INTRODUÇÃO
O bioma Amazônia constitui-se de imensa biodiversidade e riqueza cultural1. Oferece ainda inúmeros serviços ambientais, atuando, por exemplo, na manutenção climática na América Latina2. Apesar de sua reconhecida importância, tal patrimônio vem sofrendo um acelerado processo de degradação ambiental, social e cultural. Este quadro é causado basicamente por razões econômicas, com destaque para atividades como a pecuária e monoculturas agrícolas, a retirada de madeira e a mineração3. Atividades tradicionais sustentáveis, sempre tão comuns na Amazônia, desenvolvidas por comunidades locais (como quilombolas, indígenas e ribeirinhos) são desvalorizadas e muitas vezes engessadas por regulamentações sem fundamentos, inviabilizando sua manutenção e perpetuação4.
Além da devastação florestal diretamente produzida por essas atividades econômicas, as mesmas são acompanhadas de investimentos público e privado, em infraestrutura, principalmente de transporte, que são altamente impactantes5. Essas, por sua vez, atraem novos investimentos, e assim por diante, desencadeando uma rede de empreendimentos em sequência, e progressivas perdas de biodiversidade3. Em paralelo, advém um progressivo crescimento demográfico no local, em consequência da atração de mão-de-obra. O estabelecimento dessas famílias não é acompanhado, no entanto, por um aparato de infraestruturas adequado à garantia de qualidade de vida da população6.
Torna-se mister, portanto, a reversão deste complexo quadro de degradação por meio do equilíbrio entre a proteção ambiental e o desenvolvimento; da eliminação da pobreza; da redução e a eliminação dos sistemas de produção insustentáveis; do desenvolvimento de políticas demográficas apropriadas; e da manutenção da sociedade dentro dos limites da capacidade de suporte dos ecossistemas e da implementação de um crescimento econômico baseado em princípios sustentáveis, que garantam à população o direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com a natureza7),(8),(9),(10.
Para o alcance desses objetivos, é indispensável uma cuidadosa análise da realidade de cada localidade, tendo em vista um planejamento socioambiental participativo e adequado, que respeite as particularidades existentes e legitime qualquer intervenção, diminuindo as chances de erros na implantação de ações futuras11. Nesse sentido, este trabalho desenvolve uma metodologia de avaliação socioambiental participativa, adequada à realidade do lago Iripixi, em Oriximiná, Estado do Pará. Este processo foi realizado integrando conhecimentos acadêmicos aos saberes locais para subsidiar o planejamento de ações e políticas públicas que garantam a sustentabilidade local. Buscou-se realizar a caracterização do ambiente, a descrição do processo de ocupação, dos principais problemas socioambientais, da atuação do poder público e das ações locais que possam contribuir para a conservação ambiental e melhoria da qualidade de vida local.
MATERIAIS E MÉTODOS
ÁREA DE ATUAÇÃO
O município de atuação escolhido foi Oriximiná, no qual a Universidade Federal Fluminense possui a Unidade Avançada José Veríssimo, com ampla atuação no campo da saúde. Essa unidade foi utilizada como base para a pesquisa, o que facilitou o acesso dos pesquisadores ao local. No desenvolvimento das ações iniciais, foi diagnosticada uma carência de trabalhos acadêmicos na região urbana do município. Por isso, buscou-se essa região como foco da pesquisa. O trabalho foi realizado no entorno do lago Iripixi e nos seus principais igarapés, entre 2010 e 2012 (do reconhecimento de área à concepção do projeto; desde a construção da metodologia; e, por fim, sua aplicação, análise e avaliação dos resultados). O Município de Oriximiná localiza-se na região norte do Estado do Pará, território amazônico oriental. O lago está inserido no sul do Município, próximo ao centro urbano da cidade municipal, no baixo curso do rio Trombetas, que corta todo o Município. De acordo com o macrozoneamento municipal12, o lago possui áreas na zona rural, na zona central (considerada a área urbana) e nas zonas de interesse agrícola e pesqueiro de Oriximiná. O lago Iripixi possui aproximadamente 6.000 m de extensão e cerca de 800 m de largura, com uma área aproximada de 5 km2 (descontando a área dos igarapés) e liga-se ao rio Trombetas em sua região sudoeste (Figura 1). Além do entorno do lago, foram avaliados seus principais igarapés ocupados, o Melgaço, localizado próximo ao centro urbano; e os igarapés Jatuarana e o Canal Grande, ambos situados na região nordeste do lago, em direção oposta ao centro urbano.
Fonte: Adaptado de Prefeitura de Oroximiná12; Satélite - L5; Instrumento - TM; Trajeto - 228/61; Data: 25/7/2011.
De acordo com os limites de Área de Preservação Permanente (APP) estabelecidos na Resolução no 303 do Conselho Nacional do Meio Ambiente, de 20 de março de 2002, o lago possui 100 m de proteção em suas margens13.
O acesso terrestre ao lago e aos igarapés pode ser feito por um ramal da estrada PA-439, que contorna parte do perímetro do lago. Porém a principal forma de trânsito pelo lago é com a utilização de barcos, com acessos pelo rio Trombetas ou pelo igarapé Melgaço, em um pequeno porto localizado no bairro Cidade Nova.
O lago conta com cerca de 80 famílias em seu entorno, com aproximadamente 300 indivíduos no total, divididas em duas comunidades, a Nossa Senhora de Nazaré (NSN) e a Santa Luzia (SL). A comunidade NSN estende-se desde a ligação com o rio Trombetas até o igarapé Melgaço, em ambas as margens; possui cerca de 25 famílias. Já a SL, estende-se desde o Melgaço até a região nordeste, incluindo os igarapés Jatuarana e Canal Grande; é formada por aproximadamente 55 famílias.
