INTRODUÇÃO
Micose fungoide (MF) é o linfoma cutâneo primário mais comum1, caracterizada pelo epidermotropismo de linfócitos T monoclonais. A Organização Mundial de Saúde classifica a MF em forma clássica, que também é referida como Alibert-Bazin, e três variantes, conhecidamente: foliculotrópica, reticulose pagetoide e cútis laxa granulomatosa2,3. Outros subtipos têm sido descritos na literatura com suas peculiaridades clínicas, epidemiológicas e histopatológicas: hipopigmentar/ hiperpigmentar; eritrodérmica; poiquilodérmica; bolhosa; entre outras.
Um dos subtipos menos comuns de MF é a forma hipocromiante4, que é caracterizada pela presença de lesão hipocrômica isolada ou pela coexistência de múltiplas lesões hipocrômicas e eritematosas, às vezes associadas a lesões em placa e tumores1.
Durante a gravidez ocorrem mudanças imunológicas, metabólicas, endócrinas e vasculares significativas, que aumentam desde a suscetibilidade da pele a alterações fisiológicas e patológicas. Tumores cutâneos, no geral, podem ser diagnosticados ou agravados durante a gravidez5. Informações a respeito de MF em grávidas são extremamente raras, com poucos casos relatados6,7,8. Não se encontrou na literatura, até o momento, qualquer caso descrito com o subtipo hipocromiante em gestante.
Neste estudo, foi descrito um caso de MF hipocromiante em grávida.
RELATO DO CASO
Paciente do sexo feminino, 39 anos de idade, fototipo II, gestante de 22 semanas, procurou atendimento médico especializado no ambulatório de dermatologia da Universidade do Estado do Pará, em Belém, Estado do Pará, Brasil, referindo o surgimento de pequenas manchas brancas na região glútea do lado esquerdo, há três anos; sendo que essas aumentaram muito de tamanho nos últimos dois meses, mudando inclusive seu aspecto em algumas áreas, e se estenderam para o lado direito. O aumento foi muito significativo e fez a paciente procurar atendimento médico. Negava qualquer sintoma associado. Ao exame dermatológico apresentava: máculas hipocrômicas de limites imprecisos e contornos irregulares de variados tamanhos, a maior de aproximadamente 20 x 15 cm na região glútea e pernas (Figura 1); placa eritematosa infiltrada de 10x5 cm na nádega esquerda (Figura 2). O micológico direto foi negativo. Foram realizadas duas biópsias, uma na mácula hipocrômica e outro na placa infiltrada, cujos resultados histopatológicos mostraram epiderme exibindo hiperplasia psoriasiforme e abundantes linfócitos dispostos isoladamente e em agregados do tipo Pautrier (Figura 3). Referidos linfócitos epidermotrópicos apresentaram variação de forma e tamanho dos núcleos, aspectos cerebriformes e/ou halos claros perinucleares. Na derme superior, observou-se fibroplasia, infiltrado linfocitário em faixa contínua e alguns melanófagos. A imunohistoquímica realizada mostrou marcação negativa para CD20 (linfócitos B), positiva para CD45RO e CD3 (linfócitos T), positiva para CD4 e CD8, que mostrou reatividade para linfócitos T e predominância de células T CD4, inclusive nos linfócitos intraepidérmicos, característico da MF (Figura 4). A paciente não apresentava linfonodos palpáveis e nem alteração na hematoscopia. Durante a gravidez, foi iniciado tratamento com corticoide de alta potência, porém com pouca melhora das lesões hipocrômicas e melhora significativa da lesão infiltrada. Não apresentou intercorrências durante a gravidez e o bebê nasceu de parto normal. A paciente foi encaminhada ao centro de referência oncológica para devido tratamento e acompanhamento.
DISCUSSÃO
A incidência de MF hipocromiante não está bem determinada9. Sabe-se que esta forma clínica de MF é mais frequentemente observada em crianças e adolescentes9 e em pacientes com fototipo IV-VI10. Entretanto, este subtipo também pode ser observado em pacientes de pele clara10, que é o caso desta paciente.
A imunohistoquímica mostra uma predominância de linfócitos T monoclonais CD8-positivo infiltrando a epiderme, diferindo da MF clássica, a qual mostra marcação para células T CD4 + 11. Entretanto, alguns estudos demonstraram que lesões de MF hipocromiante podem apresentar achados típicos da MF clássica, com um predomínio de linfócitos T CD4 no infiltrado12. A imunohistoquímica desta paciente mostrou epidermotropismo de linfócitos T CD4 positivos. Ardigó et al13 sugere que a imunomarcação para linfócitos T CD8+ é mais comum em pacientes com fototipo alto e em crianças, enquanto que a marcação para linfócitos T CD4+ é mais frequentemente observada em pacientes de pele clara.
Sabe-se que o diagnóstico de MF hipocromiante é realizado pela correlação clínico-patológica com a imunohistoquímica. A análise ultraestrutural feita for meio da microscopia eletrônica e técnicas moleculares pode ser utilizada, porém pode não estar disponível na prática clínica12.
As lesões hipocromiantes manifestam-se isoladamente ou podem vir associadas a lesões eritematosas, placas e tumor13. Além das lesões hipocromiantes, a paciente apresentava também lesões em placas infiltradas.
O prognóstico da MF hipocromiante é bom12,14. Estudos demonstraram que a gravidez não altera o prognóstico da MF, bem como a doença não afeta a gravidez, nem oferece riscos ao bebê8. Neste relato, apesar das lesões terem aumentado de tamanho no início da gestação, não houve problemas com a gravidez e nem com o bebê.
A principal questão da MF em grávidas consiste no tratamento da doença, já que as principais opções de tratamento são contraindicadas durante a gravidez ou seu uso é desconhecido pela falta de estudos adequados8,14. Desta forma, optou-se pelo uso de corticoide tópico nesta paciente, visto que não há riscos teratogênicos15. Além disso, a paciente foi encaminhada para um centro de referência oncológica para continuação do tratamento.
Amitay-Layish et al8 avaliaram sete mulheres com diagnóstico de MF antes, durante e após a gravidez, todas em um estágio inicial da doença. Das pacientes, seis apresentavam a manifestação em placa clássica da doença e uma o subtipo folicutotrópico. Nenhuma das pacientes diagnosticadas com MF apresentava lesões hipocrômicas, bem como em outros casos relatados na literatura6,7,16.
CONCLUSÃO
O relato descrito traz a doença MF para mais uma opção de diagnóstico diferencial em pacientes que manifestem clinicamente máculas hipocrômicas, inclusive nas doenças que aparecem ou pioram durante a gravidez, sobretudo em uma região tropical, onde doenças endêmicas como hanseníase e pitiríase versicolor podem se manifestar de maneira semelhante.