INTRODUÇÃO
As infecções bacterianas primárias da pele acometem cerca de 7% da população, mas sua ocorrência pode variar de acordo com diversos fatores. Sabe-se que o verão predispõe as infecções cutâneas, por facilitar a instalação do calor e umidade, necessários à proliferação dos micro-organismos1. Com relação à etiopatogenia, são causadas principalmente por bactérias piogênicas dos gêneros Staphylococcus e Streptococcus2,3.
Além disso, sabe-se que sua frequência está relacionada a fatores ambientais; a fatores individuais, dentre os quais incluem-se aqueles relacionados à baixa resistência imunológica, como na dermatite atópica4 e diabetes mellitus; à falta de higiene; à predisposição genética; e, também, a fatores relacionados ao grau de virulência e patogenicidade do micro-organismo5, sendo também a principal complicacão de tratamentos com corticoides e imunossupressores6,7.
Em relação ao micro-organismo, o potencial infeccioso está também relacionado com a patogenicidade e o grau de virulência que decorrem, fundamentalmente, do potencial invasivo determinado pela presença de elementos antifagocitários na superfície da bactéria e da sua capacidade de produção de toxinas1.
Sabe-se que a pele possui bactérias residentes, que vivem como comensais e transitórias que, ocasionalmente, podem colonizar a pele. Os organismos da flora residente contribuem para a resistência contra a colonização por bactérias patogênicas (Staphylococcus e Streptococcus) ao hidrolisar lipídeos e produzir ácidos graxos livres que são tóxicos para muitas bactérias. Estas bactérias, provenientes do ambiente, demonstram patogenicidade, usualmente na presença de um distúrbio de integridade da pele8.
Aproximadamente 25-30% dos indivíduos saudáveis apresentam colonização ocasional por S. aureus9, especialmente em axilas, períneo, faringe, mãos e narinas. A principal defesa contra os estafilococos é a fagocitose realizada pelos neutrófilos10. Entretanto, existem condições predisponentes para a colonização da pele por baixa resistência ao agente, dentre as quais estão as dos pacientes diabéticos, que são mais propensos a uma série de complicações metabólicas e infecciosas, como as alterações cutâneas bacterianas, fúngicas e virais11. Além disso, estudos anteriores demonstraram que o diabetes pode afetar algumas características biofísicas da pele12, sendo que as complicações metabólicas e alterações patológicas que ocorrem em pacientes com diabetes mellitus influenciam a ocorrência de várias dermatoses13,14. Sendo assim, a invasão direta a partir de pequenas soluções de continuidade das mucosas, da pele e seus anexos resulta em uma variedade de infecções superficiais1.
Dessa forma, considerando-se a frequência das piodermites na população, bem como sua abrangência em crianças e adultos e sua relação com fatores como o diabetes mellitus, o presente estudo tem como objetivo descrever a frequência dos casos de infecções bacterianas primárias da pele como foliculite, erisipela, celulite, furúnculo e impetigo, além de conhecer o perfil epidemiológico dos pacientes acometidos por estas piodermites em uma população da Região Amazônica e observar possíveis associações com diabetes mellitus.
MATERIAIS E MÉTODOS
Este foi um estudo transversal, retrospectivo, observacional e descritivo, com objetivo de conhecer e descrever a frequência dos casos de infecções bacterianas primárias da pele mais comuns na Região Amazônica (foliculite, erisipela, celulite, furúnculo e impetigo), além de descrever o perfil epidemiológico dos pacientes acometidos por estas infecções e observar possíveis associações destas com diabetes mellitus.
Foi utilizada uma amostra de 63 prontuários de pacientes de ambos os gêneros, todas as idades, sem distinções quanto à etnia, grau de escolaridade, níveis de renda ou estado civil, que apresentaram diagnóstico clínico das infecções supracitadas, atendidos no Ambulatório do Serviço de Dermatologia da Universidade do Estado do Pará (UEPA), uma das referências em atendimento secundário para doenças dermatológicas na região, localizado na capital, Belém, no período de janeiro de 2009 a outubro de 2012. Foram excluídos os prontuários dos pacientes que não se encaixaram nesses requisitos. Os dados foram coletados por meio de um protocolo próprio, no qual constou: idade, gênero, residência (cidade), profissão, se o paciente tinha conhecimento de ser diabético ou não, se foi realizado exame para diabetes e o diagnóstico da infecção bacteriana.
As informações obtidas foram organizadas em um banco de dados e submetidas à estatística descritiva. Foi utilizado o software Microsoft Office Excel 2007 para a confecção das tabelas.
O trabalho foi aprovado no dia 14 de dezembro de 2012 por meio de parecer consolidado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UEPA, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde Campus II, sob o número CAAE 10705812.4.0000.5174, ano de 2012.