METODOLOGIA DE CAMPO
O levantamento de dados em campo ocorreu entre os meses de dezembro de 2010 e fevereiro de 2011 e de julho a agosto de 2011. A pesquisa buscou o envolvimento do maior número de atores sociais, para garantir o caráter participativo da produção do conhecimento. Nesse tipo de abordagem, os indivíduos passam a ser não apenas "objetos de estudo", mas também "autores" do trabalho14. Foram realizados diversos debates junto aos moradores a fim de definir os melhores caminhos a serem traçados para o desenvolvimento da pesquisa em cada etapa, analisar o entendimento dos mesmos sobre o trabalho e as necessidades de atuação no local. Desse modo, ao saber acadêmico soma-se a sabedoria popular, transformando a avaliação num instrumento legítimo para o planejamento de ações visando à sustentabilidade local. O pesquisador atua também como um mediador entre a comunidade e o poder público, auxiliando na construção e fortalecimento da cidadania15.
O levantamento de dados foi feito considerando-se fatores ambientais, sociais, culturais, políticos e econômicos. As entrevistas foram realizadas com a utilização de um questionário semiestruturado para guiar as conversas16 (Quadro 1). Este questionário reuniu questões sobre as características locais, seus problemas e as ações públicas, populares e acadêmicas no local. Dessa maneira, o questionário funcionou apenas como um guia de pontos a serem abordados. As entrevistas foram realizadas de maneira informal, aproximando-as de um bate-papo. Essa característica foi almejada a fim de não intimidar o entrevistado, deixando-o à vontade para responder as questões, o que permitiu a emersão de uma riqueza maior de informações, algumas que poderiam estar ausentes em um questionário fechado15. Até por isso, o questionário era curto e servia para evitar divagações17. As perguntas relacionavam-se com o tempo e forma de vivência no local; forma de ocupação e uso do solo; problemas socioambientais locais; conhecimento de ações públicas e sociais para resolver ou melhorar a realidade local e o conhecimento de ações acadêmicas também com os mesmos fins. As entrevistas foram interpretadas pela técnica de análise do discurso18),(19. Cada elemento citado pelos entrevistados foi comparado e contabilizado a partir da ocorrência no total das entrevistas18. Foi possível, com isso, gerar dados estatísticos a partir de elementos subjetivos, que podem ser utilizados futuramente na produção de índices para comparação com outras realidades e monitoramento da situação local.
As entrevistas foram realizadas pelos próprios autores da pesquisa. Não houve um critério para escolha dos entrevistados. O objetivo era abranger o maior número possível de famílias, do maior número possível de áreas do entorno do lago, dando uma visão abrangente e representativa da realidade local e garantindo assim uma representatividade estatística confiável20. Por isso, adaptou-se apenas a metodologia conhecida como "bola de neve", comumente utilizada em estudos etnobotânicos, onde um entrevistador indica uma ou mais pessoas que poderia(m) ser entrevistada(s) ou contribuir no processo20),(21. O poder público e as instituições acadêmicas presentes em Oriximiná também foram procurados para garantir a heterogeneidade dos discursos, e contrapontos em relação à visão da população local.
Sistematização da avaliação socioambiental
A figura 2 sistematiza a metodologia formulada:
A caracterização socioambiental compreendeu a análise do perfil social, descrição do tipo de vegetação e seu estado de conservação, o uso e ocupação do solo, a utilização dos recursos hídricos e o destino dos resíduos.
As entrevistas e pesquisas bibliográficas permitiram o levantamento de dados sobre a realidade local, o processo de ocupação demográfico e sobre os principais problemas locais. Além disso, a utilização de métodos de sensoriamento remoto permitiu entender o processo de ocupação e uso do solo22 do entorno do lago. Foram utilizadas imagens dos satélites CBERS e LANDSAT dos anos 1980, 1990, 2000 e 2011, fornecidas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)23. Utilizou-se a banda 5 de cada uma das imagens, processada com o programa Environment for Visualizing Images (ENVI - versão 4.0).
Para estabelecer o perfil social, foram levantadas informações sobre o número de habitantes em cada propriedade, tempo de presença no lugar, tamanho da propriedade e atividades econômicas desenvolvidas. Enquanto que, para a caracterização ambiental foram levantados dados sobre a classificação da vegetação e uso do solo nos diferentes locais de atuação no entorno do lago utilizando as metodologias propostas por Putz e Redford24 e Araújo et al25.
Foram definidos parâmetros ligados à qualidade de vida da população para avaliar as ações públicas, o que permite entender a proximidade governamental com os moradores do lago. Os parâmetros averiguados foram definidos com base na Constituição26),(27 e na visão de alguns autores28),(29),(30. Foram analisados: água, esgoto, coleta de lixo e resíduos, energia, transporte, educação, saúde e lazer. Não se objetivou a formulação de índices de qualidade destes serviços, buscando-se apenas sua descrição, e a formulação de estatísticas a partir das entrevistas18.
Foram levantados, também, dados sobre as ações do poder público voltadas para a melhoria da qualidade de vida, conservação e principalmente relacionados às questões levantadas como problemas pelos moradores ou entendidas como urgentes pelos próprios pesquisadores. Os mesmos objetivos nortearam a avaliação de ações locais, ou seja, desenvolvidas pela própria comunidade visando um bem-estar social e a conservação ambiental. Quanto às ações acadêmicas, foram levantadas as instituições que atuam no local e as possíveis ações desenvolvidas por elas com o intuito de melhoria socioambiental.
