Há 60 anos, o mundo começou a lutar com uma nova arma na tentativa de eliminar a poliomielite do mundo. Mais precisamente em 12 de abril de 1955, sob a coordenação do epidemiologista Thomas Francis Jr., foi concluído o maior ensaio clínico para vacinas na história e a vacina inativada (IPV) foi declarada segura, efetiva e potente.
A poliomielite tem afligido a humanidade desde a antiguidade, entretanto, apenas no início do século XX, o agente etiológico foi descoberto, o poliovírus. Esse patógeno pertence ao gênero Enterovirus (família Picornaviridae), é transmitido principalmente pela via fecal-oral, mas em regiões com boas condições de saneamento e higiene pode ser transmitido pela via oral-oral. A poliomielite é altamente contagiosa e o poliovírus é capaz de infectar 100% dos indivíduos suscetíveis. Embora 95% das infecções se apresentem de forma assintomática, os outros 5% restantes podem implicar o comprometimento do sistema nervoso central e, em alguns casos, desencadear a destruição dos neurônios motores, levando à paralisia. Essa paralisia pode variar de uma deficiência nos membros inferiores a uma insuficiência respiratória por meio da paralisia dos músculos respiratórios, que pode resultar em morte1.
Entre os anos de 1940 e 1950, enquanto a população estava implorando por uma vacina e doando dinheiro (March of Dimes Foundation, EUA) para financiar as pesquisas, pesquisadores se dividiram em duas frentes: vírus inativado e vírus atenuado. Jonas Salk pertencia à escola de vírus inativado e defendeu o desenvolvimento de uma vacina partindo do vírus completamente inativado ou morto. Ele acreditava que o corpo poderia adquirir imunidade sem desenvolver a infecção, por meio da inoculação do vírus morto, cuja presença no sangue iria estimular a imunidade através da produção de anticorpos2.
Jonas Salk iniciou sua carreira como pesquisador na Universidade de Michigan em 1941, trabalhando no desenvolvimento da primeira vacina para influenza com seu mentor, Thomas Francis Jr. Em 1947, Salk se mudou para a Universidade de Pittsburgh, onde se tornou pesquisador associado em bacteriologia e diretor do Laboratório de Pesquisa Viral na Escola de Medicina na Universidade de Pittsburgh, iniciando assim suas pesquisas com a poliomielite, também conhecida como paralisia infantil3.
Em 1949, com a descoberta de John Enders, Thomas Weller e Frederick Robbins de que o poliovírus podia ser propagado in vitro em tecido não-neural de embrião humano, Salk viu a oportunidade de produzir grandes quantidades de vírus e iniciar os testes de inativação4.
Durante os primeiros testes de segurança da IPV, entre maio de 1953 e março de 1954, Salk administrou a vacina, ainda experimental, em mais de 5.300 indivíduos (participantes), incluindo ele mesmo, sua esposa e seus três filhos. Após esses testes iniciais em menor escala nos EUA, o maior estudo clínico já realizado teve início com mais de 1.8 milhões de participantes em 44 estados2.
Antes do licenciamento da IPV em 1955, a poliomielite foi uma das principais doenças incapacitantes de caráter permanente em todo o mundo. Apenas nos EUA, mais de 20.000 casos de poliomielite paralítica foram notificados anualmente durante a década de 1950. Após o licenciamento da vacina inativada entre os anos de 1955 a 1961, mais de 300 milhões de doses da vacina foram administradas, levando a uma redução de 90% na incidência da poliomielite5,6.
No Brasil, os primeiros casos de poliomielite foram relatados no início do século XX, mas sua importância na saúde pública foi reconhecida apenas quando surtos começaram a se espalhar nas áreas urbanas em meados de 1930. A vacina inativada (Salk) começou a ser utilizada em 1955, muito discretamente, por alguns médicos pediatras e em vacinações de amplitude reduzida, promovidas pelas secretarias municipais e estaduais de saúde, principalmente nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo7.
Por ser mais barata e favorecer a imunidade secundária, a vacina oral (OPV) foi amplamente utilizada desde o início dos anos 1960; entretanto, as consequências da vacinação não puderam ser claramente demonstradas, já que a poliomielite não era uma doença de notificação compulsória até 19688.
Em 1974, após quase 20 anos do licenciamento da primeira vacina desenvolvida, a Organização Mundial da Saúde lançou o Programa Ampliado de Imunização (PAI) com o objetivo de disponibilizar vacinas às crianças em todo o mundo. Em 1985, 11 anos após o lançamento do PAI, a Organização Pan-Americana da Saúde adotou a meta para a interrupção da transmissão do poliovírus selvagem nas Américas até o final de 19909.
Estudos realizados nas Américas mostraram algumas limitações na estratégia de vacinação de rotina contra a poliomielite em países tropicais em desenvolvimento. Uma estratégia mais agressiva foi desenvolvida pela primeira vez nas Américas em 1985 e, após observações, a imunização de rotina, suplementada com a vacinação em massa, foi ampliada a nível mundial em 1988. A implantação dos Dias Nacionais de Vacinação (vacinação em massa) demonstrou ser uma estratégia viável e eficaz no controle da poliomielite no Brasil, onde os serviços de vacinação de rotina não alcançavam todas as crianças menores de 5 anos de idade8,9.
Em 1988, a Iniciativa Global para Erradicação da Pólio (Global Polio Eradication Initiative) foi lançada na Assembleia Mundial de Saúde (World Health Assembly), e subsequentemente a incidência global da poliomielite foi reduzida em mais de 99%, com o número de países endêmicos para a doença diminuindo de 125, em 1988, para dois países atualmente. Mais de 10 milhões de casos de poliomielite paralítica têm sido prevenidos. Dados atualizados até 22 de setembro de 2015 demonstram que Nigéria, Paquistão e Afeganistão permanecem endêmicos para poliomielite, com apenas 41 casos de poliovírus selvagem tipo 1 reportados até essa data no Paquistão (32 casos) e Afeganistão (nove casos). Casos de c-VDPV1 foram reportados em Madagascar (nove casos), Ucrânia (dois casos), Laos (um caso), além de c-VDPV2 na Nigéria (um caso) e Guiné (um caso)10.
No Brasil foram notificados quase 3.600 casos de poliomielite em 1975 e 1.290 em 1980, quando se iniciaram as campanhas nacionais de vacinação. Em 1981 foram apenas 122 casos notificados. Entretanto, em 1984, houve o recrudescimento de casos no Nordeste, quando se registrou baixa cobertura vacinal e problemas na conservação de vacinas11. Em 1989, foram registrados os últimos casos de poliomielite no País, mantendo-se com incidência zero desde aquele ano. A Região das Américas teve o seu último caso da doença em 1991 e em 1994 foi certificada como área livre de circulação do poliovírus selvagem9,12.
Em agosto de 2012, o Ministério da Saúde adotou a IPV como parte do esquema sequencial de vacinação contra a poliomielite para todas as crianças que iniciavam a sua série de vacinação primária. O esquema sequencial adotado inclui duas doses de IPV aos 2 e 4 meses de idade, seguido por duas doses da OPV aos 6 e 15 meses de idade12.
Até o momento, 95 países já utilizam a IPV na rotina de vacinação e outros 72 se comprometeram formalmente a iniciar a sua utilização até o final deste ano. Se o processo da erradicação da poliomielite avançar como o planejado, a vacinação contra a doença poderá ser interrompida a partir de 202413, com a certeza de que o poliovírus foi erradicado, quase 70 anos após o desenvolvimento da vacina inativada.