RESULTADOS
De acordo com a frequência das piodermites foi observado: um caso de celulite, seis de erisipela, 30 de foliculite, quatro de furúnculo (Figura 1) e 22 casos de impetigo (Figuras 2 e 3). Com relação à cidade de procedência dos pacientes, eram do Município de Belém: um caso de celulite, quatro casos de erisipela, 23 casos de foliculite, quatro de furúnculo e 14 casos de impetigo; e, procedentes do interior do Estado do Pará, houve dois casos de erisipela, sete de foliculites e oito de impetigo.
De acordo com o gênero, o único caso de celulite ocorreu no gênero feminino. Dos seis casos de erisipela, dois foram em homens e quatro em mulheres. Entre os casos de foliculite, 16 aconteceram em homens e 14 em mulheres. Em relação ao furúnculo, os quatro casos foram no gênero feminino. Entre os casos de impetigo, oito ocorreram no gênero masculino e 14 no feminino.
Dentre as faixas etárias, a mais acometida pelas piodermites foi a de 30 a 45 anos incompletos, representando 28,56% do total (Tabela 1). A média de idade das mulheres estudadas foi de 39,4 anos e a de homens, de 30,5 anos. E em relação às ocupações, dos 63 pacientes, os mais acometidos foram os estudantes (20 casos), seguidos de trabalhadores do lar (oito casos) e aposentados (sete casos).
Idade | Foliculite | Impetigo | Erisipela | Fúrunculo | Celulite | Total | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | |
<15 | - | - | 13 | 20,63 | - | - | - | - | - | - | 13 | 20,63 |
15-30 | 9 | 14,28 | 3 | 4,76 | - | - | 1 | 1,58 | - | - | 13 | 20,62 |
30-45 | 14 | 22,22 | 3 | 4,76 | - | - | 1 | 1,58 | - | - | 18 | 28,56 |
45-60 | 2 | 3,17 | 2 | 3,17 | - | - | 1 | 1,58 | 1 | 1,58 | 06 | 9,50 |
>60 | 5 | 7,93 | 1 | 1,58 | 6 | 9,52 | 1 | 1,58 | - | - | 13 | 20,61 |
Total | 30 | 47,60 | 22 | 34,90 | 6 | 9,52 | 4 | 6,32 | 1 | 1,58 | 63 | 100 |
Sinal convencional utilizado: - Dado numérico igual a zero não resultante de arredondamento.
Fonte: Ambulatório de Dermatologia da UEPA, protocolo de pesquisa.
Quanto à distribuição dos pacientes portadores de piodermites, segundo a concomitância com o diabetes, dentre os 63 pacientes pesquisados, cinco eram diabéticos e 58 não diabéticos. Sendo assim, 8% dos pacientes eram concomitantemente diabéticos e portadores de piodermites e 92% eram portadores de piodermites sem diabetes.
Ao comparar os pacientes diabéticos e não diabéticos com as piodermites específicas dentre os cinco pacientes diabéticos, dois eram portadores de erisipela, dois de foliculite e um de furúnculo. Dentre os 58 pacientes não diabéticos, a distribuição das piodermites específica foi a seguinte: um com celulite, quatro com erisipela, 28 com foliculite, três com furúnculo e 22 com impetigo.
A distribuição segundo a faixa etária ocorreu da seguinte forma: em pacientes com 15 anos incompletos houve 13 casos de impetigo; entre 15 e 30 anos incompletos ocorreram nove casos de foliculite, três de impetigo e um de furúnculo; na faixa etária dos 30 aos 45 anos não completos observou-se 14 pacientes com foliculite, três com impetigo e um com furúnculo; entre 45 e 60 anos incompletos, houve dois casos de foliculite, dois de impetigo, um de furúnculo e um de celulite; em pacientes com mais de 60 anos ocorreram cinco diagnósticos de foliculite, um de impetigo, seis de erisipela e um de furúnculo.
DISCUSSÃO
A invasão direta por cocos gram-positivos, a partir de pequenas soluções de continuidade das mucosas, da pele e seus anexos, resulta em uma variedade de infecções superficiais8.
Dentre as infecções cutâneas mais comuns têm-se: impetigo, ectima, erisipela e foliculites5, concordando com o presente estudo no qual 58% dos casos de piodermites diagnosticadas no período estudado foram impetigo, erisipela e foliculites.
Em relação ao gênero dos pacientes, verificou-se que a porcentagem de mulheres acometidas com infecções bacterianas na pele foi maior do que a população masculina. Okajima et al15 também relatou maior incidência de algumas dermatoses como erisipela16 e celulite no gênero feminino (54,3%), discordando de Bernardes17 que encontrou predominância no gênero masculino (55%).