RESULTADOS
Os principais tipos de vegetação presentes e formas de ocupação do solo realizadas no entorno do lago Iripixi, podem ser vistos na figura 3.
Fonte: Satélite - L5; Instrumento - TM; Trajeto - 228/61; Data: 25/7/2011.
1: Área urbana; 2: Pastagem; 3: Cultivo; 4: Capoeira; 5: Capoeirão; 6: Várzea; 7: Floresta aberta; 8: Floresta fechada.
A dinâmica de ocupação do lago Iripixi foi analisada usando as imagens de satélite do entorno do lago nas quatro últimas décadas (Figura 4).
Fonte: 1980: Satélite - L5; Instrumento - TM; Trajeto - 245/61; Data: 4/9/1980; 1990: Satélite - L5; Instrumento - TM; Trajeto - 228/61; Data: 29/6/1990; 2000: Satélite - L5; Instrumento - TM; Trajeto - 228/61; Data: 24/6/2000; e 2011: Satélite - L5; Instrumento - TM; Trajeto - 228/61; Data: 25/7/2011.
Foi possível notar a intensificação da ocupação humana e do desmatamento no entorno do lago Iripixi nessas décadas. Corroboraram com esta análise os dados levantados nas entrevistas. Segundo alguns moradores, o avanço antrópico ocorreu por conta do aumento no número de propriedades em torno do lago, principalmente fazendas de gado e cultivos agrícolas, sobretudo a macaxeira (Manihot esculenta Crantz), utilizada na fabricação de farinha e derivados, base da alimentação amazônica.
O avanço da ocupação do lago Iripixi ocorre concomitantemente ao crescimento do centro urbano de Oriximiná. A população municipal cresceu de forma bastante acentuada a partir dos anos 197031. Foi neste período que o governo brasileiro passou a estimular a ocupação da Região Amazônica1. A década de 70 foi também o momento em que a Mineradora Rio do Norte estabeleceu-se no Município atraindo milhares de pessoas interessadas em emprego. Na década de 1990, a população ultrapassou os 41 mil habitantes. Entre as décadas de 1990 e 2000 houve um aumento populacional de 17,44%, chegando a quase 49 mil habitantes. No período de 2000 a 2007, com um crescimento demográfico de aproximadamente 14,15%, atingiu-se 55 mil moradores. Atualmente, segundo o último Censo (2010), a população de Oriximiná encontra-se em 62.794 habitantes31.
A partir dos anos 1970, foram duas as regiões mais impactadas no Município: a região de extração de minério, Porto Trombetas, afetada diretamente pela atividade mineradora; e a do centro urbano e suas imediações, mais impactada pelo crescimento populacional municipal32. Com isso, o lago Iripixi foi muito afetado justamente por sua proximidade, sofrendo com os impactos gerados pelo aumento populacional sem o acompanhamento das infraestruturas necessárias5.
Foram entrevistados representantes de 29 das 80 famílias de moradores do entorno do lago (c.a. 35%), sendo 22 residentes da comunidade de SL (40% dessa comunidade) e sete da comunidade de NSN (28%). Além disso, foram entrevistados funcionários das Secretarias Municipais de Meio Ambiente, Agricultura, Infraestrutura, Educação e professores de escolas que atendem a moradores do lago.
A população do lago é formada, basicamente, por famílias de cinco pessoas, em média. Foram encontradas desde propriedades com apenas um casal até casas com 15 moradores. As propriedades possuem em média 300 m de largura (acompanhando a margem do lago) por 1.000 m de extensão para o interior das margens (c.a. 30 ha). Dos entrevistados, 10% não são proprietários. Eles vivem na beira do lago em pequenos pedaços de terras cedidos por fazendeiros ou trabalham para os mesmos, e não souberam precisar o tamanho das propriedades do seu patrão. Um deles disse que as terras eram "a perder de vista", enfatizando o quão grande era a propriedade. Estas terras são utilizadas, em parte, por pastagens de gado (c.a. 60%). Os empregados dos fazendeiros ocupam parte das terras com agricultura de subsistência, cultivo de macaxeira e criação de pequenos animais, como porcos e galinhas. As demais propriedades, aproximadamente 90%, são ocupadas por famílias de pescadores, pequenos e médios produtores agrícolas e pequenos pecuaristas. A renda dessas famílias vem em parte desta produção, sendo complementada, em alguns casos, pelo Programa Bolsa Família do Governo Federal e por aposentadorias.
Parte da comunidade de NSN, localizada entre a entrada do lago e o igarapé Melgaço, encontra-se em área urbanizada há pouco mais de 30 anos, quando começou a formação do bairro Cidade Nova, no centro urbano de Oriximiná12. Em alguns locais as ruas são pavimentadas e as casas possuem chão cimentado. O crescimento deste bairro não ocorreu de maneira ordenada, resultando num processo de favelização desta região muito próxima ao lago, agravado pelo despejo de lixo e esgoto no igarapé Melgaço. Neste igarapé existe um pequeno porto onde transitam diversos tipos de mercadorias, o que contribui para a poluição das águas do Melgaço. Ao lado deste porto está o parque de exposições municipal e uma serraria, sendo ambos focos adicionais de poluição, como qualquer empreendimento29. Pelo parque municipal ocorre também o transporte de gado criado tanto no próprio lago Iripixi quanto em outros pontos de Oriximiná.
