolvidas e implementadas desde sua descoberta no continente africano.
Conclusivamente, é essencial que a presença e os riscos à saúde atribuídos à monkeypox sejam amplamente difundidos pela comunidade científica e instituições envolvidas; e com igual empenho, analisados novos microrganismos patogênicos, quando identificados em determinada localidade/região, esta de fato uma questão de saúde pública global, tendo em vista seu rápido potencial disseminador para as demais regiões do mundo, dada a enorme susceptibilidade de populações integradas no nível global. Eis um valioso aprendizado, a ser fortemente considerado no atual panorama de saúde mundial, evitando-se a reincidência dos mesmos erros no futuro.