Sobre a idade dos pacientes, se considerados todos os tipos de infecção, observou-se uma grande variação, entre 1 e 90 anos, com média de idade de 35,73 ± 23,82 anos. O coeficiente de variação da idade foi de 66,68%, representando, desta forma, uma casuística que engloba diversas faixas etárias. A faixa etária que obteve maior acometimento de infecção bacteriana foi a de 30 a 45 anos incompletos. Estes dados não conferem com os dados de Okajima et al15, em que os pacientes, após a quinta década de vida, foram os mais acometidos com dermatoses bacterianas (68%).
Quanto à distribuição de cada tipo de piodermite, de acordo com as faixas etárias, percebeu-se que entre 45 e 60 anos foi mais frequente o desenvolvimento de foliculite, enquanto nos pacientes com menos de 15 anos o maior número de casos foi de impetigo, estando de acordo com a literatura18. Uma revisão recente do Departamento de Saúde e Desenvolvimento da Criança e do Adolescente da Organização Mundial da Saúde indicou que impetigo é uma doença endêmica nesta faixa etária em muitos países tropicais e subtropicais19. No presente estudo houve maior prevalência de erisipela em idosos; assim como no de Bernardes17, que concluiu ser a faixa etária entre 60 e 70 anos a mais acometida por erisipela. Estes dados concordam também com Hadzovic-Cengic20 em que a média de idade dos pacientes com erisipela foi de 50,22 anos. Os patógenos mais comuns são Staphylococcus aureus e Streptococcus beta-hemolítico e sua presença é, em geral, de grande repercussão clínica. A erisipela é mais frequente dentre os pacientes com 50 e 70 anos de idade21, devido a várias alterações na pele que ocorrem com o avanço da idade, além de disfunções circulatórias e pelo aumento da prevalência de infecções por determinadas bactérias.
Com relação às ocupações e piodermites, a maioria dos pacientes pesquisados eram estudantes, seguidos pelos trabalhadores do lar e aposentados, não demonstrando relação direta com nenhuma ocupação específica nesta casuística, o que pode ser observado também nos dados do Ministério da Saúde que não incluem piodermites com alguma relação direta a algum ofício19.
Não houve diferença estatisticamente significativa ao se avaliar a relação entre a capital, o interior e as piodermites, o que corresponde aos dados na literatura. A procedência, neste estudo, está relacionada com a localização do local de atendimento, que se situa em Belém, e por isso, é desta cidade a maioria dos casos.
Ao relacionar o gênero com as doenças pesquisadas, não houve diferença estatisticamente significante entre homens e mulheres em nenhuma das afecções, o que concorda com Empinotti et al5. Diferentemente, a pesquisa de Okajima et al15 afirma que a erisipela e a celulite são mais incidentes no gênero masculino.
Sabe-se que o diabetes mellitus é uma síndrome metabólica crônica e de origem múltipla, sendo um fator de risco para diversas complicações, entre elas algumas doenças cutâneas22 que, em sua maioria, são de etiologia infecciosa11. A neuropatia diabética e a insuficiência vascular periférica são intercorrências comuns nos pacientes diabéticos, representando fatores de risco que predispõem, também, à instalação e desenvolvimento de lesões do tegumento. O aumento da concentração da glicose no sangue do diabético provoca alterações na função leucocitária, a qual é relacionada à diminuição na difusão de nutrientes e migração dos leucócitos pelas paredes vasculares espessadas. Esses achados tornam a pele do diabético suscetível às mais variadas formas de comprometimento, principalmente por etiologia infecciosa, complicando as afecções que, geralmente, são benignas e de curta duração23. Logo, os quadros de piodermite incidem com maior gravidade nesses indivíduos11. No presente estudo, cinco dos 63 pacientes que apresentaram piodermites são diabéticos, o equivalente a 8% da amostra. Foss et al14, em uma casuística de 403 pacientes, relataram que 5% das lesões cutâneas que acometeram os diabéticos eram as piodermites; além disso, nesta pesquisa, foi observado aumento no número de lesões cutâneas de etiologia infeciosa, tanto bacterianas como fúngicas, entre os diabéticos tipo 1 e 2 em controle metabólico inadequado. Tais dados sugerem que o descontrole metabólico do diabético proporciona maior suscetibilidade a infecções cutâneas.
CONCLUSÃO
A presente pesquisa evidenciou que as infecções bacterianas cutâneas mais prevalentes, na região do estudo, foram impetigo, erisipela e foliculite, tanto em pacientes diabéticos como não diabéticos. O gênero feminino foi o mais acometido, no entanto, sem diferença estatística entre os gêneros. A faixa etária predominante foi a de 30 a 45 anos incompletos. Conclui-se ainda que um número expressivo de pacientes com as infecções bacterianas pesquisadas era de diabéticos, chamando a atenção para a necessidade de intensificar medidas preventivas contra estas infecções, principalmente neste grupo de risco.