Na outra margem dessa região do lago, oposta ao centro urbano, encontra-se o restante da comunidade de NSN, que possui características semelhantes à comunidade de SL. As propriedades são utilizadas para a produção agrícola e para a pecuária e possuem, em geral, entre um terço e a metade da sua área ocupada pelas culturas de subsistência. O restante é ocupado por capoeiras e áreas florestadas mantidas pelos proprietários.
As margens do lago e igarapés são contornadas pela vegetação de várzea, como é característico de boa parte do entorno de rios e lagos na Região Amazônica33. As várzeas estão contidas dentro das propriedades particulares, podendo muitas vezes ser utilizadas para produção agropecuária. O solo das várzeas é bastante fértil devido à constante renovação causada pelas inundações, fundamental nos processos ecológicos deste ecossistema, que o tornam o ambiente mais produtivo da Amazônia34),(35.
Tanto dentro das propriedades quanto fora delas existem vegetações de capoeiras e capoeirões em diferentes estágios de regeneração ecológica. O lago possui uma grande variedade de ambientes e variações de vegetação e, ao se afastar do igarapé Melgaço em direção aos igarapés a nordeste do lago (Canal Grande e Jatuarana), a influência antrópica diminui. No entorno dos igarapés Jatuarana e Canal Grande existem muitos fragmentos florestais em estágios mais avançados de conservação, pouco utilizados na retirada de madeira e até áreas sem nenhuma influência humana. Porém, algumas áreas desta região também já estão sendo atingidas por áreas de pastagens e de cultivo (Figura 4).
As observações de campo e as entrevistas permitiram identificar os principais problemas socioambientais existentes no entorno do lago Iripixi, a saber: a diminuição da abundância de peixes, problemas com a água para o consumo, o desmatamento, a falta de assistência pelo governo local (que inclui todos os serviços averiguados nas entrevistas), a poluição e a violência.
A "invasão para pesca" ou "diminuição dos peixes" (formas como se referiram os entrevistados que relataram tal problema) foi a reclamação de 48% dos entrevistados (57% da comunidade de NSN e 48% da comunidade de SL). Trata-se da diminuição da abundância do pescado, tanto quanto da sua mudança qualitativa. Segundo relatos de moradores, algumas espécies muito visadas e apreciadas, como o pirarucu (Arapaima gigas), não são mais encontradas no lago. Outras são mais difíceis de serem encontradas do que há 30 anos, como é o caso do tucunaré (Cichla spp.), também bastante apreciado. Os moradores atribuem o problema à grande quantidade de pessoas que não residem no entorno do lago, mas pescam no local, tanto para consumo próprio, pesca esportiva ou comercial. Além disso, alguns moradores (c.a. 25% dos entrevistados) relataram que os próprios residentes do lago passaram a pescar mais do que necessitavam para sobreviver.
Outro problema crônico do lago Iripixi levantado foi o desmatamento, apontado em cerca de 38% das entrevistas (c.a. 42% NSN e 36% SL). Pela avaliação das imagens de satélite foi possível observar um grande avanço antrópico sobre a floresta da região (Figura 4). Pelas entrevistas, aferiu-se que este quadro decorre da exploração de pecuaristas, da retirada de madeira por serralherias e madeireiras, da agricultura e da própria ocupação dos proprietários. O desmatamento no igarapé Melgaço, associado à intensa entrada de resíduos sólidos para o lago, vêm causando seu assoreamento. Existe um ponto de escoamento de madeira do qual os moradores do lago afirmam desconhecer a procedência. Ninguém no local foi encontrado para falar sobre o assunto.
A estrutura agrícola desenvolvida no lago é a tradicional, baseada na queima da vegetação de capoeira para posterior cultura. Esta forma de trato do solo sempre foi muito empregada no País, sendo até hoje muito comum na região nordeste do Estado do Pará36. Apesar de menos impactante que as plantações de monoculturas, a utilização do fogo sem o devido monitoramento podem causar acidentes, como o alastramento das chamas para a vegetação de entorno da propriedade, causando sérios danos ambientais, fato que foi relatado por alguns moradores.
A poluição é bastante visível na região próxima ao igarapé Melgaço. Este problema foi apontado em aproximadamente 38% das entrevistas (c.a. 42% NSN e 54% SL). O fato é agravado devido ao sistema de drenagem de Oriximiná ter como depósito os corpos d'água que circundam a área urbana: as águas da chuva carregam parte do lixo que está depositado nas portas das casas e nas ruas, e parte do seu esgoto (principalmente efluentes de pias e chuveiros), direto para o rio Trombetas. No caso do bairro Cidade Nova, o destino é o igarapé Melgaço37.
Além disso, o porto do Melgaço serve para embarque e desembarque de materiais diversos, além de ser utilizado como área de reparo de embarcações, sendo outra forma de poluição. A criação de gado nas propriedades do lago gera resíduos que acabam contaminando as águas, além de pastoreio e pisoteio da vegetação de várzea34. Por fim, o lixo deixado pelos frequentadores das praias do lago, como relatado nas entrevistas, observados em campo é uma fonte de resíduos sólidos para as águas do lago.
Embora pouco citada nas entrevistas, a violência tornou-se preocupante para os moradores e frequentadores do lago Iripixi. Cerca de 13% dos entrevistados (ca. 14% NSN e 18% SL) relataram temer deixar suas casas vazias por alguns dias, com medo de roubos. Houve relatos de assaltos nas praias e brigas, principalmente nas casas de festas nas praias próximas ao centro urbano do lago.
A falta de assistência governamental foi considerada um problema de maneira direta por cerca de 55% dos entrevistados. Não houve registros na comunidade de NSN. Já na comunidade de SL, que se localiza nas áreas mais distantes do centro urbano de Oriximiná, aproximadamente 72% dos entrevistados relataram a ausência do poder público. De maneira indireta, pode-se afirmar que o distanciamento dos governantes pode ser visto por meio da avaliação dos serviços básicos, que acabaram despontando nas entrevistas como sérios problemas locais. A má qualidade da água de consumo foi o principal aspecto levantado no lago, aparecendo em 93% das falas (c.a. 95% NSN e 85% SL), seguida pela educação 34% (c.a. 64% NSN e 14% SL), saúde 34% (c.a. 42% NSN e 36% SL) e transporte 31% (c.a. 0% NSN e 40% SL).
Cabe relatar que houve a tentativa de que os moradores estabelecessem uma nota ao serviço, como uma forma de transformar o fator subjetivo em dados estatísticos para a construção de índices participativos. Mas isso se mostrou pouco efetivo, devido ao fato da maioria dos entrevistados estar pouco confortável com a situação de avaliar o governo, temendo algum tipo de retaliação. Mesmo com a argumentação de que a identidade dos entrevistados seria mantida em sigilo ou a explicação da importância da quantificação dos dados não estimulou alguns moradores. A construção deste índice (nota) de maneira conjunta (pesquisador junto ao comunitário), apesar de mais eficiente, pareceu um pouco tendenciosa. Pela falta de padrões, descartou-se esta etapa. Preferiu-se seguir apenas com as estatísticas por meio da análise de discurso18),(19.
Outra parte da metodologia consistiu na análise e descrição dos serviços considerados essenciais para o bem-estar e qualidade de vida da população26),(28. Estas análises corroboram com o fato de o poder público ser considerado um problema pelos moradores locais, não se fazendo presente de maneira eficiente para garantir a infraestrutura social básica no lago.
ÁGUA
A distribuição de água no Município de Oriximiná é deficiente, não sendo diferente no lago Iripixi. Parte da comunidade de NSN (c.a. 40%), localizada próxima ao centro urbano, recebe água da companhia local de tratamento de água, número que representa cerca de 7% dos moradores de todo o lago. Além destes, um grupo de moradores de SL, que vive mais próximo do igarapé Melgaço também recebe água deste sistema, mas ela é armazenada e distribuída coletivamente entre os moradores desta área, sendo que os mesmos têm que arcar com parte dos custos do combustível das bombas. Este sistema contempla apenas 20% dos moradores da comunidade (c.a. 16% do total do lago). Outros 7% dos entrevistados possuem poços particulares para a retirada de água (c.a. 4% SL e menos de 10% NSN). Os demais moradores das duas comunidades, cerca de 70% das famílias do lago, retiram água diretamente do lago e igarapés e sofrem bastante com a questão da qualidade dessa água para consumo, principalmente no período entre janeiro e julho quando a diminuição das chuvas causa a baixa do nível do rio Trombetas e, como consequência, os igarapés ficam praticamente secos, obrigando a população residente destas áreas a se deslocar ainda mais para conseguir água para o seu consumo, geralmente de má qualidade.
ESGOTAMENTO SANITÁRIO
O esgotamento sanitário é outro serviço deficitário no Município de Oriximiná, onde 70% do esgoto sanitário vão para fossas rudimentares37. Nenhuma das famílias visitadas no entorno do lago Iripixi é contemplada por uma rede de esgoto destinada à coleta e destino adequado dos efluentes das casas (vasos sanitários, pias e chuveiros). Todas as casas visitadas no lago Iripixi possuem apenas fossas, e as necessidades fisiológicas são realizadas em cômodos existentes do lado de fora das casas, providos apenas de um buraco no chão. Dos entrevistados, somente os representantes do parque de exposição e da serraria disseram possuir banheiros devidamente equipados e providos de fossas sépticas no local.
SAÚDE
A situação da saúde também é precária. Não há posto de saúde no local, nem mesmo transporte disponível em qualquer ponto do lago até o centro urbano, onde estão localizados o hospital municipal e os postos de saúde. Em consequência da distância, os moradores dos igarapés Canal Grande e Jatuarana estão em uma situação bastante preocupante. Existem dois agentes de saúde atuando no local, mas poucos moradores entrevistados que residem no Iripixi (36%) dizem ser atendidos por este serviço.
EDUCAÇÃO
A infraestrutura educacional também deixa a desejar. Existe uma única escola no local, situada no centro da comunidade de SL. A escola é multisseriada (alunos de diferentes faixas etárias na mesma turma), tem uma única professora e dois funcionários, e funciona apenas para aluno do segundo ao quinto ano. Atende 14 crianças da região. As crianças de outros anos escolares têm que frequentar escolas no centro urbano. Para alguns, isso acarreta um deslocamento de canoa por mais de 2 h até à escola, na ida e na volta, representando um cansaço excessivo e desmotivando-as para o estudo.
TRANSPORTE
O principal acesso do lago Iripixi para o centro urbano do Município faz-se pelo igarapé Melgaço. Existe ainda um ramal da rodovia PA-439 que contorna o lago. Não há transporte público para a região do lago. Alguns moradores possuem motos, para facilitar esse percurso, mas a maioria da população não tem recursos para adquirir veículos automotores. Cabe relatar que muitos moradores de Oriximiná não possuem habilitação e não utilizam equipamentos de segurança, não havendo uma fiscalização eficiente. Além disso, é comum ver adolescentes menores de idade pilotando motos em todo o Município.
A ausência de apoio público para o transporte obriga a maioria dos moradores a se deslocar com o barco próprio. Em épocas de cheia do lago (fevereiro a agosto), é possível se deslocar de barco por todo o lago e seus igarapés. Porém, em épocas de seca (agosto a dezembro) os deslocamentos se tornam impossíveis em algumas áreas, ou muito dificultosos, principalmente nos igarapés que secam. Com isso, os barcos acabam tendo que ancorar longe das propriedades.
COLETA DE LIXO E RESÍDUOS
Quanto à coleta de lixo e resíduos sólidos, apenas os moradores próximos ao igarapé Melgaço são assistidos pelo serviço municipal, por meio da coleta realizada próximo à rampa do igarapé. Alguns moradores do lago guardam seu lixo e levam-no até o Melgaço, para sua coleta. Porém, cerca de 95% dos moradores do lago queimam seu lixo.
ENERGIA
O abastecimento de energia em Oriximiná, assim como em outros municípios amazônicos, é realizado por geradores. O Governo Federal, por meio do Programa Luz para Todos, objetiva distribuir energia para as áreas rurais de todo o País38. Um projeto ligado a esse programa é conhecido como linhão de transmissão e será implantado na Amazônia, atravessando Oriximiná. Como o terreno onde está sendo construída a central de abastecimento do município está localizado no lago Iripixi, os moradores esperam receber energia elétrica após a inauguração do empreendimento. Por enquanto o abastecimento só é realizado junto às casas mais próximas da cidade, na comunidade de NSN, o que representa menos de 5% dos moradores do lago. Já o centro da comunidade de SL conta com um gerador comunitário, utilizado principalmente em eventos. Outros 5% dos moradores do entorno do lago contam com geradores próprios. Os demais habitantes (c.a. 90%) não possuem energia elétrica nas suas moradias.
LAZER
O lazer é outro serviço pouco assistido na região. Não existem áreas públicas de lazer, como praças ou parques. Existem alguns balneários com bares particulares ou áreas comunitárias, onde moradores se reúnem. As praias mais próximas do centro urbano contam com bares e casas de festas.
INICIATIVAS NA COMUNIDADE
Num quadro deficitário de assistência governamental, chamou a atenção, no entanto, uma iniciativa por parte do poder público. Trata-se do projeto Produção Agroecológica Integrada Sustentável, que começou a ser implantado no ano de 2010, sendo realizado pela parceria entre a Secretaria de Agricultura e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Menos de 10% das famílias do lago foram beneficiadas com o projeto que, segundo os responsáveis, será expandido em breve. O projeto realiza o preparo da terra em áreas dos terrenos de alguns moradores, a construção de caixas de água elevadas, de galinheiros, hortas em mandala e de uma sementeira para a produção de mudas de hortaliças. As famílias participam ainda de cursos de capacitação no plantio e manutenção das hortas, produção de sementes, cuidados com os animais, entre outras atividades. Com isso, as famílias conseguem melhorar sua alimentação e renda, visto que deixam de gastar com a compra de alguns tipos de alimentos e podem inclusive vender o excedente. Além disso, são realizadas palestras sobre a importância da conservação das matas, da não utilização de fogo, do reaproveitamento de materiais, entre outras.
Tão importante quanto uma atuação efetiva do poder público é a própria ação da população local visando à melhoria de sua realidade e a harmonia com a natureza. Nesse sentido, os moradores desenvolvem algumas ações com o intuito de diminuir o impacto de suas atividades sobre o local, além de conscientizar e restaurar as condições ecológicas do lago. A principal atividade é desenvolvida pela comunidade de NSN. Trata-se do projeto Natureza Quer Vida, que ocorre anualmente na comunidade. O projeto desenvolve palestras entre os moradores do lago voltadas para consciência ambiental, mutirões e gincanas para coletas de lixo e plantio de mudas na orla do Iripixi. Peças de teatro infantil são encenadas abordando o problema do lixo, além da apresentação de poesias, músicas, entre outras, buscando a conscientização da população. Um artista local, também morador da comunidade NSN e atuante neste projeto, reaproveita materiais coletados no lixo, como jornais e garrafas na confecção de sua arte e projeta a elaboração de oficinas voltadas para a educação ambiental pelo reaproveitamento de resíduos sólidos.
Um fato importante é que alguns moradores desenvolvem sistemas agroflorestais, sendo comum a utilização de árvores frutíferas nativas ou outros cultivos perenes, de interesse comercial, com sistemas de produção de culturas anuais e de animais.
ATUAÇÃO ACADÊMICA
O último tema trabalhado foi a atuação da comunidade acadêmica: o desenvolvimento de atividades de pesquisa, extensão e docência ligadas à educação ambiental, cidadania, conservação e também para o aperfeiçoamento dos sistemas agroflorestais desenvolvidos ali; e a troca dos conhecimentos gerados com a população local. Existem duas instituições públicas de ensino superior atuando no Município: a Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), que possui um campus avançado em Oriximiná; e a Universidade Federal Fluminense (UFF) do Rio de Janeiro, que possui a Unidade Avançada José Veríssimo, uma base para o desenvolvimento de ações acadêmicas extensionistas ligadas, principalmente, à saúde. Ambas já desenvolveram atividades no lago, algumas delas ainda estão em andamento. Em entrevistas com os responsáveis da UFF, foram apontadas duas atividades de destaque no lago: uma delas ligada ao levantamento do patrimônio cultural de Oriximiná, que também ocorre em todo o Município, o Programa de Educação Patrimonial em Oriximiná39, que busca levantar, valorizar e disseminar os saberes e atividades tradicionais locais. Outra atividade desenvolvida foi uma dissertação de mestrado, que continua como tese de doutorado na área de antropologia de culturas tradicionais40. Já a UFOPA está iniciando diversas atividades no local, atreladas principalmente ao curso de Ciências Biológicas, segundo seus responsáveis, e já desenvolveram projetos ligados à Educação Ambiental no Iripixi41.
Considerando a proximidade do lago com o Município, a presença de duas importantes instituições de ensino superior e o potencial para o desenvolvimento de atividades acadêmicas, pode-se afirmar que tais iniciativas ainda representam pouco, além de serem desconhecidas da maioria dos moradores. Além disso, menos de 14% da população relatou saber de alguma atividade desenvolvida por universidades no local, mas nenhum soube dizer do que se tratava, e nem ao menos qual universidade estava envolvida.
DISCUSSÃO
O crescimento populacional de Oriximiná e consequente avanço da ocupação do lago Iripixi é uma situação preocupante. Se não houver planejamento por parte do poder público, os impactos ambientais poderão se tornar irreversíveis. E possível aferir, pela análise das imagens da figura 4, que toda a APP do lago está ocupada e que mais de 50% do entorno do lago e dos igarapés encontra-se desmatado ou recoberto por culturas agropecuárias. Suspeita-se que exista uma tendência da diminuição das áreas verdes e aumento da poluição em um futuro próximo, de maneira irreversível. Cabe ressaltar que a mineração, cujos royalties são a base econômica de Oriximiná, é uma atividade insustentável, com prazo de validade, e que muitos municípios sofreram impactos socioambientais profundos quando a empresa exploradora abandonou o local pelo esgotamento da matéria-prima42. Estes locais sofreram com o avanço desordenado sobre os recursos florestais e desmatamentos para formação de monoculturas e pastagens42. Ao nível municipal, é necessário um planejamento sustentável para um futuro sem a Mineradora Rio do Norte, para que, ao final de suas atividades (estimadas entre 50 e 60 anos), o desmatamento aumente ainda mais.
Para o lago Iripixi, são necessárias ações para conter o desmatamento do entorno do lago, conservando principalmente a região dos igarapés Canal Grande e Jatuarana, que são os pontos do lago mais conservados. As demais regiões degradadas podem ser restauradas ou recuperadas. Pontos de retirada de madeira devem ser averiguados quanto à procedência e legalidade da atividade.
Entre os problemas levantados, a entrada para pescar de pessoas que não residem no local foi a maior preocupação para os moradores entrevistados. Obviamente, o aumento demográfico no entorno do lago é outro fator que aumenta a pressão da pesca43),(44. A sobrepesca pode causar diversos problemas, entre ecológicos (como a extinção local de algumas espécies) e sociais (como a redução do pescado, utilizado para alimentação). Uma solução para este problema pode estar no manejo comunitário legal do lago, como desenvolvido em regiões do rio Amazonas43. O elemento central dessa estratégia é a regulamentação e limitação da pesca entre as comunidades envolvidas, delimitando um conjunto de regras visando reduzir o esforço de pesca local, garantindo uma produção sustentável43. Tal manejo dos recursos pesqueiros poderia ocorrer de maneira participativa entre as associações de moradores das comunidades do lago, o poder público local, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis e organizações não governamentais. Alternativamente, o incentivo à piscicultura poderia ser um caminho complementar para a solução deste problema44. Porém, a criação de pirarucu e tucunaré, apesar de ser viável, apresenta um alto custo e sua implantação necessita de uma área extensa, o que pode dificultar sua efetivação no caso do lago Iripixi44. O fato é que a gestão pesqueira necessita de monitoramento contínuo. Assim, uma parceria entre o meio acadêmico e o poder público seria fundamental. Seja qual for a solução adotada, a resolução deste problema é premente para evitar o alastramento dos danos ambientais, sociais e econômicos já existentes.
Outro problema existente no local é a poluição que costuma ocorrer em rios, lagos e igarapés na Amazônia próximos a grandes cidades e tem causado graves danos aos ecossistemas dessa Região. A Cidade de Manaus, Estado do Amazonas, por exemplo, possui cerca de 80% de seus igarapés impactados45, por razões semelhantes às encontradas no Iripixi, como desmatamento e aporte de lixo e esgoto. A região do igarapé Melgaço merece atenção, tanto pelo desmatamento quanto pela carga de poluentes que vem recebendo. Santos41 também observou problemas relacionados à entrada de esgotos e resíduos sólidos no lago Iripixi, através do igarapé Melgaço. Mesmo os igarapés mais distantes de áreas urbanas e que preservam suas características originais (como o Canal Grande e Jatuarana), apresentam impacto antrópico45. As praias do lago, muito frequentadas para o lazer, recebem muitos resíduos provenientes desta atividade41. Os resíduos antrópicos geram poluição química, física, biológica e térmica no ambiente5. Os impactos sobre a água podem incluir a diminuição da quantidade de oxigênio, eutrofização, toxidez (pela entrada de substâncias tóxicas, variação da temperatura e pH, ou concentrações anormais de substâncias presentes naturalmente no meio) e presença de microrganismos patogênicos6. O secretário de Meio Ambiente de Oriximiná disse que não existe uma política de coleta seletiva de lixo no Município, mas defende que o lixo é coletado diariamente, o que não foi observado durante esta pesquisa, nem relatado nas entrevistas com os moradores. São necessárias ações para a limpeza das margens e para evitar o despejo de esgotos e lixo no local. Além disso, tais medidas devem ser aliadas ao uso sustentável do solo e dos recursos naturais. Assim, será possível equilibrar o crescimento econômico com a manutenção das características ambientais locais.
Os problemas relacionados com a precarização dos sistemas ligados à qualidade de vida da população (de saúde, educação, lazer, coleta e distribuição de água, transporte, abastecimento de energia elétrica e de esgotamento sanitário) refletem a falta de políticas governamentais assistenciais eficientes junto ao lago Iripixi. Isso não é problema exclusívo do lago, nem mesmo de Oriximiná, sendo comum na Região Amazônica46 e em grande parte do País. A qualidade de vida da população está diretamente ligada com a qualidade destes serviços, sendo de fundamental importância o investimento para melhoria e monitoramento desses elementos28),(29),(30. A implantação de um sistema de transporte eficiente no lago, por exemplo, poderia auxiliar nos serviços de educação e saúde, conduzindo os moradores para hospitais e postos de saúde da área urbana e os alunos para as escolas do mesmo local. Mesmo assim, a implantação de um posto de saúde e investimentos na escola local se fazem necessários. Sendo o lago uma importante área de lazer do Município, um serviço de coleta de lixo eficiente e controle de poluentes são de extrema importância para garantir a limpeza das praias, com políticas educacionais voltadas para a conscientização dos moradores e frequentadores sobre a importância de se manter as praias limpas e livres de resíduos. A coleta seletiva pode ser uma alternativa interessante, gerando renda para os moradores locais47. O abastecimento de água eficiente, seja pela distribuição ou por investimentos em postos artesianos e tratamento de água, poderia reduzir consideravelmente os problemas de saúde da população. O mesmo pode ser dito para a implantação de um sistema sanitário básico para os moradores. O investimento pode ser voltado para meios alternativos, como banheiros secos48.
Urge que o poder público desenvolva atividades sustentáveis no lago Iripixi, estimulando também a população a realizar suas atividades de maneira harmônica com a natureza, visando à conservação da biodiversidade local. Destaca-se, aqui, a importância do incremento e valorização dos sistemas agroflorestais, que geram benefícios resultantes da associação entre os componentes econômicos e ecológicos49 e o incentivo ao turismo ecológico de base comunitária, de extrema importância por garantir a manutenção ambiental, também complementando a renda das famílias50. Sabe-se que quando existe um retorno financeiro para a manutenção da floresta em pé, a população adota automaticamente a ideia50),(51. Por fim, vale destacar a importância do fortalecimento de um processo de governança ambiental integrada, que ocorre quando todos os diferentes atores envolvidos (poder público, membros da sociedade civil, pesquisadores e empresários) definem as estratégias e ações a serem implantadas de maneira participativa52, valorizando atividades e iniciativas voltadas para benefício igualitário, visando à conservação da biodiversidade e gerando benefícios econômicos para os envolvidos.
A comunidade acadêmica local, representada por duas universidades, pode contribuir nessa missão, buscando também o envolvimento direto da população na produção de conhecimento. Embora nem toda pesquisa ou atividade acadêmica necessite do envolvimento populacional, esta participação direta ou indireta pode fortalecer os laços e as trocas entre conhecimento acadêmico e conhecimento tradicional ou popular11. Essas trocas resultam no fortalecimento do poder social, pois a produção e disseminação dos conhecimentos podem se tornar uma importante ferramenta para influenciar as políticas públicas visando o bem-estar socioambiental10),(11. Becker11 considera que as ciências têm papel fundamental para o conhecimento do patrimônio natural e para a implantação de um novo modo de sua utilização, capaz de beneficiar a sociedade, subsidiar o planejamento do uso do território.
Por fim, vale ressaltar que, apesar dos dados levantados neste trabalho terem sido produzidos a partir da subjetividade qualitativa (a maneira mais viável para um local pouco estudado e com necessidades iminentes), todos os elementos levantados (como os problemas socioambientais) e averiguados (como os serviços assistenciais) podem ser transformados em indicadores de qualidade socioambiental. A formulação de indicadores é de grande valia para o monitoramento da situação, além de possibilitar a comparação com outras realidades28. A busca pela resolução destas questões pode ser a maneira mais eficiente, ou pelo menos um bom começo, para o alcance da sustentabilidade local. O conhecimento aqui produzido sobre o lago Iripixi pode ser aprofundado em diversos estudos, de maneira independente ou em conjunto, ligados a diversas áreas de conhecimento, sendo utilizado para o planejamento de ações visando o alcance da sustentabilidade local.
CONCLUSÃO
A metodologia aqui desenvolvida mostrou-se útil para a avaliação socioambiental do lago Iripixi, visto que por sua simplicidade, é facilmente adaptável a outras realidades. O lago possui indiscutível importância social, cultural, econômica e ambiental para o Município de Oriximiná. Embora os atores locais reconheçam essa importância, o que se vê é o aumento da exploração insustentável dos recursos do lago, gerando uma série de problemas socioambientais. Muitos desses problemas estão ligados à falta de assistência por parte do governo local, e dificultam a vida dos moradores e a conservação da biodiversidade. O alcance da sustentabilidade no lago Iripixi necessita de um maior diálogo e cooperação entre esses atores, com a gestão participativa e implementação de políticas públicas que privilegiem a conservação da biodiversidade e a qualidade de vida da população local.